ZINT ⋅ Edição #10: Jogador Nº 1

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EDIÇÃO #10 // JOGADOR N O 1 MARÇO 2018

NA EDIÇÃO A E s c o l h a P e r f e i ta , A M e l h o r E s c o l h a , A c r o s s t h e U n i v e r s e , A lt e r e d C a r b o n , A n g e l a D a v i s , A n i q u i l a ç ã o , Caçadores de Trolls, Círculo de Fogo, Com amor, simon, Drik Barbosa, Em Pedaços, Jessica Jones, Jogador No 1, J o j o M o y e s , L a r a C r o f t, L i f e S e n t e n c e , R i v e r d a l e , u m c o r p o q u e c a i V a n c e J o y, Y o u r N a m e , Z e c a P a g o d i n h o


editorial

Chegamos a nossa décima Edição! Agora, com Jogador No 1 na Capa, este mês não trazemos, pela primeira vez, nenhum Especial. Mas isso não quer dizer que não tenhamos muitos conteúdo pra degustação! A ZINT #10 traz, como já citado, uma bela matéria sobre o novo blockbuster de ficção científica de Steven Spielberg, Jogador No 1. Ainda, trazemos críticas sobre “Com Amor, Simon”, o novo filme da Lara Croft (Tomb Raider: A Origem), o belíssimo e instigante Aniquilação e o novo capítulo de Círculo de Fogo. Também, a publicação apresenta pra você Drik Barbosa, uma cantora brasileira, e o cantor australiano Vance Joy, com direito à playlist. E fala sobre o musical sobre a vida de Zeca Pagodinho e o novo livro de Angela Davis! Este mês também viemos com duas Indicações (uma dela, sobre filmes feitos por mulheres sobre mulehres) e dois novos Colabs para Tirinhas e Fotografia. Cada um deles traz, respectivamente, um projeto bem legal para expôr aos leitores. Por fim,enquanto o Guia do Entretenimento apresenta novas palavras/jargões para você aprender, o Calendário Cultural te conta as grandes novidades para o mês de abril, como o tão esperado “Vingadores: Guerra Infinita”, as novas temporadas de Westworld e The Handmaid’s Tale, o novo álbum de Janelle Monáe e o novo God of War. Ufa! Só podemos esperar que vocês aproveitem!


A ZINT é uma revista mensal e gratuita voltada às áreas de Arte, Entretenimento e Cultura, em formato de publicação digital. Acreditamos na nossa independência editorial e esperamos que, dentro dos mais variados formatos de textos, possamos trazer alguma abordagem inventiva ou inédita aos assuntos que permeiam o campo do jornalismo cultural.

João Dicker & vics

Editores-chefes e idealizadores da ZINT


O QUê QUE A ZINT TEM? Aproveitando das possibilidades de uma publicação online, a revista conta com algumas interações bem legais. Para que nenhum leitor fique sem usufruir 100% do oferecemos, um manual de como funciona a ZINT.

Com uma publicação online, as possibilidades de interações são promissoras. Usando a plataforma digital ao nosso alcance, a revista pode sempre vir acompanhada de objetos interativos. A

ZINT

aproveita de todos esses recursos, e você pode usufruir de tudo de uma forma bastante simples e rápida. Capítulos

Em primeiro lugar, é interessante apontar que a revista funciona por Capítulos. As barras laterais correspondem ao capítulo correspondente: Verde-Grama para Filmes, Roxo para Música, Laranja para Literatura, Azul-Céu para Séries, Magenta para Indicações, AzulMarinho para Tirinhas, Rosa para Fotografia, Verde Água para Playlists. Assim, fica fácil identificar o tipo de conteúdo em que você se encontra.


Vídeo e Áudio

Com uma revista de Entrenimento e Cultura em mãos, é simplesmente impossível não relacionar as matérias com um conteúdo digital. Um vídeo, um filme, uma música, uma playlist. No papel físico, tais interações são impossíveis de serem atingidas por motivos óbvios. Mas digitalmente, tudo é muito fácil. Toda vez que um matéria vier com qualquer tipo de conteúdo de Vídeo/Áudio, a imagem de destaque virá acompanhada de ícones correspondentes, como a ícone vermelha do Youtube. Se a matéria tiver mais de um conteúdio audiovisual, cada imagem disponível ao longo da matéria terá os mesmos ícones. Basta passar o mouse ou o dedo por cima da imagem, que ela se mostrará como um link. Clique, e seja redirecionado para o conteúdo! No caso de vídeos únicos (e não em playlist), o player será aberto dentro da própria revista, não interferindo na sua experiência.

Links

Além do conteúdo audiovisual principal, as vezes as matérias contém inúmeros outros links de Vídeo/ Áudio, tornando difícil colocar ícones para todos. Também acontece de uma matéria ter um link para outra matéria. Para isso, foi criado uma forma bem fácil de identifica-los: todos os links são sublinhados. O sublinhamento tem o efeito do marca-texto, parecendo que aquela parte do texto foi, de fato, destacada por um. Esta é a identificação de um link; uma linha grossa em Amarelo, a cor oficial da revista. Rodapé

O easter-egg da revista. No rodapé de cada página de matéria, no mesmo lugar da paginação, o zint. online sublinhado também é um link. Neste caso, ele leva para a versão correspondente da matéria no site, em formato blog. //


IDEALIZADORES

colab

DESENHO

colab

FOTOGRAFIA

avatar es virt uais

|

colab

DIAGRAMAÇÃO


colabs

TEXTO

idealizadores; joão dicker, vics desenho; bruno bigh

em ordem alfabética, da esquerda para a direita

eq uipe da edição

diagramação; thales assis // vics fotografia; ruth berbert texto; ana luisa santos, bruna curi, bruna nogueira, carolina cassese, deborah almeida, diandra guedes, fernanda palazzi, giulio bonanno, jader theophilo, julio puiati, laísa santos, marcelo tosi, rafael bonanno, yuri soares // joão dicker, vics


CALENDÁRIO CULTURAL Com amor, 12 Simon 12 q ui .

baseado em fatos reais

q ui .

7 dias em entebbe

q ui .

aos teus olhos

q ui .

submersão

invasion of privacy

q ui .

b

12

o fundo é apenas o começo

america

se x .

legion

2 TEMPORADA A

12 qui.

ter.

05

03 ter.

03 QU I.

05

the last o.g. 1ª Temporada

covil de ladrões

sex.

06

12 álbum de cardi

sex.

06

um lugar 06 silencioso 10

álbum de thirty seconds to mars

05 Q U I.

Ella e John

QU I.

o homem das cavernas

05 05 2018

jan

álbum de

tinashe

new girl

7ª e última Temporada

sex.

13 sex .

13 qui.

dom.

12 FEV

ps4, xbox one

joyride

álbum de kylie minogue

rampage: destruição total

qui.

shusterman

we happy few

para pc,

golden

sex.

te r.

13

de neal

15 mar

abr

lost in space 1 A TEMPORADA

fear the walking dead

4ª Temporada

MAI

JUN


a agenda traz as datas dos principais lançamentos e estreias do mês de ABRIL para as áreas de FILMES, LITERATURA, MÚSICA, SÉRIES e JOGOS.

s eg.

16

westworld

se não houver amanhã de j.

lynn

qu i.

exorcismos e demônios

q u i.

quase memória

q u i.

todo clichê do amor

19 19 19

vingadores: guerra infinita

2 a temporada

dom.

qui.

22

god of war 24 te r.

para ps4

te r.

24

26 Adventure Time: pirate of the enchiridion

Q UI .

the witch and the hundred knight 2

sex .

para pC,

Ps4, Switch, xbox one

26

20

3%

27

2 A TEMPORADA

the handmaid’s 27 tale

speak your mind

para nintendo

switch e ps4

sex .

sex.

amando pablo

álbum de anne-marie

dirty computer

2 A TEMPORADA

álbum de

s ex .

estilhaça-me

s ex .

best of my love

20 20

de tahereh

janelle monáe

mafi

qua.

25

álbum de samantha jade

s ex .

restaura-me

QU I.

s ex .

primal heart

QU I.

20 20 JUL

de tahereh

mafi

álbum de kimbra

AGO

26

tudo que quero

27

a cidade seg. do futuro 30

26

SET

sex.

OUT

nov

para pc,

DEZ

the longest five minutes

ps vita e switch

2019


dicionário // guia do entretenimento

Não é todo mundo que está imerso no mundo do entretenimento, ficando sem entender alguns (ou vários) dos termos utilizados pelas pessoas da área. E as vezes, até mesmo quem está inteirado, pode acabar desconhecendo alguma palavra do meio. Por essa e outras, a ZINT se prontificou a explicar alguns dos termos utilizados no mundo do entretenimento, em todas as áreas que a revista cobre. Mês a mês, novas palavras irão figurar por aqui, de acordo com as matérias que forem publicadas e os termos que as mesmas apresentarem. Ficar fora da conversa? Nunca mais!


b ox offic e

arrecadação, bilheteria // como já estabelecido pela tradução, o BOX OFFICE é a arrecadação em bilheteria (US$) que um filme tem ao longe de sua exibição nos cinemas. produções norte-americanas costumam fazer dois tipos de contagem: a arrecadação doméstica (em solo estadounidense) e a arrecadação internacional, que, somados, fazem o BOX OFFICE final (mundial) de um filme. << “Pantera Negra” arrecadou, até o momento, quase 1,250 bilhão de dólares. Destes, quase US$ 638 milhões são da bilheteria doméstica, enquanto o resto (US$ 608 milhões) são da arrecadação internacional. >>

M US IC VID E O videoclipe // a tradução entrega tudo, não é mesmo? o MUSIC VIDEO é o videoclipe que uma música vai ganhar em um futuro próximo, como parte da divulgação/ publicidade/marketing daquela faixa de trabalho, no mercado. geralmente, um MUSIC VIDEO é utilizado apenas para ilustrar audiovisualmente um single. << Todos os artistas fazem uso de um music video. Recentemente, Camila Cabello lançou seu clipe para “Never Be the Same”, assim como Anitta com ‘“Indecente”. >>

HIATUS hiato, pausa // HIATUS é a palavra para aquela pausa que uma série faz, independente do motivo. os hiatus mais famosos são aqueles de final de ano, podendo durar só uma semana ou até mesmo três ou quatro meses. em grande parte das vezes, esses HIATUS são utilizados para colocar uma série dentro do calendário de exibição, para que elas possam sseus Season Finale acontecendo entre abril e maio, quando dá início a Summer Season. << Antes de retornar à grade televisiva norte-americana em 1o de março, as séries da Shondaland (Grey’s Anatomy, How to Get Away with Murder e Scandal) passaram por um hiato de um mês (entre janeiro e março, devido as Olimpíadas de Inverno), após um hiatus de final de ano de dois meses (dezembro a janeiro). >>


SUMÁRIO

[ [

filmes p.16

p.76

]

Jogando com saudosismo Giulio Bonanno

Mulheres e Interseccionalidade Carolina Cassese p.78

A trajetória de Lou Clark Bruna Curi

p.22

Com Amor, Simon <3

[ séries ]

Marcelo Tosi p.24

p.84

A volta de Lara Croft ao cinema

Fight Like a Woman Ana Luisa Santos

João Dicker p.26

Jeagers e Kaijus de volta ao ringue! Julio Puiati p.30

A humanidade como raio refratado

p.86

Uma vida sentenciada Bruna Curi p.88

Altered Carbon: a nova aposta da Netflix Laísa Santos

João Dicker

p.90

Uma cidade firmada em segredos

p.36

A bandeira do altruísmo

Deborah Almeida

Giulio Bonnano p.40

A última reunião das Bellas Deborah Almeida

p.92

Os caçadores de trolls de Guillermo del Toro vics

p.44

A Flórida que foge ao olhar Rafael Bonanno p.48

A maior bilheteria de todos os tempos do Japão Yuri Soares

[

Fragmentos à deriva Giulio Bonanno p.58

60 anos de um dos maiores filmes de todos os tempos João Dicker

música p.64

]

Uma história de amor ao Zeca Diandra Guedes p.68

NEGRA DRAMA: DRIK BARBOSA

p.98

Sing along: sete musicais para os amantes do gênero Bruna Curi p.102

A voz das mulheres que falam sobre mulheres Fernanda Palazzi,

[

Correnteza abaixo Bruna Nogueira

]

fotografia p.110

Rompendo a Sombra da Própria Loucura Ruth Berbert

[

tirinhas p.124

]

Party Chicken

Jader Theophilo p.70

]

indicações

p.54

[

]

literatura

Bruno Bigh

[

playlists p.134

Todas

Equipe ZINT

]


jogador n o 1 pรกg. 16

drik barbosa pรกg. 68

angela davis pรกg. 76

jessica jones pรกg. 84

m ulheres pรกg. 102



[

filmes

]


Jogando com saudosismo T E X T O //

giulio bonanno

d i a g r a m a ç ã o //

vics


Videogames Videogames e redes sociais compõem uma fração de mídias que podemos considerar como fontes de escapismo da sociedade contemporânea. A realidade virtual já é uma realidade acessível. Aqueles aparelhos binoculares que pareciam presos ao imaginário da ficção científica pré-globalização podem se tornar tão comuns quanto consoles de Atari já foram um dia. Considerando o que tratamos como prioridade e o que tratamos como opção, o que podemos prever de um

futuro próximo? Quando escapar (ou apenas sobreviver) obstrui qualquer tentativa de resolução, é necessário acionar o alerta. Procurar, no fundo de nossas lembranças e no cerne de nossas relações, as chaves para transmitir algum legado de esperança. Em 2045, cidades como Columbus, Ohio se resumem a casas empilhadas em torno de grandes corporações. A vida de Wade Watts (Tye Sheridan) parece muito mais interessante dentro do OASIS: um sistema de realidade virtual capaz de reunir qualquer artefato da cultura pop já inventado. Além de assumir a identidade de Perzival, é ali onde Wade participa de competições, movimenta moedas

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virtuais e possui suas melhores amizades. Desde a morte de James Halliday (Mark Rylance), inventor da plataforma, existe no sistema um easter egg capaz de transferir toda a sua gigantesca herança a quem o encontrar. Motivação que move não só o nosso herói, como também a empresa IOI, mantida pelo ganancioso Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn).

O jovem protagonista é marcado pela ausência de uma figura paterna e vive com a tia, que costuma dar azar nos relacionamentos. Sua família de verdade é o clã do qual faz parte, incluindo os avatares Sho (Philip Zao), Daito (Win Morisaki) e seu melhor amigo Aech (Lena Waithe). Ernest Cline, autor da obra original e corroteirista ao lado de Zak Penn, são claramente fascinados pela cultura dos games (bem como seus reflexos) e trabalham Wade como um sujeito que sente prazer indiscutível em fazer parte daquele universo metafictício. Dentre as inúmeras ambições de Jogador Nº 1, se destaca a de representar uma geração cujo perfil permanece volúvel. Antes mesmo do filme se apresentar, um prólogo nos coloca a par do cotidiano de Wade e do que é o OASIS, sem delongas para o bombardeio de referências que oxigenam a produção. Apesar de suas últimas incursões mais discretas, Steven Spielberg sempre foi um mestre na concepção do filme como produto. Podemos encontrar em sua própria trajetória três eventos de ressignificação do termo blockbuster: com Tubarão, em 1975; E.T. - O Extraterrestre, em 1982 e Jurassic Park, em

Os atores Tye Sheridan e Olivia Cooke são, respectivamente, Wade/Perzival e Art3mis


na imagem superior, wade se prepara para adentrar o mundo virtual de oasis. na direita, o seu avatar, perzival

1993. Todos líderes de bilheteria em seus respectivos anos e precursores de tendências que são seguidas até hoje na indústria. Sua carreira sempre intercalou filmes de grande apelo ao público com obras politizadas e que chamam atenção para questões relevantes como A Cor Púrpura (1985), A Lista de Schindler (1993) e os recentes Ponte dos Espiões (2015) e The Post (2017). Em sua mais nova empreitada, Jogador Nº 1, arrisco assumir que o diretor almeja uma síntese atualizada dessa percepção ambígua em sua filmografia, obtendo alguns sucessos pontuais que a limitada narrativa permite. A ideia de colocar um easter egg (pistas e brincadeiras ocultas que existem nos jogos e outras mídias) como elemento condutor é interessante. Nada novo… o próprio filme admite a inspiração no “rosebud” de Cidadão Kane (1941). No caso, esse mistério reside no paradeiro de três chaves que abrirão o tesouro guardado por Anorak, avatar imortal de James Halliday. Cada chave escondida ganha

seu respectivo ato. Acompanhamos Perzival e seu clã nas aventuras proporcionadas pela tecnologia do OASIS e não tardamos a nos sentir parte daquela equipe. Uma habilidosa competidora que atende por Art3mis (Olivia Cooke) passa a fazer parte do time e desperta as emoções do protagonista, sentimento que em determinada passagem é divertidamente cunhado como cybercrush. É difícil conceder méritos específicos a uma obra com tamanha capacidade de imersão, mas destaco aqui toda a equipe de efeitos visuais, bem como o design de produção encabeçado por Adam Stockhausen. Este último colaborou com Spielberg em Ponte dos Espiões e recebeu o Oscar por O Grande Hotel Budapeste (2014). Dizer que o cara é bom é eufemismo. Se ficamos vidrados com as ambientações, tentando adivinhar de onde vem tal personagem ou uma dada localização, isso se deve bastante a inventividade corriqueira do designer. Os contrastes entre os mundos real e virtual po-

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Steven Spielberg (esquerda, à frente) dirige Tye Sheridan (direita) durante as filmagens do filme

dem ser verificados não só pelos cenários, como também pela fotografia de Janusz Kaminski. Colaborador habitual de Spielberg, sua habilidade em realçar planos abertos com focos intensos de luz é aproveitada com sabedoria, quando percebemos nosso herói raciocinando a partir das dicas encontradas no game. O mundo virtual é colorido e repleto de lens flares e demais pirotecnias, enquanto o mundo real é excessivamente monocromático. Ao longo da projeção, quando descobrimos mais a respeito dos indivíduos por trás dos avatares que acompanham o de Wade, uma adoção de cores mais quentes e convidativas sugere a descoberta de novas possibilida20| zint.online

des para recolorir toda aquela distopia. Nos momentos de ação, a movimentação de câmera impressiona; Spielberg e Kaminski são hábeis em posicionar o espectador na situação, ao mesmo tempo que emprega seus planos-sequência típicos em cenas visualmente ricas como a corrida inicial, a boate virtual e a batalha final. Quanto à narrativa, Jogador Nº 1 peca em não desenvolver um vilão de maneira satisfatória. Por mais que Ben Mendelsohn confira carisma e energia à Nolan Sorrento, suas motivações são rasas e a corporação que o persona-


gem personifica não passa de uma figura de linguagem óbvia para o monopólio e a burocratização de uma indústria. Os diálogos são, na maioria, alicerces para referências gratuitas ou ponderações emotivas, ao passo que o clímax sofre um desgaste assustador na medida em que os personagens sempre demonstram um bom domínio da situação. Esses aspectos não chegam a estragar a experiência, porém caracterizam descuidos

de roteiro prejudiciais à sua longevidade. Por outro lado, como retrato de uma civilização escapista marcada pelo pessimismo e pela concentração de renda, Jogador Nº 1 é eficiente. Diferente do que seus personagens buscam, sua moral passa longe de ser um easter egg. Na figura de um divertido e vívido Mark Rylance, somos convencidos a escutar uma mensagem que, mesmo repetitiva e saudosista, surge sempre necessária. É na vida real que podemos aproveitar uma refeição decente. É na vida real que sofremos por alguém e dependemos de um ombro amigo. Não há problema em ter nossas cavernas alegóricas por aí, mas é no trampolim da realidade que encontramos pistas para aproveitar a vida, reconhecer problemas e saber o que mudar. //

Na imagem, Olivia Cooke, a Art3mis, usufrui do design de produção encabeçado por Adam Stockhausen

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com amor, Simon <3 T E X T O //

marcelo tosi

d i a g r a m a ç ã o //

C

vics

Com Amor, Simon gira em torno de Simon (Nick Robinson), um garoto de 17 anos como qualquer outro. Além de uma família maravilhosa, ele tem vários amigos e estuda em uma escola comum. Mas Simon guarda um grande segredo: ele é gay. Dirigido por Greg Berlanti, o longa é inspirado no livro “Simon vs The Homo Sapiens Agenda”, da autora Becky Albertalli. Tudo se desenrola assim que Simon vê uma postagem anônima no blog de sua escola, onde um garoto diz ter o mesmo segredo que ele. A identificação é instantânea, criando nele uma necessidade de falar com essa pessoa tão próxima e tão semelhante. Assim, o garoto cria uma conta falsa de e-mail e os dois mergulham em É a partir dessas correspondências que uma conversa sobre seus vários pontos em comum e Simon começa a relembrar toda a sua experiências, sempre tomando cuidado com os detalhes jornada de autodescoberta e vários sentipara não revelarem as suas identidades. mentos vão desabrochando em seu peito.

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O personagem questiona várias questões sobre aceitação, amizade, família e coragem. Simon vira nosso amigo, fazendo com que nós possamos torcer por seu sucesso, sentir raiva (MUITA raiva), chorar e sentir junto à ele. O filme é o primeiro de um grande estúdio (20th Century Fox) com um jovem protagonista gay e, por se tratar de uma adaptação, tem algumas mudanças. Uma delas é a criação de Ethan (Clark Moore), um personagem que é abertamente gay e também estuda na escola de Simon. Adicionado por insistência do diretor, o personagem engrandece a obra e traz um contraponto importante sobre orientação sexual e o modo de se apresentar ao mundo. O longa possui questões que são muito identificáveis, tornando fácil para quem assiste conseguir se colocar no lugar de algum dos

personagens ou em alguma situação descrita. Com Amor, Simon traz um lado diferente do que normalmente é passado em obras com a mesma temática, apresentando um protagonista muito seguro e confortável com a sua sexualidade. A visão de sua vida é bastante leve em sua cabeça, resultado de tudo que passou e pela construção de quem ele é. Mas, ao mesmo tempo, ele sofre por querer contar aos seus amigos e família seu segredo. Simon sabe que a sua "saída do armário" seria tranquila, mas tem dúvidas de como fazer isso. Mesmo sabendo que ele continuará a mesma pessoa, o seu medo reside em nunca saber se o mundo vai gostar do seu verdadeiro eu. Com Amor, Simon é um filme para toda a família e estreia nos cinemas brasileiros dia 5 de abril, mas sessões especiais de pré-estreias já estão em exibição em diversas salas brasileiras. // No núcleo jovem, Nick Robinson (Simon) c o n ta c o m o a p o i o d e K at h e r i n e L a n g f o r d (Leah), Alexandra Shipp (Abby), Logan Miller (Martin), Keiynan Lonsdale (Bram) e Jorge Lendeborg Jr. (Nick)

D a e s q u e r d a p r a d i r e i ta , a fa m í l i a d e S i m o n : a i r m ã N o r a ( Ta l i t h a E l i a n a B a t e m a n ) , a m ã e E m i ly ( J e n n i f e r Garner) e o pai Jack (Josh Duhamel)


T E X T O //

joão dicker vics

d i a g r a m a ç ã o //

Lara Croft A volta de

ao cinema

E

m uma era em que filmes baseados em histórias em quadrinhos não só dominam o mercado de blockbusters mas também tem promovido mudanças significativas na representatividade de minorias na Sétima Arte, como Mulher-Maravilha (2017) e Pantera Negra (2018), Hollywood ainda não demonstrou compreender o caminho para adaptar franquias consagradas dos games para as telas. Depois de anos com tentativas vergonhosas de dar vida a grandes jogos como a versão trash de Mortal Kombat (1995) ou a desvirtuação absurda da franquia Resident Evil (que conseguiu retorno financeiro para, infelizmente, perdurar por mais de uma década), 2016 trouxe a corajosa empreitada de Duncan Jones ao adaptar Warcraft para uma ambiciosa jornada épica nos moldes de filmes de fantasias medievais, seguida por Justin Kurzel que tentou levar para as telonas uma das franquias mais 24| zint.online

desejadas para se ver no cinema: Assassin's Creed. Entre diversas falhas particulares que cada uma das adaptações ao longo dos anos pode ter, todas elas sofreram com a dificuldade que a indústria cinematográfica tem em transportar elementos narrativos e visuais que funcionam nos games para o cinema e sua linguagem própria. Como se não bastasse a expectativa em torno de Tomb Raider: A Origem (2018), por promover um reboot na franquia outrora estrelada por Angelina Jolie, que conta a história de Lara Croft, talvez a personagem feminina mais emblemática e complexa da indústria dos games, o novo filme da personagem passou a ser o sopro de esperança de que a tão aguardada adaptação de jogos haveria chegado aos cinemas. Infelizmente, essa nova empreitada acaba não correspondendo a toda expectativa, tanto no que diz respeito aos parâmetros para adaptar o game, quanto na sua identidade própria enquanto filme, se assumindo como uma experiência genérica que não reflete a personalidade interessante e a complexidade de sua protagonista. A principal falha da produção reside no roteiro irregular de Geneva Robertson-Dworet e Alastair Siddons. É verdade que a apresentação de Lara (Alicia Vikander) é interessante, mostrando a personagem em uma realidade diferente do que foi visto nos últimos jogos da franquia, levando uma vida humilde e renegando a riqueza da família Croft pela sua dificuldade em aceitar a morte de seu pai (vivido por Dominic West), desaparecido há sete anos


após ter saído em uma viagem, mas a clichê relação pai-filha construída por flashbacks não sustenta a memória afetiva e importância que Richard Croft tem sobre sua filha. A estrutura de roteiro é bem básica, com um primeiro ato mais arrastado e que depende muito do carisma de Vikander para ganhar fôlego. Quando Lara decide ir atrás da ilha que seu pai procurava, o filme engata em uma aventura acelerada, divertida e com boas sequências de ação, que fazem jus a personagem destemida e badass dos games, além de um potencial a ser explorado como franquia. É na sensação aventureira e nas sequências de ação que o diretor Roar Uthaug encontra possibilidades para criar sequências de ação envolventes, que se dividem entre as situações adversas em que Lara precisa se virar com os poucos recursos e se superar fisicamente e os embates e confrontos contra os brucutus armados da Ordem da Trindade, encabeçados por Mathias Vogel (Walton Goggins). O verdadeiro trunfo do longa é a sua protagonista, que ganha força, presença e mais complexidade do que o fraco roteiro consegue transmitir em diálogos e uma construção

rasa, graças a qualidade de Alicia Vikander. A vencedora do Oscar assegura intensidade e profundidade a Lara, ao mesmo tempo que se sai muito bem nas diversas cenas que exigem de atletismo e força física. A própria maneira com que o filme explora do traços e da composição corporal da atriz demonstram uma escolha por uma Lara menos sexualizada, mas que não deixa de ser bonita e sensual. Dominic West e Walton Goggins não ajudam nem prejudicam o longa, ficando presos aos clichês de pai ausente culpado e do típico louco vilanesco, respectivamente. Em seu terceiro ato, bloco narrativo que reserva não só o climax da ação mas também as cenas mais interessantes para concluir o arco dramático da personagem, somos surpreendidos pelo roteiro que mostra mais consistência na apresentação da inteligência e astúcia da protagonista em desvendar quebra-cabeças, interagir com as armadilhas e demonstrar os seus conhecimentos como arqueóloga. Acaba que o subtítulo dado pela tradução brasileira ("A Origem") escancara a escolha de esse retorno ser a história de como Lara Croft se tornou a personagem forte e tão amada por varias pessoas. Ainda que não explore das melhores características que a franquia possui nos games, Tomb Raider: A Origem é uma adaptação genérica que ganha fôlego graças ao ótimo trabalho de sua talentosa atriz, que entende a complexidade da personagem que interpreta e pelos êxitos em construir um clima aventuresco capaz de engajar o espectador. Se não é a adaptação de games que tantos esperavam, o filme demonstra que, se souber crescer junto de sua ótima protagonista, tem o potencial de se tornar uma das grandes franquias de blockbuster da atualidade. //


JAEGERS E KAIJUS DE VOLTA AO RINGUE! Círculo de Fogo: A Revolta poderia ter sido mais original, mas não perde a sua essência T E X T O //

julio cesar puiati

d i a g r a m a ç ã o //

vics


O

O longa-metragem que fez os amantes de seriados japoneses dos anos 80 sentirem novamente o gostinho de batalhas épicas entre robôs gigantes e monstros colossais ganhou a sua esperada continuação em 2018. Com referências claras, volta de personagens conhecidos e confrontos grandiosos, Círculo de Fogo: A Revolta não perdeu a sua essência ao arquitetar uma nova história entre Jaegers e Kaijus, mas também não conseguiu apresentar novidades a ponto de superar o seu antecessor. Dez anos após os acontecimentos de Círculo de Fogo (2014), o planeta Terra parece viver um período de relativa calmaria. Graças ao sacrifício dos pilotos Stacker Pentecost (Idris Elba) e Chuck Hansen (Robert Kazinsky), a fenda que possibilitava a entrada dos alienígenas gigantescos ao nosso mundo foi selada. Entretanto, isso não fez com que o programa militar responsável pela construção de Jaegers – a Pan Pacific Defense Corps – fosse desativada. Ao contrário de seu pai, Jake Pentecost (John Boyega) não escolheu a vida militar. O protagonista se envolve no submundo do crime ao se transformar em um negociador clandestino de peças de antigos Jaegers destruídos pela última guerra. Dono de uma invejável cartilha de antecedentes criminais, Jake é preso mais uma vez junto com a pequena órfã Amara Numani

(Cailee Spaeny), uma construtora de Jaegers prodígio. Desta vez não há como Pentecost fugir do destino de sua família. Após acordo com as forças armadas, o ex-cadete é obrigado a trabalhar como instrutor na escola da PPDC. Amara é também levada como recruta, já que as suas habilidades impressionaram a alta cúpula do programa militar. Assim como no primeiro filme, Círculo de Fogo: A Revolta também explora o árduo treinamento dos pilotos, as lembranças do passado e as dificuldades do emparelhamento cerebral, mecanismo essencial para o controle dos Jaegers. A narrativa é interessante ao apresentar a dualidade de motivações vindo dos personagens principais, mas que acabam se convergindo inevitavelmente. Enquanto Jake tenta (em vão) não dar a mínima para o legado do pai e a carreira militar, Amara demonstra a todo momento a vontade de se provar dentro da academia. Jake, Amara e os demais pilotos voltam a enfrentar Kaijus após Dr. Newt Geiszler (Charlie Day), cientista especialista em morfologia alienígena, se envolver tanto com a raça de monstros a ponto de ser mentalmente controlado zint.online | 27


Da esquerda para a direita, no centro da imagem: Amara (Cailee Spaeny), Nate (Scott Eastwood) e Jake (John Boyega)

por eles. Newt manipula os experimento de uma grande corporação chinesa especializada em robótica e acaba possibilitando a entrada de três poderosos Kaijus no Japão. Ao entender que a franquia Círculo de Fogo é inspirada em produções japonesas do ramo como Power Rangers, Jaspion, Godzilla e Evangelion, o filme cumpre bem o seu papel ao entregar cenas de ação bem elaboradas, ricas em detalhes, cores e movimentos espalhafatosos. Os Jaegers da nova geração empolgam com uma diversidade maior de armamentos, bombas, mísseis e mecanismos ofensivos durante as batalhas. Os robôs de combate Guardian Bravo, Titan Redeemer, Gipsy Avenger e Saber Athena não ficam atrás dos seus antecessores Striker Eureka, Crimson Typhoon, Cherno Alpha e Shaolin Rogue, dando conta do recado! A estrutura narrativa segue a cartilha desses seriados tradicionais. As atuações exageradas, os diálogos cheios de clichês e as cenas extremamente previsíveis são facilmente perceptíveis, além de que o diretor Steven S. DeKnight parece não ter tido preocupação em explorar de forma profunda as motivações de cada personagem. Isso explica o fato de Jake, Amara e companhia serem pouco desenvolvidos e complexos, apresentando ba28| zint.online

ckgrounds bem rasos. Os estímulos de Dr. Geiszler, por exemplo, nos são apresentados em pouquíssimas linhas. As atuações são medianas e não comovem tanto. O roteiro criado por DeKnight, Emily Carmichael, Kira Snyder e T.S. Nowlin, ao menos, surpreende ao evidenciar o verdadeiro “vilão” da trama. A solução da


história, entretanto, é mais do mesmo. E bem parecido com o desfecho do primeiro filme. Já a trilha sonora conta com algumas surpresas que chegam a arrancar gargalhadas em determinados momentos. Comandando somente a produção desta vez, Guillermo del Toro deixa a sensação de que a continuação poderia ter sido melhor caso estivesse em suas mãos a direção do longa. Vencedor do prêmio de Melhor Direção e Melhor Filme no Oscar 2018 com A Forma da Água, é bem provável que o cineasta mexicano pudesse ter dado um ritmo diferente e mais folego à franquia Círculo de Fogo. O novo duelo entre Jaegers e Kaijus, no entanto, não ilude o público. Não promove falsas esperanças. É construído em torno das cenas de ação, se contenta com essa proposta e por isso cumpre o seu papel com maestria. Méritos para a cinematografia de Dan Mindel e edição de Dylan Highsmith e Zach Staenberg. Embora Círculo de Fogo: A Revolta não tenha apresentado novidades e tenha se saído pior que o primeiro longa, ainda é uma boa pedida para aqueles que buscam entretenimento, porrada entre colossos e destruição em massa. E fique sossegado. Ainda é melhor que Transformers. //

ao longo do filme, os jaegers vão recebendo atualizações ficando mais arrojados para lutar com as novas “versões” dos kaijus


A humanidade como raio refratado Filme de Alex Garland estrelando Natalie Portman chega à Netflix arrecadando elogios do público, da crítica especializada e da ZINT T E X T O //

joão dicker

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gênero de ficção científica talvez seja um dos mais voláteis da história do cinema por conseguir combinar elementos próprios com quaisquer outros da sétima arte. Seja nas grandiosas franquias de operas espaciais como Star Wars (1977), nos filmes que trafegam no cinema de terror como Alien (1979), ou nos obras que exploram do elemento provocador e reflexivo do gênero para confrontar as mazelas do mundo atual nas projeções cinematográficas, como Blade Runner (1982), Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), o sci-fi consegue se manifestar em longas muito diferentes. Aniquilação (2018), mais novo lançamento da Netflix, que adquiriu os direitos de distribuição da Paramount após o estúdio responsável pela produção do longa desacreditar no potencial de bilheteria do mesmo, combina as diversas vertentes do gênero explorando de convenções narrativas e referências à clássicos, para entregar um filme que abraça questionamentos, ideias e reflexões

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filosóficas a respeito da humanidade enquanto espécie, convidando o espectador para uma jornada de descobertas e, porque não, transformação. Responsável pelo excelente Ex Machina: Instinto Artificial (2014), Alex Garland adapta o livro homônimo de Jeff Vandermeer e comanda a direção de, assim como seu antecessor, uma das melhores ficções científicas dos últimos 20 anos. Aqui o diretor volta a mostrar sua coragem e consciência autoral de convidar o espectador a uma jornada instigante

e desafiadora, sem didatismos narrativos que tornam explicações e soluções demasiadamente expositivas. É um roteiro que


sabe como transformar seu ritmo desacelerado e contemplativo em uma sucessão de descobertas de camadas e novas nuances que só adicionam mais profundidade as personagens e, principalmente, as temáticas e questionamentos que o longa evoca. Todo conteúdo e estofo que o filme possui exala da jornada de Lena (Natalie Portman), uma bióloga com passado nas Forças Armadas que ao reencontrar seu marido Kane (Oscar Isaac), dado como desaparecido há um ano, se junta a um grupo militar designado à adentrar a mesma área em que seu companheiro havia sido designado para procurar respostas sobre o que lhe teria acontecido. Desta premissa simples, o enredo se expande para uma narrativa que apresenta gradativamente novos acontecimentos e, consequentemente, cometimentos causados pela instigante

e magnífica doma que se coloca sobre a área afetada (conhecida como Brilho), reservando surpresas à equipe formada por ótimas personagens femininas. Assim como a protagonista, todas as coadjuvantes são bem construídas e não se limitam aos seus ramos de expertises, apresentando personalidades, dramas, backgrounds e motivações críveis para tomar atitudes que desencadeiam situações importantes para o enredo. É um trabalho de roteiro consciente ao não explorar dos conhecimentos técnicos de cada uma das personagens como explicações didáticas de eventos científicos, ao mesmo tempo que as relações humanas de cada uma e as mudanças que essas relações sofrem a medida que o grupo adentra a área isolada, agregam ao existencialismo e a jornada dramática de cada uma. Até mesmo uma subtrama amorosa envolvendo

O trabalho de criação do bioma existente dentro da redoma é impecável, combinando cores, formas e texturas orgânicas à uma edição d e s o m a r r e b ata d o r a

a personagem de Portman, que ao longo do filme parece ser descartável e dá a sensação de encher a narrativa desnecessariamente acaba adicionando uma compreensão interessante de uma das ideias e conceitos que o filme levanta. É um dos indícios da natureza autodestrutiva do ser humano, que transforma seu olhar como um prisma refrator de conceitos, noções e pré julgamentos. O questionamento quanto a essa essência autodestrutiva do ser humano reside em diferentes formas, tanto na maneira com que construímos e desenvolvemos nossas relações afetivas e sociais (como zint.online | 33


na dinâmica de equipe criada entre o grupo de pesquisadoras e na subtrama amorosa de Lena), como na maneira com que nos relacionamos com o meio ambiente e com o diferente (que tomam a mesma forma no longa, como toda a fauna e flora apresentadas dentro da redoma). É uma criação de um questionamento quanto a dualidade humana, sobretudo na forma com que abordamos o outro, o diferente e o inexplicável como algo amedrontador e perigoso, evocando uma problematização profunda a respeito do olhar do ser humano sobre o mal. Seria o mal algo verdadeiramente e naturalmente tangível ou uma mera projeção dos pensamentos e anseios do ser humano? Ao nos transformarmos, estamos evoluindo e caminhando para frente ou eliminando aquilo que está sendo transformado? Seriam a transformação e a evolução uma consequência natural das relações humanas com o diferente e, porque não, com o extraterrestre? Não que Aniquilação seja um filme de invasões alienígenas ou interplanetárias, mas o vazio de soluções e a exigência de completude dos sentidos que o texto causa no espectador configuram como a melhor forma de demonstrar a angustia do ser humano quanto a falta de uma resposta para perguntas frequentes no imaginário terrestre como "estamos sozinhos no universo?" e "se existem outras raças galáxia a fora, o que elas querem de nós?". Como se trata de uma obra cinematográfica, Alex Garland demonstra mais uma vez seu esmero na transformação de significados e conceitos em soluções visuais intrigantes e bonitas. Todo o design de produção é impecável, criando um efeito de refração psicodélico para a redoma, ao mesmo tempo que apresenta

D a e s q u e r d a pa r a a d i r e i ta : J e n n i f e r J a s o n L e i g h , N a t a l i e P o r t m a n , T u v a N o v o t n y, Tessa Thompson e Gina Rodriguez

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fauna e flora criadas para o longa mas que são cheias de vida, movimento, cores e textura, em uma construção orgânica de um bioma capaz de capturar a atenção do espectador que não se atém ao conteúdo filosófico, mas tem a sensibilidade de perceber o apuro estético. O esmero visual também é responsabilidade do ótimo trabalho de Rob Hardy na cinematografia, capturando as diferentes iluminações e cenários, potencializando a densidade das florestas claustrofóbicas e as construções em que as personagens procuram refugio durante a noite em meras prisões para as cientistas. Além do visual, Garland faz, assim como em Ex Machina, escolhas corajosas na forma compassada e lenta de ditar o ritmo dos acontecimentos, usando de sequências de ação curtas e pontuais que funcionam para o desenvolvimento do enredo, além de uma sequência de suspense arrebatadora capaz de elevar o batimento cardíaco a níveis desconfortáveis. Todo o elenco faz um ótimo trabalho com suas personagens. Tessa Thompson, Tuva Novotny, Gina Rodriguez e Jennifer Jason Leigh dão vida a cientistas inteligentes, destemidas, com motivações críveis e personalidades bem apresentadas, além de sustentarem uma dinâmica de equipe muito natural e que ajuda a fluidez da narrativa. Natalie Portman carrega o peso e a complexidade de Aniquilação com leveza, solidão, profundidade e culpa, entregando uma personagem interessante que não só assiste e reage ao ambiente fascinante ao qual adentra com olhos estupefatos, mas também se deixa transformar (ou é transformada) pela vivência dentro da doma, assumindo um protagonismo dentro do desfecho apoteótico do longa.

Toda a plasticidade e exuberância na criação de fauna, flora e nas soluções visuais coloridas do longa, assim como as temáticas contundentes e os questionamentos pungentes do longa, são amplificados pela trilha sonora que inicia com sons de violões e instrumentos de corda lembrando o ritmo folk, dando fluidez e uma certa leveza para a narrativa, mas que durante o segundo ato adentram uma pegada crescente de tecno futurista que se afirma no desfecho impactante do filme, dando traços de epifania. Deste desfecho, o longa se assume como um excelente sci-fi, rico em conteúdo e forma. De toda sua pretensão em fazer um filme com muito a dizer, Alex Garland entrega uma experiência cinematográfica robusta, madura e que permite diversas interpretações e compreensões. É no encontro de ideias e conceitos com inventividade visual que Aniquilação demonstra uma profundidade capaz de transformar o espectador, assim como a Área X que causa os incidentes motores do enredo faz com as personagens do filme. É a experiência de refratar o que já somos, transformando-nos em uma nova versão de nós mesmos. Uma que, talvez, tenhamos o instinto de temer ou de destruir. //

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A bandeira do altruísmo T E X T O //

giulio bonanno

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Vivemos em um período de incerteza. Instituições consolidadas, até então inquestionáveis, são apontadas diariamente como causa e efeito de problemas comuns como a desigualdade social, a corrupção e a violência. O melhor caminho na teoria, a democracia, emerge na prática como plataforma para traficar influência, enriquecer agências e enganar futuros. A Melhor Escolha (2018) analisa contextos de um passado não tão recente enquanto direciona importantes discussões para os momentos seguintes.

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Larry (Steve Carell), um veterano da guerra do Vietnã, descobre os paradeiros dos colegas Salvatore (Bryan Cranston) e Richard (Laurence Fishburne) e os convida para o funeral de seu filho, morto “em combate” enquanto servia o exército no Iraque. Enquanto revivem memórias e pulverizam um sofrimento latente, o trio reflete sobre as motivações pessoais e institucionais que iniciaram conflitos, condecoraram estrelas e multiplicaram túmulos. Dirigido e escrito por Richard Linklater, um cineasta extremamente versátil e inventivo cuja obra inclui o recém-aclamado Boyhood: Da Infância à Juventude (2014), A Melhor Escolha é uma adaptação do romance homônimo de 2004, com autoria de Darryl Ponicsan (creditada também como co-roteirista). Famoso por aliar temas mundanos à montagens dinâmicas e humor ácido, sem deixar de estabelecer críticas relevantes, o cineasta texano enxergou aqui uma oportunidade para pintar retratos de vivências que zint.online | 37


Da esquerda pa r a a d i r e i ta : B r ya n C r a n s t o n como "Sal", Steve Carrell como "Doc" e Laurence Fishburne como "Mueller"

sobrepõem uma ou outra ideologia singular e qual a importância disso para os dias de hoje. Somos apresentados ao sofrimento de Larry quando este aparece na tela sempre vestido de preto, trajando um capuz e portando um bigode de forma a compartimentalizar seus sentimentos perante à indiferença circundante. A atmosfera soturna é quebrada pela comicidade de Salvatore, cujo ceticismo é temperado pelos hábitos boêmios e diluído pelo notável companheirismo. Richard, agora um pastor da igreja batista, não se orgulha muito do passado na guerra, mas se compromete em solidarizar com o amigo enquanto gradualmente se abre para os climas de descontração. Essa diversidade de sentimentos é construída no filme de maneira orgânica. Enquanto acompanhamos a narrativa, pequenos questionamentos vão tomando forma. Durante a cena do funeral (iniciada com o mesmo movimento de câmera que apresenta Larry, como se aquilo permanentemente fizesse parte dele), conhe38| zint.online

cemos um soldado amigo do falecido: Washington (J. Quinton Johnson). Negro, sem pai e de origem humilde, o personagem viabiliza não só um contato com o invisível Larry Jr., como também materializa a submissão socialmente construída às narrativas militares. Ironias que Salvatore não deixa de apontar e, até certo ponto, combater. Uma parceira de Linklater que se sempre se destaca é a montadora Sandra Adair. No processo de montagem é que um filme toma forma e ganha um rosto. Se a filmografia do diretor é reconhecida pela diversidade, podemos afirmar que a companheira inseparável assume grande responsabilidade nisso. A Melhor Escolha poderia ser um drama indistinguível, não fossem os raccords em que um personagem completa a fala de outro (confirmando a teoria deste e acrescentando humor necessário à cena) ou uma cena


absolutamente tensa, em que Larry pede para abrir o caixão, equilibrada pelo corte seguinte, enquadrando café e rosquinhas. O design de produção de Bruce Curtis também merece reconhecimento, uma vez que a história se passa há quase 15 anos atrás e é curioso notar como, por exemplo, telefones celulares eram bem mais simples e a internet assume um papel discreto, mas presente, na vida dos protagonistas. A habilidade de Linklater em reforçar isso com a trilha sonora é indiscutível, como visto no próprio Boyhood. A Guerra do Iraque é debatida paralelamente ao papel do governo Bush na política interna e toda essa ambientação gera uma certa nostalgia para quem tem alguma memória daquele (já distante!) tempo. Esses alívios cômicos não são novos, mas fogem do óbvio e dão contornos mais leves à aspereza da narrativa. Mesmo sendo um filme essencialmente dirigido pelo diálogo, o silêncio e os jogos de câmera são recursos adotados com muita proprie-

dade pelo realizador. As atuações do trio principal são um trunfo, uma vez que Linklater aproveita do carisma de Cranston e de Fishburne para afastar a dor internalizada nos trejeitos de Carell. Trabalhos de atuação que assumem uma consistência impressionante até o último minuto de projeção. Reviravoltas conduzem a narrativa numa espécie de road movie e, mesmo que estas reverberam no tom questionador da trama, conferem uma estranha sensação de estagnação. O grande conflito consiste na possibilidade de Larry enterrar o filho em Portsmouth, próximo a sua casa e sem as honrarias costumeiras. O filme nos apresenta ferramentas aqui e ali que travam esse desejo, mas não justificam um real motivo de preocupação. Quando há impedimentos, estes soam burocráticos e, não fosse a astúcia da montagem e a afinidade do elenco, o filme perderia força. Como um filme contemplativo, porém, A Melhor Escolha é brilhante. Basta se situar na cena estrelada por Cicely Tyson (outra veterana, dessa vez das telonas). Questões individuais são tratadas com a mesma importância de eventos históricos e, com a devida ênfase, chamam atenção para a indiferença e o cinismo que consomem as interações contemporâneas. Aliando novos temas e velhos símbolos, Linklater levanta uma última bandeira que nos deve acompanhar mesmo nos momentos mais incertos e obscuros: a do altruísmo. //


A última reunião das Bellas T E X T O //

deborah almeida

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terceiro e último filme da franquia A Escolha Perfeita foi lançado dia 22 de dezembro nos Estados Unidos (sem chegar aos cinemas brasileiros), colocando um fim à história das cantoras a cappella que conquistaram tanto corações desde 2012, quando o primeiro longa foi lançado. Contudo, a nova sequência da película não foi tão bem recebido pelo público ou pela crítica. Depois de formarem na faculdade, as Barden Bellas não estão levando uma vida dos sonhos. As garotas descobrem que o mundo adulto é, muitas vezes, feito de trabalhos desgastante e mal remunerados.

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Na trama do terceiro filme, as Bellas procuram por seu lugar no mundo durante a USO Tour, que visa homenagear as tropas

O filme começa com a protagonista Beca Mitchell (Anna Kendrick) pedindo demissão do seu trabalho. Apesar de estar na área musical, seu cargo de produtora está muito longe do que ela considera como emprego ideal. No mesmo dia, Beca se encontra com Fat Amy (Rebel Wilson), Chloe (Brittany Snow) e as outras Bellas para, juntas, decidirem que precisam de mais um momento cantando em conjunto, decidindo participar da USO Tour, uma organização estadunidense que dá suporte moral às tropas no exterior. Na turnê, as Bellas irão entreter os soldados e entrar em uma competição, cujo prêmio é participar dos shows do DJ Khaled. Apesar de ter tido dois filmes de sucesso, Pitch Perfect não conseguiu ter tanto êxito na última edição. A aprovação do público foi baixíssima e as críticas se mostraram bastante insatisfeitas. Ao longo da história, percebemos que as personagens não tiveram nenhum crescimento pessoal desde o primeiro filme. Por mais que sejam teoricamente adultas e recém-formadas na faculdade, continuam parecendo meninas 42| zint.online

adolescentes, deixando toda a trama bastante imatura. Fica nítido que a produção tenta deixar o enredo mais diferente e fugir um pouco da história original, mas sem muito sucesso. Os acontecimentos se desenrolam tão rapidamente que per-


dem o sentido e o telespectador acaba esquecendo o que realmente está a acontecer. O roteiro até tenta mesclar um pouco de ação, pecando no excesso e surpreendendo de forma negativa. As cenas mais “diferentes” acabaram ficaram grotescas e não combinaram com a pegada musical, tornando o filme, no final das contas, um emaranhado de histórias que não se conectam. Além disso, Anna Kendrick revelou ter rejeitado uma parte do roteiro. Segundo a atriz, sua personagem teria uma relação amorosa com o novo chefe, tirando o foco da cantora em seguir seus sonhos sozinha. A atriz também foi contra a ideia de fazer as meninas usarem roupas mais curtas e sensuais, o que deixaria o filme bem

machista e cheio de objetificação do corpo das meninas. Assistir Pitch Perfect significa esperar ver as Bellas transformando qualquer tipo de música em um coral a cappella, com direito a roupas combinando e coreografias perfeitamente sincronizadas. Assim, as performances das Bellas continuaram sendo muito bons. O grupo entregou versões maravilhosas de Toxic, de Britney Spears, Cake By The Ocean, do DNCE, Freedom! ‘90, de George Michael, e Boom Boom, de Iggy Azalea com o DJ Zedd, mantendo o estilo de performance das meninas e dando um acerto para a produção. Contudo, nenhum filme é sustentado apenas por sua música. O maior erro da produção, talvez, tenha sido pensar que apenas boas canções a cappella iriam bastar para que o sucesso fosse mantido, e deixaram de lado todo o resto. Mas pelo menos foi dada a oportunidade de despedir das icônicas Barden Bellas. Que vocês descansem em paz. //


A Flórida que foge ao olhar T E X T O //

rafael bonanno

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Existe uma Orlando que não conhecemos. Muito além da International Drive, do Magic Kingdom ou do Islands of Adventure, o diretor e co-roteirista Sean Baker, de Tangerine (2015) e Uma Estranha Amizade (2012), direciona suas lentes para fazer um fiel retrato de pessoas que vivem em situação de pobreza na cidade em que turistas do mundo todo visitam para realizarem seus sonhos. Acompanhamos este contexto através do ponto de vista de uma garota de seis anos, durante um verão na cidade de Kissimmee, Grande Orlando.

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Moonee (Brooklynn Prince), vive com sua mãe, a jovem Halley (Bria Vinaite), no “Magic Castle”, um motel low-budget que acabou se transformando em moradia para muitos cidadãos. Neste ambiente marginalizado, nossa protagonista desenvolve um cotidiano incomum, constituído de atividades e brincadeiras aleatórias, como cuspir no carro de novos hóspedes/moradores, explorar os arredores, apresentar o lugar para a nova amiga ou simplesmente comemorar a passagem de um helicóptero. A imaginação é a maior fonte de poder de uma criança. E por mais que o filme nos mostre uma situação de precariedade espantosa, há também o convite para visitar este universo por meio da imaginação infantil. Não na tentativa de amenizar um eventual problema, mas sim de mostrar quão poderosa pode ser a forma como uma criança concede significados às coisas. Baker menciona frequentemente que sua carreira é influenciada por The Little Rascals. A série de TV norte-americana conta a história de

um grupo de crianças pobres durante o período da grande depressão, focando suas narrativas na alegria da infância e não no contexto social em si. O andamento do filme nos faz sentir como se realmente estivesse passando um verão enquanto observamos Moonee. Gradualmente, cada evento, ou sequência, nos conta um pouco mais sobre o forte espírito de liderança da garota que está sempre impetuosa em busca de diversão. Assim como aprendemos mais sobre o contraste entre carinho e desleixo de sua mãe, que apesar de não ser responsável, demonstra um amor singular pela filha. A questão da pobreza que Projeto Flórida (2018) se propõe a levantar é desenvolvida com muita estratégia a partir da premissa cinematográfica do mostrar ao invés de contar. Aqui a direção de arte e a fotografia têm carta branca para aproveitar não só das locações reais, mas também de peculiaridades e detalhes que rodeiam tal realidade. Um plano aberto que mostra as varandas bem ocupadas do Magic Castle, por


exemplo, tem como função indicar que há uma quantidade considerá-

vel de vidas coexistindo naquele ambiente. Virtuosa, a fotografia de Alexis Zabe não é puro preciosismo, tem muitas e eficientes funções. A paleta de cores dominada pelo lilás das paredes do motel e pelo azul de tirar o fôlego do céu da Flórida está em constante sintonia com o posicionamento da câmera, quase sempre cortando os adultos pela metade e preenchendo o quadro com as crianças. A ideia realmente é contar esta história através de um filtro onírico e juvenil. Impossível não mencionar Bobby, o gentil gerente do Magic Castle. O carismático e icônico Willem Dafoe dá vida ao personagem em uma interpretação rica em nuances, mas que caracteriza uma pessoa simples, compreensível e leal. Bobby carrega o símbolo da compaixão e de como somos tão capazes de nos afeiçoar por seres humanos abarrotados de miséria. Em entrevistas, Dafoe conta que esteve em Kissimmee algumas semanas antes de começarem a rodar o filme e aproveitou para conversar com gerentes e hóspedes de motéis locais. Algo que com certeza influiu muito em sua atuação, reconhecida e nomeada no circuito de premiações hollywoodiano. Gosto de pensar que toda representação é, sem exceções, e por mais fiel que possa parecer, uma diminuição do que compreendemos e observamos na realidade. Por mais que a narrativa de Projeto Flórida possa parecer verídica, ela é parte de um exercício de ficção proposto pelo próprio Baker em coautoria com Chris Bergoch. Entretanto, uma das funções primordiais da ficção também é a de nos apresentar recortes tangíveis sobre o mundo em que vivemos. Nesse aspecto, a história de Moonee espanta ao mesmo tempo que cativa, pois sabemos que aqueles personagens, seus sentimentos e emoções, extrapolam à tela e estão até ali, à margem do lugar mais feliz do mundo. // zint.online | 47


a maior bilheteria de todos os tempos do

Japão T E X T O //

Yuri Soares

Se você tem algum interesse por animes e mangás é quase certo que tenha visto algo sobre o

fenômeno Kimi no Na wa, mais conhecido como Your Name em seu título ocidental. O filme de Makoto Shinkai que movimentou os cinemas japoneses ano passado, conquistou também expectadores fora das fronteiras do arquipélago e, desde então, não sai dos holofotes internacionais. A história da animação que estreou no Japão em agosto de 2016, a principio, é simples. Um casal que troca de corpo após a queda de um comenta em uma pequena cidade japonesa. Até aí, nada que a diferencie das muitas produções sobre o assunto. Se Eu Fosse Você (2006) é um exemplo tupiniquim disso, que fez muito sucesso e ganhou sequência.

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O filme de Makoto, entretanto, aborda o tema talvez saturado de maneira única. O enredo apresenta Mitsuha Miyamizu (Mone Kamishiraishi), uma jovem estudante que mora na região montanhosa de Hida, no interior do Japão, e sonha viver na metrópole Tóquio. Em contraponto, traz Taki Tachibana (Ryûnosuke Kamiki), um garoto que divide seu tempo entre a escola e o trabalho de meio período na movimentada Tóquio. Ela deseja fugir da sombra do pai, prefeito da pequena cidade. Ele persegue o sonho de tornar-se arquiteto. Numa manhã qualquer, os jovens acordam com os corpos trocados. A princípio os dois acreditam tratar-se de um sonho, mas no dia seguinte, depois de retornarem aos seus respectivos corpos, são questionados do por que estavam agindo fora do habitual no dia anterior. É então que Taki e Mitsuha percebem que o que estão vivendo é real. Com as trocas recorrentes, eles compreen50| zint.online

dem que as mudanças acontecem no período de sono e que, ao voltar para o próprio corpo, não conseguem se lembrar de nada do que o outro fez no dia anterior. Para se conhecerem e não interferirem drasticamente na vida um do outro, eles começam a fazer perguntas e instruções em cadernos, celulares e até em seus braços e rostos. Sem perceber, os dois se tornam amigos e se ajudam em seus problemas pessoais. Um dia as trocas param de acontecer. Taki tenta entrar com contato com Mitsuha, mas não obtém êxito. Daí em diante, a história desenrola-se de tal maneira que é interessante acompanhar os acontecimentos assistindo o longa. Sem demais spoilers. O que se pode adiantar é a excelência da qualidade técnica. Produzindo pelo estúdio CoMix Wave Films e distribuída pela Tōhō, o filme segue os padrões das animações japonesas com extrema qualidade visual. As cenas são muito bem iluminadas e não perdem a essência japonesa


na delicadeza e suavidade dos traços. As representações da metrópole Tóquio e do interior do país são ricas e cheias de detalhes. Além disso, conta com notas de piano para dar um ar melancólico em determinados momentos, uma característica comum nos filmes de Makato. O roteiro também não deixa a desejar. A começar pelo fato das trocas de corpos alternarem em um curto espaço de tempo. Há também a sensação de identificação por parte dos espectadores mais jovens, criada sabiamente através de recursos narrativos como situações comuns da adolescência e a constante presença da tecnologia digital enquanto meio de informação e comunicação. É como Jader Pires escreveu em seu texto sobre Your Name para o site Papo de Homem: “Shinkai vai construindo toda essa beleza com a micro problemática de um casal jovem que precisa se descobrir e descobrir ao outro, além de lidar com as decisões pragmáticas que encerram a adolescência e iniciam a vida adulta, ele na competitiva cidade grande e ela no monótono povoado”. Apesar de bem construído, o script em alguns momentos parece confuso – e realmente confunde o espectador –, mas logo se faz compreensível graças às reviravoltas que ajudam a desenvolver a trama. Além disso, é praticamente perfeito nas representações culturais do Japão, sejam elas tradicionais ou contemporâneas, como Mitsuha no ritual Kuchikamisake – método antigo de produzir sakê – ou Taki em seu ritmo de vida acelerado na grade Tóquio. Tudo dentro de um enredo que mescla fantasia, humor, romance e drama de maneira peculiar. Brasil

Anime de maior sucesso na última década, Kimi no Na wa demorou a estrear em terras tupiniquins. Graças a Internet, em meados do ano passado foi possível assistir o filme legendado por fãs e de baixa resolução. A produção de Makoto Shinkai finalmente chegou às telonas brasileiras em outubro de 2017. Foi exibido em sessão única pela rede Cinemark em 30 cinemas distribuídos por 28 cidades, sendo a maioria da região sudeste do país. Em dezembro foi a vez do longa de animação

entrar para o catálogo da Netflix brasileira. Meses antes, rumores já anunciavam a estreia do filme no serviço de streaming, o que surpreendeu aos fãs foi disponibilidade da versão dublada em português brasileiro. Tornando-se a segunda animação da Makoto a ser dublada no Brasil, antecedida por Viagem para Agartha (2011). Sucesso de Bilheteria

Exibido pela primeira vez no Anime Expo em Los Angeles, em julho de 2016, Your Name estreou no Japão em agosto do mesmo ano. Tornou-se sucesso imediato, ocupando o primeiro lugar nas bilheterias japonesas por 12 semanas consecutivas. Não demorou para o feito ultrapassar as fronteiras do país asiático. Em seu primeiro ano de exibição nos cinemas ao redor do mundo, o filme de Makoto arrecadou pouco mais que 355 milhões de dólares. Com isso o longa ultrapassou o aclamado A Viagem de Chihiro (2003), transformando-se no anime de maior bilheteria do mundo.


Os números não param por aí. Kimi no Na wa ainda acumula outros recordes, como o título mais rentável no Japão, superando Frozen (2013), Titanic (1997) e o já citado A Viagem de Chihiro. É também o filme japonês de maior arrecadação de todos os tempos. Além disso, foi a 4ª maior bilheteria mundial de um filme de língua não inglesa em 2016. Tamanho sucesso gerou reconhecimento e prêmios, dentre eles o Festival Internacional de Tóquio, o Sitges Film Festival (Festival Internacional de Cinema da Catalunha), o Asian Film Awards, o Japan Record Special Award e Japan Academy Prize. Além de indicações, como a de Melhor Filme no Festival de Cinema de Londres. Um número considerável de fãs criticaram a não indicação do filme ao Oscar como Melhor Animação. Entretanto, se serve de consolo, para os usuários do maior site de cinema do mundo, o IMDB, Kimi no Na wa está 79º entre os melhores filmes de todos os tempos, a frente de animações consagradas como Toy Story (1995) e Up: Altas Aventuras (2009), respectivamente em 93º e 113º. Adaptações

Baseado em uma graphic novel homônima do próprio Makoto Shinkai, o longa de animação superou as expectativas tornando-se sucesso de público e crítica. Além do filme, o autor adaptou a história para o formato mangá com ilustrações de Ranmaru Kotone.

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Publicado em três volumes no Japão, o mangá chegou ao Brasil antes mesmo que o anime. Anunciado pela Editora JBC, começou a ser comercializado com periodicidade bimestral, sendo o primeiro volume lançado nas bancas e livrarias em agosto de 2017 e o último em janeiro deste ano. Em setembro passado foi anunciado que a animação será mais uma a ganhar versão live action. Em anuncio oficial, o estúdio Paramount Pictures e a produtora Bad Robot afirmaram que a nova adaptação da obra de Makoto contará com o apoio do estúdio Tōhō e será produzida por ninguém menos que J.J. Abrams, Lindsey Weber e Genki Kawamura. Lembrando que Kawamura exerceu a função de produtor na animação. O remake ainda não tem data para estrear. //


S처 no Jap찾o, o filme arrecadou um total de US$ 5 milh천es em bilheteria. Mundialmente, Your Name. tem quase US$ 358 milh천es na casa.

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Fragmentos à deriva T E X T O //

giulio bonanno

Fatih Akin é um diretor alemão de descendência turca cuja carreira teve início em meados dos anos 90. Foi reconhecido localmente no Festival de Berlin de 2004 54| zint.online

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pelo filme Contra a Parede e continentalmente no Festival de Cannes de 2007 pelo filme Do Outro Lado. Em sua obra, se destaca também um documentário que homenageia a música turca, intitulado Atravessando a Ponte - O


Som de Instambul (2005). Com as honrarias de Melhor Filme Estrangeiro para Em Pedaços (2017) na última edição do Globo de Ouro, sua filmografia definitivamente atinge agora um alcance internacional. Há motivos para comemorar. Assistir Em Pedaços é entrar em contato com um cinema carregado de discurso e ideologia, sem deixar de atentar-se para uma admirável consistência estrutural e narrativa. Cuidados que hasteiam uma bandeira explicitamente parcial perante situações que envolvem a política, a sociedade, a família e, em última instância, o meio ambiente. Em um dia como qualquer outro, Katja Sekerci (Diane Kruger)

não faz ideia das reviravoltas ingratas que está prestes a vivenciar. Depois de deixar o filho Rocco no trabalho do pai, seu marido Nuri (Numan Acar), ela passa a tarde descompromissada com uma amiga até descobrir, ao anoitecer, que o escritório serviu como local de um atentado terrorista. As únicas vítimas foram, justamente, os membros de sua família. Determinada a fazer justiça, Katja busca reunir provas ao lado do advogado Danilo Fava (Denis Moschitto), que por acaso também lhe fornece algumas drogas para “aliviar o sofrimento”. Não é de hoje que se fala do papel da arte como reflexo de vivências e percepções temporais. Fatih Akin é hábil ao embutir ícones da intolerância em uma trama essencialmente familiar. Estamos aqui diante de uma trajetória de vingança. Guiada pela amargura, Katja sofre com amplitudes emocionais desumanas após o fatídico episódio. Bem diferente de Beatrix Kiddo (Kill Bill) ou Mildred Hayes (Três Anúncios Para um Crime), a personagem de Diane Kruger responde com passividade enquanto se encontra enclausurada pelas lágrimas que a chuva insiste reforçar. A habilidade do diretor/roteirista em nos conectar com a protagonista é evidenciada na primeira cena: uma filmagem caseira de casamento, com direito à ênfase no som de aplausos e zoom na troca de alianças. Aproximação intimista cuja elipse subsequente não ousa interromper ao mostrar Katja, agora como mãe, de mãos dadas com o filho para atravessar a rua. Outras filmagens caseiras são apresentadas com igual ou ainda


maior eficácia. Diane Kruger tem como seu papel mais conhecido a atriz Bridget von Hammersmark em Bastardos Inglórios (2009). Como no filme de Tarantino, sua personagem mais uma vez torna a combater nazistas. Logo após o incidente, suas acusações recaem unicamente sobre uma palavra que deveria apodrecer nos livros de história. Sua hipótese é fundamentada na origem estrangeira do marido (turca, como a família do diretor) e aparece pouco convincente à primeira vista. Os próprios policiais não levam muita fé e tornam a investigar os contatos que Nuri tinha enquanto traficava drogas - informação que também aparece de surpresa. Uma breve cena em que os sogros de Katja pedem, sem sucesso, para realizar o enterro no país natal é sucedida pela passagem que é, particularmente, a mais agoniante do filme. Sem sensacionalismo. Sem diálogo exuberante. Sem artifícios exagerados de fotografia ou edição. Apenas uma câmera acompanhando

uma mulher escolhendo caixões. Quando vê um para o marido, expressa mínimas palavras e prossegue. Diante dos infantis, um silêncio. Não sei como a protagonista consegue permanecer em pé; nós simplesmente desabamos. Dividido em três atos, Em Pedaços (cuja tradução livre do título original seria “Do Nada”) propõe reflexões não só sobre a falibilidade judicial, como também dialoga com os limites da tolerância. A natureza humana assume um curioso objeto de estudo por aqui. Como seres socialmente construídos, somos sujeitos à um conjunto de princípios que determinam com quem devemos ficar e como devemos nos comportar. Os pais de Nuri mencionados anteriormente são apresentados como construtores, formigas


operárias conservadoras que impulsivamente culpam Katja por toda a situação e invariavelmente alimentam a real vilã, a xenofobia. Após o primeiro ato (“A Família”), somos agraciados com sequências bastante energéticas de um julgamento (“Justiça”), realçada pela excelente atuação de Johannes Krisch como advogado de defesa (o que mais se aproximaria de um Hans Landa por aqui). Acompanhamos com certa segurança o desfecho de um processo que condenará os dois suspeitos, mas as surpresas não tendem a cessar. O último ato (“O

Mar”) é uma resolução sóbria de uma trama que já cava seus últimos recursos. O ritmo se torna mais dinâmico. Temos uma investigação paralela, uma cena de perseguição, uma possível redenção e uma pontinha de esperança. Porém, como as ondas de um litoral, nada que não volte para o mesmo lugar. Recursos como o travelling circular, o rack focus e um uso extremamente incidental da música reforçam a ideia de impunidade como agente de distorção da realidade. Vale dizer que a trilha é de Josh Homme, frontman do Queens of the Stone Age e do Eagles of Death Metal. Em um show desta última, em 2015, um ataque terrorista atribuído à fundamentalistas islâmicos deixou 130 vítimas. Vejo nessa escalação uma clara mensagem de que, independente da etnia e da crença, o ódio é capaz de alimentar as mais terríveis ambições e elas tendem a disseminar com mais facilidade do que a gente pensa. Em Pedaços representa dolorosas crônicas que ousam interligar significados de família, justiça e mar. Acompanhamos as falhas e tragédias de conjunturas e acabamos imersos naquilo onde, do nada, tudo começou. Onde um dia, do nada, tudo pode terminar. // zint.online | 57


60 anos de um dos maiores filmes de todos os tempos joão dicker d i a g r a m a ç ã o // v i c s

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ogo quando estreou em 1958, o 46º longa-metragem de Alfred Hitchcock, Um Corpo que Cai, mostrou que seria um filme polêmico.O longa teve alguns contratempos na produção, como a escalação de Kim Novak, substituindo as duas escolhas preferidas do diretor para fazer o par romântico com James Stewart, sendo elas Grace Kelly, que já havia aposentado, e Vera Milles, que não pode pegar o papel devido a uma gravidez. Uma vez nos cinemas, o longa arrecadou uma bilheteria abaixo do esperado e obteve um mix de críticas positivas e negativas que acabaram taxando o filme como uma produção genérica de Hitchcock.

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Contudo, com o passar do tempo, a crítica especializada e o público passaram a enxergar o filme com novos olhares, deixando que as nuances e as habilidades técnicas e linguísticas que o gênio Hitchcock explorou alavancasse o longa a um novo patamar. Assim, ao completar 60 anos de seu lançamento, Um Corpo que Cai não só figura entre a chamada tríade de melhores obras do cineasta ao lado de Janela Indiscreta (1954) e Psicose (1960), como também aparece regularmente nas listas de melhores filmes da história do cinema, já tendo sido eleito pela respeitada revista Sight&Sound, em 2012, o maior filme de todos os tempos. A comparação com os considerados outros dois maiores títulos de Hitchcock, Um Corpo


James Stewart e Kim Novak em cena de "Um Corpo que Cai"

Que Cai é mais singular dentro da filmografia do cineasta por possuir uma sensação de intimismo, quase que uma pessoalidade na forma com que o diretor trata as características que marcam seus projetos e sua identidade como realizador. Ainda, o longa demonstra ainda mais a genialidade de Hitchcock que, em seu 46º longa e já com 58 anos de idade, trouxe inovações técnicas e novas abordagens narrativas para entregar um filme assustador, perturbador e que reafirma o porque ele é considerado o mestre do suspense. De cara, já entendemos que o longa será uma

experiência sensorial. Os créditos inicias criados pelo designer gráfico Saul Bass recriam a sensação incômoda de vertigem em um jogo magistral de sobreposição de imagens e elipses que confundem o olhar humano para já iniciarmos o longa com uma sensação de desconforto. Daí, passamos a acompanhar o policial Scottie Ferguson (Stewart), que durante uma perseguição acaba causando a morte de um colega devido a sua inédita descoberta de medo de altura. Passado algum tempo, Scottie é procurado por um conhecido interessado em contrata-lo como detetive para investigar a sua esposa, Madeleine Elster (Novak), a qual o marido acredita estar possuída por um espírito feminino e que por isso estaria cometendo adultério. Apesar de um pouco relutante quanto a credibilidade da história contada pelo amigo, Scottie decide pegar o caso e acaba adentrando em interminável espiral de insanidade, que Hitchcock explora com maestria para enlouquecer e angustiar o espectador junto de seu protagonista. Essa espiral de insanidade crescente é construída a partir de um jogo de manipulação de sensações, por meio das subversões narrativas e das diversas nuances que os personagens e situações as quais estão cometidos acabam revelando durante a projeção. É uma nova versão do cineasta, que inzint.online | 59


sere o espectador na cabeça de Scottie ao introduzir tons de espiritualidade e crença no primeiro ato do longa, mas que exaure todo o suposto misticismo da narrativa para construir uma trama com traços de filme policial, filmes de fantasma e suspense psicológico, que explora de sentimentos palpáveis, sendo a paixão o principal deles, para criar, refletir e aprofundar as obsessões de seu protagonista. A atuação de James Stewart, que já havia trabalhado outras vezes com o diretor, contribui para a criação de um protagonista dúbio e que, assim como o espectador faz, passa a se questionar e a carregar uma carga dramática de culpa e perda muito profunda, transformando Scottie em um dos personagens mais trágicos do diretor. Por outro lado, Kim Novak adiciona mais camadas a todo jogo de subversão e percepção de Um Corpo Que Cai, entregando uma atuação que varia de um caráter vulnerável e quase que inexpressivo para uma presença forte, sensual e inquietante. A atriz tem muito mérito em conseguir criar com profundidade e realismo as diferenças necessárias para um dos principais pontos da trama. Mais do que um trabalho magistral na con-

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hitchcock dirige Kim Novak nas filmagens de "Um Corpo que Cai"

dução rítmica e narrativa, Hitchcock utiliza de seu olhar detalhista e de sua veia estética para adicionar uma beleza plástica cativante, que também ajuda a prender a atenção na tela. Nada do que o diretor coloca em cena é gratuito, com cenários, figurinos e um jogo de cores que condiz com o estado psicológico de cada personagem em determinadas passagens do longa. Ainda, a criação do contra zoom, técnica que combina o movimento da câmera para frente com um zoom para trás, explorando impressão de deformação e alongamento do espaço, para transmitir a sensação incomoda

provocada pela vertigem é genial. Não é atoa que a invenção passou a fazer parte da linguagem cinematográfica, sendo reproduzida diversas vezes ao longo dos anos. Passados 60 anos de seu lançamento, Um Corpo que Cai se assume cada vez mais não só como uma das obras primas do cineasta, mas como um dos mais atemporais e marcantes filmes da história do cinema, sendo um amalgama de gêneros da sétima arte que revela suas camadas e nuances com o desenvolvimento do jogo de subversão intrigante que é a experiência sensorial criada por Hitchcock. //

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música

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Uma história de amor ao

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diandra guedes

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impossível resumir a trajetória de sucesso de um dos cantores mais amados do Brasil em apenas duas horas de espetáculo, mas o musical Zeca Pagodinho - Uma História de Amor ao Samba se empenha em fazer um bom retrato da história de Jessé Gomes da Silva Filho, nome de batismo do nosso herói popular. O musical é guiado pelos santos protetores do nosso sambista, Cosme e Damião, que mostram o nascimento do menino Jessé em Irajá, no dia 4 de fevereiro de 1959, filho de seu Jessé e dona Irinéia, irmão de mais quatro. A história é dividida em estações, como um trem rumo ao sucesso. A primeira estação é o "Nascimento", seguida por "Adolescência", onde conhecemos uma figura importante na vida e formação profissional de Zeca: o tio avô Thybau. Thybau era boêmio incorrigível e apresentou ao menino o prazer de tomar uma cerveja gelada ouvindo música de qualidade. É também na juventude que Zeca conhece o “seu Velha Guarda” figura mitológica da Portela, sua escola de samba de coração. A próxima estação é a "Malandragem", responsável por mostrar que sua carreira como bicheiro (ou ‘corretor zoológico’, como o próprio se define). A esbórnia, bebedeira e ressaca são sempre presentes, mas começamos a conhecer

um Zeca versador, se entregando às rimas de um samba partido alto. São destaque suas composições junto à amigos: SPC (que nomeia o seu primeiro LP), Delegado Chico Palha, Bagaço da Laranja e Faixa Amarela. A última estação é a "Sucesso", onde vemos o encontro de Zeca com a Madrinha Beth Carvalho. No Cacique de Ramos, a dupla canta um dos maiores sucesso do samba Camarão que Dorme a Onda Leva, sua primeira composição gravada. Nessa época, o nosso sambista não ostentava uma barriga redonda de cerveja e ainda tinha medo de microfone. Outros parceiros também são citados como Beto Sem Braço, Almir Guineto e Elton Medeiros, seus professores no mundo do samba. A trajetória de Zeca continua pelos sambas criados, problemas com gravadoras, imprensa marrom, discos de ouro, platina e Grammys Latinos. O retrato de Xerém e sua simplicidade é ponto alto do espetáculo e ilustra a essência humilde do cantor. O sincretismo religioso também é presente. O sambista abusa da proteção de santos católicos, patuás, orixás e sereias. Tudo junto e misturado. Um dos momentos mais bonitos da peça é quando entoam a canção Ogum, uma espécie de oração sempre cantada nos show de Zeca.

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O musical traz falas do próprio cantor, reconhecida pelos fãs de imediato. Entre elas, destaque para a pergunta clássica que tanto incomoda o nosso sambista e tantas vezes repetida em programas de tevê: “Você pode nos falar qual a diferença entre samba enredo, partido alto e pagode?”. A resposta é sempre a mesma “Olha, é tudo igual, mas é diferente”. Além disso, Zeca participa do espetáculo como um fantasma tecnológico que instrui e orienta a ele mesmo, uma interação que garante o humor e leveza da peça. Os 13 atores se saem muito bem nos papéis que desempenham. O destaque, é claro, é para os atores Peter Brandão e Gustavo Gasparani (que também assina o texto, roteiro e direção geral) que interpretam o protagonista em sua fase jovem e adulta, respectivamente. O jovem Zeca emposta melhor a voz, e o mais maduro interpreta os trejeitos do original com naturalidade. A cenografia e figurinos são bonitos e bem feitos, com texturas palpáveis e cores vivas. Embora seja difícil retratar toda a carreira de 66| zint.online

Zeca em duas horas, os principais sucessos estão presentes como Verdade, Deixa a Vida me Levar e Vai Vadiar. Em contra partida, a vida pessoal fica um pouco de lado: seu casamento (Mônica não aparece, ficando difícil dizer, ao menos, como eles se conheceram) e a chegada dos filhos (apenas citados) não são mostrados. Outra questão que fica sem resposta é como Jessé Gomes da Silva Filho passa a se chamar Zeca Pagodinho. Para quem é fã, a história é banal; porém, quem não conhece a fundo a trajetória do artista fica sem resposta, até porque ele é chamado pelo nome de batismo durante a peça inteira. Também há pouca ou nenhuma referência ao seu amigo e compadre Arlindo Cruz. O musical agradou o público mineiro e tem fôlego para conquistar novas plateias, com a sessão de BH (e esperamos que a das outras cidades também) sendo acessível e contando com tradução simultânea para linguagem de libras. Quem gosta de Zeca e de um bom samba não pode perder. E quem não gosta de samba… bom sujeito não é. //


N a i m a g e m d a e s q u e r d a , G u s tav o G a s pa r a n i d á v i d a a o Z e c a a d u lt o, e n q u a n t o, à direita, Peter Brandão é responsável por interpretar o Zeca adolescente. Na foto inferior, o verdadeiro Zeca Pagodinho posa ao lado de Peter (esq.) e Gustavo (dir.)

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NEGRA DRAMA: DRIK BARBOSA A aposta do rap nacional, lança seu EP de estreia

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jader theophilo

Cheia de gana e cheia de marra. É assim que Drik Barbosa, a grande revelação do rap, chega com seu EP de estreia Espelho. Com cinco músicas, o trabalho apresenta letras poderosas, que mesclam o R&B e o Rap, trazendo a vivencia, os questionamentos e a força da mulher negra. Com 11 anos de carreira, Adriana Barbosa, de 25 anos, nascida em Santo Amaro e criada em Vila Mariana, região Centro-Sul de São Paulo, 68| zint.online

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thales assis

já vem chamando atenção no cenário musical há algum tempo. No entanto, só agora teve o trabalho autoral lançado para o grande público. Para isso, contou com a gravadora Laboratorio Fantasma, selo dos irmãos Emicida e Evandro Fióti, com quem já colaborou na música Avuá, tema do desfile da LAB na edição de 2017 do São Paulo Fashion Week. Com direção e produção musical de GROU, que já assinou materiais de Emicida, Kamau,


Criolo e Rimas & Melodias, Espelho apresenta um ar intimista, mas ao mesmo tempo inspirador. “Cada faixa contém a minha personalidade na forma como falo sobre os temas que abordo. Procuro ser uma pessoa otimista e passo isso nas canções, porém quando falo sobre preconceitos, racismo, machismo e coisas negativas que me rodeiam, sou bem direta para que me ouçam e entendam a urgência de transformar essas questões”, revela a artista. O primeiro single, Melanina, no entanto, é a única faixa produzida por Deryck Cabreba, que já trabalhou com Criolo, Jay Prince e Don L. Com batidas dançantes e rimas com diversas referencias de personalidades negras, a música traz a participação do rapper Rincon Sapiencia. Além do artista, o compilado musical conta com a colaboração de MC Stefanie, na faixa Espelho. A rapper é uma das inspirações de Drik, que assim como ela, também faz parte do grupo Rimas & Melodias, composto pelas MCs Tássia Reis, Karol de Souza, Alt Niss, Tatiana Bispo e a DJ Mayra Maldijan. Além disso, o EP mostra a versatilidade de Barbosa ao apresentar a romântica balada Inconsequente e a poderosa Camélia, que se destaca como uma das faixas mais interessantes de sua carreira,

com rimas cheias de autoestima, força, empoderamento e representatividade. Canção que faz referência ao grande sucesso Negro Drama, dos Racionais Mc’s. “Várias negra drama tão sem incentivo, ainda quer saber porque eu rimo? O sistema é cruel e segue oprimindo é por isso que eu digo o que digo”, canta. Além desse trabalho, o primeiro álbum da artista, intitulado Herança, deve ser lançado em breve em parceria com a Natura Musical. Todas as músicas lançadas até o momento e citadas nessa matéria estão disponíveis nas plataformas de streaming. // zint.online | 69



CORRENTEZA ABAIXO A trajetória de Vance Joy, cantor que conquistou o mundo com a canção ‘Riptide’

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bruna nogueira

Com jeito de bom moço e um violão debaixo do braço, James Gabriel Keogh deixou seu país e seu nome para trás para ganhar o mundo como Vance Joy. Com 30 anos de idade agora, Joy foi descoberto apenas em 2013, após ter lançado o hit folk Riptide. O australiano passou a vida inteira em uma jornada de autodescoberta. Em sua adolescência foi jogador de futebol, e chegou a ser até capitão do time da escola. Fugindo do estereótipo de atleta que conhecemos dos filmes norte-americanos, James sempre teve alma de artista e se formou na universidade de Monash, em Melbourne, com dois bacharéis, um em Artes e outro em Direito. Buscando o sonho na carreira da música, ele assumiu um novo nome: Vance Joy. O cantor afirmou, em entrevista ao portal Buzzfeed, que a inspiração veio de um livro australiano. “Recebi meu

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nome de um livro chamado 'Bliss', de Peter Carey, que é uma história australiana. Eu tinha cerca de cinco ou seis músicas com as quais eu estava realmente animado, e eu só queria ter um nome para colocar naquela nova coleção de músicas que não fosse o meu próprio, porque as pessoas sempre erram a pronúncia do 'gh' no fim de Keogh. Então usei Vance Joy, que é uma personagem [no livro] - ele é como um contador de histórias, então é um nome legal”, contou. Em março de 2013, o rapaz lançou seu primeiro EP, God Loves You When You’re Dancing, com o single Riptide ganhando certificado triplo de platina pela Australian Record Industry Association (ARIA). Foi nesse momento que o mercado dos Estados Unidos conheceu sua voz e o single foi comprado e usado nas propagandas da câmera GoPro, que viralizaram e abriram ainda mais as portas do sucesso para a canção. Assim, o cantor foi convidado para abrir shows da turnê 1989, de Taylor Swift. Riptide também fez parte do primeiro álbum de estúdio do cantor, Dream Your Life Away, lançado em 2014, ano em que Joy ficou entre os artistas mais ouvidos em nove países.

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Arte e Sensibilidade

Em seu primeiro álbum, Joy canta sobre amores perdidos e momentos de sua infância, temáticas que parecem ser recorrentes também nos últimos lançamentos. Riptide, por exemplo, foi inspirada em uma viagem que o cantor fez com sua família quando ainda era um menino, em que todos se hospedaram em um hotel cujo nome é o título da canção. “Cresci tocando violão. Meninos de catorze anos estão obcecados com músicas de garotos irritados, então fiquei obcecado com Metallica - e aprendi todas as intros, como 'Master of Puppets', e é assim que comecei a tocar”, afirmou o cantor em entrevista ao Buzzfeed. Vance aprendeu com o Rock, mas foi no Folk que se encontrou. No lugar das intros violentas na guitarra, ele toca seu violão acústico com sensibilidade e entre um acorde e outro, deixa escapar inseguranças e medos íntimos. As músicas de Joy, cantadas em seu tom único e suave, são quase como um cari72| zint.online

nho na alma. Em um mercado praticamente dominado por artistas pop que cativam os fãs com letras chiclete e batidas fortes, Vance é um sopro de ar fresco. Suas letras simbolizam muito do nome que ele adotou para si, e ao ter se inspirado em uma personagem que contava histórias, ele passou a ser exatamente isso: alguém que compartilha sentimentos e memórias, com leveza e honestidade. Um exemplo é seu primeiro single chamado From Afar. A letra conta a história de um romance que nunca chegou a acontecer e, em primeira pessoa, fala de um rapaz que sempre amou em segredo seu melhor amigo e como foi dolorido silenciar essa paixão. Foi com esse sentimentalismo que o artista conquistou seu público e fez uma turnê de 50 shows para divulgar seu primeiro álbum. Em entrevista ao portal ABC News, o artista


explicou que durante todas as viagens ele buscava uma forma de continuar escrevendo novas músicas, mesmo com uma rotina intensa. "Para mim, eu continuo me arranhando, eu continuo esbarrando e escorrendo, tentando escrever. Você constrói esse banco de ideias e espera que algumas dessas conexões sejam feitas”, comentou. E dessa forma, ele desenvolveu seu segundo trabalho, Nation of Two, lançado no dia 23 de fevereiro desse ano.

Para divulgar o novo disco, o cantor já iniciou uma turnê mundial, que passa no Brasil no segundo semestre. Ele se apresenta no dia 5 de outubro em São Paulo, no Audio Club, e na capital carioca no dia 6, no Circo Voador.Essas não serão as primeiras apresentações do cantor no país. Vance Joy também marcou presença nos últimos Lollapalooza Brasil, incluindo o que rolou no último final de semana de março. Para quem se apaixonou pelo artista ainda no primeiro CD, ou para aqueles que estão conhecendo ainda esse ano, resta esperar que ele continue se esgueirando, esbarrando e arranhando entre uma apresentação e outra para escrever. É sempre um dia bom para a música quando um novo artista é (re) conhecido, ainda mais quando se tem tanto a oferecer e tantas histórias para contar. //



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literatura

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Mulheres e Interseccionalidade

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carolina cassese

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o último Dia Internacional da Mulher, a editora Boitempo lançou A Liberdade é uma Luta Constante, da ativista e autora Angela Davis. Esse é o terceiro título de Davis disponível no Brasil, considerando que o primeiro, Mulheres, Raça e Classe, de 1981, foi traduzido apenas em 2016. Com a crescente discussão sobre questões de cunho social na sociedade brasileira, a autora se consolida cada vez mais como uma referência. Nascida em 1944, Angela Davis carrega uma trajetória de luta. Em 1970, integrou o Partido Comunista dos Estados Unidos e o grupo Pantera Negra. No mesmo ano, foi acusada de conspiração e sequestro e passou a integrar a Lista dos Dez Fugitivos Mais Procurados do FBI, sendo inocentada de todas as acusações 18 meses depois. Na época, artistas como John Lennon, com Angela, e os Rolling Stones, com Sweet Black Angel, homenagearam e pediam a libertação da ativista em canções. Dirigido por Shola Lynch, o documentário Libertem Angela Davis (2012) também retrata esse período. Nas palavras da ativista brasileira Djamila Ribeiro, que assinou o prefácio de Mulheres, Raça e Classe, a esquerda tem muito o que aprender com Angela Davis. “Num momento em que as militâncias negras ganham mais visibilidade no Brasil e com isso são covardemente atacadas – inclusive por integrantes de esquerda –, é fortalecedor termos Angela Davis no País ressaltando a importância da luta das mulheres negras, ainda à margem da sociedade em sua grande maioria”, escreveu em um artigo da Carta Capital. Outra importante autora que tem Davis como referência é Judith Butler, filósofa pós-estruturalista, comentando que “Angela Davis reúne em palavras lúcidas nossa história luminosa e o mais promissor futuro de liberdade". Em Mulheres, Raça e Classe, a autora analisa, por um viés marxista, as opressões sistêmicas sofridas por grupos minoritários. Retratando a história do marxismo e também do feminismo, a escritora reforça a importância de se pensar em esferas interseccionais, pois em uma sociedade capitalista, colonialista e patriarcal, as opressões se relacionam profundamente. A autora também é categórica ao afirmar que no Brasil e nos Estados Unidos não se

pode dizer que a escravidão foi de fato abolida, já que os dois países carregam resquícios desse período, como a violência policial sistêmica e o encarceramento em massa da população negra. Documentários como Eu Não sou Seu Negro (2016) e 13ª Emenda (2016) ilustram a colocação de Davis. Já em Mulheres, Cultura e Política, o segundo livro da escritora lançado no país, a abordagem é mais ampla e engloba também as lutas de países periféricos. Esse, aliás, é um dos fatores que faz com que Angela Davis seja uma boa referência para a militância brasileira: seus estudos não são centrados apenas na sociedade norte-americana. Uma das ideias mais interessantes presentes na obra é a maneira com que a autora procura tirar o estigma negativo da palavra radical. “Radicalismo significa, simplesmente, entender as coisas desde a raiz”, escreveu. A Liberdade é Uma Luta Constante reúne uma coleção de seus artigos e discursos proferidos entre 2013 e 2015. Em julho de 2017, a ativista veio ao Brasil e participou de palestras e conferências. No Dia Latino-Americano e Caribenho da Mulher Negra, lotou a reitoria da Universidade Federal da Bahia. Em tempos de um crescente e aterrorizante conservadorismo, conhecer Angela Davis é preciso. // zint.online | 77


A trajetória de

Lou Clark T E X T O //

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bruna curi

xistem alguns personagens que se tornam memoráveis com o passar do tempo, e esse é o caso de Louisa “Lou” Clark, a protagonista do best seller Como Eu Era Antes de Você, da escritora britânica Jojo Moyes. A personagem, de jeito bem atrapalhado, aos poucos conquista espaço no coração dos fãs, estando agora de volta no romance Ainda Sou Eu, o último livro da trilogia da autora. Em Como Eu Era Antes de Você, Lou é apresentada como uma jovem de 26 anos que leva uma vida acomodada e que não possuiu muitos planos e ambições para o futuro. Ela mora em uma pequena casa com os seus pais, o avô, a irmã e o sobrinho, e tem um namoro morno com Patrick. Apesar de se sentir incomodada com algumas coisas, ela não toma nenhuma iniciativa para mudar a

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situação. Após ser demitida do café onde trabalhava há anos, Lou se vê obrigada a pensar no futuro e tomar uma decisão para conseguir um novo emprego, já que ela não pode viver de seguro desemprego para sempre (o seu salário era essencial para ajudar aos seus pais a pagar as contas, de maneira que ela precisa encontrar uma nova fonte de renda). Lou então consegue uma oportunidade como cuidadora de Will Traynor, um rapaz rico de humor extremamente ácido, tetraplégico após ser atropelado por uma moto. Lou, não entanto, não é a pessoa mais indicada para trabalhar como cuidadora de alguém, por ser muito atrapalhada e falar pelos cotovelos. Adaptar-se ao novo emprego, que lhe tira da sua zona de conforto, mostra-se como uma tarefa nada


fácil. Além disto, Will faz questão de não facilitar a situação, estando sempre mal humorado, irônico e extremamente ríspido. Constantemente considerando desistir do trabalho, a jovem precisa aguentar o humor de seu chefe por precisar desesperadamente do dinheiro. As coisas se tornam mais fáceis quando Lou desenvolve uma amizade com Will. E é após descobrir do trato que o rapaz fez com seus pais (ele poderia por fim a sua própria vida ao fim de um prazo de seis meses), que a moça bola um plano para mostrar para o homem como a vida pode ser maravilhosa, mesmo estando em uma cadeira de rodas. Afinal, como uma pessoa pode desistir assim da própria vida? Apesar de não conseguir fazer Will desistir dessa ideia, Lou acaba aprendendo lições valiosas durante o tempo em que ficou trabalhando como cuidadora na casa dos Traynor. E, durante os seis meses em que esteve ao lado de Will, ela passa a aproveitar a vida intensamente, arriscando a fazer coisas novas e começando a pensar em novas possibilidades para futuro, já que é uma mulher brilhante, dona de uma mente extremamente criativa e que, portanto, não deveria deixar sua vida estagnada. Já em Depois de Você, o segundo volume da trilogia, o leitor se depara

com uma versão mais sombria e melancólica de Louisa Clark, algo com o qual não estamos acostumados. Tudo isso é um reflexo do luto e da culpa que ela sente por Will ter morrido, como se houvesse algo a mais que ela poderia ter feito para que ele não desistisse da própria vida. Ainda, ela sente como se o tivesse decepcionado por não estar aproveitando a vida da maneira que ele gostaria.

Esse é um momento muito delicado na vida de Lou, que conseguiu um trabalho que detesta com todas as suas forças e que não se sente confortável com o apartamento que herdou de Will. A única coisa que ela faz para tentar superar esse luto e a culpa que sente é frequentar, sem muita vontade, um grupo de terapia. Contudo, nem isso parece adiantar muita coisa já que Lou não se sente feliz e não consegue enxergar sentido na sua vida. zint.online | 79


A nova versão da protagonista, mais obscura e até mesmo depressiva, é um lado totalmente novo. No decorrer da leitura vemos Louisa buscando ajuda, uma vez que não consegue lidar sozinha com esse peso em suas costas. Duas pessoas fundamentais nesse processo são apresentada: Sam Fielding, um paramédico que mais tarde acaba desenvolvendo um interesse por Lou, e Lily, uma adolescente meio rebelde que afirma ser filha de Will Traynor. Depois De Você é um livro em que apresenta a personagem principal vivendo e sentindo o luto ao seu extremo, mas que com muita terapia e ajuda de amigos e familiares consegue dar a volta por cima. A evolução de Lou é marcante, assim como a maneira que ela dá a volta por cima ao mudar o seu estilo de vida: ao invés de tentar sempre agradar aos outros, esquecendo de si mesma, passou a focar mais em suas necessidades e em seus desejos, ao deixar tudo para trás na tentativa de se arriscar em uma nova cidade e em um novo trabalho. O último volume da trilogia, Ainda Sou Eu, foi lançado em fevereiro e marca o final da trajetória de Louisa Clark. O livro mostra a personagem chegando a Nova York, onde vai trabalhar 80| zint.online

Em 2016, "Como Eu Era Antes de Você" ganhou uma adaptações cinematográfica estrelada por Emilia Clarke e Sam Claifin, com roteiro de Jojo Moyes

como cuidadora de uma socialite chamada Agnes Gonipk, uma ex-massagista que não é muito bem aceita pelas outras mulheres da alta sociedade. A função de Lou é trabalhar como assistente de Agnes, além de servir como intermediária entre a Sra. Gonipk e as outras pessoas. A vida que ela leva em Nova York é muito diferente do que ela levava em sua terra natal, uma pequena cidade da Inglaterra. Enquanto Lou vem de uma família calorosa, em que os familiares adoram conversar e sempre sabem o que está acontecendo na vida de cada um, os Gonipks são totalmente o oposto. O objetivo de sua estadia na nova cidade, além de seu trabalho, é poder aprender, crescer e a viver novas experiências. E essa estadia na Big Apple acaba sendo um verdadeiro desafio para Louisa, por estar longe de sua família e problemas constantes em seu namoro a distancia. Tudo se complica quando uma pessoa muito parecia com Will surge em sua vida, enquanto Sam, seu


Desde 2002, quando iniciou sua carreira, Jojo Moyes já escreveu 15 livros

namorado, ganha uma jovem parceira de trabalho. Ainda Sou Eu não se trata apenas do amadurecimento de Lou e de sua adaptação em um país novo e a uma dinâmica de vida completamente diferente. Devido a trocas de e-mail com a sua mãe e as chamadas de vídeo com sua irmã, o leitor pode ficar por dentro da família Clark, sendo perceptível o quanto que os familiares (também) evoluíram ao longo da trilogia. O destaque especial fica com Treena, a irmã de Lou, que passa a ganhar maior espaço na narrativa, dando a oportunidade ao leitor de conhecer um pouco mais sobre ela, seus sonhos e até mesmo seus sentimentos. Durante toda narrativa, Jojo Moyes consegue manter a essência da personagem. Mesmo passando por inúmeras reviravoltas, Lou termina a trilogia com o seu jeito gentil de ser, sempre sorrindo diante dos pequenos gestos e que possuindo um grande amor pela vida (algo que acabou aprendendo com Will Traynor). Em Ainda Sou Eu, o crescimento pessoal da protagonista é bastante evidente, ao aprender a defender a si mesma. Assim, Moyes apresenta a forma perfeita de encerrar com dignidade a trajetória de Louisa Clark, uma personagem admirável e extraordinária. //



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sĂŠries

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Fight Like a Woman A heroína Jessica Jones está de volta em nova temporada descobrindo e revelando detalhes de seu passado T E X T O //

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ANA LUISA SANTOS

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oupas pretas, muito whisky, personalidade forte, destemida e definitivamente, original. Jessica Jones, a heroína que rompe com todos os estereótipos está de volta à Netflix. Disponibilizada pela plataforma no 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o lançamento não só utilizou da data mundialmente conhecida como forma de fortalecer a relação entre a obra e o público feminino, mas também trouxe uma equipe formada única e exclusivamente por diretoras mulheres. A investigadora retorna em 13 novos episódios, que seguem os acontecimentos do primeiro ano, trazendo Jessica (Krysten Ritter) tentando levar a vida após se livrar do vilão abusador, Kilgrave (David Tennant). Ela é obrigada lidar com os traumas deixados pelo vilão, ao mesmo tempo em que revisita seu passado e faz descobertas inesperadas sobre sua família e o acidente que os matou, trazendo revelações surpreendentes e alguns mistérios quanto a origem de seus poderes e como eles foram produzidos por meio de experimentos biológicos. Assim, Jessica percebe que há outros que, como ela, sobreviveram aos experimentos, mas então sendo assassinados por Alisa (Janet McTeer). Numa atmosfera mais diurna do que na temporada anterior, os episódios mostram uma Jessica com um quê de vulnerabilidade, revelando seus sentimentos, medos e anseios enquanto se afoga em whisky. Assim como na primeira temporada, não só a protagonista é bem construída e bem interpretada, com Ritter se mostrando cada vez

mais confortável no papel, mas também os personagens secundários possuem profundidade e trafegam a vida de Jessica trazendo algo de importante para sua jornada. Trish Walker (Rachael Taylor) toma frente da investigação que acaba levando a heroína às descobertas e revelações de seu passado. Malcolm Ducasse (Eka Darville) tem seu arco elevado e muito bem desenvolvido, tornando-se cada vez mais importante para a protagonista, chegando a ser promovido de assistente à sócio e desempenhando papel fundamental em determinadas cenas. No entanto, um dos melhores personagens da temporada, é

a advogada Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss), que auxilia Jessica e descobre uma doença irremediável. A nova temporada dividiu opiniões entre os críticos, em virtude do grande sucesso da primeira, que trouxe uma trama muito bem amarrada e envolvente, elevando às expectativas do público. Mais uma vez, temos a atuação impecável do elenco. No entanto, a falta de ritmo e de um vilão crível e impactante como Kilgrave foi acabam deixando o segundo ano sem tanto folego. Apesar de ser menos empolgante que a anterior, Jessica Jones ainda vale muito a pena. // zint.online | 85


Uma vida sentenciada T E X T O //

V

bruna curi

ocê já imaginou o que fazer com sua vida se soubesse que iria morrer em breve? Viver verdadeiras loucuras ou passar os últimos momentos se lamentando? Realizar seus sonhos e desejos antigos ou deixá-los de lado? Essas são algumas escolhas 86| zint.online

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vics

que Stella Abbott (Lucy Hale), protagonista de Life Sentence, série exibida pela The CW, precisa enfrentar. Há oito anos, a jovem descobriu que estava com um câncer terminal e desde então vive cada dia de sua vida como se fosse o último, já que possivelmente é o que pode ser. Com o apoio de seus pais e de seus irmãos, Stella enfrenta seus medos e tem o suporte da família para que ela tenha a oportunidade de co-


nhecer o verdadeiro amor, Wes (Elliot Knight), que conheceu em Paris durante uma viagem e acabou casando-se, em uma relação que deveria durar o tempo que lhe resta de vida: seis meses. Com todos os detalhes prontos para o seu funeral, o que poderia dar errado? Em uma consulta médica de rotina, Stella descobre estar curada. Após passar pelo estágio de choque (afinal, ela já estava acostumada à ideia de sua morte) e celebrar a notícia ao lado de seus familiares (seu funeral acaba se transformando em uma festa de celebração à vida), ela descobre que a sua nova chance de vida não é, exatamente, tão animadora assim. Com o fim da doença, Stella se depara com diversos segredos guardados por sua família ao longo dos oito anos, que se empenharam em dar a ela apenas um ambiente feliz para seus últimos anos. Agora, depois de aprender a viver com seu prazo de validade martelando a sua existência, Stella se encontra sentenciada a a uma situação onde precisa aprender a conviver sem o seu câncer. Com o teatro desfeito, Stella descobre que além da situação financeira de seus pais não ser das melhores, o casamento deles parece ter chegado ao fim. Também, sua irmã, Elizabeth (Brooke Lyons), vive angustiada por ter tido filhos muito cedo ao invés de ter dado prioridade a sua carreira, enquanto seu irmão, Ainden (Jayson Blair), tem um caso com uma mulher casada. Como se não bastassem todas essas mentiras, a jovem também descobre novos lados de sua relação com Wes, cujo casamento era para durar apenas seis

breves meses. Com o seu relacionamento prolongado indefinitivamente, é como se Stella não conhecesse o seu próprio marido, tendo a impressão de que ele é um completo estranho. Assim, com uma família cheia de problemas e mágoas e um casamento que foi construído em cima de algumas mentiras, Stella se vê obrigada, pela primeira vez em sua vida, a tentar ajudar as outras pessoas. Se antes ela dependia bastante da ajuda de seus familiares, agora são eles que precisavam da ajuda dela. Além disso, a personagem de Hale precisa começar a planejar o seu futuro, agora que tem um, mas a tarefa logo mostra-se difícil já que ela nunca sentiu a necessidade de, por exemplo, ter experiências profissionais. O primeiro episódio de Life Sentence serve como uma introdução sobre a vida de Stella, de sua família e de sua doença. Assim como todas as obras que envolvem um personagem que possuiu algum tipo de câncer ou doença terminal, a série mostra como a doença de Stella influenciou as suas relações familiares e como a sua cura vai afetar todos os personagens. O Pilot deixa claro que a série possuiu um pouco de drama e comédia, mesclando momentos de comoção e outros de muitos risos e gargalhadas. Lucy Hale se destaca dando vida à Stella, uma vez acostumada com o gênero drama graças ao sete anos na série Pretty Little Liars,

no corpo de Aria Montgomery, uma das protagonistas da trama. Em Life Sentence, Hale consegue entregar uma personagem muito positiva, mesmo diante da possibilidade de morrer a qualquer momento, também demonstrando uma grande fragilidade ao descobrir todas as mentiras que a cercavam. A personagem também ganha uma nova camada pela sua situação: por mais que seja uma mulher adulta, Stella é inexperiente em inúmeros sentidos, já que sua batalha contra o câncer vem desde sua adolescência. Brooke Lyons, interprete da Elizabeth, também se destaca. Sua personagem consegue demonstrar muito bem a sua infelicidade. O sentimento transparece de forma clara em duas situações: a primeira, quando ela tem de abrir mão de uma bolsa de estudos para ajudar no tratamento de câncer da irmã, e quando ela comenta ter se arrependido de ter tido filhos tão cedo, preferindo poder ter focado em sua carreira. Elizabeth é amargurada em diversos sentidos e Lyons, através de sua atuação, transmite bastante disso. Life Sentence está atualmente no ar, em sua primeira temporada, com uma encomenda de 13 episódios. E com sua boa premissa e o elenco de grandes atores, basta que os produtores saibam como aproveitar desses recursos para ter a atenção do público e, consequentemente, garantir sua longevidade. // zint.online | 87


Altered Carbon:

a nova a posta da Net f l ix A recente série original do serviço de streaming dividiu opiniões mesmo inovando o conceito de ficção científica T E X T O //

laísa santos

Quem assiste os originais da Netflix sabe que a empresa está apostando todas as fichas em conteúdos diferentes, inovadores e de boa qualidade. É neste pacote de atualizações que está Altered Carbon, o grande lançamento do serviço para os

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vics

amantes de ficção científica e histórias futurísticas que se passam em um ambiente caótico, em que a certeza da morte iminente não é mais um dilema da sociedade.


A história gira em torno de Takeshi Kovacs (Joel Kinnaman), um emissário que por cometer muitos crimes teve sua consciência aprisionada no gelo durante 250 anos. Ele é despertado pelo matusa bilionário, Laurens Bancroft (James Purefoy), que acredita ter sido assassinado antes de fazer o backup de sua consciência e "contrata" Kovacs para investigar o caso. Com inspiração em Blade Runner (1982) e pitadas de Westworld (2016) no roteiro, que explora da temática cyberpunk no contexto da narrativa, a trama da série se desenrola no curso de 10 episódios episódios. Ao longo deles, vamos descobrindo a origem do personagem protagonista, assim como como o mundo chegou a ser o que é e porque muitas pessoas querem Kovacs morto. Ainda que diversos personagens sejam apresentados no decorrer dos episódios, o elenco principal

permanece importante até o final, fazendo com que nenhum personagem fique de lado durante os conflitos. Para entender melhor a série é preciso saber que no futuro, no século 25, a humanidade conseguiu descobrir um caminho para a imortalidade. Os habitantes da Terra possuem um cartucho na nuca, responsável por armazenar a consciência do indivíduo. Com esta realidade, o corpo físico torna-se desvalorizado, uma vez que é possível trocá-lo caso o mesmo sofra algum tipo de estrago. A morte real acontece quando o cartucho é comprometido, mas que é facilmente contornado pela população rica, que conseguem fazer

backup e armazenar a consciência em outro lugar ou até mesmo em clone de si próprios. É interessante ver os arcos de cada personagem (com foco na Lizzie, que termina a série com o maior crescimento pessoal) e a forma como eles se desenvolveram em relação a todo o universo. Por mais sutis que algumas coisas sejam, elas tornam-se essenciais na construção de cada detalhe da produção. A série discute muitos temas como desigualdade social, os princípios religiosos ligados a morte, o culto a consciência e não ao corpo, abuso sexual, pedofilia, entre outros. O mais interessante entre tudo isso é a reflexão que ela promove junto ao espectador, forçando-o a discutir o que o faz amar uma determinada pessoa, já que a mesma pode trocar de corpo várias vezes, podendo usufruir de diferentes aparências. Você ama uma pessoa pelo que ela realmente é ou pela aparência que ela possui? // zint.online | 89


Uma cidade firmada em segredos T E X T O //

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deborah almeida

oda cidade pequena, apesar de ter uma aparência saudável e feliz, esconde histórias amargas, antigas intrigas e brigas por poder. A situação não é diferente em Riverdale. À primeira vista, é tranquila e harmônica, até que um fato vem para chocar os moradores e trazer antigos segredos à tona. Esse é o tema da série Riverdale, lançada no início de 2017 pela emissora The CW. Após a inexplicável morte de Jason Blossom (Trevor Stines), herdeiro da família mais poderosa da cidade e queridinho por todos, os cidadãos de Riverdale vêem o fim de seus senti-

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thales assis

mentos de paz e segurança. Com a investigação para descobrir o culpado no auge, todos se tornam suspeitos do crime, que começa a desvendar mistérios e segredos ainda maiores, provando que a pequena e pacata cidade tem muito mais camadas do que o olho enxerga. A história de Riverdale é narrada por Jughead Jones (Cole Sprouse), filho de um dos maiores integrantes da gangue Southside Serpentes e um aspirante a escritor. O garoto observa, investiga e escreve sobre as atrocidades que atormentam os moradores da cidade, utilizando do drama e suspense para escrever um livro sobre o local. Abalados pela situação, os adolescentes Archie Andrews (K.J. Apa), Betty Cooper


Da esquerda para a direita, os personagens: Veronica, J u g h e a d , J o s y, C h e r y l , K e v i n , B e t t y e A r c h i e

(Lili Reinhart), Josie McCoy (Ashleigh Murray), Kevin Keller (Casey Cott) e Jughead utilizam da trágica morte para buscar respostas para os mistérios que, por anos, foram escondidos pelos seus pais e avós. Nessa busca, também temos Cheryl Blossom (Madelaine Petsch), gêmea de Jason, que deixa bem claro que, mesmo de luto, não descansará até conseguir vingar seu amado irmão. Porém, logo eles descobrem que toda essa busca vai coloca-los no meio de algo que parece não ter fim. Nesse meio tempo, uma antiga família volta para a cidade. Hermione Lodge (Marisol Nichols) e sua filha Verônica (Camila Mendes) saem de Nova York após a prisão de Hiram (Mark Consuelos), patriarca da família. Verônica é uma típica garota rica de cidade grande, que precisa se adaptar à nova situação em que se encontra, logo aproximando-se de Betty, Archie e Jughead, que passam a perceber que a vida vai muito além de ficar para sempre na pacata Riverdale. Embora a série ser voltada para o público adolescente e ter seus personagens na mesma faixa etária, a participação dos adultos é crucial para a trama, sendo os responsáveis por parte dos segredos que assolam a cidade. Por também terem crescido em Riverdale, todos eles tiveram sua época de criar novos problemas e escondê-los junto com os de seus pais e avós, mostrando que muitos desses mistérios são negócios de família. Com um quê de Gossip Girl e Pretty Little Liars, por suas brigas entre famílias poderosas e incansáveis investigações, Riverdale traz, além do seu arco narrativo principal, vários pequenos dramas que vão acontecendo e se desenrolando isoladamente: desde paixões e problemas familiares, até triângulos amorosos e busca por aprovação social. Por se tratar de uma trama adolescente, diálogos maduros e reflexões

A Turma do Archie contará com um “spin-off ”, produzido e exibido mundialmente pela Netflix. The Chilling Adventures of Sabrina trará a famosa Sabrina Spellman em uma nova aventura, agora mais sombria e adulta, servindo como um reboot para a série clássica Sabrina, a Aprendiz de Feiticeira, estrelada por Melissa Joan Hart no final dos anos 90. Na nova produção, que contará com 20 episódios e previsão de lançamento para 2018 (ou início de 2019), Kiernan Shipka dará vida à Sabrina. O elenco segue com Ross Lynch (como Harvey Kinkle), Lucy Davis (Tia Hilda), Miranda Otto (Tia Zelda), Chance Perdomo (Ambrose Spellman), Michelle Gomez (Mary Wardell), Jaz Sinclair (Rosalind Walker) e, claro, o gato Salem Spellman. profundas não são exatamente o forte da produção, embora seja levemente mais carregado de complexidade e seriedade que os seriados do mesmo estilo. É uma boa escolha para quem gosta do gênero, principalmente se a busca é por algo mais ligado ao suspense teen. Riverdale é baseada nos quadrinhos Archie Comics, cujos personagens e (algumas) histórias aparecem na versão televisiva de uma forma mais “adulta” e sombria. Esta, por sua vez, é produzida por Greg Berlanti, famoso pelo seu trabalho em Supergirl, Arrow e DC’s Legends of Tomorrow. A primeira temporada da série conta com 13 episódios já exibidos e atualmente disponíveis na Netflix. Já a segunda, com 22 episódios, está no ar na televisão norte-americana, tendo exibição no Brasil pela Warner Channel, e com a terceira temporada já garantida. //

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Os caçadores de trolls de

Guillermo del Toro T E X T O //

vics

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Já não é novidade para muita gente quem é Guillermo del Toro. O diretor é conhecido por títulos como Hellboy, O Labirinto do Fauno, Círculo de Fogo, e, claro, o novato e muito bem-recebido A Forma da Água. Sempre trabalhando bem próximo da fantasia e do fantástico, del Toro já se estabeleceu como um favorito. 92| zint.online

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É no meio de todos esses trabalhos que encontramos Caçadores de Trolls, parte de uma vindoura franquia chamada Contos da Arcadia. A série animada, é criada, roteirizada e produzida pelo próprio mexicano, baseada em uma história de mesmo nome criada pelo diretor e o escritor Daniel Kraus. Trollhunters, no original, foi desenvolvida especialmente para a Netflix e tem produção da DreamWorks Animation (lar de Shrek e Como Treinar o Seu Dragão). Em Caçadores de Trolls, James “Jim” Lake Jr. (dublado pelo falecido ator Anton Yelchin, da franquia Star Trek) se depara com uma civilização secreta de trolls, vivendo nas profundezas de sua cidade-natal Arcadia, quando, após a morte do Caçador de Trolls, o amuleto místico dos


Trollhunters escolhe Jim como o próximo a carregar o manto do Caçador. Assim, o adolescente torna-se o primeiro humano a defender os trolls da raça conhecida como Gumm-Gumms, liderados pelo temível Gunmar (Clancy Brown) e seu filho Bular (Ron Perlman), cujos planos são de dominar os trolls e futuramente tomar posse da superfície. Sendo mal recebido pelos trolls, que temem os humanos e são uma raça de seres definidos por serem medrosos, Jim precisa provar o seu valor, principalmente por não conseguir se desfazer do amuleto, que continua voltando toda vez que ele tenta livrar-se da nova responsabilidade. Eventualmente, o garoto faz amizade com o troll de seis olhos Blink (Kelsey Grammer) e o gigantesco porém medroso e fofo troll AAARRRGGHH!!! (Fred Tatasciore), que tem como missão ajudar Jim a aprender as leis dos trolls e treina-lo para combate. Porém, por mais que o garoto mostre-se apto a defender o lugar conhecido como Mercado dos Trolls, Jim não é exatamente o garoto mais popular de sua escola. Ao lado de seu melhor-amigo Tobias “Toby” Domzalski (Charlie Saxton), os dois tentam sobreviver ao ambiente hostil da escola e desviar, sempre que possível, dos bullies. E como Toby está o tempo inteiro ao seu lado, o amigo acaba tomando conhecimento dos trolls e do manto de Caçador de Trolls, como uma

espécie de fiel ajudante. Junto aos dois está Claire Nuñez (Lexi Medrano). A menina sente algo diferente com seu pequeno irmão e logo descobre uma ligação com o universo secreto dos trolls. Unindo-se a Jim e Toby, Claire entra em uma missão de salvar seu irmão da Darkland, lugar para onde Gunmar foi banido, e das mãos de goblins metamorfos. A primeira temporada, com 26 episódios, estabelece toda a mitologia dos trolls de uma forma bastante divertida. Jim é construído como um herói que nunca poderia ser herói sem a ajuda de seus dois amigos humanos e seus dois amigos trolls, dando espaço para cada um deles mostrar-se útil para a vindoura batalha contra Gunmar. Cada personagem tem o seu momento para brilhar e se mostrar individual, em uma história que vai além da simples jornada do herói. Gunmar, por sua vez, é construído sem muita pressa, criado como esse crescente problema em que ninguém tem muito conhecido, mas mesmo assim morrem de medo. A personagem é apenas introduzida completamente na segunda temporada, com 13 episódios, quando o vilão torna-se um problema presente. E é durante esse ano que a amizade entre os cinco heróis é colocada em teste, depositando em Jim uma completa confiança em finalmente salvar o bebê Nuñez sem fadar o mundo à Gunmar.

Da esquerda para a direita: Blinkus, Claire, Jim, Toby e AAARGHHH!


A série animada é divertida, colorida e inteligente em vários níveis, trazendo ensinamentos como a importância de amigos e família, além de ser culturalmente diverso. É, também, fácil perceber referência a outros personagens e histórias na série, como Clube dos Cinco, Guardiões da Galáxia, Os Goonies, Jonny Quest, os trabalhos iniciais de Hayao Miyazaki e a série Além da Imaginação. E por ser um programa de del Toro, a cultura mexicana é uma importante parte da fantasia, que facilmente captura um público infantil, juvenil e adulto. Caçadores de Trolls tem a primeira temporada bem avaliada del Toro capricha na parte visual da série, trabalhando com muitas cores vivas, como o exemplo do Mercado de Trolls, um lugar de grande vivacidade

entre os críticos, com 93% de aprovação no Rotten Tomatoes e 69% no Metacritic. Em 2017, a série teve nove nomeações ao Daytime Emmy Awards, sendo o programa mais indicado do ano entre animações ou live action. A segunda temporada, por sua vez, recebeu seis nomeações ao Annie Awards (o Oscar das animações), também sendo o programa com maior nomeações na edição 2018. Em 2017, Trollhunters ganhou três prêmios no Annie Awards e outros seis no Daytime Emmy Awards.


A franquia animada Contos da Arcadia terá continuidade ainda este ano, quando estreia a série 3 Below, cobrindo a história de dois alienígenas de uma família Real que escapam do planeta natal e caem em Arcadia. Os dois se misturam entre os humanos enquanto tentam consertar a nave para volta ao planeta deles, tomado por um malvado ditador. A trilogia se fecha em 2019, com Wizards, que será responsável por unir as séries. Aqui, os heróis irão ter que unir forças em uma guerra apocalíptica que determinará quem ficará com o

controle da magia, por sua vez decidindo todo o destino do universo. Caçadores de Trolls terá a sua terceira temporada estreando ainda em 2018, sendo o último ano do programa. Ainda não foi anunciado oficialmente se a dublagem de Jim continuará com Anton Yelchin. Na época da morte do ator e antes da estreia da segunda temporada,os produtores anunciaram que o ator havia gravado falas suficientes para continuar na dublagem do segundo ano. Então, fica aí o questionamento. E a expectativa para a culminação deste vasto e surpreendente universo. //



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INDICAÇÕES

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Sing along: sete musicais para os amantes do gênero

Musicais fazem parte do pilar do cinema mundial, sendo facilmente reconhecíveis, premiados e amados pela crítica e/ou público. Com o sucesso recente de O Rei do Show, eis alguns outros títulos que você pode checar, se apaixonar e cantar muito. // T E XT O

bruna curi

// Diagra mação

The Rocky Horror Picture Show Quando o carro de Brad Major (Barry Bostwick) quebra no meio da estrada, ele e sua noiva, Janet Weiss (Susan Sarandon), se sentem perdidos e obrigados a procurar por ajuda. Na tentativa de conseguir ajuda e um lugar para passar a noite, o casal chega a um estranho castelo onde são recepcionados por Riff Raff (Richard O’Brien) e Dr. Frank N Furter (Tim Curry), o proprietário do local. Apesar de o castelo ser um tanto peculiar e do comportamento e visual de todas as pessoas serem estranhos, Brad e Janet não podem fazer nada além de aceitar ajuda. O que eles não sabem é que a vida de Frank é dedicada à libido e ao prazer, sem contar que ele planeja criar Rocky (Peter Hinwood), um homem musculoso e que possa atender a todos os seus desejos sexuais.

VICS


Moulin Rouge Christian (Ewan McGregor) é um escritor que demonstra um grande talento para a poesia, acreditando fortemente nas maravilhas do amor. Ele é um verdadeiro jovem romântico que enfrenta o pai para se mudar para Montmartre, um bairro boêmio de Paris. Lá Christian recebe o apoio de Henri de Toulouse-Latrec (John Leguizamo), que também tem uma visão semelhante acerca do amor, apresentando-o ao Moulin Rouge, uma famosa casa noturna que possuiu o seu próprio mundo, cheio de sexo, adrenalina, drogas e Can-Can. É nesse local que ele tem a oportunidade de conhecer Satine (Nicole Kidman), uma bela cortesã de Paris e a maior estrela do Moulin Rouge, por quem se apaixona rápida e perdidamente.

Ac ross The Universe O filme conta a história de Jude (Jim Sturgess), um jovem britânico que resolve deixar a Inglaterra com o objetivo de conhecer o seu pai biológico, um soldado estadunidense. Ao chegar aos Estados Unidos ele descobre que seu pai é bem diferente do que tinha imaginado. Nessa mesma época ele conhece Max (Joe Anderson), um universitário que não leva a sério seus estudos, e sua irmã mais nova Lucy (Evan Rachel Wood). Além de se apaixonar por Lucy, Jude e seus amigos acabam participando de movimentos da contracultura que marcaram a década de 60.

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Mamma Mia A jovem Sophia (Amanda Seyfried) está prestes a se casar e para esse acontecimento tão especial, ela deseja ter seu pai ao seu lado. O único problema é que ela não sabe quem ele é. Na tentativa de tentar descobrir, Sophia convida três homens com quem sua mãe se envolveu no passado: Sam Carmichael (Pierce Brosnan), Harry Bright (Colin Firth) e Bill Anderson (Stellan Skarsgård). A presença dos três no casamento de Sophia faz com que Donna (Meryl Streep) faça uma verdadeira viagem ao passado, relembrando o tempo em que passou junto de cada um, além de causar inúmeras confusões.

Os Miseráveis Dirigido por Tom Hooper, o filme é uma adaptação da famosa obra literária de Victor Hugo. A história se passa na França no século XIX e acompanha a história de Jean Valjean (Hugh Jackman), um ladrão que foi preso por roubar pão para alimentar sua irmã mais nova. Após passar anos na cadeia, ele é solto e aproveita a oportunidade para recomeçar uma nova vida, além de ser a chance perfeita de redimir os erros cometidos no passado. Contudo, ao mesmo tempo em que quer viver uma nova vida, Jean Valjean é obrigado a fugir da perseguição do inspetor Javert (Russell Crowe).


La La Land Los Angeles pode ser considerada o local aonde as pessoas vão para realizar os seus sonhos e para correr atrás da fama. Esse é o caso do pianista de jaz Sebastian (Ryan Gosling) e da atriz iniciante Mia (Emma Stone). Enquanto Sebastian sonha em poder abrir o seu próprio clube, Mia sonha com a oportunidade de estrelar um grande filme. Contudo, ambos estão longe de alcançar tais objetivos. E à medida que eles vão se apaixonando, se esforçando para que o relacionamento dê certo, eles também se ajudam correndo em busca de oportunidades para alavancar suas carreiras e realizar seus sonhos.

O Rei do Show O longa retrata a vida de P.T. Barnum (Hugh Jackman), um rapaz muito humilde e que desde criança sonha com um futuro melhor para si. Ele desafia as barreiras sociais da época ao se casar com Charity (Michelle Williams), uma mulher da alta sociedade. Após alguns anos de casamento, trocando de emprego constantemente, Barnum decide se arriscar em uma ideia ousada: ele abre um museu de curiosidades, que logo fracassa.Mas não demora para que ele tenha outra ideia que pode ser considerada à frente de seu tempo. Barnum decide produzir um show estrelado por freaks, pessoas bizarras e excluídas da sociedade, um empreendimento que acaba sendo um verdadeiro sucesso e atraindo diversas pessoas.


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A voz das mulheres que falam sobre mulheres No ano de 2017, a primavera feminista chegou a Hollywood e reivindicou para as mulheres respeito, igualdade e reconhecimento diante e detrás das câmeras. Recorrentemente apagadas da historiografia do cinema, agora elas estão em foco escrevendo, dirigindo, fotografando, produzindo dentre outras funções. Mulher-Maravilha (2017), sucesso da diretora Patty Jenkins (também responsável pelo excelente Monster - Desejo Assassino, de 2003), trouxe uma visão corajosa e respeitosa sobre o feminino. Provou-se que mulheres não-objetificadas e em protagonismo conseguiam, sim, levar público às salas de cinema, que as mulheres são consumidoras de ”Cultura Pop” e que querem se sentir representadas nas telas. Lady Bird - É Hora de Voar (2017), filme de estreia na direção da atriz e roteirista Greta Gerwig, sobre o desabrochar de tornar-se adulta, bateu recorde de críticas positivas no site Rotten Tomatoes e levou a diretora a concorrer ao Oscar. Provou-se, por fim, que uma mulher falando sobre o ser mulher, o faz com mais propriedade. Nessa lista encontram-se oio mulheres inovadoras e fantásticas que usaram da arte para dar voz a suas iguais e a si mesmas. Diretoras que falam do feminino com personalidade e complexidade, e que são obras essenciais para qualquer mulher e qualquer cinéfilo.

// T E XT O

FERNANDA Palazzi

// Diagr a m ação

VICS


Pat t y j e n k i n s d i r i g u mulher-maravilha, arrecando não só uma excelente bilheteria, mas ta m b é m s e n d o o va c i o n a d o pela crítica especializada e o público em geral

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» Tramas do Entardecer 1 9 4 3 , d e M aya D e r e n Maya Deren foi uma diretora e teórica tcheca pioneira no cinema experimental. Meshes of the Afternoon é um curta de pouco mais de 14 minutos e usa da associação de imagens na montagem para criação de sentimentos e percepções muito subjetivas de cada espectador. Ele conta a história de uma mulher que ao retornar para casa têm sonhos bastante vívidos e desconexos, que podem ou não ser realidade. Sua inteligência e inovação surpreendem pela utilização da confusão das percepções de tempo e espaço e da quebra das narrativas lineares do tipo de cinema mais popular da época, o cinema clássico americano.

» Cléo das 5 às 7 1962, de agnès varda Agnès Varda fez sucesso esse ano ao se fazer presente na foto oficial do Oscar por uma fotografia de papelão em tamanho real, mas a cineasta belga é grande figura do cinema há décadas e uma das maiores diretoras em atividade no auge de seus 89 anos. Concebida dentro do movimento cinematográfico francês nouvelle vague, Cléo das 5 às 7 acompanha duas horas da vida de Cléo, enquanto a personagem espera pelo resultado de um exame que dirá se ela tem ou não câncer.


» Jeanne Dielman, 23 Commerce Quay, 1080 Brussels 1 9 7 6 , d e C h a n ta l A k e r m a n A linguagem peculiar de Chantal Akerman fica clara nessa obra, uma história sutil de uma dona de casa alienada que cumpre seus afazeres de forma mecânica, apenas para sobreviver. Acompanhando durante três dias nossa protagonista, descobrimos que ela também se prostitui em sua própria casa para conseguir manter seu filho após sua viuvez. O filme é um marco no cinema sobre sua utilização de tempo e espaço dentro das mise en scene, criando uma atmosfera bonita e real, apesar de sua simplicidade.

» A Hora da Estrela 1985, de Suzana Amaral Baseado no romance homônima de Clarice Lispector, A Hora da Estrela é a obra prima da diretora paulista Suzana Amaral, e rendeu o Urso de Prata de Melhor Atriz para Marcela Calixto e Prêmio da Crítica para Suzana no Festival de Berlim. O filme acompanha Macabéa, a “datilógrafa e virgem e fã de coca-cola”, em sua chegada a São Paulo em busca de uma vida melhor e de um amor. O filme passa do livro para a tela a delicadeza e inocência de Macabéa ante a dureza da cidade grande e entretém e emociona seu espectador. De brinde ainda temos Fernanda Montenegro como a cartomante Madame Carlota.

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» As Virge ns Suicidas 1999, de Sofia Coppola Sofia Coppola é a diretora mais conhecida do grande público e a As Virgens Suicidas é um de seus longas mais inteligentes e aclamados. Num bairro classe média americano reside a família Lisbon e suas cinco filhas cometeram suicídio. O filme acompanha, então, a jornada para descobrir as motivações dessas meninas tão jovens e que pagam com a vida por viver em um mundo de repressões e de escolhas que elas não fizeram.

» A Mulher Sem Cabeça 2008, de Lucrecia Martel Lucrecia Martel é uma brilhante diretora argentina que vem angariando fãs por seu cinema inteligente, agudo e subversivo. A Mulher Sem Cabeça acompanha a história de uma mulher de classe alta que comete um atropelamento, e temerosa sem saber se matou um cachorro ou uma criança, parte e prefere sofrer com a dúvida. O filme perpassa a agonia e remorso de sua protagonista que se nega como assassina, e toda a composição de planos e enquadramentos é milimetricamente calculada para enriquecer a narrativa a um ponto quase visceral.


» O Atalho 2 0 1 0 , d e K e l ly R e i c h a r d t O Atalho é um experimento da diretora Kelly Reichardt sobre o gênero faroeste, porém contado e vivido por mulheres. O filme acompanha três famílias que atravessam o deserto de Oregon na busca de uma vida melhor. A câmera afiada e bem trabalhada de Reichardt está sempre do lado feminino impulsionando a narrativa e é um filme indispensável para quem gosta de pensar sobre a câmera que filme as mulheres.

» Que Horas Ela Volta? 2015, de Anna Muylaert Aclamado no ano de 2015 pela forte crítica social e pela atuação magistral de Regina Casé, Que Horas Ela Volta? fala dos conflitos entre uma mãe doméstica e a filha que quer ser arquiteta, pondo em cheque uma crença nacional de fim da escravidão quando as classes altas ainda mantém senzalas disfarçados de “quarto de empregada” e amas de leite que criam os filhos das patroas e não os próprios. No fim, a obra sutil, inteligente e emocionante de Muylaert nos leva a pensar sobre toda a estrutura social do Brasil e sobre a diferença gritante de oportunidades, mas fala também das dores e delícias de ser mãe, amar um filho acima de tudo e o ver cometendo os mesmos erros.

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FOTOGRAFIA

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ensaio um;

foto de Wyll Mendes;

fotógrafo; ruth berbert, 20 anos belo horizonte, minas gerais

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inspirações; Annie Leibovitz, Elliott Erwitt, Emmanuel Lubezki, Ansel Adams “sou apaixonada por fotos p&b e gosto de adaptar o olhar para capturar o melhor do que pode ser visto nessas cores. busco inspiração em ensaios paisagísticos, assim como em projetos artísticos surreais” trabalho dos sonhos; “gostaria muito de atuar na direção fotográfica de grandes filmes”


Rompendo a Sombra da Própria Loucura Desde cedo ensinam que loucos são pessoas atormentadas. Pessoas que perderam o controle de suas vidas. Fazem o que querem e isso é inapropriado. Para pessoas comuns, impossível. Difícil é aceitar que todos são. Atormentados por desejos. Por medos. Por carências de ser quem são. O impossível é a associação criada a partir de tudo que afasta a zona de conforto. Quando projetos difíceis são conquistados, há mais valor, mas quem aplaude são as mesmas pessoas que tanto desmotivaram quando este era mera ideia. Sonho. Devaneio. Loucura. Valoriza-se o pé no chão, a estabilidade. O desejo de voar é perigoso. Mas, nesse pensamento, não há viver. Fica-se restrito a existir. Apenas sobreviver? Não pode ser opção. Imagina coisas? És louco. Traça planos monumentais? És louco. Se és isso. Que seja! As imposições que lhe acometem logo cedo são cruéis. Sonhos alheios são vividos pelos protagonistas errados. Liberdades são tolhidas. Convencem-lhe de que estás errado sobre suas escolhas. Condenam. Mostram novos caminhos. Mas, você não sente verdade. Não quer. Está longe de quem almeja ser. Um desafio. A mágica faz os olhos brilharem, mas as vozes dizendo ‘não’. Às vezes, são mais fortes. A luta é contra isso. Por que foge? O que te impede de persistir? Impede de lutar. O que amedronta? Dilacera a alma. O que? A sombra. Dúvida. Desconfiança. Descrença. Não conseguem, então, não consigo? Não! Sua vida. Seu destino. Acredite. Sem você não há vida sua. Sem os outros? Talvez. Mas, se há você. Há esperança. Não permita que lhe escrevam o caminho. É seu. Será escrito. Se crie. Transforme. Enlouqueça. Você. Só pode ser sonho. E se for? ‘Mas’ e ‘Se’ atormentam. Projetos são descumpridos. Mais dúvidas. Não adianta. Sonhos não podem ser esquecidos. Seja relógio. Seja seu próprio prazo. A tentativa custa menos do que a paralisia covarde. Esse ensaio é um tributo a Alexandre Magno, o eterno Chorão. Foi ele quem compôs a música Pontes Indestrutíveis, de onde retirei meu título. Ouvia ela quando tive meu rompante criativo. Meu momento de loucura. Minha escuridão se foi. Esse ano, no dia 6 de março, completaram-se 5 anos da sua morte inesperada. Chorão valorizava os sonhos, os loucos e os destemidos. Agradeço por ser uma e dedico essa obra a quem me trouxe essa inspiração. Obrigada, querido Marginal Alado.

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modelo; bettie adams


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tirinhas

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