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Celeste Almeida

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Joana Rodrigues

Joana Rodrigues

comendo pão e azeitona, Lamego vai, Lamego vem. Eu no caminho cansei, numa vida que eu nem sei, como venci tal guerra, sempre de terra em terra- entoava, sem alegria, o almocreve. Numa tarde, adormecido na melodia da vida, aproximavase do nicho do Senhor dos Aflitos, a caminho de Gosendinho, quando uma enorme cobra assustou o animal. Correndo sem destino, ignorou o chamamento do dono. O pobre do homem deu velocidade aos socos e desbravou terrenos virgens, na ânsia de pegar a corda que arrastava o verde do mato. Um grito de dor fez tremer o Senhor dos Aflitos. - Ai o meu pé! - queixou-se a si próprio, caído por terra. Permaneceu sentado na rocha durante longos minutos, até que o jumento se aproximou. - Anda cá, preciso do teu corpo, para me levares até Lamego. Eu não consigo dar um passo. Montou no burro e regressou à terra. Sua mulher era uma "santa" que curava todos os males. Mal viu o marido, preparou a benzedura. Pegou numa agulha e num novelo de linha. Com o pé no seu colo, começou a reza, fingindo que estava a coser um tecido de linho. - Eu te coso. - orava ela. - Carne quebrada e nervo torto. - respondeu ele. - Cosa a Virgem melhor do que eu coso pelo vão. Em louvor de Deus e da Virgem Maria, Padre Nosso e Avé Maria. Finda a benzedura, molhou os dedos em azeite e esfregou-lhe a parte dorida e inchada. Rezou um Pai Nosso e

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uma Avé Maria a Santo Amaro, advogado dos ossos partidos e ofereceu o marido a Nosso Senhor dos Aflitos, nicho do lugar onde o acidente tinha acontecido. Durante nove dias, todo este ritual foi feito. As melhoras faziam -se sentir, dia após dia, nas linhas do novelo. A agulha coseu, em cada ponto, todo o padecimento do marido. Os dias passaram. O vento soprou uma brisa suave suspensa em molhos de giestas. O tempo voltou a ter cor no negrume do carvão. O Senhor dos Aflitos em Gosendinho, acolhia de braços abertos na cruz, o almocreve que sempre que por lá passava, ajoelhava e mergulhava em oração.

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NOSSO SENHOR DA BOA MORTE

Eremita num jardim de maias, ergue-se o nicho do Senhor da Boa Morte, na localidade de Peixeninho. Edificada num tempo imemorável, jaz na memória de uma vida escrita na dureza das rochas e nas linhas dos rostos. Beijada no sol da tarde, fechada na triste melancolia, muitas dores chora nas suas pedras. O chão, regado por rios de lágrimas, ouve o silêncio das promessas sussurradas nos peitos, celeiros de sofrimento. - Ó da casa, hoje, não precisa de nada! Venha ver o bom queijo fresco da Gralheira! Trago laranjas, carne fumada, sal, azeite e outras coisas mais! - gritava o almocreve com seu cavalo carregado de cansaço. - Hoje, não tenho dinheiro, bom homem! - responde, por um postigo negro, a Tia Albertina. - Pode pagar com lã ou linho! Eu aceito trocas! Eram muitas as vezes, que o almocreve percorria a pequena aldeia e de lá saía, com os bolsos cheios de nada. Numa manhã amputada de vida, ao chegar ao adro da capela da Nossa Senhora dos Prazeres, os sinos tocavam docemente. A aldeia acordava de mãos dadas, nas colinas

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vermelhas da paixão. O senhor João, com muitos caminhos tortuosos rasgados na poeira do chão, desceu do cavalo e debruçou-se no fontanário para lavar o suor do rosto. Sentiu uma forte dor no peito e deixou-se cair naquele lugar. O cavalo, fiel amigo do dono e, companheiro de todas as horas, lambia-lhe as faces. Sentindo que algo de grave se estava a passar, deitou-se e com as patas dianteiras, abraçou a dor do homem inanimado. Lentamente, os olhos abriam as cortinas e a luz penetrava na alma. Agarrado à corda do cavalo, ergueu-se lentamente. Olhou a água do tanque. Uma imagem refletida nos limos, cor da esperança, sorria para ele. - Nosso Senhor da Boa Morte, valei-me! Que será dos meus oito filhos, se a morte me levar! Minha mulher, como bem sabeis, está muito doente. O bicho ruim, entrou no corpo e está a comer-lhe a carne. Não permitais que eu desfaleça aqui, Senhor da Boa Morte! E, já agora, que está a ouvir-me, interceda também pela minha Custódia. Curaia. Livrai-a daquele bicho, que onde se mete tudo destrói. Prometo um saco cheio de cera e sempre que venha a esta terra, rezarei um terço, em ação de graças, à volta do Seu chão sagrado. A imagem, misteriosamente, desapareceu. A água tornouse da cor do céu. A fonte sussurrava um cântico de louvor. Montado no seu cavalo, regressou a casa, onde sua mulher o esperava, com o caldo de cebola regado com unto na panela de ferro. À volta da mesa, os filhos rezavam o terço, olhando um crucifixo de madeira. - Louvado seja Deus, Nosso Senhor! Louvado seja, o Senhor da Boa Morte. - murmurou o homem.

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A mulher, que esperava a passos largos o anjo negro da morte, tinha no olhar um feixe reluzente, que pintava as paredes da casa com cores de amoras silvestres. A alegria, há muito fugidia do lar, renasceu na chama dos corações, que pulsavam a seiva da gratidão. O amor e a paz ecoaram num punhado de suspiros, feitos pérolas de um rosário em lábios silenciados. Os espinhos ensanguentados de ternura, transformaram-se num tufão de flores amarrados com o prazer da vida. O almocreve, enquanto viveu, cumpriu a promessa ao Senhor da Boa Morte. O saco cheio de cera foi posto no nicho. O terço foi sempre rezado de joelhos nus, naquele espaço vazio, onde a terra canta em oração.

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POR TERRAS DO MONTEMURO

Na aldeia de Pimeirô

Na aldeia de Pimeirô Sem nada eu fui feliz O pão que Deus amassou Comi dele, quanto quis

Uma humilde casinha Foi meu abençoado lar Encontrei na Teresinha Uma irmã para amar

A cama era pequena De palha o seu colchão Na leveza de uma pena Nasceu amor no coração

Sinto o cheiro do feijão Na panela a cozer Era feita uma oração Antes de se dar a comer

Agradecíamos ao Senhor A chegada do novo dia Na silva nasceu flor Na tristeza alegria

Meu castelo era a escola Pequenina e pobrezinha De pano tanta sacola Com a lousa escurinha

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Cada aluno, uma esperança Cada olhar um abraço Tanto sonho de criança Preso à raiz do sargaço

A água fresca da fonte Encontro de namorados Corria livre nos montes Pelas bruxas assombrados

Na capela rezei o terço No silêncio escrevi histórias Esta aldeia foi um berço Que embalou minhas memórias

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Autor

Céu Enes Um conto

JOANINHA, A MENINA QUE NÃO GOSTAVA DO SOL

Numa aldeia, morava uma menina, chamada Joaninha. Era bela esta menina, mas tinha uma vida muito sofrida, pois não gostava do amarelo. Ela, lá teria a sua razão, por onde passava associavam sempre o cabelo dela com o amarelo. A verdade é que tinha os cabelos tão loiros, tão loiros, que as pessoas quando a viam associavam o nome dela sempre a algo, amarelo. Certo dia, na escola e como de costume à segunda-feira era a “ Hora das Novidades “. Todos os alunos tinham algo para contar e ao longo dos tempos, até pensaram em conjunto um conto escrever, porque afinal todos tinham lindos contos, de fadas, animais, profissões, muitos sabiam versos, outros anedotas, outros sabiam fazer acrósticos e havia na sala muito artistas para dramatizar, dançar, cantar, bailar e sabiam fazer belas obras de arte nas pinturas retratadas…!

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