Revista Morashá - ed. 116

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116ediçãoXXIXANO-SETEMBRO2022 ANO xxix edição 116 SET 2022

XXIX - Setembro 2022 - Nº 116

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EM 1866

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ANO

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NEUE PROJETADASYNAGOGE,EM1859 POR EDUARD KNOBLAUCH E INAUGURADA

Por meio do toque do Shofar – mandamento fundamental de Rosh Hashaná – o Povo Judeu clama a D’us do fundo de sua alma. Há muitas razões para o fazermos nos dois primeiros dias do ano que podem definir o nosso destino e o de todo o mundo. Uma delas é que foi em Rosh Hashaná que D’us criou o primeiro homem. Está escrito na Torá que D’us criou o Universo com palavras – Ele falou, e tudo veio a ser –, mas o ser humano Ele formou ao soprar Sua essência dentro dele. Esse sopro Divino é nossa alma. Em Rosh Hashaná, aniversário da humanidade, agradecemos o Sopro Divino ao tocar o Shofar com toda a nossa essência.

Certa vez, durante as orações de Rosh Hashaná, na sinagoga, o Baal Shem Tov parecia preocupado, algo totalmente inusitado para esse grande místico judeu. Sentado a um canto estava um menino que não sabia ler e era incapaz de recitar as orações, mas que desejava fortemente se conectar com D’us. Ele então começou a assobiar com todo o coração. Os congregados se voltaram para o menino para pedir que parasse de assobiar, mas o Baal Shem Tov lhes disse para deixá-lo em paz. As pessoas perceberam que repentinamente a ansiedade desapareceu do rosto do Baal Shem Tov, e ele explicou por que estava radiante: “Hoje é Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento. Enquanto orávamos, vi que havia um terrível Decreto Celestial contra nós. Nossas orações não estavam conseguindo anular o decreto; mas quando o menino assobiou do fundo do coração, D’us rescindiu o decreto negativo e fomos todos salvos.”

Carta ao leitor

sons reverberaram no Monte Sinai quando D’us se revelou ao Povo Judeu para nos dar a Torá. Ademais, o Shofar é o chifre de um carneiro – o animal que foi sacrificado por nosso primeiro Patriarca, Avraham, no lugar de seu filho Yitzhak. Esses sons evocam, portanto, o mérito de Akedat Yitzhak – o sacrifício de Yitzhak – que aconteceu em Rosh Hashaná. Como a Torá nos ensina, os sons do Shofar constituem uma maneira de D’us Se lembrar favoravelmente de nosso povo, o Povo de Israel. Isso é particularmente importante nesses dias sagrados, os dias em que a Corte Celestial decide o destino de todas as criaturas.

Há outras razões pelas quais tocamos o Shofar em Rosh Hashaná. Esse toque é um símbolo do vínculo eterno entre D’us e o Povo de Israel, uma vez que seus

O Judaísmo ensina que a oração é extremamente poderosa. Um dos temas centrais de Rosh Hashaná é que Tefilá (a oração), Teshuvá (o arrependimento) e Tzedaká (atos de generosidade) podem anular decretos negativos. Mas, às vezes, precisamos mais do que proferir palavras sagradas com nossos lábios: precisamos clamar a D’us do fundo do coração.

Que os toques do Shofar neste Rosh Hashaná façam com que o Rei do Universo Se levante do Trono da Justiça e Se sente no Trono da Misericórdia, para decretar um ano bom e doce para todos nós, para todo o Povo de Israel e para toda a humanidade.

Shaná Tová Umetuká!

Mas o Shofar é tocado não apenas para relembrar os eventos mais significativos da história de nosso povo e evocar uma lembrança Celestial favorável. Há ideias, emoções e desejos que estão além das palavras. Só podemos expressá-los com sons – com um clamor dos recessos mais íntimos de nosso coração. “Feliz é a nação que conhece o clamor do Shofar” (Salmo 89:16), escreveu o Rei David.

Tocamos o Shofar em Rosh Hashaná clamando para que D’us em breve toque o grande Shofar e que o sonho supremo da Humanidade, a Era Messiânica, se realize: que todos os judeus retornem à Terra de Israel, que a paz finalmente chegue ao mundo e que todas as formas de sofrimento deixem de existir.

0621 06 48 48 60 60 66 66 ÍNDICE 4 03 carta ao leitor 06 NOSSAS GRANDES FESTAS Shabat Shuvá - O Shabat da Teshuvá 11 Algumas leis relacionadas a Yom Kipur 13 Sucot: as Quatro Espécies e a bênção sobre o Lulav 21 Destaque A vitória de Israel contra isolamento diplomático POR jaime spitzcovsky 24 comunidades Os resilientes judeus de Odessa POR ZEVI GHIVELDER 33 shoá A difícil jornada das pessoas deslocadas pelo Holocausto por mendy tal 38 israel Ein Hod, o vilarejo de Israel onde a arte invade as ruas 21 42 42

REVISTA MORASHÁ i 116 setembro 20225 42 capa Neue Synagoge, verdadeira maravilha arquitetônica 48 sabedoria Providência Divina e livre-arbítrio por Rabino Gabriel Aboutboul 54 brasil O bicentenário da Independência do Brasil por paulo valadares 24 24 13 13 60 Atualidade Corrida contra o tempo – a caçada aos nazistas vivos 66 personalidade Seinfeld, um sucesso estrondoso 73 livro Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil 75 cartas

1 Haftará é a parte sobre os Profetas lida no Shabat, ao término da leitura da porção semanal da Torá. A Haftará também é lida após a leitura da Torá nos Dias Sagrados e de jejum do Judaísmo.

O Shabat da semana entre Rosh Hashaná e Yom Kipur é conhecido como Shabat Shuvá, o Shabat do Retorno, devido à porção lida durante a Haftará1, um trecho do livro de Hoshea, que se inicia com as palavras “Shuvá Israel”, “Retorna, ó Israel”. Esse Shabat também é chamado de Shabat Teshuvá pelo fato de cair durante o período dos Dez Dias de Teshuvá – Asseret Yemei Teshuvá – que se inicia em Rosh Hashaná e termina no final do Yom Kipur.

“fonte de bênçãos”, o que significa que o Shabat não é o epílogo dos Seis Dias da Criação, mas seu prólogo.

e as palavras Shuvá e Teshuvá têm som muito semelhante, é porque ambas compartilham uma raiz comum. A palavra Teshuvá tem várias definições e traduções, tais como arrependimento e contrição, mas seu significado real é “retorno” – Shuvá

6 NOSSAS GRANDES FESTAS

A palavra Shabat também incorpora um elemento de retorno. Essa palavra hebraica deriva de Shevitá, que significa a interrupção de uma ação, mas também está relacionada ao verbete Shiva – retorno. O Shabat é um retorno a um ponto antes que o mundo viesse a existir. É a conclusão de tudo o que existe – o sétimo e último dia da semana – mas é, também, um retorno ao estado anterior à Criação – o estado de não-existência – ao dia anterior ao primeiro dia. Encontramos o conceito de que o Shabat precede o mundo no lindo poema Lechá Dodi, do Rabi Shlomo Alkabetz, que todas as comunidades judaicas cantam para receber o Shabat, nas noites de sexta-feira. O Lechá Dodi descreve o Shabat como a

S

Shabat Shuvá - O Shabat da Teshuvá

As palavras Shabat e Teshuvá são conectadas, semanticamente. Ambas expressam um sentimento de retorno – Shuvá. No entanto, há um problema com a combinação do Shabat com a Teshuvá, que é o tema do Shabat Shuvá. A maior parte das pessoas entende e define Teshuvá como uma mudança interior que acarreta introspecção – centrada no aspecto negativo da conduta passada da pessoa. Quem está plenamente satisfeito com suas ações e comportamento passados não tem nada a lamentar. Em contraposição, o desejo de fazer Teshuvá advém do repúdio do passado e da necessidade interior e genuína de melhorar. A Teshuvá contém um aspecto de esperança – apagando o negativo e iniciando uma vida nova. Mas indica, também, uma certa medida de rejeição a esse passado. A opção por um caminho diferente – a virada de uma nova página – pode ser dramática e dolorosa. Quando o profeta, falando em Nome de D’us, diz: “Rasguem seus corações, não apenas suas roupas” (Joel 2:13), ele está indicando que a Teshuvá não pode ser apenas externa e superficial – ela tem que penetrar nosso coração e envolver o mais íntimo de nossa essência.

Encontramos esse aspecto da Teshuvá em nossas preces diárias, particularmente na Amidá – que dedica uma de suas bênçãos a esse tema – e, imediatamente após, no Vidui (Tachanun) – onde admitimos nossas transgressões e pecados e rogamos a D’us por Seu perdão.

Um nível mais alto de Teshuvá

O descanso no Shabat não envolve apenas a interrupção do trabalho físico, mas também o alcance da calma e tranquilidade interiores.

Raiva, tristeza, ansiedade e remorso violam o espírito do Shabat. Por esta razão, as orações desse dia sagrado excluem temas como pecado e Dearrependimento.formaaparente, o Shabat e a Teshuvá não podem coexistir – o que nos leva à questão do nome Shabat Shuvá: como então esta combinação de palavras pode existir num nome? Como pode haver um Shabat Teshuvá, especialmente durante os dias mais sagrados do calendário judaico?

O misticismo judaico nos ensina que são dois os níveis de Teshuvá – o inferior e o superior. O inferior significa lamentar pelos pecados e transgressões, redimir-se por eles e a eles renunciar, permanentemente.

REVISTA MORASHÁ i 116 7 setembro 2022

Teu sagrado Shabat, como uma herança”. O profeta Isaías chamou o sétimo dia de “deleite” (Isaías 58:13).

GRANDE SINAGOGA DE BUDAPESTE, NA RUA DOHÁNY, CONSTRUÍDA ENTRE 1854-1859. É A MAIOR SINAGOGA DA EUROPA E UMA DAS MAIORES DO MUNDO

Mas esse aspecto da Teshuvá –arrependimento e confissão de transgressões – faz um contraste com o Shabat. Na verdade, nunca recitamos o Vidui no Shabat. A Amidá do Dia Santificado não inclui as bênçãos recitadas nos seis dias da semana referentes ao pecado e à Teshuvá. Sentimentos negativos, como o luto, a tristeza e o remorso, ainda que pelos motivos justos, são uma contradição do Shabat – dia de júbilo, prazer, bem como descanso, físico e espiritual. Dizemos, ao recitar as orações desse dia: “Em amor e favorecimento, Tu nos deste

RIMONIM, ENFEITES DA TORÁ. SINAGOGA CADDEBOSTAN, ISTAMBUL, TURQUIA

Isso significa que mesmo os Tzadikim precisam constantemente evoluir. E como D’us espera coisas extraordinárias de pessoas extraordinárias, o Tzadik deve perseguir, ininterruptamente, o nível mais elevado de Teshuvá. Grandes rabinos e eruditos em Torá se empenham, dia após dia, em chegar mais próximos a D’us. Como ensinava o Rabi Shneur Zalman de Liadi, o Ba’al HaTanya: “Deves te lembrar de D’us, Abençoado é Seu Nome, sempre, como está escrito: ‘Coloquei o Eterno diante de mim, sempre’ (Salmos 16:8). O Baal Shem Tov ensinou: ‘Se O esqueceres ainda que por um momento sequer, considera-o um pecado, e isso fará com que nunca O esqueças. Feliz é esse homem’ ” (Kitvei Kodesh, pg. 24). Rabi YaacovYitzhak Horowitz, o Vidente de Lublin (Morashá, Edição 74Dezembro de 2011), pairava em nível tão elevado ao ponto de nunca se esquecer de D’us - ainda que fosse pelo mais ínfimo momento. Certa vez, disse: “Se um homem se esquece de D’us por um único segundo dos 3.600 segundos de uma hora, seria melhor ele passar a ser um corpo sem alma...”.

Esse nível mais elevado de Teshuvá não está vinculado ao pecado, ocorrendo mesmo que não haja nenhuma transgressão. Implica no ser humano ter que retornar (Shuvá) a D’us. Por meio desse nível superior de Teshuvá, a pessoa chega mais perto e aumenta ainda mais sua íntima conexão com D’us. Ela segue por um caminho em direção ao Infinito – um caminho sem fim onde anda para sempre, em um estado de retorno a D’us ao longo de sua vida. Encontramos essa ideia em uma passagem do Zohar, a obra clássica

Podemos comparar essa forma de Teshuvá a remédios amargos – que são desagradáveis, mas necessários,

da Cabalá, que escreve que o Mashiach irá “liderar os Tzadikim ao caminho da Teshuvá”. Tal declaração provoca uma pergunta óbvia: por que razão os Tzadikim teriam que fazer Teshuvá, se o Tzadik é aquele que está intimamente conectado com D’us? A resposta: como D’us é Infinito, o caminho para estar mais próximo d’Ele nunca tem fim.

Essa forma de Teshuvá se aplica a toda a humanidade, como aprendemos em Yom Kipur – dia do perdão pelos pecados. A Haftará lida nos serviços de Minchá de Yom Kipur é o Livro de Jonas (Sefer Yoná), onde está relatada a forma como D’us enviou o profeta para alertar o povo de Nínive, capital da Assíria, para que se salvassem da destruição por meio da prática da Teshuvá – isto é, através do arrependimento por seus pecados e da reparação por eles.

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O propósito do nível mais baixo de Teshuvá é a correção de pecados e transgressões. Não é necessário ser religioso, basta ser apenas um pouco esclarecido para perceber que más ações acabam tendo consequências negativas. O Talmud nos ensina que sábio é aquele que pode prever o resultado de seus atos.

O nível mais elevado de Teshuvá não define o pecado como comumente o definimos – como uma transgressão contra a Vontade de D’us –, e sim, como uma falha – um hiato – entre o

já que nos trazem a cura. Mas como evoca um quê de tristeza – de remorso e talvez até de vergonha – o nível mais baixo de Teshuvá é incompatível com o Shabat – o sagrado dia de júbilo. O Shabat Shuvá – sem dúvida o Shabat mais importante do ano – consegue unir o Shabat com a Teshuvá pelo fato de nos forçar a alçar a um nível mais elevado de Teshuvá

RICOS RIMONIM EM PRATA ENFEITAM OS ROLOS DA TORÁ NO SANTUÁRIO PRINCIPAL DA SINAGOGA DE WEST LONDON, LONDRES

REVISTA MORASHÁ i 116 9 setembro 2022

SEDE DO MOVIMENTO LUBAVITCH, BROOKLYN, Nova York

Os dois níveis de Teshuvá –tanto o inferior como o superior – são necessários, mas, no Shabat e especialmente no Shabat Shuvá, é preciso que nos dediquemos a uma forma mais elevada de Teshuvá, que nada tem a ver com as transgressões. Mas que tem tudo a ver com o retorno a D’us.

D’us não deseja que O louvemos levados pela melancolia. O profeta Malachi – cujas palavras constituem o último livro dos Profetas – adverte o Povo de Israel a não cultuar D’us levados pela tristeza e melancolia: “Vagamos levados pela melancolia por causa do Senhor dos Exércitos” (Malachi 3:14). O Santo, Abençoado é Ele, é um D’us vivo, a Origem da Vida, e um Rei que Se rejubila com a vida. E isso é especialmente válido acerca do Shabat, especialmente do Shabat Shuvá. Os Dez Dias de Teshuvá, Dez Dias de Retorno, devem ser um momento quando retornamos a D’us com vitalidade e júbilo.

A pergunta é: Subi, hoje, mais alto do que ontem? Hoje está sendo um dia melhor do que ontem?

E se a resposta for “não”, estamos descendo. E para não cair, temos que realizar ações maiores e mais ousadas. Aquele que cumpre os mandamentos da Torá, mas não se

ficar estacionários, principalmente em questões relacionadas a D’us e Sua Torá. Como um grande Mestre Chassídico, o Rabi Aharon de Karlin, ensinava: ou estamos subindo ou estamos descendo. O sucesso não é medido vendo-se se caímos ou não caímos, sobre que transgressões cometemos ou que mitzvot cumprimos.

Em nosso relacionamento com D’us devemos sempre progredir e aspirar a muito mais. Não devemos, nunca, descansar sobre os louros, satisfeitos com o que já alcançamos. Somente em questões materiais é próprio ser grato pelo que temos, ainda que não seja muito. Já espiritualmente, não há fim para o que podemos almejar. Ensinam nossos Sábios que todo judeu deve perguntar a si próprio: “Quando meus feitos alcançarão os dos Patriarcas - Avraham, Itzhak e Yaacov?”. E a resposta é que ninguém, nem o maior dos

A Torá diz, imperativa, que temos que servir a D’us com alegria. Uma das porções da Torá, Ki Tavô, que lemos algumas semanas antes de Rosh Hashaná, diz: “E virão sobre ti todas estas maldições ... (porque) não serviste ao Eterno, teu D’us, com júbilo e bondade de coração” (Deuteronômio 28:45-47).

homem e D’us. Para alguém que acaba de começar a estudar o Judaísmo, um nível mais elevado de Teshuvá pode ser colocar Tefilin diariamente. Mas para o verdadeiro Tzadik, significa nunca se esquecer de D’us –nem por um segundo sequer. O nível mais elevado da Teshuvá não significa se afastar das transgressões, mas se aproximar de D’us.

Tzadikim, jamais chegará perto do que foram nossos Patriarcas, cuja proximidade a D’us era sem paralelo a tudo o que se conhece. Mas devemos, sim, nos fazer a pergunta acima, pois ao menos devemos aspirar a chegar a isso, empenhando-nos e sonhando com isso, percorrendo esse caminho, ainda que seja

Nãoinatingível.devemos

à maioria dos demais profetas do Tanach, cujas reprimendas se referem ao nível mais inferior de Teshuvá – pecados e punições – a Haftará lida no Shabat Shuvá não evoca temas negativos. Pelo contrário, estimula o Povo Judeu a buscar a Teshuvá por amor, cuja essência é o retorno a D’us – aproximando-se d’Ele. Essa Haftará reflete a essência do Shabat Shuvá – um chamado para o despertar espiritual e a constante e infindável jornada a D’us.

Como vimos acima, o Shabat Shuvá recebe esse nome da Haftará que lemos nesse Shabat, e que se inicia com as palavras “Retorna, ó Israel” (Hoshea, 14:2) – palavras que contêm a mensagem essencial desse Shabat e dos Dez Dias de Teshuvá: o chamado para retornar a D’us.

palavras Divinas de conforto, ditas com grande delicadeza, de modo a inspirar o povo de forma mais elevada. O profeta conta ao Povo Judeu como é bom buscar abrigo sob as asas da Divina Presença. E lhes conta do enorme amor com que D’us brinda Seu Povo e todos aqueles que O Contrariamenteamam.

A essência do Shabat Shuvá - o Shabat que se interpõe ao julgamento de Rosh Hashaná e o perdão de Yom Kipur - é o apelo para que todo ser humano se aproxime cada vez mais do Infinito, ficando cada vez mais intimamente conectado com o Santo, Bendito é Ele.

SINAGOGA HURVA. JERUSALÉM, ISRAEL

Hechal (Aron Hakodesh), ARMÁRIO SAGRADO, EM MADEIRA E MARFIM. SINAGOGA BEN EZRA, CAIRO

conclamou o Povo de Israel a se engajar no nível mais baixo de Teshuvá

Contrariamente, a mensagem do profeta Hoshea lida na Haftará do Shabat Shuvá contém pouquíssimas palavras de censura, pedidos ou súplicas pela revogação dos castigos. Sua essência é uma conclamação por um nível mais elevado de Teshuvá. Suas palavras são de conciliação, aceitação e reafirmação para aqueles que estão à procura de D’us. O verdadeiro profeta transmite as palavras que D’us lhe ordena dizer. O profeta Hoshea transmite

A maioria de nossos profetas enfatizam a Teshuvá, pois esse era seu propósito principal – inspirar o Povo Judeu a abandonar o pecado e optar pelo caminho do bem. No entanto, a maior parte de suas profecias são repletas de censuras duras sobre as transgressões e as punições que os indivíduos e o povo todo sofreriam caso não abandonassem o caminho do mal. A maioria dos profetas

10 sente inclinado a seguir adiante, não consegue se elevar. De fato, não é alguém que está retornando a D’us, mas alguém que é simplesmente um judeu que cumpre as obrigações, mas que continuará estacionário.

A verdadeira Teshuvá – do tipo mais elevado – não depende de onde a pessoa está, mas da direção em que está indo.

A Haftará do Shabat Shuvá

SETEMBRO 2022

ostuma-se fazer a cerimônia das caparot na manhã do dia 9 de Tishrei - este ano de 2022, no dia 04 de outubro. É possível cumprir esse costume com dinheiro, doando-o para tzedacá, ou por meio do abate de um galo, para um homem, e de uma galinha, para uma mulher, por um shochet qualificado.

Se a mulher quiser locomover-se de automóvel ou usar o elevador antes do início de Yom Kipur, deverá, antes de acender as velas, fazer uma ressalva dizendo que não está recebendo Yom Kipur com o ato de acendimento das velas. É, porém, necessário antecipar o recebimento de Yom Kipur para antes do pôr doÉsol.costume os pais abençoarem os filhos, pedindo que estes sejam selados no Livro da Vida e que, em seus corações, permaneça sempre o amor a D’us. Recomenda-se ir à sinagoga antes do pôr do sol, para poder participar do Kol Nidrei, a “anulação dos votos”.

É proibido jejuar no dia que precede Yom Kipur. Na véspera de Yom Kipur é uma mitzvá fazer uma refeição adicional. A refeição que antecede o jejum deve ter pão e ser concluída 20 minutos antes do pôr do sol. Bebidas alcoólicas são Asproibidas.mulheres devem acender as velas antes de ir à sinagoga, dizendo a bênção das velas de Yom Kipur.

este ano, Yom Kipur se inicia na terça-feira, 04 de outubro, e termina na noite de quarta-feira, 05 de outubro.

11 NOSSAS GRANDES FESTAS

C

Algumas leis relacionadas a Yom Kipur

Salvador: Início às 17:10 n Término às 18:02

Curitiba: Início às 17:57 n Término às 18:52

Restrições durante Yom Kipur

Ao término de Yom Kipur, a Havdalá deve ser feita, mas sem a bênção dos aromas (bessamim).

Belém: Início às 17:46 n Término às 18:37

As crianças de 9 a 10 anos podem jejuar algumas horas, e, a partir dos 11 anos, conforme avaliação dos pais, podem jejuar o dia todo. Mas o jejum torna-se obrigatório aos 12 anos, para meninas, e aos 13, para meninos.

O uso de sapato, sandálias ou tênis de couro é proibido tanto para homens como para mulheres. As crianças também devem ser orientadas neste sentido.

Rio de Janeiro: Início às 17:29 n Término às 18:26

Início às 18:07 n Término às 19:04

Yom Kipur é o Shabat dos Shabatot e, portanto, todo trabalho deve cessar e todas as leis do Shabat devem ser respeitadas. Além de observar essas leis, em Yom Kipur outras cinco restrições são acrescidas: 1. não comer e não beber; 2. não se lavar; 3. não utilizar óleos, cremes, perfumes etc; 4. não usar calçados de couro; 5. não ter relações conjugais.

Seguem-se os horários do início e término do jejum de Yom Kipur, em algumas cidades brasileiras. Nas demais, sugerimos que sejam consultadas as sinagogas locais:

O jejum diz respeito tanto aos homens quanto às mulheres, mesmo grávidas ou em período de aleitamento. Só em caso de doença ou onde haja algum perigo à vida, o jejum pode ser suspenso (consulte seu rabino).

Recife:

YOM KIPUR NA SINAGOGA, ANTONIETTA RAPHAEL MAFAI, 1931. COLEÇÃO PARTICULAR, ROMA

Início às 16:54 n Término às 17:45

Porto Alegre:

Início às 17:34 n Término às 18:27

Manaus: Início às 17:32 n Término às 18:24

Belo Horizonte:

Brasília: Início às 17:48 n Término às 18:41

São Paulo: Início às 17:42 n Término às 18:41

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O Midrash (Vayicrá Rabá 30:12) comenta que as Quatro Espécies indicam quatro tipos diferentes de judeus. O Lulav – a folhagem longa e fechada da tamareira –representa os judeus que dedicam a vida unicamente ao estudo da Torá. Como passam a maior parte de seu tempo mergulhados em seus ensinamentos, eles não têm o tempo, energia ou recursos para praticar muitos atos de bondade. O Hadás – o ramo de murta –

SUCOT: AS Quatro Espécies e a Bênção sobre o Lulav

13 nossas grandes festas

setembro 2022

representa a antítese, o contrário do Lulav: simboliza os judeus que são tão ocupados realizando atos de bondade que não têm tempo de estudar muito a Torá. O Etrog – o fruto da cidreira – personifica aqueles dentre nós que têm o melhor dos dois mundos: estudam a Torá e realizam atos de bondade. E, por fim, a quarta espécie, a Aravá –o ramo do salgueiro, que representa os judeus que nem estudam a Torá nem se dedicam muito a realizar atos de

T

er-se em mãos as Quatro Espécies em Sucot é um dos mandamentos da Torá que nem todos entendem. Mas, esse fato não é o mais importante. O essencial é cumprir o mandamento de forma correta, de acordo com as leis da Torá. No entanto, a Torá nos estimula a entender o significado de seus mandamentos, pois o Judaísmo não espera que cumpramos cegamente suas leis. São inúmeras as lições que podemos depreender de cada um de seus versículos e de cada um de seus mandamentos. E justamente o das Quatro Espécies não só constitui uma mitzvá –isto é, um mandamento Divino que devemos cumprir pela simples razão de ser a Vontade de D’us – mas transborda de significado que transmite lições eternas para o Povo Judeu.

Embondade.cada

Sucot, festa de sete dias que se inicia no 15o dia do mês judaico de Tishrei, é conhecida por seus dois mandamentos, constantes na Torá: habitar na Sucá, uma cabana construída de modo a oferecer sombra, e ter nas mãos as Arbaat HaMinim – as Quatro Espécies: o Lulav – a folhagem fechada da tamareira; o Etrog – uma cidra amarela; o Hadás – um ramo da árvore da murta; e a Aravá – um ramo folhoso do salgueiro.

um dos dias da festa de Sucot – exceto no Shabat – cumprimos o mandamento de ter em mãos as Quatro Espécies, formado por um Lulav, um Etrog, três Hadassim e duas Aravot. Na falta de uma das Quatro Espécies, ainda que seja a Aravá, estamos impossibilitados de cumprir esta mitzvá. Antes de cumpri-la, dizemos uma bênção, uma berachá, como é comum fazer antes de realizar uma mitzvá. Mas, como menciona o Talmud, há algo que chama a atenção sobre a bênção dita antes de ter em mãos as Arbaat HaMinim: a berachá termina com a frase al netilat Lulav (“ao ter em mãos o Lulav”). Perguntamos: qual a razão para a bênção apenas mencionar esta espécie? Por que não termina com … al netilat Arbaat HaMinim (“ao ter em mãos as Quatro Espécies”)? E se, por alguma razão, a berachá

nossas grandes festas 14

De forma sucinta, o estudo da Torá é primordial para o Judaísmo, pois apenas se estudarmos suas leis poderemos cumpri-las. Mas esta não é a única razão para estudarmos nossos livros sagrados. Grande parte do que se estuda na Torá não pode ser praticado.

PINTURA A ÓLEO SOBRE MADEIRA. COLEÇÃO ISRAEL MUSEUM

Por exemplo, vários tratados do Talmud discutem em grande detalhe os serviços realizados no Templo Sagrado de Jerusalém. E nós seguimos estudando tais tratados, apesar de que o Templo não existe há quase dois mil anos. Se o único propósito do estudo da Torá fosse aprender a cumprir seus mandamentos, esse estudo estaria limitado aos livros da Lei Judaica – e unicamente aos assuntos relevantes à época em que vivemos.

única espécie mencionada na bênção das Arbaat HaMinim, primeiro é preciso entender que o Judaísmo possui duas vertentes principais: Talmud Torá (o estudo da Torá) e Mitzvot (mandamentos Divinos). Ainda que o estudo da Torá seja um de nossos mandamentos – segundo uma opinião no Talmud, é o mais importante dos mandamentos do Judaísmo – há diferenças significativas entre o estudo da Torá e o cumprimento das mitzvot.

tivesse que mencionar apenas uma das espécies, qual a razão para ser escolhido o Lulav?

A principal razão para estudarmos Torá é para podermos nos conectar com seu Autor - Aquele que nos deu esses livros sagrados. A Autoria Divina da Torá – a Divindade inerente em obras como o Tanach, o Talmud e o Midrash tornamna sagrada e única. Em nossas orações matinais e a cada vez que recebemos uma Aliyá dizemos a Birkat HaTorá – a bênção sobre a Torá. Um dos propósitos dessa bênção – na qual agradecemos a D’us por nos dar a Sua Torá – é nos fazer lembrar de sua Autoria Divina e diferenciar seu estudo de qualquer outro campo do saber e do conhecimento.

repetimos nossa pergunta: por que a bênção das Quatro Espécies termina com as palavras al netilat Lulav, em vez de al netilat Arbaat HaMinim, ou ainda, al netilat Etrog?

Um aspecto singular do Judaísmo é a importância suprema que atribui ao estudo de seus textos sagrados. Não se trata de uma religião que se baseia na fé, senão no fato. Não se restringe à crença em certas coisas, mas ao conhecimento das coisas. Judaísmo é a busca por D’us – e como D’us é a Verdade, o estudo da Torá é a busca pela Verdade.

Uma razão dada pelo Talmud é que o Lulav é o mais alto dentre as quatro espécies (Talmud Bavli, Sucá 37b).

No entanto, o Midrash indica que o Etrog é a espécie preferida entre as quatro pelo fato de se referir a judeus que tanto estudam a Torá quanto realizam atos de bondade. Esse fruto da cidreira reúne as virtudes

A Superioridade do Estudo da Torá face às Mitzvot

INSCRIÇÃO: “EM CABANAS HABITAREIS POR SETE DIAS; TODO NATURAL DE ISRAEL HABITARÁ EM CABANAS” (LEVÍTICO 23, 42)

do Lulav e também as do Hadás. Dentre as Arbaat HaMinim, o Etrog constitui o único que não tem falha

Sendoalguma.assim,

Para responder com propriedade à pergunta do porquê de o Lulav ser a

sagrado Tanya, sempre que um judeu assimila algum conceito da Torá, ocorre uma fusão celestial entre a sua mente e a Mente Divina. E como a mais elevada faculdade humana é a mente – principal morada de sua alma – quando ele estuda a Torá, ele emprega seu atributo mais elevado para se conectar com D’us.

escreveu a Torá. O Talmud nos ensina que D’us metaforicamente pôs Sua Alma na Torá. Quem deseja ter algum entendimento sobre D’us – que é o máximo a que nós, seres finitos, podemos aspirar acerca do Infinito – precisa estudar o livro escrito pelo Autor Divino – a

1 Tanya, obra fundamental do Misticismo Judaico, foi escrito pelo Rabi Shneur Zalman de Liadi, fundador e primeiro Rebe do Movimento ChabadLubavitch.

FESTA DOS TABERNÁCULOS. JAN LUYKEN, PIETER MORTIER, 1705

UmaTorá.

REVISTA MORASHÁ i 116 15 setembro 2022

Assim sendo, o estudo da Torá é a ponte que nos leva a D’us. Nada neste mundo pode nos levar ainda mais próximos a D’us. Nenhum outro mandamento do Judaísmo tem o mesmo efeito. Ainda que cada mitzvá constitua uma conexão entre o homem e D’us, o estudo da Torá se coloca acima de qualquer outro mandamento que leve o ser humano a um lugar mais próximo do Altíssimo.

Mas, de que maneira o estudo da Torá forja a conexão entre o homem e D’us? Uma das respostas a essa pergunta é que sempre que o leitor mergulha nos textos de um escritor sério – especialmente quando este autor se entregou de corpo e alma a seu trabalho – o leitor vislumbra a alma do escritor. Forma-se uma conexão especial entre autor e leitor. Na maioria das vezes, aprende-se mais sobre um autor lendo suas obras do que analisando seus dados biográficos. E esse conceito se aplica tanto a autores humanos quanto ao Autor Supremo, que

das razões pelas quais o estudo de nossos textos sagrados nos conecta com D’us é o fato de que a Torá constitui a Sabedoria e Vontade Divinas. Como D’us é indivisível, Ele e Sua Sabedoria são unificados. Portanto, se alguém estuda a Torá - a Sabedoria Divina - e depreende algo sobre a mesma, capta o Divino em sua mente. Como ensinou o Rabi Shneur Zalman de Liadi, o Ba’al HaTanya1, o autor do livro

nossas grandes festas 16

ComoTorá.

Os Tefilin nos unem a D’us, mas não se tornam parte intrínseca a nós, como o conhecimento sobre a

algo, levamos esse conhecimento conosco para o resto de nossa vida, guardando-o em algum canto de nossa memória. Mesmo se o esquecermos, um dia poderemos recuperá-lo – ou, no mínimo, será mais fácil o aprendermos uma segunda vez. Por outro lado, nossas ações – mesmo se tiverem efeito duradouro em nós ou nos outros – não se tornam parte de quem somos. A palavra mitzvá vem do hebraico tzivui – um mandamento – mas também tem relação com a palavra, em aramaico, tzavta, que significa “conectar” ou “unir”. Uma mitzvá une a pessoa ao Ser Supremo, D’us, criando um relacionamento e vínculo especial entre eles. No entanto, a conexão apenas existe enquanto a mitzvá está sendo realizada. Por exemplo, um dos mandamentos centrais no Judaísmo é a mitzvá de se colocar Tefilin. Quando os colocamos, nos conectamos com D’us. Mas quando os retiramos, ainda que o mérito de ter cumprido esse mandamento seja eterno, a conexão se interrompe.

explicam nossos Sábios, o estudo da Torá se compara com a ingestão de alimento e bebida, que são assimilados por nosso corpo, ao passo que o cumprimento das mitzvot é semelhante a fragrâncias agradáveis – que não se tornam parte de nosso organismo e acabam por se dissipar.

O Midrash aponta que o Lulav está associado ao sabor, pois é a folhagem da tamareira, mas não tem odor. O Hadás (a murta) tem odor agradável, mas não tem sabor, por ser uma planta que não dá frutos. Como vimos acima, nossos Sábios comparam o conhecimento da Torá ao alimento e os mandamentos a fragrâncias. Assim sendo, eles associam o Lulav ao estudo da Torá e o Hadás ao cumprimento das

O que o Midrash subentende ao dizer que o Lulav representa os judeus que têm Torá, mas não as mitzvot?

Outra maneira na qual o estudo da Torá é superior ao cumprimento dos mandamentos reside no fato de o conhecimento ser permanente enquanto as ações serem Quandotransitórias.aprendemos

Qual a razão para que o Midrash associe o Lulav a judeus que estudam muito a Torá; o Hadás àqueles que cumprem muitas mitzvot; o Etrog às pessoas que estudam a Torá e cumprem muitas mitzvot; e a Aravá a judeus que não fazem nenhum dos dois?

Sucot (a Festa dos Tabernáculos)Moritz Daniel Oppenheim, 1867

Isso não significa que o estudo da Torá possa substituir o cumprimento dos mandamentos. Um não exclui o outro. Nada seria mais desrespeitoso perante D’us do que o estudo de Sua Torá, que nos ordena cumprir Seus mandamentos, se ignorarmos esses mandamentos. A Torá não apenas é a Sabedoria Divina, mas também a Sua Vontade. O estudo da Torá deve levar a pessoa mais perto de D’us: isso significa não apenas uma fusão entre a sabedoria humana e a Sabedoria Divina, mas também uma sujeição da vontade humana à Vontade Divina. Portanto, é erro interpretar o Lulav como sendo o judeu que estuda a Torá, mas não cumpre seus mandamentos. Um erro grave.

O que representam o Lulav e o HADÁS

O Lulav simboliza o estudioso de Torá que passa a maior parte de seu tempo imerso em seus estudos. Ele obviamente coloca os Tefilin, ora três vezes ao dia e cumpre os demais mandamentos. Mas dedica seu tempo, sua energia e sua capacidade ao estudo da Torá. Os judeus simbolizados pelo Lulav passam seus dias nas yeshivot e nas sinagogas. São alunos e professores – não líderes, ativistas, filantropos ou pessoas que passam o dia realizando boas ações, como alimentar os pobres ou visitar doentes. Têm uma única ocupação e missão em sua vida – estudar e disseminar o conhecimento da Torá.

REVISTA MORASHÁ i 116 17 setembro 2022

Etrog na árvore

O Etrog

mitzvot. O Etrog (a cidra) tem sabor e odor, portanto representa os judeus que estudam a Torá e cumprem suas mitzvot. E a Aravá (o ramo do salgueiro), que não tem nem sabor nem odor, simboliza os judeus despidos do conhecimento sobre a Torá e que não cumprem mitzvot.

O Hadás fica no espectro oposto do Lulav. O ramo de murta representa os judeus que cumprem muitas mitzvot – muitas boas ações – mas dedicam pouco tempo ao estudo da Torá. Em claro contraste com os judeus representados pelo Lulav, os representados pelo Hadás estão muito ocupados ajudando outros seres humanos e não têm muito tempo para dedicar ao estudo da Torá. Por exemplo, a maioria dos filantropos estão sempre extremamente ocupados –

empenhados em ganhar dinheiro para doá-lo a causas nobres – e não dispõem de tempo ou energia para passar horas a fio estudando a Torá. Pode-se dizer que seria um erro grave – quem sabe, um sério pecado – tentar fazer com que um judeu que é um Hadás se transformasse em um Lulav. A pessoa não tem o direito de deixar seu trabalho e devotar sua vida ao estudo da Torá se a vida de outras pessoas depende dela.

Lulav e Hadás representam dois tipos de judeus que têm missões diferentes, talvez mesmo contrárias na vida. O que um possui falta ao outro. Mas se o Etrog – o bonito fruto – representa o melhor dos dois mundos – o estudo da Torá e as mitzvot – por que razão a bênção das Quatro Espécies menciona o Lulav, e não o Etrog?

Os judeus simbolizados pelo Etrog são aqueles que estudam a Torá e têm uma profissão que contribui

Quando o Midrash menciona que o Lulav representa o judeu que é rico em conhecimentos sobre a Torá, mas despido de mitzvot, não está se referindo aos mandamentos que todo judeu deve cumprir. Aquele que estuda muito a Torá sem cumprir seus mandamentos, não é um estudioso da Torá, mas um blasfemador. Portanto, ao falar sobre as Quatro Espécies, o Midrash usa a palavra mitzvot de modo figurado para se referir a boas ações. E, de fato, quando o Talmud Yerushalmi (o Talmud de Jerusalém) usa o termo mitzvá sem determinar um mandamento específico, está-se referindo à Tzedacá. A definição de mitzvot como sendo boas ações esclarece o ensinamento do Midrash sobre os tipos de judeus representados pelo Lulav e pelo Hadás.

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Por que razão o Lulav é a espécie superior?

É importante ressaltar que não se pode cumprir a mitzvá das Arbaat HaMinim se alguma das quatro espécies estiver faltando. Pode-se ter o Etrog mais lindo do mundo, mas mesmo se estiver faltando a simples Aravá – a de menor importância dentre as espécies – a pessoa não pode cumprir o mandamento das Quatro Espécies. A exigência de que nenhuma das quatro espécies pode estar faltando nos ensina que o Povo Judeu não está completo se um único judeu estiver alienado ou ausente. Contudo, ainda que cada uma das quatro espécies tenha um papel imprescindível no mandamento, elas não têm igual importância.

Uma das razões para a bênção das Quatro Espécies mencionar o Lulav e não o Etrog é que a infinita profundidade da Torá, sua abrangência e complexidade requerem que as melhores cabeças

para a sociedade. São os médicos, advogados, engenheiros, cientistas, comerciantes, empresários e financistas, entre vários outros profissionais, que equilibram sua vida religiosa com a profissional. O Etrog – a linda cidra – simboliza as pessoas que têm uma vida harmoniosa, assim demonstrando que é possível ser um judeu que estuda a Torá, observa as mitzvot e contribui para a sociedade.

Um judeu que pratica muitas boas ações mas não estuda a Torá nem cumpre seus mandamentos pode ser um excelente ser humano, mas não é um excelente judeu. Se o propósito Divino ao nos dar a Torá fosse apenas fazer dos judeus pessoas ótimas, praticantes da bondade, D’us não nos teria dado tantas leis que nada têm com as relações interpessoais. Se cada um de nós, judeus, fôssemos um Hadás – se o nosso povo apenas praticasse a bondade, mas não estudasse a Torá – não tardaria para o Judaísmo ser negligenciado e se perder, e para os judeus deixarem de existir.

O Lulav – aqueles judeus representados por esta espécie têm um papel central, e é por esta razão que a bênção termina com as palavras al netilat Lulav

CAIXA EM PRATA PARA ETROG. ALEMANHA OU ÁUSTRIA

O Lulav tem um papel central entre as outras três espécies pois, quando não se estuda a Torá, o Judaísmo não é Judaísmo, mas sim Humanismo. É errado acreditar que ser judeu significa, apenas, ser um bom ser humano, pois para tanto não é necessário ser judeu. O mundo está cheio de boas pessoas – de todas as religiões, raças, nacionalidades e etnias. É bem verdade que a contribuição do Povo Judeu à humanidade é grandemente desproporcional a seu número. Contudo, apesar de todas as teorias conspiratórias antissemitas sobre os judeus, seu poder e suas posses, a verdade é que as nações e pessoas mais ricas e poderosas do mundo não são judias.

Podemos, agora, entender por que razão a bênção das Quatro Espécies menciona apenas o Lulav. Se concluísse com as palavras al netilat Arbaat HaMinim (“ao se ter nas mãos as Quatro Espécies”), estaria indicando que não há diferença entre essas quatro espécies. Essa premissa seria errada, pois são grandes as diferenças entre cada uma delas.

Lulav e Hadás representam os dois extremos do espectro. Um possui o que falta ao outro. Já ao Etrog, de forma oposta, não falta nada. No entanto, sua força também é sua fraqueza. O fato de que os judeus simbolizados pelo Etrog têm uma vida equilibrada – estudam a Torá, contribuem à sociedade com seu trabalho e realizam atos de bondade – indica que não conseguem dedicar-se inteiramente ao estudo da Torá e ao cumprimento das mitzvot. O judeu que é um Etrog não estuda tanto a Torá como o que é um Lulav, nem se dedica integralmente a ajudar os demais, como faz o Hadás O Etrog é um indivíduo harmonioso que não domina a Torá nem é líder ou ativista que trabalha dia e noite em prol de alguma causa nobre.

TodosHAMAARAVIosjudeus

muitas mitzvot – que realizam coisas extraordinárias e fazem contribuições inestimáveis à humanidade. E, ao fazê-lo, glorificam nosso povo. No entanto, o conhecimento da Torá é fundamental para a preservação da identidade judaica da pessoa. E para isso, não há substituto para o estudo da Torá.

REVISTA MORASHÁ i 116 19 setembro 2022

judias a estudem e transmitam, continuamente. O judeu que é um Etrog – que divide seu tempo de modo a estudar a porção semanal da Torá ou uma página ou duas do Talmud, diariamente – não adquirirá conhecimento suficiente para dominar, esclarecer e disseminar a Torá entre nosso povo. O estudo de algumas horas de Torá por dia não faz desse judeu um legislador. Assim como um ótimo atleta, ganhador de medalhas olímpicas, necessita treinar todos os dias, incessantemente, também um mestre em Torá precisa estudar o tempo todo e dedicar-se inteiramente a isso. Necessita canalizar sua energia física, mental e espiritual exclusivamente ao estudo da Torá.

O Lulav também nos ensina a reverenciar nossos Sábios. Essa espécie representa os judeus que se sacrificam pela Torá – não os que a usam em benefício próprio. Ser um Lulav é ser humilde, pois nossos Sábios nos ensinam que D’us concede a dádiva da Torá aos humildes. Uma pessoa que é um Lulav não se considera melhor do que outra, mas precisa ter consciência de que desempenha um papel primordial em assegurar a perpetuidade do Judaísmo e de seu povo, o Povo Judeu.

COM AS QUATRO ESPÉCIES NAS MÃOS, NAS ORAÇÕES DE SUCOT DIANTE DO KOTEL

podem

O fato da bênção das Quatro Espécies mencionar apenas o Lulav nos ensina que o estudo da Torá tem importância capital. É o alicerce do Judaísmo e a ponte que conduz o Povo Judeu até D’us. Há muitos judeus que cumprem

A escolha do Lulav para ser a única espécie mencionada na bênção das Arbaat HaMinim é controversa – razão pela qual o Talmud e o Midrash a discutem em detalhe. Mas a História Judaica torna evidente a razão para a superioridade do Lulav Os maiores heróis do Povo Judeu são os nossos Profetas e nossos Sábios. As figuras mais reverenciadas em nossa história são e sempre serão os mestres em Torá. Através dos séculos tivemos incontáveis judeus que deram contribuições extraordinárias ao nosso povo e à humanidade: cientistas, médicos, filantropos, escritores, artistas e pensadores. Mas costumamos dar aos nossos filhos o nome dos heróis e heroínas da Torá ou dos Sábios do Talmud O Judaísmo existe por causa de nossos grandes Sábios e Mestres que se dedicaram inteiramente à Torá – visando a preservar sua integridade e garantir sua perpetuidade. Os judeus representados pela Aravá, pelo Hadás e mesmo pelo Etrog continuam a existir graças aos judeus simbolizados pelo Lulav.

Nem todo judeu nasceu para ser um Lulav e essa é uma das razões para mais três outras espécies comporem, juntas, as Arbaat HaMinim. Todo ser humano tem uma missão na vida. E, como vimos acima, pode ser perigoso que uma

SINAGOGA PORTUGUESA DE AMSTERDÃ DURANTE HOSHANA RABÁ, GRAVURA DE BERNARD PICART, 1725

ser um Lulav

pessoa escolha um caminho que não é o seu. Mas cada judeu pode ser, temporariamente, um Lulav desde que se entregue profundamente ao estudo da Torá. Mesmo a pessoa mais ocupada pode dedicar algum tempo, em sua vida diária, para isso. E, ao fazê-lo, deve se entregar inteiramente a isso. Ao se envolver nessa união com a Torá e seu Autor,

O mandamento das Quatro Espécies nos ensina acerca da união entre o Povo de Israel, indicando o quanto cada um dos judeus é indispensável à nação. Mas o fato de que a bênção das Quatro Espécies apenas menciona o

essa pessoa não deve distrair-se com nada mais.

examinando o lulav. óleo sobre tela. leopold pilichowski,1894/95

Schneerson, Rabbi Menachem Mendel,Likkutei Sichot, volume 4, pg. 1159-1165

BIBLIOGRAFIA

Sucot no Kotel

Lulav obriga cada um de nós a reexaminar seu comprometimento com o Judaísmo. O Pirkei Avot –tratado da Mishná que ensina a sabedoria e a Ética Judaica – afirma que mesmo que somente um de nós, judeus, se envolva no estudo da Torá, a Shechiná – a Presença Divina explícita neste mundo – está ao lado dessa pessoa. Quando um único judeu estuda a Torá, ele ajuda a disseminar a Luz Divina no mundo, fortalece sua alma e a alma de cada um de nós, judeus –mesmo a daqueles que já se foram deste plano terrestre – e ajuda a trazer bênçãos e paz a toda a humanidade.

nossas grandes festas 20

Chassidic Perspectives - a festival anthology: Discourses by Rabbi Menachem Mendel Schneerson, the Lubavitcher Rebbe. Translated and Adapted by Rabbi Alter B. Metzger. Kehot Publication Society.

estratégia, a atravessar os últimos governos israelenses, logrou assinar os históricos Acordos de Abraão, com países árabes, manter os laços prioritários com os EUA, implementar vínculos com China e Índia e intensificar a presença israelense em nações africanas, asiáticas e latino-americanas.

Outro fator fundamental no redesenho diplomático corresponde a consequências das ambições nucleares do Irã, responsáveis pela aproximação entre Israel e países árabes sunitas, rivais históricos de Teerã por influência no Oriente Médio. Ao longo dos anos, de forma discreta, autoridades israelenses criaram canais de comunicação com interlocutores da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Omã, entre outras nações localizadas principalmente na região do Golfo Pérsico.

A

A mudança ocorre principalmente a partir da crise financeira internacional de 2008, a atingir num primeiro momento EUA e seus aliados europeus. A recessão nos países industrializados evidenciou a crescente importância dos chamados países emergentes, liderados por China e Índia, responsáveis por contribuir, graças a suas reformas e dinamismo, à manutenção de crescimento econômico em escala

21 destaque

A realidade diplomática contrasta sobretudo com os esforços de isolar o Estado Judeu implementados desde a independência, em 1948, mas impulsionados com mais sucesso a partir das guerras dos Seis Dias, em 1967, e do Yom Kipur, em 1973. E os boicotes estiveram longe de cessar na era pós-Guerra Fria e no século 21, mas a política externa israelense driblou iniciativas para mantê-la cercada por barreiras. A escolha por ações mais intensas no cenário internacional começa a se verificar nos anos de poder de Binyamin Netanyahu, de 2009 a 2021, e continua nos recentes governos de Naftali Bennett e de Yair Lapid, numa demonstração de um posicionamento acima das diferenças ideológicas. Israel, conhecido por suas preocupações no campo de segurança, assumiu a importância de também investir recursos na construção de uma presença cada vez mais visível em âmbito global.

Netanyahu,global.aochegar

Por JAIME SPITZCOVSKY

setembro 2022

A vitória de Israel contra isolamento diplomático

ao poder em 2009, percebeu o novo desenho geoeconômico e apostou numa ampliação do leque diplomático, tradicionalmente dominado, em particular a partir de 1967, pelas relações com os EUA. A nova estratégia, no entanto, contempla a manutenção dos laços prioritários com Washington.

Nos últimos anos, Israel venceu importante batalha: a da diplomacia, ao superar tentativas de isolamento, ampliar a presença no cenário internacional e implementar ativa e multidirecional política externa.

EverettFreddieFoto:

O presidente Herzog também foi a Amã, para reunião com o rei Abdullah e, em setembro do ano passado, recebeu um telefonema do general Abdel al-Sisi, presidente egípcio, para abordarem temas regionais. Egito e Jordânia assinaram acordos de paz com Israel em 1979 e 1994, respectivamente. A ampliação do radar diplomático israelense ultrapassa as fronteiras do Oriente Médio. Netanyahu visitou China, Índia, Rússia, países africanos e latino-americanos. O caso da África é particularmente emblemático, pois representou uma área de grande importância para Israel nos anos iniciais após a independência, como simbolizou o tour da então chanceler Golda Meir, em 1958, por Gana, Libéria, Nigéria e Senegal.

O Kremlin imaginava poder colocar o governo socialista de David BenGurion em sua esfera de influência. Porém, acabou optando pela aliança com países árabes e, com a Guerra dos Seis Dias, em 1967, rompeu relações diplomáticas com Jerusalém e passou a patrocinar uma ofensiva

Ministros israelenses, incluindo o da Defesa, Benny Gantz, passaram a ser vistos em desembarques nos aeroportos das capitais Abu Dhabi (Emirados), Manama (Bahrein) e Rabat (Marrocos).

Anthony J. Blinken, Secret. de Estado americano, na Cúpula do Neguev, com os Ministros de Relações Exteriores de Israel Yair Lapid; do Bahrain, Abdullatif bin Rashid Al Zayani; do Egito, Sameh Shoukry; do Marrocos, Nasser Bourita; e dos EAU, Sheikh Abdullah bin Zayed Al Nahyan. Em 28/3/2022, Sde Boker, Israel

À época, a diplomacia israelense levava ajuda técnica a países africanos e investia na criação de alianças diplomáticas, em meio a um cenário moldado pelas tentativas de boicote lideradas pela Liga Árabe. Quando Israel ingressou na ONU, em 1949, 42 dos 89 integrantes da entidade se recusavam a reconhecer o direito à existência do Estado Judeu.

Os Acordos de Abraão abriram um novo e relevante capítulo na história da diplomacia israelense. Deslancharam uma série de iniciativas registradas nos últimos meses, como em março, quando Israel recebeu os chanceleres de Bahrein, Egito, Marrocos, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos, na chamada “Cúpula do Neguev”, pois a reunião ocorreu no Kibutz Sde Boker, no sul do país.

Os vizinhos médio-orientais também se interessaram na aproximação com Israel por razões econômicas, além da preocupação em comum relacionada à ameaça iraniana. De olho na chamada era pós-petróleo, caracterizada pela perda de importância do produto e pela busca por fontes de energia renováveis e menos poluentes, países como Emirados Árabes Unidos e Bahrein embarcaram na busca pela modernização e diversificação de suas economias e encontram em Israel um importante parceiro em áreas como tecnologia e segurança. Enquanto o conflito regional e a questão palestina dominavam debates diplomáticos envolvendo Israel 20 anos atrás, atualmente verifica-se uma impressionante diversificação da agenda, com a inclusão de temas como cooperação econômica e inovações tecnológicas. E, claro, a busca pela ampliação de tratados de paz, como o assinado na Casa Branca em 2020 com Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão.

O presidente Itzhak Herzog chegou a Ancara, numa visita inédita nos últimos anos, devido às turbulências na relação com o presidente turco, Recep Erdogan, e o então ministro Yair Lapid esteve em Chipre, rival regional da Turquia.

destaque 22

Na votação da resolução 181, da Partilha da Palestina, nas Nações Unidas em 1947, houve 33 países a favor, 13 contra e 10 abstenções. A independência de Israel e a criação de dois Estados obteve o apoio das superpotências EUA e URSS, protagonistas da Guerra Fria, então em seus primórdios.

o fim da Guerra Fria, a Assembleia Geral da ONU revogou a resolução, com 111 votos a favor. Naquele mesmo ano, Moscou restabeleceu relações diplomáticas com Jerusalém, e, em 1992, coube a Pequim normalizar seus laços com o Estado Judeu.

O fim do maniqueísmo diplomático da Guerra Fria pavimentou o caminho para o retorno da diplomacia israelense a países africanos e asiáticos, antes alinhados ao bloco soviético. Em 2016, durante reunião da Assembleia

A iniciativa carrega a sigla das letras iniciais de seus integrantes, em inglês. E testemunhou, em Jerusalém, Biden e Yair Lapid conversarem, por videoconferência, com os líderes indiano e emiradense, numa agenda dominada por temas de cooperação econômica, em clara resposta da Casa Branca ao aumento de influência da China no Oriente Médio e na região do Indo-Pacífico.

Nos tempos da Guerra Fria, a Índia se aliava prioritariamente ao Kremlin. Até os Acordos de Abraão, não havia alianças formais entre Israel e países árabes do Golfo Pérsico. Agora, no cenário cada vez mais complexo da diplomacia no século 21, surgem conexões antes consideradas improváveis, e Israel, com uma diplomacia renovada, supera isolamentos e amplia sua presença e peso no cenário global.

O PRESIDENTE AMERICANO JOE BIDEN CONVERSA COM O MINISTRO DA DEFESA DE ISRaEL, BENNY GANTZ, À ESQ., E O PRIMEIRO-MINISTRO YAIR LAPID, À DIR., DURANTE A VISITA PARA CONHECER OS SISTEMAS ISRAELENSES DE DEFESA AÉREA, NO AEROPORTO BEN-GURION. 13 DE JULHO DE 2022. TEL AVIV

Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, desembarcou em Israel em julho, num giro pelo Oriente Médio a incluir também visitas a lideranças palestinas e sauditas. E, em Jerusalém, participou da primeira reunião de cúpula do I2U2, grupo formado por Israel, Índia, EUA e Emirados Árabes Unidos.

de isolamento de Israel, arrastando para a iniciativa aliados do chamado Terceiro Mundo, como países africanos e Emasiáticos.1975,registrou-se um dos momentos mais nefastos da estratégia anti-israelense, com a aprovação, na Assembleia Geral da ONU, da resolução 3379, equiparando Sionismo a racismo. Registraram-se 72 votos a favor, 35 contra e 32 abstenções, numa demonstração da força diplomática da aliança entre URSS e países “terceiroEmmundistas”.1991,após

Jaime Spitzcovsky COLUNISTA DA FOLHA DE S.PAULO, FOI CORRESPONDENTE DO JORNAL EM MOSCOU E EM PEQUIM.

Geral da ONU, Netanyahu se reuniu com 15 chefes de Estado e embaixadores africanos e, no mesmo ano, visitou Uganda, Quênia, Ruanda e Etiópia. A bússola da diplomacia israelense, embora aponte para mais direções, não deixa de destacar Washington como a prioridade em suas relações, assim como a importância de laços com aliados europeus, a exemplo da Alemanha, em particular nos tempos da chanceler Angela Merkel, no governo entre 2005 e 2021. E, no cardápio das relações com os EUA, recentemente surgiu o desenho de aliança impensável anos atrás.

REVISTA MORASHÁ i 116 23 setembro 2022

DE CIDADES NAS QUAIS OS JUDEUS VIVEM E VIVERAM NA DIÁSPORA NENHUMA TEM UMA HISTÓRIA TÃO SINGULAR E ENVOLVENTE COMO ODESSA, NA CRIMeIA, ILEGALMENTE ANEXADA PELA RÚSSIA OITO ANOS ATRÁS. NESTE EFERVESCENTE POLO JUDAICO UCRANIANO DE ALMA RUSSA FLORESCERAM ALGUNS DOS MAIORES EXPOENTES INTELECTUAIS DO POVO DE ISRAEL.

Um dos pioneiros de Odessa e seu severo mandatário foi um francês, o Duque de Richelieu, indicado pela imperatriz Catarina II, a Grande (1729-1796), como reconhecimento pelo auxílio da França à Rússia na guerra de 1786 contra a Turquia. Catarina II era apaixonada pela França a ponto de ter como um de seus mentores intelectuais o filósofo francês Denis Diderot, com o qual manteve frequente troca de ideias. Esse engajamento, compartilhado pela maior parte da corte imperial, com os valores artísticos e culturais oriundos de Paris, se refletiu em Odessa,

OS RESILIENTES JUDEUS DE ODESSA

DENTREGHIVELDERASMILHARES

24 comunidades

POR ZEVI

contribuindo para que a cidade se revestisse de um sofisticado cunho cosmopolita tal como foi descrita por Alexander Pushkin, até hoje o mais celebrado poeta russo que ali viveu dois anos, banido de Moscou sob a acusação de atividades subversivas. Nas cartas que então escreveu, Pushkin disse que “Odessa é a mais europeia das cidades russas” e enfatizou em outra carta: “Este aqui é um lugar com cheiro de Europa. Aqui se fala francês e há livros de escritores franceses para se ler”.

Por tudo isso, Odessa passou a exibir um estilo arquitetônico com características francesas e italianas ornadas por incursões mediterrâneas. A rigor, a cidade teve a sorte de contar com competentes sucessores do nobre francês, muitos deles contratados no exterior. Esses governantes, dotados de apurada visão da economia e das demandas sociais, foram responsáveis pela modernização dos portos, pela abertura de largas avenidas e instalações de parques recreativos, tudo ornado com belos canteiros de acácias, a par da construção de uma maravilhosa casa de espetáculos erguida à feição da Ópera de Paris. A beleza da cidade foi alvo de tanta visibilidade e deslumbramento que passou a ser chamada de “Pérola do Mar Negro”.

o longo de 200 anos os judeus de Odessa viveram numa literal montanha russa com ascensões fugazes e quedas impactantes. Desde o início do século 19 e sobretudo a partir de sua segunda metade, Odessa se tornou uma cidade atraente para milhares de habitantes do Império Russo e também para milhares de judeus das shtetls (aldeias), em função de uma generosa e enganosa permissão para se radicarem nas maiores concentrações urbanas da Rússia, Polônia, Romênia e estendida até a Lituânia, um polo de intensa irradiação religiosa e de inesgotáveis estudos teológicos.

A

REVISTA MORASHÁ i 116 25 setembro 2022

“Se eu tivesse lido esse livro a tempo, não precisaria ter escrito O Estado Judeu”. A mesma Sociedade abrigava o grupo Bilu, constituído por famílias judaicas determinadas a emigrar para a ancestral Eretz Israel (Terra de Israel), conforme a denominavam. Foram os chamados biluim de Odessa que, em 1882, lá aportaram e plantaram as sementes do pioneirismo, antes ainda da existência do movimento sionista.

àquela altura do século 19 que concorreu para atrair grande quantidade de judeus, a ponto de Odessa ser apontada como a mais judaica das cidades do Império Russo, somando 40 mil almas que correspondiam a 30 por cento do total da cidade. Os novos habitantes se integraram aos poucos judeus que lá viviam desde o final do século 18 e lograram formar uma comunidade solidamente estruturada. Contava com uma sinagoga subsidiada pela prefeitura, cemitério próprio, um abrigo para os pobres e uma escola com o nome de Talmud Torah, que, por muitos anos, foi dirigida pelo escritor Mendele

A comunidade se orgulhava da criação da sua Sociedade para a Promoção da Cultura, que, no final do século 19, contava com cerca

Coroa da Torá em prata, Odessa

Na verdade, a existência de dois grandes portos em Odessa foi essencial para o perfil cosmopolita da cidade, abrigando levas de viajantes, importadores, exportadores e Foicomerciantes.aagitaçãoexistente

VISTA AÉREA DE ODESSA, DESTACANDO-SE O BELO EDIFÍCIO DA ÓPERA

de 1500 membros. Este local era a sede do grupo Chovevei Zion (Amantes de Tsion), precursor do Sionismo, seguidor entusiasta do livro de Leon Pinsker (1821-1891), Autoemancipação, sobre o qual Herzl assim se referiu:

O ambiente favorável vigente em Odessa permitiu que jovens judeus se dedicassem ao estudo de profissões liberais, sendo que, em

Mocher Sforim, considerado o patriarca da literatura iídiche.

Entre os dias 18 e 22 de outubro, inconformados com o apoio judaico ao Japão na guerra contra a Rússia (vencida pelo Japão), russos, gregos e ucranianos mataram 400 judeus, número contestado por alguns historiadores que estimam em mais de mil o número de vítimas fatais e cinco mil feridos, além de

destruição de 1.400 estabelecimentos comerciais e três mil residências, deixando famílias em total desabrigo e perfazendo prejuízos da ordem de cerca de 800 mil rublos, imensa fortuna naquela época. A rigor, foi uma chacina anunciada.

aproveitou-se de uma rixa entre comerciantes gregos e judeus para promover nova chacina de judeus.

Nos anos anteriores, jovens judeus e russos se enfrentavam nas ruas de Odessa, o que resultava em grande número de escoriações nos dois lados dos conflitos. Esses combates se prolongaram durante seis meses, nos quais Odessa viveu um pavoroso caos. Os hospitais que tratavam de

depois, a comunidade grega, que era a maior dentre as estrangeiras radicadas em Odessa,

1881, metade dos médicos locais eram judeus, além de dezenas de dentistas e farmacêuticos.

ESCRITORES JUDEUS DE ODESSA, EM 1810: DA ESQ. PARA DIR., MENDELE MOCHER SFORIM, SHOLEM ALEICHEM, BEN-AMI E cHAIM NACHMAN BIALIK

comunidades 26

ODESSA EM 1850, A MAIOR CIDADE NO LITORAL DO MAR NEGRO. UCRÂNIA

tudo foi tranquilo para os judeus de Odessa. A primeira matança em forma de pogrom ali foi desferida em 1821, como consequência da luta pela independência da Grécia. (Alguns historiadores discordam dessa denominação porque a palavra pogrom só integrou o vocabulário czarista muitos anos depois). Naquela oportunidade os gregos ficaram convencidos de que os judeus haviam apoiado os otomanos autores do assassinato do patriarca grego de Istambul, ainda chamada de Constantinopla pelos europeus, uma presunção que não correspondia à Trintaverdade.anos

No comércio, milhares de lojas com as mais variadas espécies de produtos pertenciam a judeus que, no final do século 19 empregavam 26 mil funcionários e balconistas, inclusive mulheres que já se recusavam à restrição de apenas cumprir tarefas domésticas.Porém,nem

O mais importante, porém, foi a presença judaica na imprensa russa: três dos maiores jornais diários com conteúdo liberal tinham proprietários judeus, com destaque para o mais popular e de maior circulação, o Odeskie Novosti, em cujo quadro editorial despontavam como colaboradores jornalistas de formação ideológica nacionalista, como Vladimir (depois Zeev) Jabotinsky (1880-1940), e Ahad Ha’am (1856-1927), cujos artigos eram avidamente consumidos por judeus e inclusive por não-judeus.

Outros pogroms se seguiram em 1871, 1881 e 1876. O mais letal de todos aconteceu em 1905.

Ostalentos.trabalhos

1. 2. 3.

desses “Sábios de Odessa” tiveram ampla repercussão nos círculos literários judaicos da Polônia e da Rússia tendo sido rotulados pelos críticos como “o estilo de Odessa”, porque a própria cidade servia como fonte de inspiração para suas produções e permanecia impregnada em seus sentimentos mesmo quando, por algum motivo, dela se ausentavam. Certa ocasião, estando em Varsóvia, Ahad Ha’am escreveu: “A falta que sinto de Odessa e de tudo que nela

2. DA ESQ. PARA A DIR., OS ESCRITORES BEN-AMI E MENDELE MOCHER SFORIM

1. LEO PINSKER

Zeev Jabotinsky (1880-1940), NO CENTRO, COM OS SOLDADOS DA LEGIÃO JUDAICA, OUTONO DE 1918

REVISTA MORASHÁ i 116 27 setembro 2022

Sholem Yankev Abramovitch, que, assim como outros autores, adotou uma firme postura nacionalista e de adesão à Haskalah, o iluminismo judaico. Visto hoje em perspectiva histórica, os “Sábios” demonstravam um ardor nacionalista que pode ser considerado como um vigoroso préSionismo, tendo em Leon Pinsker um de seus mentores mais ativos e líder do movimento Chovevei Zion até seu último dia de vida. Os passos de Pinsker se cruzaram com os de escritores e pensadores como Ahad Ha’am, pseudônimo de Asher Ginsburg, o historiador Shimon Dubnow, o romancista Moshe Leib Lilienblum, o poeta Chaim Nachman Bialik e muitos outros

um a dois casos de esfaqueamentos por semana passaram a tratar de igual número por dia. Nesses mesmos dias, o cônsul britânico em Odessa escreveu, horrorizado, um documento para sua chancelaria, relatando a ocorrência de roubos e assassinatos à luz do dia, sucessivos vandalismos e infinidades de saques. Tal anarquia e insegurança fizeram com que milhares de judeus partissem da Ucrânia, em geral, e de Odessa, em particular, para os Estados Unidos, enquanto outros seguiram as iniciativas dos biluim e rumaram para a Palestina Otomana.

3. Ahad Ha’am e Chaim Nachman Bialik

Apesar de tantos infortúnios, Odessa sempre conservou sua condição de centro de irradiação da literatura com temática judaica, em três idiomas: russo, iídiche e hebraico. Odessa era de tal forma atraente por sua estatura literária e postulados ideológicos que para lá afluíram dezenas de escritores e intelectuais judeus de diversos países da Europa. Estes, em função de suas consistentes bagagens culturais e demonstrações de talento, passaram a ser chamados de “Os Sábios de Odessa”. O escritor mais reverenciado era Mendele Mocher Sforim (1836-1917), pseudônimo de

“APÓS O POGROM”, ÓLEO DE MAURYCY MINKOWSKI, 1910. The Jewish Museum, Nova York

comunidades 28 existe e que tanto amo, é uma falta muito maior do que eu seria capaz de Zeevimaginar”.Jabotinsky, nascido em Odessa e um viajante que, no transcurso da vida, percorreu continentes, sempre encontrava uma pausa para regressar à sua cidade, sobre a qual escreveu um romance em que um personagem, em certas passagens, descreve a cidade em comoventes tons poéticos. Entretanto, a poesia não era o forte de Jabotinsky. Seus textos em favor da criação de uma pátria judaica, abrangendo desde o rio Jordão até a costa do Mediterrâneo,

Desde jovem, Jabotinsky escolheu não ser apenas um intelectual. Após

JUDEU DE ODESSA. FOTOESTÚDIO J.X.RAOULT, 1870

Inúmeras lendas foram criadas em torno de sua pessoa, e seu pensamento foi deturpado por seguidores e opositores. Hoje, sua figura e suas ideias estão sendo resgatadas tanto dentro de Israel quanto na Diáspora. Acusado por seus opositores de ter ideias fascistas, Jabotinsky se declarava um adepto do liberalismo; rejeitava qualquer pensamento dogmático e via no coletivismo uma nova forma de escravização. Ele enfatizava a primazia do indivíduo e de suas liberdades sobre o coletivo. Foi sua ferrenha oposição às teorias socialistas – tão defendidas por Ben-Gurion e pelos adeptos do Sionismo Trabalhista – o que provocou profunda animosidade entre os dois líderes e seus seguidores.

Carismático, Jabotinsky possuía muitas facetas e um extraordinário magnetismo pessoal. Intelectual brilhante, de invejável cultura, era escritor, poeta, jornalista e poliglota – dominava 12 idiomas, entre eles o hebraico. Filósofo, o epicentro de sua filosofia sociopolítica era estabelecer um Estado Judeu soberano. Um dos melhores oradores de sua época, ele magnetizava as plateias. Era dirigente político e lutou como soldado portando a farda do primeiro Exército Judeu dos tempos modernos, após dois mil anos de exílio, organizado por ele mesmo.

RUÍNAS DE UMA SINAGOGA CONSTRUÍDA NA DÉCADA DE 1740

eram flamejantes, mobilizadores de consciências e chamativos para apoiadores. Jabotinsky foi uma das maiores personalidades que emergiram no Povo Judeu nas primeiras quatro décadas do século 20. Seu perfil foi criteriosamente sumarizado nesta revista (edição 107), conforme exposto a seguir.

engajou aos bolcheviques vitoriosos na Revolução Russa de 1917, revoltado com os pogroms dos anos anteriores. Como soldado, participou de uma incursão militar soviética mal sucedida na Polônia, destinada a implantar o Comunismo. Essa experiência o elevou à condição de correspondente de guerra junto às tropas bolcheviques constituídas em sua maioria por cossacos. Babel ficou impressionado com a violência e o antissemitismo desses cossacos. Para se proteger, adotou o nome russo de Karil Vassilievitch Lyutov e foi protegido por esse disfarce que

ISAAC

IÍDICHE DE ODESSA. CENA DE “VIOLINISTA NO TELHADO”, DE SHOLEM ALEICHEM, 1939

REVISTA MORASHÁ i 116 29 setembro 2022

TEATROBABELESTATAL

abraçar o Sionismo, organizou na Rússia e em Eretz Israel grupos de autodefesa judaica. Foi o responsável pela criação de organizações de autodefesa judaica na Rússia e em Eretz Israel: como a Legião Judaica, o movimento juvenil sionista Betar e o grupo paramilitar clandestino Irgun Tzvaí Leumi,  que se manteve coeso após sua morte, em 1940, e se levantou com armas contra o poder mandatário britânico, sob a liderança de Menachem Begin.

Seu ideário político é até hoje debatido em Israel e permanece agregado às propostas de diferentes partidos, em sucessivas campanhas eleitorais. No aspecto estritamente literário o legado de Jabotinsky se resume ao romance Os Cinco: A Vida Judaica na Passagem do Século em Odessa. O livro enfoca múltiplos aspectos das vidas de uma família de judeus daquela época, com personagens que percorrem o Sionismo, a assimilação, a propensão à conversão, devoções e alienações religiosas e eloquente oposição às ideias socialistas. A cidade de Odessa está presente em cada capítulo, tratada sem nostalgia e como um lugar destinado a propiciar um entendimento construtivo entre os seres humanos.

acompanhou as agressões dos cossacos contra os judeus que encontravam nos avanços das tropas. Estas foram justamente as paisagens físicas e os contraditórios das almas humanas que resultaram em seus relatos contidos em A Cavalaria Vermelha.

Os atuais estudiosos da literatura russa incluem a obra de Isaac Babel (1894-1940) no mesmo patamar dos grandes autores clássicos russos, compreendendo desde Tolstoi até Gorki, passando por Dostoievsky e Tchekov. Profícuo na produção de contos com acentuada raiz jornalística, sua coletânea intitulada A Cavalaria Vermelha é considerada uma definitiva obra-prima. Oriundo do pobre subúrbio de Moldavanka, distrito de Odessa, o judeu Babel teve uma vida tão fascinante quanto sua obra. Com 21 anos de idade se

Isaac Babel sempre foi uma pessoa extravagante e indiferente a quaisquer convenções sociais. Teve três filhos com três mulheres diferentes, por conta de suas frequentes viagens através de diversos países da Europa, enquanto mantinha uma espécie de residência oficial em Moscou. Por motivos ignorados e decerto acrescidos por antissemitismo, Babel passou a ser perseguido por Laurenti Beria, chefe da NKVD, antecessora da KGB. De acordo com as praxes dos expurgos soviéticos, foi acusado de cosmopolitismo e de ter atuado como espião a serviço da França e da Áustria. Foi preso e submetido a interrogatórios durante oito meses, levado a um julgamento com a duração de vinte minutos e fuzilado no dia 27 de janeiro de 1940. Suas últimas palavras foram: “Jamais agi como espião contra o regime soviético. Eu só queria ter mais tempo para terminar minha obra”.

JUDEUS DE ODESSA, PRESOS. 1941

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A memória da mãe nos inunda de compaixão como se fosse um oceano, um oceano sem limites que alimenta rios dissecando o Isaacuniverso”.Babel alcançou inusitada proeza literária, uma audaciosa jornada empreendida em sentido inverso: transformou a ficção numa irretocável e insubstituível realidade. Por causa dele, o mundo passou a observar a trajetória de Odessa através da sua visão

particular, como se nenhuma outra tivesse sido capaz de existir.

Ausente de Odessa por ter aderido à Revolução Bolchevique, Babel não testemunhou a convulsão que esta infligiu na comunidade judaica. A maior parte aderiu à revolução porque pelo menos um terço dos líderes bolcheviques e anarquistas eram judeus. Ao mesmo tempo, os judeus ortodoxos e os mais observantes se opuseram ao movimento empenhado em derrubar o Império Russo por considerar seus seguidores desprovidos de fé religiosa e por discordar de suas ações violentas. Os revolucionários judeus procuram mobilizar as massas judaicas e evidenciar a obrigação de combater de forma radical o antissemitismo vigente, há séculos, e que os bolcheviques haviam prometido erradicar. Na ocasião, um rabino de Moscou observou: “São os trotskys que estão fazendo a revolução, mas são os bronsteins que vão pagar o preço”. (Bronstein era o verdadeiro sobrenome de Leon Trotsky, parte do tripé com Lenin e Stalin que comandava a insurreição).

Sinagoga antiga, Odessa

Essa obra inacabada, mas consagrada, ficou para a posteridade como a mais crítica, afetuosa e apaixonada pela cidade de Odessa, sobretudo pelo percurso em seu tortuoso submundo recheado de malandros e trapaceiros. Há também uma descrição do bairro judeu de Odessa, exposta com enorme ternura, na qual ressalta o peso da tradição apontada como hostil a qualquer tentativa de mudança na sua rotina. Por isso, em outra passagem de sua obra escreve: “É muito difícil desviar os judeus de seus costumes antigos. Mudar eles não vão”. Relembrando sua infância assinala: “Meus passos de casa até a escola eram cheios de devaneios. Eu conhecia cada pedra do caminho, cada casa, cada vitrine, com a certeza de que estava desvendando tudo que havia de misterioso, aquilo que os adultos chamavam de essência das coisas”. Na mesma época, diz ele ter recebido um conselho da avó que lhe serviria de guia no decorrer da vida inteira: “Você deve saber tudo”. No conto O Rebe, diz um personagem ancião: “Tudo é mortal. Mas apenas a mãe é destinada a uma vida imortal. E quando ela já não está entre os vivos, deixa uma memória que ninguém ousa contaminar.

EDIFÍCIO DA SINAGOGA E CENTRO COMUNITÁRIO JUDAICO TIKVÁ. ODESSA, UCRÂNIA

As mesmas restrições e infundadas acusações de traição ao regime impostas na capital singraram

as águas do Mar Negro e se reproduziram a partir da segunda década do século 20 naquela cidade que havia sido uma fortaleza da cultura judaica desde o fim do século Assimanterior.como

O marco mais tenebroso dessas transformações foi a invasão da então União Soviética pela Alemanha nazista, no dia 22 de junho de 1941. Em agosto daquele ano, tropas romenas aliadas ao Nazismo cercaram Odessa. A cidade se rendeu em outubro, mas cerca de 80 mil judeus se aproveitaram desse interregno para escapar e se juntar às hordas de refugiados errantes nos campos e estradas da Europa.

Pelos próximos anos, o entranhado antissemitismo russo encontrou uma área fértil em Odessa, onde os judeus tentaram resistir às socializações e ao confisco de suas propriedades. No entanto, depois do abandono da Yevsetskia, o burocrático departamento soviético supostamente encarregado das questões judaicas, o poder centralizado em Moscou foi desdobrado em Odessa, já tendo o antissemitismo como uma política oficial do estado.

REVISTA MORASHÁ i 116 31 setembro 2022

O dito rabino estava coberto de razão. Assim que o Exército Vermelho entrou em Odessa, seu comandante convocou milhares de camponeses para lhes dizer que estava em curso uma rebelião com essência antiburguesa. E quem eram os mais autênticos burgueses? Claro que eram os judeus.

aconteceu em outras cidades e capitais europeias, a vida em Odessa mudou por completo nos dois anos que se seguiram ao início da 2ª Guerra Mundial.

MONUMENTO EM MEMÓRIA DO ASSASSINATO EM MASSA DO POVO JUDEU NESSA CIDADE, NO OUTONO DE 1941. ODESSA, UCRÂNIA

Babel, Isaac, Red Cavalry, W. Morton&Comp., EUA, 2003 Sylvester, Roshannah, Tales of Odessa, Northern Illinois University, EUA, 2005. King, Charles, Odessa: Genius and Death in a City of Dreams, W. Morton&comp., EUA, 2012.

Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro desse ano de 2022, embora teoricamente Odessa pertença à parte agressora, a contingência da guerra, que já incluiu o bombardeio do porto de Odessa, vem contribuindo para deteriorar as condições da comunidade judaica local. Cerca de 20 por cento dos judeus já deixaram a cidade, parte deles resgatados para Israel. Uma sobrevivente do Holocausto, com 97 anos de idade, chamada Valerye Bendersky, esteve entre os novos imigrantes que, ao ser acolhida pelo filho residente em Tel Aviv, apenas balbuciou ao ser cercada pelos microfones da imprensa: “Agora eu estou em casa”.

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.

Outros 90 mil judeus decidiram permanecer em Odessa, que foi submetida ao comando central romeno instalado na Transnistria, atual Moldova e antiga Bessarábia.

IMIGRANTES JUDEUS DA UCRÂNIA DESEMBARCAM EM ISRAEl

concentração na Transnistria e libertados por tropas soviéticas em abril de 1944, um ano antes do fim do Desdeconflito.então,

comunidades 32

BIBLIOGRAFIA

Os judeus que ficaram em Odessa muitas vezes se insurgiram contra a ocupação. No dia 22 de outubro fizeram explodir uma bomba na sede do quartel-general romeno, matando 167 militares, inclusive o comandante romeno, 16 oficiais de alta patente, e quatro oficiais da marinha nazista. Como retaliação, os romenos transportaram 19 mil

judeus para uma praça em frente ao porto e os metralharam. Quando a munição acabou, jogaram gasolina sobre os sobreviventes e os queimaram vivos. Na semana seguinte, os romenos levaram 20 mil judeus para Dalnik, uma aldeia próxima e colocaram todos em celeiros que foram incendiados. Em novembro, cerca de 35 mil judeus foram instalados em dois guetos, nas localidades de Dalnik e Slodboka, onde muitos morreram de fome e doenças. Em janeiro e fevereiro, cerca de 20 mil judeus foram levados para campos de

GAROTO UCRANIANO, AJUDADO POR UM ISRAELENSE, AO CHEGAR EM ISRAEL APÓS A INVASÃO RUSSA NA UCRÂNIA

a Ucrânia voltou a ser parte da então União Soviética e se tornou oficialmente independente como nação, em 1991. Odessa, situada na península da Crimeia, ao sul, integrava o novo país e abrigava uma população de 40 mil judeus. Contudo, sua condição ucraniana só durou até 2014, quando a Crimeia foi anexada pela Rússia, uma agressão territorial inexistente na Europa desde a 2a Guerra Mundial. Foi uma expansão indevida e consumada para atender às ambições imperiais do ditador russo Vladimir Putin.

E

33 SHOÁ

Acabada a guerra, os judeus remanescentes da catástrofe tentaram retornar a suas casas e imediatamente começaram a procurar desesperadamente por suas famílias, para saber se alguém sobrevivera. Para esse fim, foi criado o Central Tracing Bureau que os ajudava a localizar parentes, e as transmissões de rádio e jornais

Por mendy tal

Ao libertar os campos de concentração nazistas os soldados aliados ficaram assombrados, não conseguindo, muitas vezes, distinguir os judeus vivos dos moribundos e dos já falecidos. O socorro foi prestado imediatamente, mas, por maiores que fossem os esforços e a dedicação dos que tentaram salvá-los, dezenas de milhares de judeus morreram nos primeiros meses após a libertação. Em Bergen-Belsen, um dos infames campos de concentração, houve mais de 23 mil mortes em três meses após a libertação, 90% das quais eram judeus.

As Pessoas Deslocadas

Antes mesmo do término da guerra, as Forças Aliadas previam que haveria na Europa uma crise de refugiados, sendo então elaborados planos para repatriar os milhões de deslocados de guerra (DP - Displaced People). Após a derrota da Alemanha, os Aliados – norteamericanos, britânicos, soviéticos e franceses – cada um deles ocupando um diferente setor geográfico na Alemanha e na Áustria – incumbiram a seus exércitos a tarefa de facilitar o rápido retorno dos DPs à sua respectiva terra natal.

Em seu avanço para retomar as nações europeias conquistadas pelo Terceiro Reich, tropas aliadas libertaram campos de concentração nazistas e encontraram judeus sobreviventes. Outros milhares deles ainda estavam milagrosamente vivos, escondidos nos guetos em ruínas, nas florestas e nas cidades. Duas perguntas assombravam os sobreviventes: alguém mais se salvara? Como iriam reconstruir suas vidas?

públicos continham infindáveis listas de sobreviventes e seu paradeiro.

stima-se que na Europa tenham sido encontrados, no final da guerra, 500 mil judeus, dos quais um grande número estava in extremis, tanto em termos físicos como psicológicos. Eles não sabiam que suas provações não estavam terminadas, que os esperavam mais desilusões e sofrimentos.

Deslocadas pelo Holocausto

Em seu avanço pela Europa, os exércitos aliados encontraram entre sete a nove milhões de pessoas deslocadas pela guerra vivendo em países que não eram os seus. Apesar da caótica situação da Europa no pós-guerra, os Aliados acreditavam que a repatriação duraria por volta de seis meses. E, de fato, entre os meses de maio e dezembro de 1945, os militares e a UNRRA – United Nations Relief and Rehabilitation Administration – repatriaram mais de seis milhões de

setembro 2022

A Difícil Jornada das Pessoas

DPs. Mas dentre estes, os judeus oriundos da Europa Oriental eram um problema à parte, cuja solução provou ser difícil e demorada.

SOBREVIVENTES DOS CAMPOS NAZISTAS DE CONCENTRAÇÃO, EM UM CAMINHÃO A CAMINHO DE PRAGA. VIENA, JUNHO 1945

para pessoas deslocadas onde lhes era garantido abrigo, alimentação, segurança. Durante os primeiros meses os rabinos do Exército norte-americano serviram como representantes dos DPs judeus, cuidando de sua correspondência e de suas solicitações.

Apesar das imensas dificuldades, os judeus da Europa Ocidental conseguiram voltar para seus lugares de origens. Mas os da Europa Oriental não tardaram em perceber que não tinham para onde ir. Suas famílias, amigos, vilarejos e cidades inteiras haviam deixado de existir. Suas casas e seus bens haviam sido confiscados, e ninguém pretendia devolvê-los. Muitos dos que retornaram passaram a temer por sua vida, constatando que o mesmo antissemitismo arraigado que existia antes da guerra ainda estava vivo e forte. Na Polônia, por exemplo, os habitantes locais iniciaram vários pogroms violentos. O pior foi o de Kielce, em 1946, no qual 42 judeus, todos sobreviventes do Holocausto, foram mortos. Esses pogroms levaram a um segundo movimento significativo de refugiados judeus da Polônia para o oeste.

SHOÁ 34

O Exército norte-americano, buscando solucionar os problemas mais prementes, organizou, em sua respectiva zona de ocupação, campos

SHOÁJUDEUS

Campos para DPs

de concentração nazistas renovados. Bergen-Belsen foi um dos campos de concentração que acabou sendo transformado em campo de pessoas Mesmodeslocadas.renovados, os campos não estavam preparados de forma alguma para acolher a avalanche de pessoas que, fugindo, das zonas sob o domínio da União Soviética, procuravam refúgio na Zona Norteamericana a partir de 1945.

soldados utilizavam médicos, remédios, alimentos das forças armadas, o mesmo não se aplicava ao vestuário. A falta de roupas civis para todos os DPs significava que, num primeiro momento, muitos judeus continuavam a se vestir com seus

Meses após a libertação muitos judeus – que haviam escapado por pouco da morte quando da libertação pelas forças aliadas dos campos de concentração e trabalho forçado –ainda permaneciam nesses mesmos campos que, apesar de livres, ainda estavam por trás de arame farpado. O drama da subnutrição, tifo, piolhos e graves traumas psicológicos ainda afligiam essas pessoas.

As condições nesses locais eram muitas vezes insalubres devido à severa superlotação e à falta de suprimentos no período pós-guerra. Inicialmente, todos os deslocados (que incluíam militares alemães, guardas nazistas, sobreviventes de campos de concentração, prisioneiros de guerra e trabalhadores escravos) foram agrupados nos campos de acordo com a nacionalidade. Isso significava que, nesses campos, alguns sobreviventes judeus se encontravam lado a lado com seus antigos algozes simplesmente por serem oriundos do mesmo Enquantopaís.os

DR. JOSEPH SCHWARTZ (À ESQ.) E EARL HARRISON (À DIR.). ALEMANHA, 20 JUL.1945

Mas as forças aliadas não estavam preparadas para lidar com a situação encontrada nos campos, tampouco com um contingente tão grande de pessoas. No pós-guerra não havia recursos suficientes, nem locais onde podiam ser abrigados, e a terrível solução foi abrigá-los nos campos

JARDIM DE INFÂNCIA EM UM CAMPO DE PESSOAS DESLOCADAS. SALZBURGO, ÁUSTRIA

míseros uniformes dos campos ou as roupas dos soldados alemães. Os sobreviventes, que se referiam a si mesmos como she’erit hapletah (o remanescente sobrevivente), um termo bíblico de Ezra 9:14 e Crônicas I 4:43, desejavam deixar o que consideravam o solo amaldiçoado da Alemanha e da Europa o mais rápido possível. Mas os portões da Terra de Israel e de outros destinos permaneciam fechados e, em muitos casos, sua condição física e psicológica impossibilitava qualquer movimento

Harrison, reitor da Faculdade de Direito da Universidade da Pensilvânia e recém-nomeado delegado norte-americano ao Comitê Intergovernamental sobre Refugiados, que, na qualidade de seu enviado pessoal, preparasse um relatório sobre a situação dos judeus deslocados na Europa. Harrison fez uma visita de inspeção de três semanas aos

dos criminosos de guerra nazistas viviam em suas casas, moviam-se em liberdade e continuavam a odiar as vítimas cuja destruição não conseguiram alcançar.

A situação só mudou por ordem direta do então presidente Harry Truman, dos Estados Unidos. Em 22 de junho de 1945, o presidente solicitou a Earl G.

Comimediato.opassar

dos meses as relações entre os DPs judeus e o Exército norte-americano se deterioraram. À medida que o número de deslocados aumentava, os militares norte-americanos, quem sabe com que tipo de autojustificativa, passaram a impedir sua saída dos campos a não ser que tivessem uma destinação definitiva. Era uma perversidade inimaginável: os judeus atrás de arame farpado, sob a mira de guardas armados, enquanto a maioria

PESSOAS DESLOCADAS RECEBENDO SUPRIMENTOS VINDOS EM UM AMBULÂNCIA. REGIÃO DE SALZGITTER, ALEMANHA, 1946

UM GAROTINHO AGUARDANDO PARA DEIXAR O DP DE DEGGENDORF, 1947

REVISTA MORASHÁ i 116 35 SETEMBRO 2022

BEN-GURION VISITA O CAMPO DP EM BERGEN-BELSEN. ALEMANHA, OUT. 1945

Entretanto, independente das agruras, milhares destes judeus procuravam ansiosamente retornar à vida. A tentativa de reagrupar as famílias acompanhou a criação de novas; houve muitos casamentos e muitos nascimentos nos campos de Pessoas Deslocadas.

BRIT MILÁ DE JOSEF LICHTENSZTEIN, PRIMEIRA CRIANÇA NASCIDA NO CAMPO DE PESSOAS DESLOCADAS EM HEIDENHEIM, ALEMANHA, 1946

Feldafing, Fohrenwald, Landsberg e Pocking – localizados perto de pequenas cidades que nunca haviam abrigado uma comunidade judaica – tornaram-se, por um curto período, centros de uma vibrante vida cultural judaica.

“Como as coisas estão agora, parece que estamos tratando os judeus da mesma forma como os nazistas o fizeram, exceto que não os exterminamos. Em grande número, eles estão em campos de concentração, sob nossa guarda militar, em lugar das tropas das SS.”

Grande parte destas pessoas eram homens e mulheres jovens, que se apaixonaram, casaram e criaram novas famílias. Os recém-nascidos representavam a grande vingança contra o extermínio do Povo Judeu. As crescentes taxas de gestações e nascimentos expressavam uma profunda necessidade judaica; era como se uma criança fosse a contribuição pessoal de cada sobrevivente para a existência continuada do Povo Judeu.

Juntamente com o auxílio de muitas organizações, como o Joint, a Cruz Vermelha, a Organization for Rehabilitation through Training (ORT) e a UNRRA, as estruturas autônomas criadas nos campos auxiliaram esses sobreviventes, “pessoas deslocadas”, a recuperar sua Umadignidade.desuasprincipais carências era o contato humano. Haviam perdido sua família e estavam sozinhos no mundo. Assim, a vida foi desabrochando entre eles. Estabeleceram atividades educacionais, treinamentos vocacionais, atividades culturais, entre outras.

Harrison ficou chocado com o que viu nos campos e não mediu palavras em seu relatório ao presidente Truman. O relato foi uma condenação contundente da forma como os DPs judeus estavam sendo tratados, e a denúncia visava provocar uma ação rápida dos Estados Unidos.

campos de DP, acompanhado pelo Dr. Joseph Schwartz, um representante do Comitê Judaico Americano de Distribuição Conjunta (o conhecido Joint, responsável pela vinda de tantos de nossos leitores ao Brasil).

Em muitos campos de DP, os judeus libertados elegiam representantes quase que imediatamente após sua libertação. Em Bergen-Belsen, já em 18 de abril de 1945, formaram um comitê representativo, até a criação do primeiro Congresso de Judeus Libertados na Zona Britânica, convocado em setembro daquele ano. Na Zona Norte-americana, foi constituído o Comitê de Judeus Libertados na Baviera (mais tarde expandido para o Comitê de Judeus Libertados na Zona Norteamericana), em uma reunião em 1º de julho de 1945 no campo DP de Feldafing. Em dezembro de 1947, a pequena comunidade de DPs judeus na Zona Francesa elegeria um comitê central semelhante. Os dois principais líderes políticos eleitos pelos DPs

SHOÁ 36

Durante sua vigência, entre 1946 e 1950, os campos de DP como

À medida que a crise escalava, o governo britânico decidiu submeter o problema da Palestina às Nações Unidas (ONU). Em uma sessão especial, em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU votou pela divisão da Palestina em dois novos estados, um judeu e outro árabe, recomendação esta que os líderes judeus aceitaram e os árabes Comrejeitaram.aretirada

A Agência Judaica comprou barcos para levar os judeus de volta à sua Terra Sagrada, mesmo que ilegalmente, mas quando essas embarcações eram interceptadas, os britânicos impediam sua entrada e os enviam de volta à Europa e ao campo de detenção, em Chipre. Com isso, a imagem do Reino Unido no mundo ficou extremamente arranhada.

“O Holocausto nazista, que engoliu milhões de judeus na Europa, provou novamente a urgência do restabelecimento do Estado Judeu, que resolveria o problema da falta de moradia judaica, abrindo suas portas para todos os judeus e elevando o Povo Judeu à igualdade entre as nações”.

Enfim, o judeu estava de volta a seu Lar ancestral.

pelos ingleses de suas forças militares da Terra de Israel, no início de abril de 1948, os

líderes sionistas se mobilizaram para estabelecer um Estado Judeu Emmoderno.14de

David Ben-Gurion, ladeado pelos membros de seu governo provisório, lÊ a Declaração de Independência. 14 de maio de 1948. Museu Municipal de Tel Aviv

Os sobreviventes do Holocausto, dos campos de deslocados na Europa e dos campos de detenção em Chipre foram recebidos alegremente em Eretz Israel, a ansiada terra judaica.

REVISTA MORASHÁ i 116 37 SETEMBRO 2022

em 1945 foram Josef Rosensaft, empresário da cidade polonesa de Bedzin, na Zona Britânica, e Zalman Grinberg, médico da cidade lituana de Kovno, na Zona Norte-americana. A maioria dos partidos judeus do pré-guerra na Europa Oriental participaram das eleições, incluindo os socialistas do Bund e os ortodoxos do Partido Agudat Israel.

No entanto, ao contrário da Europa do pré-guerra, os sionistas de todos os matizes claramente passaram a dominar o espectro político. A linha oficial de todas as organizações que representavam o She’erit Hapletah era sionista. Eles repetidamente pediram ao governo britânico que abrisse a emigração para a Palestina sob Mandato Britânico, e a visita de David BenGurion aos campos de DP, em outubro de 1945, ajudou a ampliar o entusiasmo pela causa sionista. Os sobreviventes ansiavam por criar raízes em outros países. A maioria sonhava em ir para Eretz Israel e lá restabelecer o Estado Judeu, mas os britânicos, que governavam a região, proibiram sua entrada à terra que, há milênios, lhes pertencia. As leis de cotas de imigração dos Estados Unidos e de outras nações, como o Brasil, tampouco facilitaram o restabelecimento geográfico destas pessoas deslocadas.

Mendy Tal é Cientista Político e Ativista Comunitário

maio de 1948, David Ben-Gurion, presidente da Agência Judaica para a Palestina, anunciou a formação do Estado de Israel, declarando:

Sobreviventes do campo de concentração a caminho da Terra de Israel, 15 DE JUL. 1945

m ano depois, tentou-se fundar no local um moshav onde assentar imigrantes judeus da Tunísia e da Argélia para trabalhar na agricultura, mas o projeto não deu certo e a área foi novamente esquecida. Assim permaneceu até o início de 1950, quando começa um capítulo novo e singular de sua história. Um grupo de artistas liderados por Marcel Janco, judeu romeno que emigrou, em 1941, para a então Palestina sob Mandato Britânico, mobilizou-se para criar Ein Hod. Janco acreditava que esta colônia de artistsas seria o local ideal onde eles poderiam trabalhar, montar seus ateliês e oficinas e formar um ambiente criativo para a arte e para educação Respeitadoartística.

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uma parte original do Muro de Berlim foi levada a Ein Hod, e instalada na entrada do principal museu da cidade – dedicado a Marcel Janco e ao MuitasDadaísmo.mudanças

aconteceram com a chegada das novas gerações – e continuam acontecendo, mas seus princípios básicos têm sido mantidos. Sejam eles mais velhos ou mais jovens, todos se empenham em manter a cultura do respeito às diferenças e à coexistência, apesar de seus diferentes pontos de vista. Com 22 galerias –

Ein Hod ainda preserva sua paisagem histórica, além do romantismo e do charme simples da Israel dos primeiros anos após sua independência.

EIN HOD, UM LINDO VILAREJO DE ARTISTAS. De lá se pode apreciar a costa do Mediterrâneo, a cidade de Atlit e uma antiga fortaleza dos cruzados do século 12. Único em seu gênero, em Israel, e um dos poucos em todo o mundo, esse vilarejo se ergueu nos arredores de um povoado árabe abandonado logo após a Guerra da Independência, em 1948.

Ainda é possível encontrar nas estruturas antigas, de texturas e formas arquitetônicas variadas, vestígios de seus antigos habitantes, dos cruzados cristãos aos turcos do Império Otomano. Suas ruas são uma mistura de antigo e moderno e fazem de uma simples caminhada um passeio mágico, enriquecido pela arte que reverbera em cada esquina e pela paisagem que rodeia a cidade, com suas oliveiras, plantações de romãs, videiras e Emfigueiras.1992,

NO SOPÉ DO MONTE CARMEL, A CAMINHO DE HAIFA, LOCALIZA-SE

na Europa por sua atuação na fundação do movimento Dadá, o Dadaísmo, e como intelectual, Janco conseguiu convencer as autoridades israelenses a não demolir o povoado e a autorizar a construção na área de um lugar especial para a arte em todas as suas manifestações – visuais, dramaturgia, música, literatura e todas as novas expressões que viessem a surgir. Assim, em 1953, apesar de todas as dificuldades, nascia a primeira e única colônia de artistas em Israel.

ein Hod, o vilarejo de Israel onde a arte invade as ruas

U

Mas é principalmente durante o verão que a magia da arte se espalha com mais força. A Gertrud Krauss House, por exemplo, promove concertos de música de câmara e leituras literárias quinzenais em sua sede. Gertrud chegou à cidade em 1950 e é uma das pioneiras da dança moderna israelense, além de pianista e escultora. Atualmente abriga em sua casa jovens que trabalham com pintura, instalações e tecnologias em 3D.

Shows de luzes e música, entre outros, lotam a agenda dos anfiteatros ao ar livre. Os amantes das artes ou aqueles que apenas as apreciam encantam-se com as diversas nuances culturais que a cidade oferece.

Almog Gez é o curador da Ein Hod Gallery. Neste espaço é possível encontrar vários exemplos dos trabalhos produzidos pelos artistas locais, sejam fotografias, cerâmicas, joias ou artesanato com diferentes materiais, além de obras restauradas de autoria dos pioneiros da cidade. Recentemente

REVISTA MORASHÁ i 116 39 setembro 2022

Monte Carmel, EIN Hod, Israel

das quais a mais importante é a Ein Hod Art Gallery – e 14 espaços para workshops das mais diferentes manifestações artísticas e dois museus, a pequena cidade oferece intensa atividade cultural ao longo do ano, além de concertos de jazz gratuitos, aos sábados, no entorno da praça central da cidade.

Diversidade cultural

A Ein Hod Gallery, por exemplo, dedica cada um dos seus cinco setores a uma expressão artística diferente. O primeiro traz a arte dos imigrantes da ex-União Soviética e da Etiópia; o segundo é um espaço exclusivo para os artistas do vilarejo, tanto do passado quanto do presente. O terceiro e o quarto setores são para exposições temporárias individuais e mostras de artistas residentes e convidados. O quinto espaço é dedicado a exibições temáticas.

PELA CIDADE, ESCULTURAS FEITAS POR ARTISTAS LOCAIS

OS MÚSICOS, ESCULTURA EM METAL

parte superior é ocupada pelo De Art Studio, onde o arquiteto Aharon Pogoriler exibe seus trabalhos usando diferentes mídias. Nascido em 1944, começou sua carreira trabalhando com vidro e desenvolveu uma tecnologia especial de modelagem do vidro que combina vidro-fusão com pintura.

eu não pensava muito sobre como seria a vida de meus filhos no povoado, mas agora, depois de tantos anos, vejo que foi uma boa escolha. Eles andam pelas ruas e assistem espetáculos teatrais, conhecem pintores e desenhistas. Além de viver perto do mar, estão expostos a muita arte. É maravilhoso para eles”, diz.

COHENFRITZFOTO:

foi realizada uma exposição com os trabalhos das mulheres que viveram na cidade durante os primeiros anos, logo após sua fundação.

é, também, o lar do The Nisco Museum of Mechanical Music, o primeiro museu de instrumentos musicais antigos e modernos. Criado por Nisan Cohen há mais de 40 anos, possui em seu acervo caixas de música, um órgão automático, uma coleção centenária de manivelas, gramofones, pianos automáticos, entre outros. Aos 94 anos, Cohen ainda organiza tours e vende objetos feitos a mão, como por exemplo as caixas de mezuzot que tocam o Hino Nacional de Israel, Hatikva Caminhando.

Não muito distante está o estúdio de Karine Jan. Filha da pintora Batia Eisenwasser-Jancourt, ela cresceu em Ein Hod. Após anos no exterior, Karine retornou ao vilarejo com sua família e confessa que tomou esta decisão em virtude do barulho das ruas de Tel Aviv, que impedia sua filha, bebê, de “Nadormir.época

pelas ruas chega-se ao anfiteatro romano a céu aberto, cuja DOV FEIGIN, ESCULTOR, RECEBE JOVENS VISITANTES EM SEU ATELIER, 1956

Pintura e escultura, tanto contemporâneas quanto as desenvolvidas pelos pioneiros da arte israelense, compartilham os espaços com as diferentes formas de artesanato. Trabalhos em papel, fotografia, cerâmica, joalheria em ouro e prata, design em metais e vidros fazem com que a Ein Hod Gallery seja detentora de uma das maiores coleções da arte israelense do Einpaís.Hod

O HOMEM DE LATA E O BEZERRO DE OURO

israel 40

Contrário à racionalidade e à arte acadêmica, Janco privilegiou o nonsense (ausência de significado) e defendeu a arte espontânea.

PASSEANDO POR EIN HOD 2. Arte em Ein Hod

Quem foi Marcel JanCo

Nascido em Bucareste, em 1895, Janco foi um dos principais intelectuais judeus romenos de sua geração. Por causa do antissemitismo crescente na Europa, emigrou para Eretz Israel em 1941. Um dos grandes nomes da pintura de sua época, foi um dos fundadores do Dadaísmo. O movimento Dadá

1.

o incêndio de 2010 na floresta do Carmel, Ein Hod foi evacuado. O povoado ainda é uma reserva natural onde a flora bíblica da antiga Israel está preservada, fazendo da cidade um ambiente perfeito para a criatividade.

esteve na vanguarda da arte do início do século 20. Seu nome é derivado da palavra dadá, que pode ter múltiplos significados ou não significar coisa alguma. Surgido em 1916, durante a 1ª Guerra Mundial, era um movimento de contestação aos valores culturais vigentes.

NO CENTRO, ENTRE OUTROS ARTISTAS, JANCO, COM UM GALHO NA MÃO. EIN HOD,

1953 1. 2.

sido berço de inúmeros laureados com o Prêmio Israel, um dos mais importantes do país, concedido anualmente durante as comemorações do aniversário da independência do país. Entre os vencedores, que ainda servem de inspiração para as novas gerações de artistas da cidade, estão Zahara Schatz (Pintura e Escultura, 1955), Marcel Janco (Pintura, 1967), Gertrude Krauss (Dança, 1968), Simon Halkin (Literatura, 1975), Haim Heger (Letras de músicas em hebraico, 1983), Natan Zach (Poesia, 1995), Michael Gross (Pintura e Escultura, 2000) e Gila Almagor (Atriz, 2004).

REVISTA MORASHÁ i 116 41 setembro 2022

Hans Arp, fundou um círculo construtivista, Das Neue Leben (A Nova Vida, em tradução livre). E passou a ser um dos principais expoentes do Construtivismo na Europa Oriental. Faleceu em Ein Hod em 21 de abril de 1984, aos 88 Duranteanos.

Para completar a atmosfera singular e mágica, cafés e restaurantes no centro do povoado são ponto de encontro e socialização para seus Einhabitantes.Hodtem

Rompendo com o Dadaísmo em 1919, ele, juntamente com o pintor

No século 19, a Prússia emergira das guerras napoleônicas como a potência dominante e, em 1815, torna-se parte da recém-criada Confederação Germânica. Em 1871, sob a liderança de Otto von Bismarck, os Estados de origem germânica são unificados, dando origem assim ao Império Alemão. O principe Otto von Bismarck-Schönhausen, (1815 – 1898), o “chanceler de ferro”, foi o estadista mais importante da Alemanha e uma das personalidades internacionais de maior destaque do século 19.

mourisco e com uma sofisticada estrutura de ferro essa sinagoga era uma verdadeira maravilha

Neue Synagoge – Nova Sinagoga, em português – foi uma das inúmeras sinagogas majestosas construídas na Europa após a emancipação dos judeus, ocorrida no início do século 19. Os judeus de Berlim, prósperos e confiantes no futuro, quiseram uma nova sinagoga para sua comunidade que fosse uma expressão arquitetônica do crescente bem-estar judaico e de sua nova posição na sociedade alemã.

Em março de 1812, os judeus da Prússia haviam sido emancipados, mas, de certa forma, em Berlim, os

Em Berlim, os judeus se haviam tornado uma comunidade forte, poderosa e culta. A crescente prosperidade e a convicção de que tinham seu lugar garantido no seio da nação alemã os levaram à construção de majestosas casas de oração em toda a Alemanha, das quais a maior e mais bela era a Neue Synagoge, localizada na Oranienburger Straße, no centro da Emcidade.estilo

A Neue Synagoge, com seu imponente estilo mourisco e cintilante cúpula dourada, foi erguida em Berlim em meados do século 19. Era a maior sinagoga alemã e a mais suntuosa e sua impressionante silhueta logo se tornaria famosa além-fronteiras. Foi uma das poucas sinagogas que não foi destruída durante a Kristallnacht, a trágica Noite dos Cristais, em 1938, mas ficou gravemente danificada na 2ª Guerra Mundial. O edifício foi parcialmente reconstruído e tornou-se um centro da cultura judaica.

NEUE Synagoge, VERDADEIRA MARAVILHA ARQUITETÔNICA

muros da segregação social haviam sido derrubados antes disso.  Para a nação alemã as décadas de 1850 e 1860 foram de expansão econômica e industrial e os judeus tiveram papel preponderante nos negócios bancários, no comércio e na indústria.  A comunidade judaica de Berlim prosperava, tendo alguns de seus integrantes enriquecido consideravelmente. A sinagoga então usada pela comunidade, a Alte Synagoge, era modesta e se tornara pequena para aquela sociedade afluente. Ademais, após a emancipação, seus membros não mais precisavam temer que a beleza de suas casas de oração ou os sons de suas rezas provocassem a ira dos habitantes não-judeus ou do governo.

42 CAPA

O Judaísmo alemão no século 19

A

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seu salão principal a capacidade de acomodar 3.200 pessoas.

O domo central dessa sinagoga, recoberto de nervuras douradas, com sua altura imponente de mais de 50 metros, pode ser visto a quilômetros de distância. A frente do edifício, que dá para a Oranienburger Straße, é em alvenaria policromática, ricamente ornamentada com esculturas em tijolo e terracota, além de tijolos esmaltados. A suntuosa fachada frontal é flanqueada por duas torres também encimadas por domos dourados.

sua famosa cúpula dourada

REVISTA MORASHÁ i 116 SETEMBRO 2022

A Neue Synagoge é uma construção imponente, requintada e luxuosa, com uma decoração ricamente iconográfica em seu interior, tendo

A NEUE SYNAGOGE - SINAGOGA E CENTRO JUDAICO EM BERLIM

A Neue Synagoge é um monumento representativo dos primórdios do uso do ferro nas construções. Esse novo material, à época, era visível nas colunas externas, bem como na cúpula, e também foi um importante componente para a estrutura do piso do salão principal, hoje totalmente inexistente.

arquitetônica. Projetada pelo proeminente arquiteto berlinense Eduard Knoblauch (1801-1865), foi inspirada no palácio e fortaleza de Alhambra, em Granada, no sul da Espanha, em estilo arquitetônico mourisco. Até hoje é considerada uma das mais notáveis obras arquitetônicas do mundo.

As obras para a construção da sinagoga foram iniciadas em 1859, mas pouco depois, o arquiteto Knoblauch cai gravemente enfermo. A comunidade incumbe, então, Friedrich August Stüler, um dos principais arquitetos de Berlim, da responsabilidade pela construção do edifício e pelo projeto e execução de seu interior. Também são projetos de Stüler o Neues Museum, o Novo Museu de Berlim, bem como a cúpula do arco triunfal do portal de entrada do Berliner Stadtschloss, o Palácio Estatal de Berlim.

Na Alemanha nazista

Assim que Hitler assumiu o poder, na Alemanha de 1933, os judeus se tornaram alvo de todo tipo de violência física e psicológica, assim como de pressões econômicas, sociais e Nospolíticas.fatídicos

de sua beleza, nem todos na comunidade judaica de Berlim ficaram satisfeitos com a construção dessa sinagoga. Os mais assimilados achavam que o estilo arquitetônico escolhido – o mourisco – enfatizava as diferenças do Judaísmo em relação aos conceitos estéticos ocidentais e protestantes vigentes. Os judeus mais observantes discordavam das inovações introduzidas nos rituais. Por esse motivo, fundaram, em 1869,

A Neue Synagoge, no parque municipal de Görlitz, em Berlim, foi reaberta após sua renovação como Centro de Cultura Judaica

CAPA 44

A ordem dada por oficiais das tropas de assalto aos bombeiros era deixar o fogo consumir os alvos, principalmente as sinagogas, mas evitar que o fogo se espalhasse pelos demais prédios “arianos”. Mais de mil sinagogas foram destruídas por todo o Terceiro Reich; a Neue Synagoge foi uma das poucas que se salvou. Ainda que seu interior estivesse completamente profanado, revirado

dias de 9 e 10 de novembro de 1938, os nazistas orquestraram um violento pogrom contra os judeus do Terceiro Reich. Era o início da segunda fase da perseguição judaica, mais brutal e mais mortal. Turbas violentas, compostas por oficiais e tropas de assalto nazistas, membros da Juventude Hitlerista vestidos à paisana, e por civis percorreram as ruas da Alemanha e da Áustria, que havia sido anexada ao Terceiro Reich em março daquele mesmo ano de 1938, atacando os judeus e vandalizando suas propriedades.

A SS colocou seus homens nas ruas especialmente para incendiar e destruir todas as sinagogas. Estas eram o principal alvo da violência.

Esse pogrom devastador foi chamado de Novemberpogrom (o pogrom de novembro) ou Reichspogromnacht (a noite do pogrom do Reich), mas passou para a História sob o nome de Kristallnacht, mais comumente traduzida como a “Noite das Vidraças Estilhaçadas” ou dos “Cristais Quebrados”. O termo é uma referência direta ao número não relatado de vidraças de sinagogas, lojas e residências judaicas na Alemanha e na Áustria estilhaçadas durante os enfurecidos ataques.

A sinagoga foi inaugurada em 5 de setembro de 1866 por ocasião das Grandes Festas. Na cerimônia inaugural esteve presente o Chanceler da Alemanha, o Príncipe Otto von Bismarck. Na Neue Synagoge realizavam-se, também, concertos abertos ao público, onde ninguém menos que Albert Einstein se apresentou, ao Mas,violino.apesar

a comunidade neo-ortodoxa Adass Yisroel, que seguia a linha do Rabi Raphael Hirsch.

Osmais.líderes

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os judeus de Berlim puderam continuar frequentando sua sinagoga. Além de utilizá-la como lugar de oração e estudos, no salão principal eram realizados concertos e palestras, pois as leis raciais nazistas haviam banido os judeus de outros locais. O último concerto lá realizado ocorreu no domingo, 31 de março de 1940. Era o último de uma série de concertos beneficentes em prol do Jüdisches Winterhilfswerk (o Fundo

Durante a batalha aérea de Berlim ocorrida entre novembro de 1943 e março de 1944, aviões da RAF1 bombardearam a cidade e o edifício da Nova Sinagoga foi fortemente Odanificado.prédioà esquerda da Sinagoga, bem como o segunda à sua direita, na Rua Oranienburger 28, também pertenciam à comunidade judaica de Berlim. E, incrivelmente, ambos sobreviveram à guerra perfeitamente intactos. Neste último, os judeus

O ARON HAKODESH, ARMÁRIO SAGRADO, NO INTERIOR DA SINAGOGa

Judaico para Auxílio Invernal), uma instituição de caridade que arrecadava fundos para ajudar os judeus destituídos. Em 5 de abril de 1940, o boletim de notícias judaicas, o Jüdisches Nachrichtenblatt, foi obrigado a anunciar que os serviços na Neue Synagoge estavam suspensos até segunda ordem. Esta era a maneira como as proibições nazistas eram divulgadas... Os judeus tiveram que remover seus pertences do salão principal da imponente sinagoga, que foi transformado pelos alemães em depósito de uniformes.

1 A Força Aérea Real (em inglês: Royal Air Force; RAF) é o braço aéreo das forças armadas do Reino Unido.

No dia 9, primeiro dia do pogrom, os nazistas invadiram-na, profanando os Rolos da Torá e empilhando tudo o que podia ser arrancado para, em seguida, atear fogo e queimar todo o edifício. Mas, um policial de plantão naquela noite, Otto Bellgardt, entrou no local e, empunhando uma arma, alertou aos berros o populacho de que o prédio era um marco histórico, protegido por lei, e lhes ordenou que se dispersassem. Vendo que o policial estava disposto a disparar para fazer cumprir a lei, as turbas nazistas deixaram o local, permitindo a entrada dos bombeiros. Eles conseguiram extinguir o fogo antes que as chamas se espalhassem ainda

e em grande parte destruido pelo fogo, sua estrutura permaneceu, em grande medida, intacta.

nazistas responsabilizaram os judeus pelos “distúrbios” e destruição ocorridos durante a Kristallnacht e lhes impuseram o pagamento de uma multa exorbitante. Ademais, a comunidade judaica de Berlim foi incumbida de executar os reparos de sua bela

Atésinagoga.1940

No entanto, a comunidade judaica de Berlim continuou a fazer uso dos escritórios, localizados na parte frontal da sinagoga, bem como do hall de reuniões que ficava abaixo da cúpula dourada. E continuaram a realizar serviços religiosos ocasionais nesse local até setembro de 1942, quando receberam ordem de evacuar também essa parte frontal da Asinagoga.deportação sistemática de judeus da Alemanha iniciara-se em setembro de 1941 e, no final de 1942, restavam em Berlim apenas 32 mil judeus. No ano seguinte eram 238. Na Shoá foram exterminados 90% dos judeus que viviam na Alemanha, em 1939.

INTERIOR DA CÚPULA DA NEUE SYNAGOGE

que sobreviveram à barbárie nazista reconstituíram formalmente a Jüdische Gemeinde zu Berlin, a comunidade judaica da Alemanha, em Após1946.ofim

da 2ª Guerra Mundial, a Alemanha derrotada foi dividida pelas potências vencedoras em duas áreas de influência (formalmente eram quatro): uma, sob umafoiSoviética, comunista.eUnidos, Grã-Bretanha e França)dos Aliados capitalistas (Estadoscontroleoutrasobcontroleda UniãoBerlimtambémdivididaemBerlimOcidental,parte  de facto AreunificadaOriental (RDA). BerlimOriental,Ocidental (RFA), da AlemanhaeBerlimcapitalda Alemanhafoiem1990.

Neue Synagoge estava localizada em Berlim Oriental, onde havia uma

Restaurado e modernizado, o edifício foi aberto ao público em 1995.

De 1988 a 1993, as partes da construção com suas estruturas intactas, próximas à rua, que incluíam a fachada, a cúpula e algumas salas na parte de trás foram restauradas sob o nome de “Centro Judaico”, sendo que o principal salão de orações ainda não o foi. A reconstrução de sua parte frontal foi iniciada após o colapso do Muro de Berlim, em 1989.

de Berlim), com o propósito de reconstruir a sinagoga.

3.2.

Ainda que haja uma sala de orações em um desses salões, o local não foi reinaugurado como sinagoga. As pedras especialmente deixadas no terreno indicam as enormes proporções da sinagoga original e dão uma ideia marcante da extensão de sua destruição.

pequena comunidade judaica, bastante empobrecida. Em 1958, as autoridades da Alemanha Oriental ordenaram a demolição do salão principal da sinagoga que estava prestes a desabar, bem como as áreas na parte de trás do edifício, onde se encontravam as ruínas enegrecidas pela fuligem do principal salão de orações. A parte central de sua majestosa cúpula principal, ainda que bastante danificada, mas ainda preservada, também foi demolida na década de 1950. Permaneceram de pé, como memorial, apenas as partes frontais da construção, que davam para a rua principal.

Em 1988, no 50o aniversário de Kristallnacht, foi criada a Stiftung Neue Synagoge Berlin – Centrum Judaicum (Fundação e Centro Judaico Nova Sinagoga

1.

1. VISTA DE TRÁS DO EDIFÍCIO. O RECINTO SAGRADO DA SINAGOGA, MUITO DANIFICADO PELO BOMBARDEIO DOS ALIADOS EM 1944, FOI DEMOLIDO EM 1958 2. PARTE DO FRISO DA ABÓBADA DA SINAGOGA 3. Portões de entrada ricamente decorados

CAPA 46

Ponto focal da vida judaica em Berlim, a Fundação e Centro Judaico Neue Synagoge se tornou um importante local de reunião comunitária e seu rico arquivo e grande biblioteca de pesquisa acadêmica constituem um ponto importante para o ensino e aprendizado da história judaica, através dos tempos, na Alemanha.

REVISTA MORASHÁ i 116 47 setembro 2022

ESTA SINAGOGA TEM 100 ANOS. NO DIA 9/11/1938, NA NOITE DOS CRISTAIS, FOI SAQUEADA E INCENDIADA PELOS NAZISTAS. E, EM 1943, DURANTE A 2a. GUERRA MUNDIAL, DE 1939-1945, FOI DESTRUIDA PELOS BOMBARDEIOS. DIANTE DESTA CASA DE D’US DEVE FICAR UM AVISO, COMO LEMBRANÇA PARA TODOS OS TEMPOS: NÃO ESQUECER, JAMAIS EXTERIOR DO EDIFÍCIO DA NEUE SYNAGOGE COM SUA RICAMENTE DECORADA PORTA DE ENTRADA. OS DIZERES ABAIXO CONSTAM DA PLACA AFIXADA À SUA ENTRADA

Uma exposição permanente “Tuet auf die Pforten”, Abram-se os Portões, narra a história da construção da sinagoga e relata fatos da vida de seus frequentadores. A visita à exposição, bem como a seus objetos, documentos e painéis expositivos, reconta a história do imponente edifício e da vida a ele relacionada. A visita a seus salões, objetos, documentos e painéis explicativos oferece uma excelente ideia das diversas formas da vida dos judeus de Berlim.

Em 7 de julho, foi inaugurada no recinto da sinagoga e ficará aberta até 8 de janeiro de 2023 a exposição ‘Fim dos Testemunhos?’. Trata-se de uma promoção conjunta entre o Museu Judaico Hohenems, o Memorial do Campo de Concentração de Flissenbürg e a Fundação Nova Sinagoga. Hoje são poucos os sobreviventes ainda vivos. A mostra em questão aborda a questão de como museus, memoriais e outras instituições podem trabalhar, de modo responsável, com o material, escrito e em vídeo, deixado pelas testemunhas oculares da crueldade e do incalculável sofrimento dos judeus durante a Shoá.

A obrigação de jamais esquecer a Shoá e o sofrimento do Povo Judeu estão gravados numa placa afixada à entrada da sinagoga, em 5 de setembro de 1966, pela Associação Judaica da Grande Berlim.

48 SABEDORIA

apenas alguns conceitos. A Torá nos fala que D’us determinou as “lições” que temos que aprender durante o tempo que passamos na Terra. Contudo existem várias maneiras de aprendê-las, e a maneira como iremos aprendê-las depende de nossas escolhas. Podemos levar mais ou menos tempo, podemos escolher um caminho mais direto e mais fácil ou um mais longo e mais doloroso. Mas, no final, as lições serão aprendidas.

Perante essas duas questões, são muitas as perguntas que surgem. Ao nos conceder o livre-arbítrio, D’us nos deu o poder de modificar o nosso destino?  Mas, se tudo acontece por algum motivo, isso significa que tudo está predeterminado por D’us? Se nosso caminho foi predeterminado pelo Criador, por que rezamos, trabalhamos ou até mesmo vamos ao médico quando doentes? E como podemos ser responsabilizados por nossos atos?

Escolha a vida

A verdade é que muito do que acontece em nossa vida não depende de nós – está além do nosso poder. Quanto ao que não depende de nós, nós não temos escolha.

equilíbrio entre a Divina Providência e o livre-arbítrio do homem é um dos assuntos mais complexos do Judaísmo. Acreditar na Divina Providência – em hebraico, Hashgachá Pratit – significa acreditar que tudo neste mundo tem uma razão de ser e nada acontece por acaso. Significa acreditar que existe um Criador que comanda o Universo, e tudo o que acontece tem um motivo. Contudo, ao criar o homem, D’us concedeu-lhe o livre-arbítrio – o direito de decidir seu caminho.

Ilustraremos por meio de um exemplo simples o que são “lições” pré-determinadas. Dois alunos preparavam-se para o Vestibular. Um se esforçou e estudou muito e o outro não levou os estudos a sério. O resultado: o que estudou entrou na faculdade que queria e, o outro, não conseguiu entrar e terá que prestar o Vestibular novamente. A lição que os dois alunos aprenderam é a mesma: que é importante estudar, mas ao tomarem atitudes diferentes aprenderam também de formas diferentes. O mesmo se aplica às escolhas em nossa vida.

Rabino Gabriel Aboutboul

Providência Divina e livre-arbítrio

De um lado, está escrito que tudo já está determinado, mas, de outro, também está escrito que a escolha de nossas ações está em nossas mãos. A realidade é que entendemos pouco deste assunto, podendo entender

O quanto de nossa vida está em nossas mãos? Afirmamos que é D’us quem guia nossos passos, mas isso não nos exime da responsabilidade por nossas escolhas. Este assunto é muito relevante, principalmente antes de Rosh Hashaná e Yom Kipur, quando seremos submetidos ao julgamento Divino, tendo que prestar contas de nossas ações no ano que passou e pedir que o próximo ano seja bom e doce.

o

A Torá, em vários de seus trechos, afirma que D’us coloca diante de nós dois caminhos: o caminho da vida e o caminho da morte; o caminho da bênção e o caminho da maldição. E D’us pede que optemos pela vida.

O ser humano tem um instinto primário de sobrevivência. Alguém em plena consciência escolheria a morte? É óbvio que não. Há diversas explicações para esse versículo da

Uma pessoa não escolhe ficar doente ou passar por certas situações difíceis. É inegável que às vezes nos colocamos em situações ruins, mas nesse caso estamos falando das vezes em que isso não ocorreu devido a alguma má escolha nossa. Contudo, mesmo quando não podemos escolher a situação, não perdemos o livrearbítrio. Nesses casos, nossa liberdade consiste em escolher como vamos reagir e lidar com cada situação.

Um exemplo da Física pode nos ajudar a ilustrar esses conceitos. Na Física existem buracos negros – corpos celestes com uma intensa atração gravitacional, de modo que nem mesmo a luz escapa de seu interior. Coloquialmente, o buraco negro “suga” para si tudo que dele se aproxima. O mesmo acontece neste mundo. Existem pessoas que “sugam” energia. Elas vivem um tipo de vida que não é exatamente vida; é simplesmente existir e “sugar” energia deste mundo.  Por outro lado, há pessoas que “geram” energia, que espalham luz, bondade e vida pelo mundo.

D’us nos dá o livre-arbítrio de escolher que tipo de vida queremos levar e nos ordena – escolha a vida: seja produtivo, trabalhe para fazer o bem para este mundo. Escolha ser um bom filho, um bom pai, um bom membro da sociedade; faça escolhas boas e positivas.

REVISTA MORASHÁ i 116 49 setembro 2022

Torá. Uma delas diz que existem dois tipos de vida: uma vida que é vida e uma vida que é morte. Na Torá também está escrito que os Justos são chamados de vivos mesmo após a morte e que os perversos são chamados de mortos mesmo enquanto vivos.

se me afastei do meu Povo e de minhas tradições…foi porque D’us me levou a esse caminho”.

e a escondeu em sua mão e foi perguntar ao rabino o que tinha escondido na mão. Mesmo que o rabino adivinhasse a resposta, ele não teria como saber se a borboleta estava viva ou morta. Se o rabino dissesse que ela estava viva, o aluno iria esmagar a borboleta; se dissesse que estava morta, ele a deixaria voar.

O aluno então chegou no rabino e perguntou, “O que tenho na mão?”, e o rabino respondeu que era uma borboleta. “Ela está viva ou morta?”, perguntou o rapaz e o professor lhe respondeu, “Isso depende de você”.

onde nos encontramos raramente é uma escolha plena nossa. D’us nos leva ao local onde temos uma missão a cumprir. Isso não quer dizer que vamos permanecer naquele lugar para sempre. Existem missões mais complexas, que podem requerer nossa permanência durante anos naquele lugar e existem missões mais simples, rápidas, para as quais uma breve passagem é o suficiente. De maneira geral, os passos de cada pessoa são guiados por D’us. Ele nos leva até onde devemos estar, porém se vamos cumprir ou não nossa missão depende de nossas escolhas.

três tipos de pessoas. As pessoas que agem e fazem acontecer, os espectadores que veem a vida acontecer, e aqueles que perguntam “o que aconteceu”?

SABEDORIA 50

Escolhas humanas e Escolhas Divinas

É importante ressaltar que D’us nos ordena escolher, e o “não escolher” ou se omitir, também é uma escolha. Quando a pessoa escolhe não fazer nada e se deixar levar pelas circunstâncias, isso também é uma Existemescolha.

Pegouresposta.umaborboleta

O ser humano frequentemente tem dificuldade em distinguir que situações dependem de seu livre-arbítrio e quais são produto da Divina Providência. E, muitas vezes, transferimos para D’us o que é responsabilidade nossa. Fazemos uma má escolha, sofremos as consequências e dizemos que D’us quis assim – que é parte do caminho determinado por Ele. Há os que chegam a dizer: “Se abandonei minhas tradições, se me desconectei,

O Judaísmo nos ensina a ser proativos – a fazer coisas positivas acontecerem – porque por meio de boas ações podemos constantemente mudar nosso destino para melhor.

O Baal Shem Tov, fundador do Chassidismo, cita o Salmo 121 que diz “D’us é tua proteção. Como uma sombra, te acompanha a Sua destra”. O Baal Shem Tov usa essa alegoria para retratar a proteção Divinaescrevemos nosso destino; mas, como uma sombra, D’us acompanha os nossos movimentos.

Ao mesmo tempo, quando D’us atua em nossas vidas, muitas vezes acreditamos que isso é fruto único de nossas escolhas. Muitos dos que têm sucesso financeiro, ou muita saúde, atribuem esses resultados somente a seus Acreditamosesforços.que o lugar onde moramos – isso sim, foi escolha nossa. Contudo, nossos Sábios dizem que onde estamos morando é uma escolha Divina. O Povo Judeu quase nunca escolheu onde morar. Quando olhamos para nós mesmos e para nossos antepassados – por quantas cidades e quantos países já passamos? Foi por escolha ou existia uma força maior que comandava os nossos Opassos?local

Conta-se que havia um rabino e professor muito sábio. Seus alunos ficavam impressionados porque seu mestre parecia ter uma resposta para tudo. Certo dia, um aluno decidiu testar o professor. Estava convencido de que iria conseguir colocá-lo diante de uma pergunta sem

D’us nos dá uma alma pura, mas cabe a nós decidirmos as escolhas que vamos fazer.

A Tefilá

Oobjetivos.Judaísmo nos ensina a não sermos passivos diante da vida. Contudo, há certos momentos em que já não há mais o que fazer, e nesses momentos entregamos tudo na mão de D’us. Não que antes não estivesse na mão de D’us; tudo está sempre na mão de D’us. Mas D’us pede a nossa participação e o nosso empenho em tudo que nos diz Orespeito.mesmo acontece em relação a Rosh Hashaná e Yom Kipur. Não basta ir à sinagoga. D’us pede o nosso empenho – pede as nossas orações, nosso arrependimento sincero, e nossas resoluções para melhorar nosso comportamento futuro. Temos que fazer a nossa parte.

Existe muito nesta vida que está além da nossa capacidade de transformar, de melhorar. Contudo, não sabemos ao certo o que conseguiremos mudar e o que está além de nossas possibilidades. A Torá nos ordena que se alguém está doente, esse alguém deve procurar um médico, ou que devemos trabalhar para nos sustentar e assim por diante. Ensina-nos que precisamos nos dedicar e batalhar pelos nossos objetivos e fazer tudo que está ao nosso alcance. A Torá enfatiza a importância do esforço humano e também nos diz que, junto com nossos esforços, devemos lembrar que a reza, a prática da Tzedaká e o estudo da Torá também têm um grande poder que nos permite alcançar nossos

espirituais; principalmente nos dias de Rosh Hashaná e Yom Kipur.  Nesses dias tão sagrados, passamos por uma purificação e uma elevação espiritual. Rezamos para que D’us decrete um ano bom e doce, com saúde, sucesso; um ano em que nossos pedidos sejam atendidos.

Além do nosso poder

Nossos Sábios relatam duas situações ligadas ao poder de nossas rezas. Dizem que, em determinados casos, nossos pedidos já foram aprovados pelos Céus, mas por algum motivo ainda não se materializaram. Por meio da oração

Nasdias.orações

CARREGANDO OS ROLOS DA LEI, 1867. SIMEON SOLOMON (PINTOR INGLÊS, 1840-1905)

REVISTA MORASHÁ i 116 51 setembro 2022

A Tefilá (a reza) constitui uma forma de atuarmos nos mundos

conseguimos trazer esses decretos positivos para o nosso mundo material. É por esse motivo que em nossas rezas há frases que falam de coisas materiais. A segunda situação está ligada à verdadeira essência da Tefilá. Ao rezar nos elevamos a níveis espirituais mais altos e pedimos por uma nova Vontade Divina. Rezamos pedindo Yehi Ratson Lefanecha - que seja a Tua Vontade - para que D’us atenda nossos pedidos mesmo que não tenham sido aprovados. Nossos Sábios nos dizem que por meio da Tefilá é possível, em alguns casos, mudar algum decreto Divino – criando uma “nova” vontade em D’us.  É por esse motivo que a nossa Tefilá é tão importante, em especial nesses

UM JUDEU reza USANDO O TEFILIN EM TORNO DE SEU BRAÇO E NA TESTA. SINAGOGA WESTEND, FRANKFURT, ALEMANHA

de Rosh Hashaná e Yom Kipur está escrito que eliminamos o mau decreto por meio do arrependimento, da oração e da prática da Tzedaká (...U’Teshuvá, U’Tefilá U’Tzedaká maavirin et roa ha-guezera). Isso significa que podemos e temos a força de mudar o nosso destino.

Conta-se que um dia o profeta Eliyahu Hanavi apareceu perante um homem de muita fé e lhe disse que lhe concederia um pedido.

Para cumprirmos essa nossa missão, para fazermos o bem, educarmos nossos filhos num bom caminho, para mantermos nossas tradições, para que trabalhemos em Sua obra, precisamos de saúde, sustento,

ensina que nestes dias tão auspiciosos, não é só pedir, temos que saber como pedir.

nos colocar diante de D’us com nossa lista de pedidos ou podemos nos posicionar como Seus servos neste mundo. Quando rezamos perante o nosso Criador sabemos que cada um de nós foi enviado a este mundo com uma missão a cumprir.

SABEDORIA 52

tranquilidade, paz de espírito, e assim por diante.  Quando pedimos desta forma, a probabilidade de sermos atendidos é bem maior. Não estamos pedindo para nós, mas sim, para termos as ferramentas para cumprir a nossa missão na Terra.

Livre-arbítrio significa assumir a responsabilidade por nossa vida. Mas o que é responsabilidade? É a capacidade de escolher a nossa resposta e reação diante de uma situação. Se nada acontece por acaso, isto significa que se nos encontramos em uma certa situação, isso é decidido pela Divina Providência. Se nos encontramos numa situação em que nos é dada uma chance de fazer o bem, se temos o poder de ajudar, então devemos tomar uma atitude.

Saber como pedir

Retornaria no próximo dia para saber qual este seria...

Podemospedindo?

Chegamos em Rosh Hashaná e Yom Kipur com uma lista de pedidos a D’us. Contudo, há várias formas de pedir e é importante saber como Pedimosfazê-lo. saúde, sustento, amor, felicidade, paz e sucesso. Alguns pedem uma promoção no trabalho, outros querem fechar um negócio, outros pedem por uma esposa ou um marido.... Chegamos com nossos méritos e deméritos e D’us “levanta a nossa ficha” e avalia os nossos pedidos. Merecemos o que estamos

Habilidade de responder

O homem foi à casa de seus pais e perguntou: “Pai, o que eu peço?”. O pai lhe respondeu: “Filho, estamos numa situação financeira muito difícil. Pede uma barra de ouro”.

O homem foi até sua mãe com a mesma pergunta e a mãe respondeu: “Filho, sou cega. Pede para eu voltar a enxergar”.  Tendo consultado seus pais, o homem foi falar com sua esposa, que disse: “Estamos casados há muitos anos e não temos filhos. Pede um filho”.

Rashi, o grande comentarista da Torá, traz um comentário sobre o versículo da Torá: “Não ficarás impassível diante do sangue do teu irmão… e amarás ao próximo como a ti mesmo”.

O homem não sabia o que fazer e pediu que D’us o iluminasse. No próximo dia, encontrou Eliyahu Hanavi e disse: – “Quero que minha mãe veja o meu filho num carrinho de Estaouro”.alegoria

CARTÃO DE VOTOS POR OCASIÃO DO ANO NOVO JUDAICO. JUDEUS PRATICANDO CARIDADE. LEGENDA EM IÍDICHE DIZ: OS BENEFÍCIOS DA CARIDADE SE APLICAM A RICOS E POBRES, IGUALMENTE

Quando chegamos próximo a Rosh Hashaná e Yom Kipur repensamos a nossa relação com o mundo e com o nosso Criador. Nestes dias, D’us também “repensa” a Sua relação conosco e com o mundo. Nestes dias tão sagrados escolhemos D’us e, a cada ano, D’us também nos escolhe.

Não escolhemos ficar ricos ou não, ter saúde ou não. Nossa escolha é optar por fazer o bem ou o mal. Sempre podemos escolher agir dentro da moralidade ou não, ser éticos ou não, pessoas boas e corretas ou não. É nisso que reside a nossa escolha e é isso

propósito, uma missão e, em Yom Kipur, D´us nos dá um dia em que podemos nos arrepender de nossos atos, modificar os nossos caminhos e voltar à nossa missão.

Rabino Gabriel Aboutboul é rabino da Sinagoga de Ipanema no Rio de Janeiro e palestrante.

Não estamos nesta vida por acaso e não nos encontramos em determinado lugar por acaso. Cada momento em que estamos vivos tem sua razão de ser e com isso vem uma grande responsabilidade.

Rosh Hashaná não é somente um dia de julgamento, Rosh Hashaná é um dia da coroação de D’us como Rei do Nosuniverso.doisprimeiros dias do mês de Tishrei, comemoramos Rosh Hashaná, dia em que coroamos D’us. No décimo dia do mesmo mês é Yom Kipur. É o dia do arrependimento e do perdão Divino. O homem foi colocado neste mundo com um

Citando o Talmud, Rashi diz: Se ladrões ou animais perigosos estão próximos de uma pessoa ou se ela está se afogando e você está vendo isso, podendo ajudar, e se omite, então você ficou impassível diante do sofrimento de outra pessoa. Você viu e se omitiu.

REVISTA MORASHÁ i 116 53 setembro 2022

o que é julgado em Rosh Hashaná e selado em Yom Kipur. O que fizemos na prática para sermos bons e corretos? Como estamos contribuindo para este mundo? Estamos sabendo viver uma vida significativa ou estamos simplesmente levando a vida e vendo o tempo passar?

O Rebe explica o que significam essas palavras do Rashi. Já que você foi posto naquela situação, é sinal de que você podia salvá-la, que podia fazer alguma coisa por aquela pessoa.

o chamado do shofar, BEN SHAHN

Costuma-se dizer que Rosh Hashaná é o Ano Novo judaico. Contudo, Rosh Hashaná é a única festa judaica que não está ligada somente ao Povo Judeu.  Rosh Hashaná comemora o nascimento da humanidade, de todos os homens, judeus e nãojudeus. Com o nascimento da humanidade, nasce também nossa responsabilidade social, como ser humano responsável pelo mundo que D’us criou.

Rosh Hashaná e Yom Kipur

Em Rosh Hashaná e em Yom Kipur examinamos a forma como vivemos e como utilizamos o tempo que nos é conferido por D’us. Fazemos uma introspecção de nossas escolhas. Será que escolhemos os valores certos, agimos corretamente e fizemos o bem, dentro de nossas possibilidades? Não somos simples robôs, que vivem o determinismo.

Por meio da Divina Providência D’us nos dá a oportunidade de fazermos o que precisa ser feito. Contudo, D’us nos dá a liberdade de optar por tomar uma atitude ou por não fazer nada. Não podemos ficar impassíveis e dizer “está nas mãos de D’us”.

Podemos não ter escolha plena dos caminhos que vamos trilhar, mas escolhemos como vamos lidar com as adversidades e oportunidades que a vida nos traz.

Por paulo valadares

primeiro centenário, em 1922, foi comemorado solenemente com direito à revogação do banimento da Família Imperial, os Orleans e Bragança (netos de D. Pedro II), em 3 de setembro de 1920. Foi comemorada também a primeira travessia aérea do Atlântico pelos portugueses, a cargo do navegador Gago Coutinho (de remota origem judaica) e do piloto Sacadura Cabral, e, finalmente, a Exposição Universal no Rio de Janeiro, com a presença dos presidentes Epitácio Pessoa, do Brasil, e Antônio José de Almeida, de Portugal.

BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

PROTO-HISTÓRIA JUDAICA BRASILEIRA

O

na Índia, pelo explorador português Vasco da Gama e incorporado à máquina de conquistas portuguesa. Outro oficial é o astrônomo Mestre João da Paz, que foi quem primeiro identificou a constelação do Cruzeiro do Sul.

A saga dos cristãos-novos, também chamados de conversos ou em hebraico de anussim (coagidos), se iniciara na Península Ibérica, oito anos antes. Em 31 de março de 1492, os Reis Fernando de Aragão e Isabel de Castela expulsaram da Espanha os judeus que se haviam recusado, terminantemente, a se converter ao Catolicismo. Pelo Édito outorgado pelos Reis Católicos o Judaísmo se tornara “ilegal” em todos seus domínios. Num prazo de quatro meses, os judeus tiveram que escolher entre o exílio ou o batismo. Muitos dentre eles que escolheram o exílio foram para Portugal. Mas isso duraria pouco, pois, em 5 de dezembro de 1496, D. Manuel, rei de Portugal, assina o Édito de Expulsão que estipula um prazo de dez meses para os judeus deixarem o reino. Mas D. Manuel não queria a partida daquela minoria tão necessária à expansão ultramarina, em seu pleno auge, e ofereceu aos judeus inúmeras vantagens se abandonassem sua fé. Mais uma vez os judeus escolheram o exílio à conversão, preparando-se para deixar Portugal.

54 BRASIL

Os primeiros judeus se assentaram no Brasil como clandestinos ou desterrados. Nas caravelas da primeira expedição, comandada por Pedro Álvares Cabral, em 1500, vieram alguns judeus, já convertidos compulsoriamente ao Catolicismo. Entre eles o mais conhecido é o tradutor Gaspar da Gama, encontrado,

Este é o ano do bicentenário da independência do Brasil. Neste ensaio trabalhamos com o resultado de pesquisas genealógicas sobre a presença judaica no Brasil através de suas migrações.

O ano de 2022 é uma data redonda na cronologia brasileira, pois, em 7 de setembro de 1822, foi proclamada a independência política do Brasil, tornando-o um país independente ao cortar seus laços com Portugal. Isto permitiu o assentamento às claras dos judeus no país, apesar destes aqui estarem presentes desde o “achamento” (termo português para descoberta) do país, mesmo que de forma discreta ou secreta.

O

das terras brasileiras alguns personagens

A “solução” encontrada por D. Manuel para resolver o impasse, uma que atendesse seus interesses, foi convertê-los à força. Em 1497, os judeus, “representantes da Gente da Nação”, seriam “batizados em pé”, à força, e, assim, transformados em cristãos. Os cristãos-novos, como eram chamados, eram vistos com desconfiança e se tornaram o alvo principal da Inquisição. Tribunais do Santo Ofício acabaram por ser instalados nos domínios espanhóis e portugueses alémmar. Considerados pela Inquisição hereges, os “judaizantes”, suspeitos de continuarem praticando o Judaísmo em segredo ou, pior ainda, de levar outros de volta à sua religião, eram presos, torturados, e muitos eram mortos na Nofogueira.povoamento

Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500, por Oscar Pereira da Silva, 1922. Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro

cristianizada. Entre 1622-1628 o economista cristão-novo Duarte Gomes Solis chegou a sugerir que o Brasil se tornasse um lugar para os descendentes de judeus. Não seria melhor, perguntava ele, os judeus por aqui cristianizados, do que em Amsterdã, “judaizando” e “desenvolvendo o inimigo”? À época, a Holanda era inimiga de Portugal, e muitos conversos escolheram se estabelecer em Amsterdã, ansiosos para resgatar seu Judaísmo à sombra de leis tolerantes que lhes permitissem exercer sua fé. Abastados e influentes, os judeus portugueses tiveram papel preponderante no desenvolvimento de Amsterdã e, mais tarde, do enclave holandês em Recife.

Entre os conversos que deixavam a Península Ibérica rumo ao Novo Mundo é possível identificar-se os primeiros descendentes de judeus que se estabeleceram em solo brasileiro

REVISTA MORASHÁ i 116 55 setembro 2022

SELO PORTUGUÊS COM EFÍGIE DO NAVEGADOR VASCO DA GAMA, 1945

e suas famílias vieram para cá, forçados pelo degredo ou cautelosos, buscando distância da Inquisição. O establishment português via esta transferência com bons olhos, pois seria a forma de aqui recriar uma população branca, europeia e já

3) Teotônio da Costa Mesquita, natural de Lisboa, lavrador, preso em São Paulo e executado em 1686.

1) Gaspar Gomes, natural de Portugal, soldado e sapateiro, preso na Bahia e executado em 1644.

MAPA MUNDI CANTINO, O MAIS ANTIGO DE QUE SE TEM NOTÍCIA COM AS DESCOBERTAS PORTUGUESAS NO ORIENTE E OCIDENTE

6) Mateus de Moura Fogaça, natural do Rio de Janeiro, soldado e mineiro, preso no Rio de Janeiro e executado em 1720.

do novo ano novo judaico de 5484 (1724 do calendário gregoriano), o santista Bartolomeu de Gusmão, capelão real, recebeu a informação de que seria preso como

na documentação oficial da época e na genealogia destas famílias. São dezenas delas. Uma das primeiras é a família de Heitor Antunes e Ana Rodrigues, sua esposa e prima, e os filhos do casal. Ele era natural de Covilhã e a família se dizia descendente dos “Macabeus”, tanto que Ana era conhecida como a Dentro“Macabeia”.daspossibilidades, eles procuravam seguir as leis da Cashrut (alimentação permitida pelas leis judaicas) e mantinham uma sinagoga secreta. Afirmava-se que foi Heitor Antunes quem trouxe o primeiro Sefer Torá para o Brasil e

9) João Tomás de Castro, natural do Rio de Janeiro, médico, preso no Rio de Janeiro e executado em 1729.

BRASIL 56

terras brasileiras, foram delatados à Inquisição portuguesa. A relação que segue inclui apenas os morreram queimados ou garroteados em Autos de Fé realizado em Portugal, não contemplando os que morreram pelas torturas físicas e psicológicas, más condições da prisão, inverno rigoroso e falta de alimentação. As vítimas documentadas são:

para a América. Ana foi denunciada como judaizante. Deixaram farta descendência entre Sergipe e Bahia, como o romancista baiano Jorge Amado (1912 – 2001), autor da lei da liberdade de culto religioso no Brasil, na Constituinte de 1946.

É possível nomear outras famílias, como a de Diogo Fernandes e Branca Dias (1520-1580), de Viana do Castelo, que viveram em Pernambuco e cujos descendentes podem ser encontrados até hoje. Branca Dias ficou mais conhecida pela peça teatral contemporânea, que leva seu nome, de autoria de Dias Gomes. O médico cearense Cândido

7) Teresa Pais de Jesus, natural do Rio de Janeiro, casada com professor, presa no Rio de Janeiro e executada em 1720.

de 1591 marcou a primeira visitação do Tribunal do Santo Ofício ao Brasil. Durante o período de perseguições vários cristãosnovos são delatados à autoridade inquisitorial e morreram queimados ou Nasgarroteados.proximidades

2) José de Liz (Isaac de Castro), natural de Tartas (França), estudante, preso em Salvador e executado em 1647.

números segredo,decristãos-novos“judaizantes”,“suspeitos”praticaroJudaísmoemqueviviamem

5) João Dique de Souza, natural de Lisboa, Senhor de Engenho, preso no Rio de Janeiro e executado em 1714.

Pinheiro, seu descendente, ocupa-se em levantar a sua descendência através de documentos primários e Olivros.ano

8) Manuel Lopes de Carvalho (não era cristão-novo), natural de Lisboa, sacerdote católico, preso entre a Bahia e Minas Gerais, executado em 1726.

4) Rodrigo Álvares, natural de Avis, boticário, preso em Salvador e executado em 1709.

11) Guiomar Nunes, natural de Pernambuco, esposa de latoeiro, presa na Paraíba e executada em 1731.

12) Miguel de Mendonça Valadolid, natural de Valadolid (Espanha), comerciante, preso em São Paulo e executado em 1732.

19) António José da Silva, o Judeu, natural do Rio de Janeiro, advogado e teatrólogo, preso em Lisboa, executado em 1739. É a mais conhecida vítima brasileira da Inquisição. (Biografado em livros e no filme de Jom Tob Azulay).

As guerras entre potências europeias transferiram-se também para o Brasil. Na época o país fazia parte dos domínios do reino espanhol. O conflito entre Espanha e Países Baixos chegou em Salvador e depois em Recife. Isto levou ao estabelecimento de um enclave holandês em Recife, entre 1630 e 1654.

judaizante. Por isso, ele e o irmão fugiram para a Espanha e dali talvez para um país mais tolerante – ele desenvolvera a convicção que era o Messias e que devolveria a Terra de Israel para os judeus do mundo todo. Acabou morrendo de exaustão, em meio à fuga, em 1724.

Este período de perseguição se estendeu até 1808, quando a capital do reino foi transferida para o Rio de Janeiro e, por influência do aliado inglês na guerra contra Napoleão, passou a tolerá-los. Nesse momento chegaram aqui alguns comerciantes ingleses de origem judaica.

15) Luís Miguel Correia, natural de Viseu, lavrador, preso em Ouro Preto e executado em 1732.

Kahal Kadosh Zur Israel, A SINAGOGA DO Recife

alterações dificultam a obtenção da cidadania e provocaram uma série de protestos por parte da comunidade portuguesa.

ANDREASNIELSFoto:

13) Diogo Correia do Vale, natural de Vila Real, médico, preso em Ouro Preto e executado em 1732 com o filho Luís Miguel.

O domínio holandês sobre o território brasileiro ia da foz do São Francisco até o Maranhão. Junto a esta ocupação vieram judeus de origem ibérica, muitos deles nascidos como cristãos-novos em Portugal e Espanha, que, como mencionamos acima, ao chegarem à Holanda, haviam voltado ao Judaísmo. Ao se estabelecer em terras brasileiras os judeus incorporam-se rapidamente à elite local como comerciantes, financiadores dos donos de engenhos de açúcar e mercadores. Essa comunidade desenvolveu-se, em especial, em área próxima ao atual porto.

setembro 2022

Em 2015 Portugal promoveu, através do Decreto-Lei nº 30A/2015, a concessão, quando pedida, da “nacionalidade por naturalização” aos judeus como reparação pelo tratamento dado nos tempos inquisitoriais a seus antepassados. Centenas de brasileiros já receberam esta nacionalidade depois do processo ser examinado por peritos da Comunidades de Lisboa, Porto e Belmonte. Porém, nos últimos meses, houve alterações na atribuição da cidadania portuguesa aos descendentes de judeus sefarditas introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 26/2022. Essas

REVISTA MORASHÁ i 116 57 setembro 2022

Manuel da Costa Ribeiro, natural de Celorico da Beira, comerciante, preso em Ouro Preto e executado em 1737.

18) Luís Mendes de Sá, natural de Coimbra (nasceu numa prisão inquisitorial onde a mãe estava presa), comboieiro, preso no Rio das Contas e executado em 1739.

10) Félix Nunes de Miranda, natural de Almeida (Portugal), comerciante, preso em Salvador e executado em 1731.

20) João Henriques, natural de S. Vicente da Beira, boticário, preso em Paracatu e executado em 1748.

COMO “INVASORES”

16) Fernando Henriques Álvares, natural de Vila Moura, lavrador, preso no Rio São Francisco e executado em 17)1733.

14) Domingos Nunes, natural de Freixedos, comerciante, preso em Minas Gerais e executado em 1732.

ANDREASNIELSFoto:

No ano de 1640, a presença dos holandeses em território brasileiro esteve ameaçada pelo fim da União Ibérica. Nessa época, o envolvimento dos espanhóis em diversas guerras na Europa ameaçava seriamente a hegemonia do espaço colonial formado pelos portugueses. Em 1645, eclode a chamada Insurreição Pernambucana, durante a qual grandes proprietários de terra se mobilizaram em favor da expulsão dos holandeses do Nordeste brasileiro.

GRANDE TEMPLO ISRAELITA DO RIO DE JANEIRO

É possível através das genealogias identificar os descendentes como, por exemplo: do rabino Abuhab descende o empresário Arthur Hays Sulzberger (1891-1968), dono do The New York Times; e de Ambrósio Vieira, o engenheiro e moré (professor) João Fernandes Dias Medeiros, líder de renascimento judaico em Natal, na década de 1970.

Migração é uma combinação de vontade individual e eventos coletivos. Muda-se para onde haja um mínimo de estrutura, até aprender a língua, os costumes locais e a forma de ganhar o sustento. Os primeiros judeus que chegaram ao Brasil, sem esconder sua real identidade, são súditos britânicos, que atraíram outros, de variadas origens nacionais.

ANDReASNIELSFoto:

A INDEPENDÊNCIA

BRASIL 58

A presença expressiva e a tolerância governamental holandesa em Recife permitiram a abertura de uma primeira sinagoga a funcionar em terras do Novo Mundo, a Kahal Kadosh Zur Israel, no Recife, e até de um cemitério judaico. Foi contratado o rabino Yitzhak Abuhab (1605 - 1693), nascido como Simão da Fonseca, em Castro Daire, e bisneto do último Gaon1 de Castela. Compôs o tribunal que excomungou o filósofo Spinoza. Vieram também oficiais como mohel (circuncisador) e schochet (abatedor de animais segundo a tradição judaica).

SINAGOGA SHAAR HASHAMAIM, BELÉM, ERGUIDA EM 1824, HÁ QUASE 200 ANOS, E AINDA EM PLENO FUNCIONAMENTO

Com a expulsão dos holandeses do Brasil, naquele mesmo ano de 1654, os judeus deixaram Recife e dividiram-se em dois grupos: um foi para o Caribe e dali para Nova Amsterdã – que viria a ser a cidade de Nova York. Outro não teve recursos ou não quis ir e seus integrantes internaram-se pelo interior do Nordeste brasileiro, já como “católicos”.

1 Gaon, gênio em hebraico. Título dado àsautoridades especializadas na Lei Judaicae aos diretores das duas grandes ieshivot –as academias talmúdicas da Babilônia.

A guerra civil foi cruel para os judeus presos pelos espanhóis. Por fim, em 1654, uma esquadra portuguesa cercou Recife e acabou retomando a região depois de 24 anos de domínio holandês.

As várias correntes migratórias relevantes foram compostas por judeus vindos de várias partes do mundo. Os magrebinos são sefaradim e divididos entre toshavim (autóctones) e megorashim (ibéricos), vindos do Norte da África, notadamente do Marrocos. Falavam

O componente maior desta migração são os sírios, os egípcios, no começo da década de 1950, em razão das políticas anti-Israel de seus governos, e, depois de estourar a Guerra Civil do Líbano, os libaneses.

SINAGOGA BEIT YAACOV, VEIGA FILHO, SÃO PAULO

Vargas (1937-1945) e das Circulares Secretas antissemitas emitidas durante seu governo. Quando a doutrina antissemita se tornou programa político na Alemanha e Itália, cidadãos destes países e dos ocupados por eles vieram para o Brasil, mesmo com as dificuldades para a obtenção do visto brasileiro.

também para o Brasil judeus oriundos do Império Russo. Os pogroms no Império Russo, no final do séc. 19, abalaram por sua crueldade e violência o mundo, tanto que o engenheiro André Rebouças (1838 - 1898), descendente de um frade de origem cristã-nova, forneceu a D. Pedro II o plano de construção de um estado judeu no Paraná, para os judeus russos. Não foi atendido; mas o Brasil tornou-se um destino. Como eles vieram de forma definitiva, sem expectativas de retorno à terra de origem, construíram as principais instituições judaicas como sinagogas, associações culturais e beneficentes, cemitérios etc. Uma parte deles, os bessarabers, ou oriundos da Bessarábia, região da Moldávia, formaram o maior contingente dos judeus que vieram para cá. Falavam iídiche.

Fugitivos do Nazifascismo também encontraram refúgio no Brasil, apesar da política do presidente Getúlio

a hakitia. Fugiam da pobreza e, a partir de Belém, se espalharam pela Amazônia. Fundaram instituições e desenvolveram uma identidade peculiar. Já os alsacianos, estes fugiram da Guerra contra a Prússia (1870). Era um Judaísmo restrito à família e não criaram nenhuma Imigraraminstituição.

Vieram também se estabelecer em terras brasileiras judeus oriundos do Império Otomano. Os turquinos, em menor número, vislumbraram o final do Império Otomano e vieram para o Brasil, assentando-se principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Sefardis e mizrahim (autóctones) falam ladino. São divididos por suas cidades de origem: Esmirna, Istambul, Salonica, Sfat (a Terra Santa, à época, fazia parte do Império Otomano) etc.

A última grande leva de imigrantes judeus que se estabeleceram no Brasil foram os judeus originários do mundo Islâmico-árabe.

Paulo Valadares é Mestre em História Social (USP), autor (com Guilherme Faiguenboim e Anna Rosa Campagnano) de “Dicionário Sefaradi de Sobrenomes /Dictionary of Sephardi Surnames” dentre outros trabalhos.

A independência de Israel, em 1948, levou países árabes a retaliar.

CONCLUSÃO

Os judeus que viviam no mundo muçulmano passaram a sofrer humilhações, perseguições, pogroms, prisões e torturas, e foram forçados a abandonar os países onde viviam.

Os alemães (iekes) são majoritariamente ashquenazim. Os italianos dividem-se entre sefaradis – estes em ponentini (portugueses) e levantini (Norte da África); e ashquenazim, além dos que estavam em Roma desde os Césares. Os judeus de Livorno falavam o baggito.

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) não tem o número exato para quantificar os judeus brasileiros. O critério de “quem é judeu” foi o da autodeclaração. Segunda estas estimativas são acima de cem mil

Pesquisandopessoas.

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em cemitérios judaicos encontramos gente originária de todas as nações, de países europeus, africanos, asiáticos, “israelianos” (era assim que os cidadãos de Israel eram chamados, oficialmente) até do Rajastão (o cantor Beny Yanga) e só não encontrei, ainda, um “judeu de Kaifeng”, judeus autóctones da China – isso apesar de ter identificado vários “judeus de Harbin”, russos nascidos na China, que foram trabalhar nas ferrovias Nestechinesas.bicentenário, o Brasil continua sendo um endereço seguro para os judeus.

ANDREASNIELSFoto:

pós a morte de todos eles, a Alemanha dará por encerrados os trâmites legais para tratar das ações do governo nazista no extermínio de seis milhões de judeus, 270 mil pessoas com necessidades especiais, meio milhão de ciganos e outros tantos. Em outras palavras, ninguém mais responderá por esses crimes e quem quiser conhecer a extensão macabra do Nazismo terá que procurar nos museus, nos documentários e nos livros de História…Naúltima

Há quem questione o propósito de julgar esses criminosos de guerra idosos. Mas, nas palavras de

O Centro Simon Wiesenthal e o Escritório Central para a Investigação de Crimes do Nacional-Socialismo, em Ludwigsburg, estão em verdadeira corrida contra o tempo à caça dos nazistas ainda vivos.

A

década, vários criminosos – a maioria deles acima dos 90 anos de idade –têm-se apresentado em diferentes tribunais para responder por crimes cometidos, anteriores ao ano de 1945, em sua grandíssima maioria contra judeus. E, à medida que esses executores do Holocausto vão envelhecendo, restando poucos deles, o Centro Simon Wiesenthal e os investigadores alemães, apoiados por alguns promotores, correm contra o tempo para levar os remanescentes à justiça.

A atitude da Alemanha de nossos dias é uma tentativa, ainda que tardia, de fazer valer a justiça contra aqueles que ajudaram a perpetrar alguns dos piores crimes jamais vistos na história da Humanidade.

60 atualidade

Cyrill Klement, um promotor cujo gabinete apresentou acusações contra o antigo guarda de um campo de concentração, de 101 anos de idade, “os crimes de assassinato e cumplicidade em assassinato não têm prazo de prescrição”. Ainda que a maioria dos condenados não tenha que passar um dia sequer nas prisões devido à sua idade avançada, esses julgamentos são importantes para expor e documentar seus crimes, dando voz às vítimas e a seus familiares, e, sobretudo, trazendo os fatos à consciência pública para que, de fato, não voltem a ocorrer, ... “Nunca mais...”.

O histórico da Alemanha

Durante décadas, após a 2ª Guerra Mundial, o governo da Alemanha e seu Judiciário não demonstraram nenhuma urgência em localizar muitos dos envolvidos no sistemático assassinato em massa ocorrido durante

Corrida contra o tempo – a caçada aos nazistas vivos

está-se esgotando O tempo hábil para que os criminosos nazistas possam ser julgados por seus atos hediondos.

A Profa. Fulbrook acrescenta que “o número total de pessoas condenadas por crimes nazistas pela República Federal da Alemanha (ex-Alemanha Ocidental) foi ainda inferior ao número de pessoas empregadas em HáAuschwitz...”.razõesjurídicas, políticas e sociais para esse fracasso em fazer valer a justiça. Contudo, é importante notar que o sistema jurídico da Alemanha Ocidental do pós-guerra era recheado de antigos nazistas.

O MUSEU DA TOLERÂNCIA, PARTE DO CENTRO SIMON WIESENTHAL, EM LOS ANGELES, NOS ESTADOS UNIDOS, EXIBE MEMORIAIS DO HOLOCAUSTO

a guerra. Na época da Guerra Fria, tanto a Alemanha Ocidental quanto a Oriental fracassaram em fazer valer a justiça de forma adequada, julgando apenas um número comparativamente pequeno de criminosos de guerra nazistas e os condenando a penas incrivelmente leves face à grave natureza de seus Acrimes.historiadora

inglesa Profa Mary Fulbrook, que se dedica ao Holocausto, diz em seu novo livro, Reckonings: Legacies of Nazi Persecution and the Quest for Justice (Ajustes de Contas: Legados da Perseguição Nazista e a Busca pela Justiça, em tradução livre), que, entre 1946 e 2005, na Alemanha Ocidental e posteriormente na Alemanha Unificada, foram processados 140 mil indivíduos, mas apenas 6.656 deles foram condenados por crimes nazistas. Aos que foram condenados,

“a grande maioria das sentenças aplicadas – pouco menos de cinco mil – 4.993 ao certo – foram relativamente lenientes, com prazos de prisão de no máximo dois anos.... Apenas 164 indivíduos foram sentenciados como perpetradores de assassinato”.

HOLOCAUSTO: CHEGADA DE PRISIONEIROS AO CAMPO DE AUSCHWITZ-BIRKENAU

REVISTA MORASHÁ i 116 61 setembro 2022

Na Alemanha Oriental, “a situação foi melhor, de certa forma, com um total de 12.890 sentenças condenatórias proferidas entre 1945 e 1989, quando da reunificação da Alemanha. De maneira geral, os culpados também receberam penas mais severas. Mas, também lá, a maioria das 7.372 sentenças levavam a pouco menos de três anos”, segundo a historiadora.

mais de 90 anos. Em 2017, segundo notícias da mídia alemã, estavam tramitando 27 acusações contra ex-guardas de campos de concentração e outros criminosos de guerra. Como disse o já citado promotor Cyrill Klement, “Já se passou muito tempo, e isso não facilitou os trâmites, pois agora estamos lidando com réus muito idosos”.

CARTEIRA DE IDENTIDADE DO GUARDA SS JOHN DEMJANJUK

atualidade 62

Até a década de 2000, a prática alemã era não levar a julgamento os nazistas das patentes mais baixas. Por que razão a Alemanha passa a julgar, agora, por cumplicidade, nazistas muito idosos, há muito oficialmente ignorados?

quase todos os casos, tais pessoas já faleceram ou seu estado de saúde lhes impossibilita irem a julgamento.

FOTO PARA FINS PROPAGANDÍSTICOS DAS SS NO INFAME CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE SACHSENHAUSEN, 1941

decisão histórica cria um precedente que permite aos promotores acusar pessoas por auxílio e instigação a crimes nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. Antes dessa decisão, havia que se provar participação direta nos

Aassassinatos.sentençacondenatória a

BRUNO DEY, QUE FOI GUARDA SS em STUTTHOF, CHEGA AO TRIBUNAL DE HAMBURGO, ALEMANHA. JULHO DE 2020

Algumas recentescondenações

Desde que os tribunais alemães expandiram a definição de quem pode ser culpado por atrocidades durante o Holocausto, já foram acusadas várias pessoas com

Demjanjuk abriu um precedente legal para ser julgada qualquer pessoa que teve uma função em um campo de concentração nazista –de soldados a contadores – sob a acusação de cumplicidade com os crimes lá Lamentavelmente,perpetrados.em

NO TRIBUNAL DE DETMOLD, ALEMANHA, REINHOLD HANNING, QUE FOI GUARDA SS EM AUSCHWITZ. JUNHO DE 2016

O jogo mudou em 2011, com a condenação de John Demjanjuk. Julgado culpado de cumplicidade no assassinato de mais de 28 mil pessoas, com base na evidência de que servira como guarda SS no campo de extermínio de Sobibor, ele foi sentenciado a cinco anos de Umaprisão.tal

Mudança histórica

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LISTRADOS EM AZUL E CINZA, OS UNIFORMES USADOS PELOS PRISIONEIROS NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO NAZISTA DE STUTTHOF. MUSEU DE STUTTHOF, EM SZTUTOWO, POLÔNIA

Em 2016, Reinhold Hanning, guarda SS em Auschwitz, foi sentenciado a cinco anos de prisão por facilitar a matança de, no mínimo, 170 mil pessoas. Ele tinha 94 anos ao ser condenado, e também faleceu antes mesmo de ser encarcerado.

Stutthof, foi acusada de cumplicidade na matança de mais de 11 mil pessoas. Ela conseguiu escapar de um sanatório poucas horas antes de seu julgamento. Acabou sendo capturada e teve seu julgamento remarcado para 19 de outubro de 2021. Por ser adolescente à época da execução dos crimes, Irmgard está sendo julgada em um tribunal juvenil.

HALL DOS NOMES, COM FOTOS DE JUDEUS MORTOS PELOS NAZISTAS. MEMORIAL YAD VASHEM, JERUSALÉM, ISRAEL

Em 2022, Josef Schütz, ex-guarda em um campo de concentração, de 101 anos, foi condenado por cumplicidade nos assassinatos perpetrados no campo de Sachsenhausen, ao norte de Berlim.

Em 2020, Bruno Dey foi julgado culpado, aos 93 anos, de cumplicidade no assassinato em massa de 5.230 pessoas, na qualidade de guarda no campo de Stutthof,

Abaixo, alguns desses casos recentes:

A primeira mulher, em décadas, a ser julgada por crimes da era nazista, Irmgard Furchner, secretária dos nazistas nesse mesmo campo de

Em 2015, Oskar Gröning, um sargento SS conhecido como “o contador de Auschwitz”, foi condenado por colaborar no assassinato de mais de 300 mil pessoas no famigerado campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia ocupada pelos nazistas. Gröning foi condenado como cúmplice de assassinato por catalogar bens e valores saqueados dos deportados, em sua chegada ao campo de extermínio. Sua pena foi de quatro anos, mas ele faleceu antes de iniciar o cumprimento da sentença.

na Polônia. Recebeu uma pena suspensa de dois anos. Foi julgado em um tribunal juvenil, apesar de sua idade, porque era apenas adolescente à época dos crimes. Nesse campo de concentração havia três mil guardas – dos quais apenas 50 foram condenados. E, apenas em Stutthof, foram mortas 65 mil pessoas…

Segundo os promotores, o réu, “ciente e desejoso de o fazer”, participou do assassinato de 3.518 prisioneiros nesse campo, no exercício de sua função de guarda. Foi sentenciado a cinco anos de prisão, mas não está claro se seria forçado a cumprir pena. Schütz é a pessoa de mais idade, até hoje, a ser julgada por cumplicidade nos crimes de guerra durante o Holocausto. Mais de 100 mil pessoas foram mortas em LeonSachsenhausen. Schwarzenbaum, de 100 anos, sobrevivente de Sachsenhausen, afirmou que esse tinha sido “o último julgamento por meus amigos e

ano de 2001, o CSW publica seu Relatório de Situação (“Status Report”) com informações sobre a busca e julgamento de criminosos nazistas, em todo o mundo, entre os quais uma lista dos “mais procurados”. O Centro também fornece às autoridades alemãs o nome dos suspeitos.

atualidade 64

CARTÃO DE REGISTRO MENCIONANDO O GUARDA DO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DEMJANJUK.ESCRITÓRIO CENTRAL PARA A INVESTIGAÇÃO DO NACIONAL-SOCIALISMO. FEVEREIRO 2021

conhecidos e meus entes queridos lá Mesmoassassinados”.seforem condenados, a maioria desses nazistas muito idosos continuarão a se evadir da Justiça. Quando recorrerem de suas sentenças, o caso volta aos tribunais, lhes ganhando tempo. O processo é mesmo lento – e a maioria deles não passará um dia sequer atrás das grades.

Caçadores de nazistas

depoimentos de testemunhas, até mesmo localizando sobreviventes que possam eventualmente servir de testemunho. Dá também continuidade à organização do lobby para forçar que essas pessoas sejam levadas a julgamento.

Sala de reunião e fachada do Escritório Central para a Investigação de Crimes do Nacional-Socialismo

Algumas organizações se dedicam a localizar esses criminosos de guerra.

LEON SCHWARZBAUM, SOBREVIVENTE DO HOLOCAUSTO, APONTA JORNAL COM FOTOS DO GUARDA SS REINHOLD HANNING. MARÇO 2016

O Centro Simon Wiesenthal rastreia suspeitos de terem sido criminosos de guerra nazistas, recolhe e analisa provas, registros militares,

O SWC trabalha em conjunto com o Escritório Central para a Investigação de Crimes do NacionalSocialismo, que, desde 1958, funciona em Ludwigsburg, na Alemanha. Esse departamento conta com uma equipe reduzida de investigadores e é responsável por rastrear criminosos nazistas mundo afora.

O Centro Simon Wiesenthal (CSW) é uma organização judaica mundial dedicada à defesa dos direitos humanos. Entre suas diversas áreas de atuação, o Centro é conhecido pela pesquisa sobre o tema do Holocausto e da lembrança, bem como pela caça de criminosos de guerra nazistas. Seu nome homenageia o reputado caçador de nazistas, Simon Wiesenthal. Ainda que apoiasse a iniciativa, Wiesenthal não era vinculado à sua operação e às atividades diárias. O diretor do Escritório do Centro Simon Wiesenthal em Jerusalém é Efraim Zuroff, o caçador de nazistas par excellence do Anualmente,Centro.desdeo

julgamentos trouxeram de volta um vigoroso debate sobre o passado sombrio da Alemanha. E são uma maneira de expor os crimes contra a humanidade cometidos pelos nazistas, bem como de lutar contra os que negam o Holocausto.

Historian exposes Germany’s minute number of convictions for Nazi war crimes, artigo publicado pela equipe do jornal Times of Israel na edição de 10 de novembro de 2018, https://timesofisrael

Bibliografia:

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julgamentos são importantes num momento em que procuramos chegar a um acordo sobre a melhor maneira de preservar a memória das vítimas e dos crimes hediondos contra o Povo Judeu e contra a humanidade. Como bem o definiu o sobrevivente do Holocausto e Prêmio Nobel Elie Wiesel: “Esquecer não apenas seria perigoso, mas ofensivo; esquecer os mortos seria matá-los uma segunda vez”.Osatuais

The hunt for Nazi war criminals continues, artigo publicado por Alois Berger em 23 de julho de 2013 no site continueen/the-hunt-for-nazi-war-criminals-https://www.dw.com/

Apesar de todo o seu trabalho de investigação, nem o Centro Simon Wiesenthal nem o Escritório Central em Ludwigsburg podem levar esses casos a julgamento. Após as investigações preliminares, o Escritório encaminha os casos à promotoria nas cidades onde vivem esses nazistas. A partir daí, cabe à promotoria dessas cidades decidir como tratar as informações. Algumas simplesmente nem reagem, outras deixam esfriar as informações por anos e pouquíssimas resolvem dar andamento ao caso.

Nazi crimes prosecutor: ‘Time is running out’, artigo publicado no site prosecutor-time-is-running-outlearngerman.dw.com/en/nazi-crimes-https://

O CAÇADOR DE NAZISTAS EFRAIM ZUROFF EM JERUSALÉM. OUTUBRO DE 2007

O Escritório em Ludwigsburg funciona assiduamente há várias décadas, mesmo com recursos limitados, coletando provas e conduzindo investigações. Já recolheu 1.7 milhão de pastas de provas e montou um banco de dados de criminosos nazistas com detalhes de suas ações. De Hitler para baixo, aos mais rasos soldados ou auxiliares, todos os malfeitores nazistas até hoje identificados estão registrados nessas pastas, com todos os detalhes sobre seus crimes. Contudo, o Escritório destaca que os dados levantados por suas pesquisas representam apenas uma pequena fração do que ocorreu na Europa sob domínio nazista.

A triste realidade continua sendo o fato de que os casos julgados nos tribunais, nas últimas décadas, são apenas a pontinha do iceberg da máquina mortífera nazista. A maior parte dos assassinos se livraram. Os poucos casos ainda não julgados já não poderão fazer justiça ao sofrimento judaico causado pelos nazistas; além de seu número reduzido, vêm à tona com um enorme atraso, não recuperável.

Os últimos perpetradores e seus cúmplices têm idade avançada, assim como os últimos sobreviventes e testemunhas oculares. Esses

PALÁCIO DA JUSTIÇA EM MUNIQUE, ALEMANHA

Nas palavras do Dr. Efraim Zuroff do Centro Simon Wiesenthal, os perpetradores ainda vivos chegam “no mínimo, a algumas dezenas”. Ele alega que não descansará até que um único criminoso nazista exale um suspiro. “O tempo transcorrido de forma alguma diminui a culpa dos perpetradores do Holocausto e a idade avançada não deve encobrir e proteger aqueles que cometeram tais monstruosidades”, afirma Zuroff.

Nazistas ainda à solta

projetos, é muito focado e atribui essa habilidade ao fato de ter praticado ioga e meditação transcendental quando jovem. Segundo ele, “toda boa arte depende de concentração, por ser um trabalho grande em um pequeno espaço”.

UMSEINFELD,SUCESSO ESTRONDOSO

66 personalidade

oucas pessoas poderiam ter previsto o impacto que o programa teria na cultura popular americana, tornando-se a comédia mais vista nos Estados Unidos e considerada, por muitos, a melhor comédia já feita para a televisão

Ele é um judeu praticante, muito envolvido em diferentes causas judaicas, ajudando a arrecadar recursos para várias organizações, entre as quais o Maguen David Adom (o equivalente à Cruz Vermelha, em Israel) e o United Jewish Appeal (a Campanha Judaica Unificada).

Além de ser mundialmente famoso como comediante de stand-up e criador do seriado que leva o seu nome, Jerry é também um talentoso escritor e produtor.

Muito discreto em relação à sua vida pessoal, pouco se sabe sobre ele. Nas entrevistas que concede, fala sobre seu trabalho, mas raramente sobre sua vida. É conhecido por ser introvertido e afirma sentir-se pouco à vontade diante de outras pessoas.

Jerry Seinfeld é um dos comediantes mais renomados de todos os tempos, conhecido e APLAUDIDO por milhões de fãs por seu programa de televisão, QUE LEVA SEU NOME. NO ar, pela primeira vez em 1989, É Um dos maiores sucessos da história da televisão, QUE levou a cultura judaica para a tela de uma forma jamais vista até então.

P

Sua vida

Como ele mesmo diz, prefere estar no palco do que conversar em grupos pequenos. Sente-se à vontade apenas quando socializa com colegas comediantes. “Pessoas comuns não querem falar sobre o que eu gosto. Com comediantes, é uma espécie de competição para ver quem diz algo mais engraçado”.

Jerry Seinfeld nasceu Jerome Allen Seinfeld no Brooklyn, Nova York, em 29 de abril de 1954. Mudou-se com a família para Long Island, também no Estado de Nova York, ainda criança. Seu pai, Kalman, era de origem húngara; e sua mãe, Betty, síria. Seus avós maternos, Salha e Selim Hosni, eram judeus imigrantes de Alepo. Sua mãe trabalhava como costureira enquanto seu pai era redator de cartazes, muito mal pago, com um ótimo senso de humor. Isso despertou o interesse de seu filho pela comédia. Além de Jerry, o casal teve uma filha, Carolyn. Tanto seu pai quanto sua mãe

Jerry Seinfeld é conhecido por ser perfeccionista e meticulosamente organizado. Trabalha duro em seus

Jerry conheceu Jessica Sklar em agosto de 1998 e se casaram em dezembro do ano seguinte, em uma cerimônia judaica simples, com uns 30 convidados. Os recém-casados escolheram Long Island para viver.

Israel, trabalhando – ou fingindo que trabalhava – num kibutz”. Contou que seus companheiros, adolescentes nova-iorquinos como ele, viviam fazendo piadas. “Um deles disse, certa vez, que a melhor coisa a se fazer na vida era ser comediante. Aquilo me fez pensar no que eu precisaria fazer para que isso se tornasse realidade, comigo...”Formou-se em Comunicações e Teatro pelo Queens College de Nova York e, uma vez formado, foi atrás de seu sonho.

cresceram órfãos e, segundo Jerry, casaram-se mais tarde do que era comum, à época, e não eram muito convencionais. Quando ele lhes falou que pretendia se tornar comediante, eles lhe responderam: “Ah, ok, faça o que você quiser”.

Aos oito anos, Jerry já era fascinado pelos comediantes que se apresentavam na televisão, assistindo a seus programas dia e noite. Aos 15 anos, foi para Israel, onde trabalhou como voluntário no Kibutz Sa’ar. Sobre essa experiência, diz: “Foi um programa de oito semanas, organizado pela sinagoga que frequentávamos. Lembro-me que meus pais pagaram US$ 866... Claro que no kibutz eu tinha que trabalhar, mas não o fiz”. Deramlhe a incumbência de cortar folhas mortas das bananeiras, mas, segundo ele próprio, o trabalho era exaustivo e ele raramente o fazia.

APRESENTANDO-SE EM UM EVENTO BENEFICENTe DA ORGANIZAÇÃO “AUTISM SPEAKS”, EM PROL DE CRIANÇAS AUTISTAS. NOVA YORK, 17 nov. 2009

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Sua Família

Jerry conta que Israel lhe deu o empurrão que faltava para ser comediante. “De fato, essa ideia começou a se formar no meu íntimo quando tinha 15 anos e estava em

Ser comediante foi o único trabalho que já teve. Desenvolveu um estilo

Foi atrás de seu objetivo, agendando o maior número de apresentações possíveis e aprimorou sua forma de fazer comédia. Em 1976, participou no especial da HBO Rodney Dangerfield, desse famoso comediante, e isso impulsionou sua carreira. Em 1979, teve um papel pequeno na série de televisão Benson.

Em maio de 1981, aos 27 anos, finalmente fez sua estreia no The Tonight Show com Johnny Carson Johnny o adorou, elevando-o à nata dos comediantes. Daí em diante passou a ser constantemente convidado em programas similares, incluindo o Late Night Show com David Letterman

Desde o início de sua carreira, seu objetivo era ter seu próprio programa de televisão. Decidiu que para atingir essa meta ele primeiro tinha que aparecer no The Tonight Show com Johnny Carson, um programa de televisão que lançou muitos artistas, principalmente comediantes. “Se você está no The Tonight Show e Johnny Carson gosta de você, você está no show business; se ele não gosta, você está fora”, diz.

personalidade 68

com a família

Sobre sua vocação, Jerry diz: “Mesmo se eu ganhasse o suficiente apenas para comprar um filão de pão e não morrer de fome, ser um comediante seria a maior aventura da minha vida. Esta foi minha

Logo após terminar os estudos, Jerry trabalhou por um breve período como garçom numa lanchonete, como vendedor de guarda-chuvas e bijuterias ao redor da Bloomingdale’s e em televendas - vendia lâmpadas por telefone. “Era difícil encontrar pessoas sentadas em casa no escuro dizendo ‘não posso continuar assim por muito tempo’ ”, diz brincando.

decisão. Disse ‘não me importo com o que me acontecer; vou fazer isso’ ... Eu não sabia na época, mas estava, como os jogadores de pôquer gostam de dizer, ‘apostando todas as minhas fichas’ ”, diz Jerry

Tiveram três filhos – uma menina chamada Sascha, e dois meninos, Julian Kal e Shepherd Kellen. Jerry e Jessica preferem manter a privacidade de sua vida familiar, porém em algumas ocasiões Jerry fala sobre seu relacionamento e o que ambos fazem para que dê certo.

Jessica se dedica à família e à instituição que fundou, Baby Buggy, que desde 2003 já arrecadou mais de dois milhões de produtos de roupas e acessórios para bebês, destinando-os a famílias carentes na região de Nova York.

Em 1989, em parceria com Larry David, criou a série de televisão

COM SUA MÃE, BETTY SEINFELD, EM 1993

Seu primeiro show de stand-up foi em 1975, aos 21 anos, e não se esquece de como estava apavorado. Olhou para a plateia, congelou e acabou sendo vaiado, saindo do palco. Obstinado, voltou na noite seguinte e completou sua apresentação debaixo de risos e aplausos.

chamado de comédia de observação. Baseia-se em fazer comentários sobre os pequenos “mistérios” da vida – é a comédia do “por acaso você já notou que...?”. Jerry é uma referência mundial no stand-up, espetáculo que envolve um comediante, geralmente em pé, num palco, sem acessórios, cenários ou qualquer outro recurso.

A carreira

É, também, autor de best-sellers, famoso principalmente por seu livro Seinlanguage (1993), com observações humorísticas, que ocupou o primeiro lugar da lista de best-sellers do The New York Times. Escreveu alguns livros, incluindo o livro infantil Halloween (2022) e uma coletânea do conteúdo humorístico que criou ao longo de sua carreira, Será Que Isso Presta?

de Seinfeld, Jerry voltou a se dedicar totalmente ao standup, realizando turnês. Sua rotina foi documentada em filmes como Comediante (2002), Jerry antes de Seinfeld (2017) e Jerry Seinfeld: 23 horas para Matar (2020).

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Em(2020).2007,

quer que sua carreira termine onde começou: nos pequenos clubes de comédia de Nova York.

Em 1988, o canal NBC pediu que Jerry criasse um programa para a televisão. Junto com o comediante Larry David, criou

BATENDO NA JANELA DO SALÃO OVAL, NA CASA BRANCA, NUM EPISÓDIO DE “COMEDIANTES EM CARROS TOMANDO CAFÉ”. NO GABINETE, O PRESIDENTE BARACK OBAMA. 7 dez. 2015

Inicialmente, a NBC não apostava em seu sucesso, querendo apenas

Seinfeld, o programa de TV

de duas horas que teve com o então presidente Bill Clinton, na cozinha da Casa CostumaBranca.dizerque

Jerry foi coautor e produtor da animação Bee Movie –A História de uma Abelha, dando voz ao papel principal. Posteriormente criou o reality show The Marriage Ref (2010) e a série de entrevistas Comediantes em Carros Tomando Café (2012). Nesse programa, ele passeia com comediantes convidados em um carro diferente a cada episódio, levando-os para um café e um bate-papo. Esse programa teve convidados de peso, a começar por Barack Obama, ex-presidente dos EUA; e atores de primeira, como Alec Baldwin, Steve Martin, Jim Carrey e Eddie Murphy, além dos apresentadores de talk-shows, Jon Stewart e David Letterman, entre outros. A série já foi indicada a cinco prêmios Emmy.

SEINFELD NA APRESENTAÇÃO DE SEU FILME “BEE MOVIE” EM TEL AVIV, 25 nov. 2007

Seinfeld para a NBC. A comédia teve nove temporadas e, em seu episódio final, em 1998, foi o programa de maior audiência no Aopaís.término

Jerry afirma que um dos pontos altos de sua carreira foi a conversa

Seinfeld, que estreou em 5 de julho de 1989. Chamada de “o programa sobre nada”, a série não tem um enredo definido e se concentra principalmente em situações cotidianas e embaraçosas que envolvem Jerry Seinfeld e seu grupo de amigos, comicamente esquisitos: Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus), George Costanza (Jason Alexander) e Cosmo Kramer (Michael Richards), enquanto Jerry interpreta uma caricatura de si mesmo.

Desde então, a série faturou cerca de US$ 3 bilhões pelos direitos de reprise, nos Estados Unidos e no mercado internacional. Em 2019, a Netflix pagou US$ 500 milhões pelos direitos globais de exibição do programa por cinco anos.

Os críticos também se apaixonaram por Seinfeld e o programa recebeu, entre diversos prêmios, 68 indicações para o prêmio Emmy, das quais venceu em 10, e 15 indicações para o Globo de Ouro, sendo contemplado com três das mesmas.

Enquanto esteve no ar, Seinfeld registrou os maiores salários entre os elencos de comédias. Jerry recebeu US$ 1 milhão por cada episódio

e os demais artistas, US$ 600 mil - salários geralmente pagos para atores que possuíam seus próprios programas. Seinfeld tornou-se a primeira série de televisão a ganhar mais de US$ 1 milhão por minuto em publicidade - valor, até então, recebido apenas pelo Super Bowl - o final da liga de futebol americano. Jerry Seinfeld decidiu que a série terminaria em 1998 – após a nona temporada –, pois queria encerrar em alta. Há rumores de que os produtores ofereceram US$ 5 milhões por episódio para a realização de uma décima temporada, o que totalizaria US$ 110 milhões por apenas mais uma temporada. Ainda assim, Jerry permaneceu firme em sua decisão de que era hora de encerrar o programa.

O ENTÃO PRES. DE ISRAEL, SHIMON PERES, RECEBENDO EM JERUSALÉM O ATOR JASON ALEXANDER, MAIS CONHECIDO POR interpretar George Costanza em “Seinfeld”. 25 out. 2011

MICHAEL RICHARDS, JULIA LOUIS-DREYFUS, JERRY SEINFELD, JASON ALEXANDER, 1989

personalidade 70 mantê-lo ocupado, pois temiam que outra emissora o contratasse como concorrente do The Tonight Show. O episódio piloto de Seinfeld não foi bem recebido pelo público do grupo de discussão contratado. O relatório dizia que as pessoas tinham odiado a série, achando o elenco fraco e que nenhum deles estava disposto a assistir novamente o programa. No final, a NBC encomendou mais quatro episódios - o menor número de programas já pedidos para a primeira temporada de um seriado. Anos depois, Jerry ainda mantinha esse relatório - que quase enterrou a sua série - pendurado na parede de sua casa em Los Angeles.

Em sua quarta temporada, a série já era a mais popular e de maior sucesso da televisão americana. Seinfeld atingiu níveis até então sem precedentes de popularidade, entre telespectadores de todas as idades. O programa, que teve nove temporadas, ainda mantinha o maior índice de audiência dos Estados Unidos quando o último episódio foi exibido em 1998, com 76 milhões de pessoas assistindo ao final da série.

Seinfeld e a cultura judaica

Os artistas judeus das décadas de 1970 e 1980 haviam sido relegados a papéis secundários. A década de 1990, no entanto, assistiu a uma mudança de paradigma em relação a personagens judeus em programas de televisão. Em Seinfeld e outras séries da década de 1990, o Judaísmo se tornou parte da cultura pop americana. Alguns dos personagens principais nas comédias da televisão, como The Nanny (19931999), Friends (1994-2004) e Will e Grace (1998-2008), eram judeus. A popularidade desses programas veio a confirmar que o “Judaísmo” tinha finalmente se tornado parte integral do universo pop do país.

Seinfeld e Israel

Seinfeld foi escrito e produzido pelos judeus Larry David e Jerry Seinfeld, que viviam em Nova York, na época. A cidade de Nova York é o lar de aproximadamente 1,5 milhão de judeus e mais da metade dos escritores da série são judeus, como Tom Leopold, Carol Leifer e Dave Mandel. Em 1989, Brandon Tartikoff, presidente da NBC, judeu de Nova York, inicialmente rejeitou o programa piloto de Seinfeld alegando ser “muito nova-iorquino, muito judeu” para chegar a ter sucesso. “Quem quer assistir judeus neuróticos, andando por Nova York?”, dizia.

Mesmo que todos os quatro personagens principais pareçam caricaturas exageradas de judeus nova-iorquinos, apenas Jerry é explicitamente judeu, no programa. No entanto, vários dos personagens foram baseados em judeus da vida real. George Costanza, por exemplo, foi inspirado no cocriador da série, Larry David, e o personagem Cosmo Kramer, no ex-vizinho de Larry

Nem todos os episódios versam sobre esses temas, mas o programa é permeado por indícios sutis da herança de Jerry Seinfeld e

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David, Kenny Kramer. Seinfeld levou às telinhas alguns dos traços e expressões judaicos mais famosos, bem como suas práticas culturais e religiosas. O programa está repleto de temas ligados à comunidade judaica, como uma busca desesperada por uma babka de chocolate (pão doce recheado que tem origem nas comunidades judaicas do leste da Europa), a forte ansiedade diante de um brit milá, uma namorada que mantém a cashrut, eventos para judeus solteiros e até nazistas. Os temas incluem um bar-mitzvá, confidências a um rabino, namorar e encontrar uma garota judia e um dentista que se converte ao Judaísmo apenas para poder contar piadas judaicas, entre tantos outros assuntos.

Larry David. Há muitas piadas que denotam o temperamento judaico, principalmente em cada episódio em que os pais fictícios de Jerry (Morty e Helen Seinfeld) aparecem. Seinfeld introduziu, no dia-a-dia do público americano, a cultura do povo judeu, tornando-se uma série tão popular que praticamente todo mundo a assistia. Muitos de seus bordões e elementos do enredo tornaram-se parte da cultura popular, incluindo expressões dos judeus da Europa Oriental, em iídiche. Em muitos círculos, supunha-se que qualquer pessoa, independentemente de idade, religião ou cidade natal, entenderia as referências do programa.

Jerry foi várias vezes a Israel e diz sentir-se muito próximo do país. Em 2017, em entrevista ao jornal israelense The Times of Israel, falou sobre fazer stand-up em Israel. “Não há nada como esse grupo em particular de judeus… quando eles se juntam são muito diferentes da maioria dos demais grupos que frequento. Obviamente, tenho uma conexão mais forte com eles. E tenho esta conexão com Israel. É muito íntimo. É poderoso. Amo isso. Amo que eles pensem que eu sou o filho deles”. Sobre os

Seinfeld levou às telinhas alguns dos traços e culturaisbemjudaicosexpressõesmaisfamosos,comosuaspráticasereligiosas

1. Cena de “Seinfeld”, 1998. Jerry com seus pais fictícios. 2. FACHADA DO RESTAURANTE TOM’S, PONTO DE REUNIÃO DE SEINFELD E SUA TURMA NA SÉRIE

No entanto, a série se tornou a comédia mais popular da década de 1990 e mostrou que os personagens e suas idiossincrasias neuróticas e excêntricas não eram “judaicos demais” para a América.

Humor Judaico

VISITANDO A CIDADE VELHA DE JERUSALÉM. 23 nov. 2007

suas excentricidades

Em um episódio recente do programa Norm Macdonald Live, Jerry contou o que chama de “a maior piada judaica”, mas deixou seus anfitriões e o público confusos.

APRESENTANDO-SE EM TEL AVIV. 19 dez. 2015

Fez campanhas publicitárias para o American Express e foi o primeiro a receber seu cartão Black, além de participar de comerciais da Apple e da Microsoft.

Disse que somente os judeus entenderiam a seguinte piada:

Jerry, “todo o humor americano é essencialmente judaico. Por exemplo, a palavra para a qual os esquimós têm mais sinônimos é ‘neve’. Em iídiche, há mais palavras para o termo ‘idiota’ do que para qualquer outra palavra. Então aí está a sua veia cômica”.

“Dois empresários gentios se encontram na rua. Um deles pergunta ‘Como vão os negócios?’ O outro responde ‘Ótimo’. E esta é a piada”, diz Jerry.

Jerry é conhecido por suas excentricidades. Possui uma coleção de mais de 500 pares de tênis, todos eles brancos. Possui mais de 50 carros, entre eles uma das maiores coleções de Porsche do mundo. Até alugou um hangar no aeroporto de Santa Mônica para guardar alguns veículos. Conta que quando jovem tinha dois interesses: Bill Cosby e Elecarros.adora

com uma pesquisa realizada recentemente nos Estados Unidos, de uma lista dos 35 programas de televisão mais famosos, os dois mais assistidos e amados são Friends (43%) e Seinfeld (40%). Seinfeld é uma obra genial e, sem dúvida, um dos seriados mais engraçados de todos os tempos. Esse brilhante programa de televisão criado por dois judeus de Nova York, Jerry Seinfeld e Larry David, marcou a televisão de forma indelével e, ao mesmo tempo, constitui um dos maiores veículos de divulgação e celebração da cultura e do humor judaicos.

personalidade 72

Para ele, o humor é uma das características do Povo Judeu e “a maior tradição judaica é rir. O ponto central da sobrevivência judaica sempre foi encontrar o lado humorístico da vida e de nós Demesmos”.acordo

israelenses, disse: “Judeus em Israel não são como judeus em Nova York, eles não são tão reclamões”. Jerry conversou com o apresentador do Daily Show, Trevor Noah, sobre sua apresentação em Israel. “O público foi incrível”, disse. “Os israelenses são tudo ou nada... o que você pergunta a eles tem como resposta ‘não é problema, não é problema’... ou então eles dizem ‘é impossível, é impossível’. Não há meio-termo”.

cereal e é fã do SuperHomem, como demonstra em alguns episódios de Seinfeld. O apartamento de Jerry em Manhattan é um duplex, a uma quadra do endereço “129 W. 81st”, onde vivia seu personagem em Seinfeld.

Para quem continuou sem entender, ele explicou que a piada residia no fato de que um empresário judeu jamais diria “ótimo”; em vez disso, ele certamente teria várias queixas a Segundofazer...

setembro 2022

Eram músicos, escritores, pintores, atores, cientistas, matemáticos, arquitetos, médicos, futebol.policiaisedançarinos,fotógrafos,empresáriosatépalhaçosdecirco,etécnicosdeTodosrefugiados e refugiadas do Nazifascismo, que buscaram salvação a partir de 1933.

muito contribuíram para a sociedade brasileira. Cada trajetória uma epopeia, desde o nascimento e a formação no Velho Mundo, os terríveis perigos e chegadaenfrentadossofrimentoscomadoNazismo, as

Izidor

DICIONÁRIO DOS REFUGIADOS DO NAZIFASCISMO NO BRASIL

1885

São relembrados em 300 biografias ilustradas, representando os milhares de fugitivos que fizeram ou refizeram a vida e a carreira em nosso país e

de união para os jovens judeus de toda a Europa. Numa época em que a Hungria era uma superpotência do futebol, Kürschner sagrou-se

lutas e peripécias para conseguir escapar, obter vistos e embarcar rumo à Oliberdade.

Budapeste, Rio de Janeiro,

pelo historiador Israel Beloch, relata tudo isso. É mais uma publicação da Casa Stefan Zweig, sediada em Petrópolis, voltada para a divulgação e o estudo da obra do grande escritor austríaco aqui falecido e do papel dos refugiados que, como ele, escaparam do totalitarismo.

ascido no então Império opelosHúngaro,Austro-governadoHabsburgo,judeuIzidor

Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil, coordenado

TÉCNICOJogador,KÜRSCHNERdefutebol

A biografia do jogador e técnico de futebol Izidor Kürschner está contida no Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil, livro que está sendo traduzido ao inglês e publicado com o patrocínio do Banco J. Safra Sarasin.

73 LIVRO

1941

No Brasil, de 1937 a 1941

campeão pelo time por duas vezes, em 1904 e 1908, além de ganhar três campeonatos nacionais, em 1910, 1911 e 1912. Destacou-se ainda

Kürschner passou a atuar em 1904 no MTK Hungria, a tradicional equipe futebolística dos judeus húngaros, fundada em 1888. Grande rival do Ferencvaros, o time era também inscrito na Liga Húngara, a mais importante no país. O futebol, desde os anos anteriores ao Nazismo, representava um elo

n

Em 1919, Kürschner deixou o MTK e foi para a Alemanha, onde atuou como treinador em duas temporadas do futebol alemão no inicio dos anos 1920, à frente do Nuremberg (1920-1921), obtendo o campeonato alemão, e do Eintracht Frankfurt (1921-1922), que transformou em campeão regional. Seu maior tempo como treinador de futebol foi na Suíça, onde comandou uma equipe recém-constituída, o Basel, de 1923 a 1924. O desempenho naquele país lhe permitiu participar das Olimpíadas de 1924, em Paris, formando com Jimmy Hogan e Teddy Duckworth um plantel de três técnicos dedicados à preparação da equipe suíça para os jogos. Com o contato com os treinadores ingleses, adquiriu novas técnicas e táticas procedentes da Inglaterra, e a seleção suíça obteve a medalha de prata. Atuou em seguida no Grasshoper, em Zurique, de 1925 a 1934, com uma trajetória de êxitos na equipe, além do Young Boys, de Berna, na temporada 1934-1935.

IZIDOR KÜRSCHNER E O TIME MTK, 1907. CORTESIA: ARQUIVO HÚNGARO DE ESPORTES

enquanto que no Brasil predominava ainda o sistema 2-3-5, tido como bastante arcaico.

Em março de 1937 mudou-se para o Brasil, fugindo do antissemitismo na Europa. Embora viesse trabalhar em times locais, a motivação fundamental de sua vinda foi atribuída por muitos ao receio do treinador dos riscos que recaíam sobre ele, judeu húngaro, num momento em que o Nazismo avançava. Recém-chegado no Rio de Janeiro, assumiu em abril daquele ano a equipe do Flamengo. O time carioca buscava então formar um

grande quadro, contratando craques como Fausto dos Santos, Domingos da Guia e Leônidas da Silva, além de cinco jogadores da Argentina. Ao longo de sua temporada brasileira, Izidor, apelidado de Dori no Brasil, implantou as ideias acumuladas na Europa – mais controle e mais toque – e apresentou ao futebol brasileiro o esquema tático “WM”, considerado vanguardista no cenário europeu, por Inoã Urbinati

Apóscarioca.asaída do Flamengo, em junho de 1939, Kürschner passou a treinar o time do Botafogo. Pouco depois foi, porém, acometido de um vírus raro, vindo a falecer aos 56 anos de idade.

/ IB

Na Copa do Mundo de 1938, assessorou com suas novas táticas os técnicos da seleção brasileira de futebol, que conquistou o terceiro lugar na disputa: era a origem do chamado ‘jogo bonito’ da equipe brasileira. Apesar de suas ideias revolucionárias, Dori Kürschner foi demitido após uma derrota do rubronegro frente ao Vasco da Gama, sendo substituído por seu auxiliar e discípulo Flavio Costa, que recorreu ao esquema por ele implantado, tornando-se o treinador mais vitorioso na história do futebol

LIVRO 74 por sua visão avançada do futebol, com uma grande capacidade de antecipação. Em 1913, deixou de atuar como jogador, e cinco anos mais tarde tornou-se técnico do MTK, substituindo o inglês Jimmy Hogan, considerado um dos mais revolucionários técnicos europeus.

Ao ler um livro sobre a imigração italiana que me foi recomendado, nas páginas de “Coronéis e Carcamanos”, eis que me deparo com a história de um casal da Bessarábia perdido entre os italianos. Por não conhecer a história e não entender o contexto pesquisei na internet. Depareime com esta história em seu site “Bessarábia, era uma terra doce e bonita...” que me elucidou muito e me tocou bastante... que relato forte! Obrigada por compartilhar e que se tenha mais união entre os povos.

Excepcional a qualidade editorial da Revista Morashá. Fiquei emocionado com o artigo “O amor a Jerusalém”, e com sua riqueza de citações da Torá e do Talmud, com destaque para o cordão de prata e o lugar central de Jerusalém na ligação entre o mundo físico e espiritual.

A edição 115 de junho de 2022 está primorosa. Sobressaem nesta edição o fabuloso artigo do Professor de Relações Internacionais Samuel Feldberg (“Israel - uma democracia pujante”) e as matérias sobre as atrocidades que os judeus e o Judaísmo sofreram no Iraque. Parabéns a todos da cada vez melhor Revista Morashá.  Arnaldo Abrão Risemberg Niterói - Rio de Janeiro

Gostei muito da reportagem sobre a vida e obra de Barbra Streisand, de quem sou fã, não só devido à sua brilhante carreira como cantora/atriz, como por seus posicionamentos como mulher, judia e grande apoiadora de Israel e dos Direitos Humanos. Queria mencionar o seu filme de 1973, Nosso Amor do ontem - The Way We Were, dirigido por Sidney Pollack. A trilha sonora do filme “The way we were”, foi vencedora do Oscar, e Barbra foi indicada ao prêmio de Melhor Atriz por sua brilhante atuação.

Betina Serson

75 setembro 2022 REVISTA Morashá i 93

Carlos David Zeitune Israel

Francismari Pedroso Ferreira Ribeirão Preto – SP

Durante muito tempo recebi a Revista Morashá, que sempre apreciei muito. Uma revista elaborada com toda a qualidade e de artigos excelentes, lê-la era um verdadeiro prazer.

Muitíssimo obrigado pelo envio dessa revista de qualidade maravilhosa. Parabéns a todos da edição e da revista! Fiquei impressionado com a leitura.

Silviu Friedmann Rio de Janeiro - rj

Sara Laks Trachtenberg Porto Alegre – RS

Juliana Roiz Rio de Janeiro – RJ

Não vejo a hora de continuar recebendo a Revista Morashá, que é um primor e referência da Cultura Judaica mundial. Parabéns pelos 30 anos, sou assinante há pelo menos 15 anos!

José Ronaldo Viega Alves Santana do Livramento - RS

Leio todas as edições de Morashá e as empresto para minha irmã e cunhada. Estou grata pela oportunidade de conhecer mais a fundo temas que desconhecia e como isto me possibilita uma maior segurança para debates, inclusive com pessoas que têm ideias pré-concebidas principalmente a respeito do sionismo.

David Millán São Paulo – SP

Helena Serebrinic São Paulo – SP

Perola Kottler Por e-mail

Em toda leitura, em cada exemplar da Morashá, um novo leque de conhecimento é aberto em minha mente, refletindo e abrindo os olhos do meu coração. A edição 115 de junho de 2022 está espetacular. Destaco a matéria “O Amor a Jerusalém”.

João Antonio dos Santos Curitiba - PR

Ruth Epsztejn Rio de Janeiro – RJ

Acabo de receber a edição nº 115 da revista Morashá, maravilhosa em todos os aspectos. O artigo “Shakespeare e os judeus” de Zevi Ghivelder é um verdadeiro presente para este leitor.

Estive em algumas bibliotecas municipais de São Paulo e em todas vi exemplares da revista Morashá. Fiquei muito contente! Esta é a melhor forma de combater o antissemitismo através do conhecimento sobre o Holocausto e a comunidade Judaica, com artigos de fonte confiável. Parabéns pela iniciativa.

Recebo com grande alegria e interesse as edições da Morashá! Com os melhores votos para todos e que possam continuar com muitas brahot a publicação da revista e ações de fortalecimento do Judaísmo.

Agradeço o recebimento da Morashá, edição 115 de junho 2022. Revista importante de informações de história, práticas religiosas, ética, que muito ajuda a fortalecer a comunidade judaica dentro e fora do Brasil.

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