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Rosa Maria Santos
from Conta-me um Conto
by rosammrs
- Limarke, acorda marido, É hora de levantar! Segredava-lhe ao ouvido O sol não tarda a raiar.
Os meninos vou chamar Porque é tempo de aprender E na horta procurar Cenouras para comer.
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- Malika, deixa-os dormir, Ainda são tão novinhos! Nós iremos e a seguir, As trazemos, coitadinhos!
- Não achas ainda cedo para os levantar do seu leito? São ainda muito pequenos e inexperientes para terem de enfrentar a bocarra do Fandango. Aquele cão tira-me do sério. Um dia destes atiro-me a ele e vais ver que perde a vontade de nos voltar a atacar. - Pois, pois, logo tu meu, fanfarrão, saíste-me cá um medricas do caraças. - Fala baixo, Malika, se os nossos filhos ouvem, ainda pensam que sou algum covarde. - Eles não vão ouvir, o que tu não gostas é de me ouvir a mim, pois não, Limarke? – Caramba, não sou mais que um coelho. - Um coelho, eu sei, mas se o teu paizinho aqui voltasse, não se iria orgulhar de ti, isso não. Ele, sim, era um valente, não tinha medo de nada, um herói como antes não hou-
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vera na Floresta Simálya. Já tu, sempre que pressentes algum perigo, acagaças-te e ninguém mais te vê. E não me estejas a olhar com esse ar de reprovação, tu sabes bem que esta é a pura verdade. Mas, vamos ao que interessa, levanta-te e lancemo-nos à vida, é de manhã que começa o dia e como diz o ditado, … deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer. Logo, virou as costas e foi acordar os seus filhos, deixando para traz Limarke que não parava de resmungar. No seu cantinho, Molin, Milay, e Benjamim estavam já bem despertos, a traçar planos para as aventuras que imaginavam ter e já tão perto de se concretizar. Quando ouviram os passos da mãe, deitaram-se de novo, como se ainda dormissem. - Bom dia, dorminhocos, vamos lá a levantar, hoje temos que sair cedo para uma nova aventura, vamos colher umas saborosas e tenras cenouras na horta do Ti’ Inácio Flores, que dizem? Ali perto, o galo Gylas prepara-se para dar o toque da alvorada e depois será tarde demais para a nossa ida à horta, vai começar a faina.
- Vá lá, toca a levantar, O sol não tarda a nascer, À horta vamos buscar Cenouras para comer.
O dia parece estar lindo, Já é quase primavera, E a horta no prado lindo Já está à nossa espera. -
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Os filhotes, aos pulinhos, Logo da cama saltaram E depois de aprumadinhos, Os seus dentinhos lavaram.
- Vamos ter com o paizinho Que nos espera à porta. - Bom dia, meus coelhinhos, Vamos lá dar uma volta?
Alegres e felizes, saíram para a rua, não são antes ocultarem o seu esconderijo, para precaver intrusos. Dirigiramse então para a horta do Ti’ Inácio Flores. O sol subia lentamente em direção ao céu. Pelo caminho, encontraram a coruja Semêa, que seguia para o ninho, depois de uma noite de vigília à procura de alimento. A vida não estava fácil, os seus seis rebentos precisavam de alimento que cada vez se mostrava mais escasso na Floresta Simálya. - Bom dia, Coruja Semêa - saudou Malika – por acaso reparou se o cão da horta do Ti’ Inácio Flores anda por aí à solta? - Não, por acaso não o vi. Que noite estafante esta, vaguei por aí por toda a parte há procura de alimento para as minhas crias e mal o encontrei. Imagine ,comadre, que elas estão sempre esfomeadas! Uma coisa lhe garanto, quando cair no ninho, não me levanto tão cedo. E por aqui me vou. Tenham cuidado com esse Fandango, é muito matreiro.
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- Teremos cuidado, sim. Até mais logo, comadre. – e virando-se para o seu par - Limarke, segura os nossos filhos, estamos quase a chegar e não quero que nada de mal lhes aconteça.
Esta horta é uma beleza, As cenouras tão tenrinhas, Como é boa a natureza Que dá tantas cenourinhas.
Vejam bem à vossa volta, Que boas para comer Gostamos de vir à horta Ver tudo isto a crescer.
Mas prestem muita atenção Ao que vos quero dizer: Aqui na horta há um cão Que pode tentar morder.
Tenhamos muito cuidado Para quando ali chegar, Olhar para todo o lado Não vá Fandango atacar.
Depois de passar a cerca, entraram com a cautela possível. Aquelas cenouras tenrinhas chamavam por si. Quando a Fandango, ninguém o ouvia. O Ti’ Inácio Flores também parecia não andar por perto. Havia que aproveitar e degustar ali mesmo um bom pequeno almoço.
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- Venham atrás de mim, o vosso pai virá atrás, para vos proteger. Vamos aproveitar o tempo que temos para nos saciarmos com estas cenouras tenras e de alguns dos frescos legumes. Mas sempre atentos, de olho e risco e de ouvido afinado, o perigo pode espreitar por todo o lado. No seu poleiro, já o Galo Gylas, tocava a alvorada. - Có-có-ró-có-có, có-có-ró-có-có! - Desmiolado Galo Gylas, já está a despertar a atenção do Ti’ Inácio Flores! Este, ao toque do Galo, saíu da porta a correr, acompanhado de Fandango. - Au-au-au-au, au-au-au-au – ladrava furioso, farejando todo o espaço ao seu redor, como a aperceber-se de alguém que estava a perturbar o sossego da horta. - Busca, Fandango - gritava Ti’ Inácio Flores -busca, meu fiel amigo. Fandango corria agora pelos carreiros que circundavam os canteiros de legumes, em direção ao plantio das cenouras. Malika, fugia desenfreada, arrastando consigo os filhos, logo seguidos por Limarke, o pai, que tentava assim protege-los. Era uma corrida contra o tempo. Quando alcançou o limite da horta, Malika olhou aliviada, ao ver os seus três filhos ao lado dela em segurança. Mas… - Limarke, aonde te meteste?
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O companheiro tinha tropeçado durante a fuga e caído num enorme buraco que Ti’ Inácio tinha aberto no dia anterior, tendo em vista plantar um novo talhão de legumes que comprara quando se deslocou ao mercado lá da vila.
- Limarke – grita Malika Santo Deus, que aconteceu? Limarque, Limarque! – grita Ajuda-me, Pai do céu!
Eu nem quero acreditar No que pode acontecer, Mas nós vamos-te ajudar E esse cão desfazer.
- Vem, cãozinho, vem a nós! - Quem me chama? Um coelhinho? E o cão, ao ouvir a voz Logo se pôs a caminho.
Benjamim ali ao lado, Milay, Molin à direita E Fandango, atordoado, Farejava ali à espreita.
Malika, muito apressada, o companheiro alertou Ti’ Inácio não viu nada E o Fandango chamou.
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- Que diabo se está a passar na minha Horta? – resmungava, erguendo a sachola - Ai, se vos apanho, ai se vos apanho, invasores de terras alheias, nem imaginais o que vos pode acontecer! E enquanto caminhava para o talhão das cenouras, reparou nos pequenos montículos de rama que por ali proliferavam e nos pequenos buracos no chão, com pedacitos de cenoura espalhados por todo o lado. - Malvados coelhos! Ou seriam as toupeiras que passam o tempo a dar cabo do meu talhão de cenouras? - Vem cá, Fandango, só posso contar contigo, meu fiel amigo. E ia-lhe afagando as orelhas, segredando-lhe baixinho: - Sabes, amigo? Até que bem podia colocar aqui umas armadilhas e apanhar esses bichinhos atrevidos, mas na verdade, de pouco me serviria. Hoje são estes, amanhã surgiriam outros, é a lei da sobrevivência. E além disso, são seres criados por Deus, têm direito à vida. Depois, meu Fandango, Deus tem sido generoso connosco, vai providenciando tudo o que nos faz falta. Vê como é farta a nossa horta, porque não repartir com os animais aquilo que Deus nos dá? - Au-au-au-au-au – latiu Fandango, abanando o rabito de contente e girando sobre o dono, como que a concordar com as sábias palavras que acabava de ouvir. Entrementes, do outro lado da cerca, Malica, Limarke, e os seus três filhotes, Molin. Milay e Benjamim, ainda mal refeitos do susto, regressavam a casa com o estomago reconfortado, deixando a promessa que no dia seguinte vol-
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tariam de novo à horta do Ti’ Inácio Flores, mesmo sabendo dos desafios que de novo teriam de enfrentar para bem da sua sobrevivência. Afinal, a vida é mesmo assim.
- Amanhã vamos voltar Para cenouras comer E a nossa vida enfrentar Sem temor, mas com prazer.
Tudo a natura dá É bom pra nosso viver E o futuro nos dirá O que temos de fazer.
Precisamos descansar E seguir nosso caminho, As agruras enfrentar Com muito amor e carinho.
Inesperadamente, avistam Ti’ Inácio do outro lado da cerca que se aproximou e, antes mesmo que pudessem esboçar uma forma de fugir dali a toda a pressa, lhes disse: - Não se assustem, nem eu nem Fandango lhes faremos mal. Venham connosco. - virando-se para Fandango –
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Ajuda o coelho Limarke que me parece estar ferido. Vamos levá-lo connosco e tratá-lo, coitado, parece muito fragilizado. Surpreendidos com aquele nobre gesto de benevolência, seguiram-nos, com um agradecimento aos céus. E desde aquele dia, os animais da Floresta Simálya, foram convidados a visitar a sua horta e ali partilharem dos alimentos que a pródiga natureza tão liberalmente lhes proporcionava, como se cada um se tornasse assim membro da sua família.
Família, bem precioso, Um tesouro sem igual, Como é bom, maravilhoso, Seja pessoa ou animal.
Deus nos deu este presente Dum viver mais puro e são E de agora, alegremente, Vivermos em comunhão.
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Ludy no Lugar do Faz de Conta
Numa pequena casa à beira mar, vivia Ludy, uma menina com a bonita idade de seis anos. Na casa onde vivia, havia um sótão com uma enorme claraboia que a Menina adorava e onde passava muito do seu tempo, na companhia de Lorne, o seu gato. Até que certo dia, pediu à mãe que lhe permitisse dormir naquele espaço ou mesmo para que transferisse para ali o seu quartinho. Numa primeira reação, os pais não acharam piada à ideia. Mas depois de alguma ponderação, acabaram por concordar. E assim, o mobiliário do seu quarto foi transferido para lá. A menina sentiu-se muito contente, argumentando que agora ficaria mais perto da lua e das estrelas. - É tão bom, mãe, ver as estrelas à noite a brilhar lá em cima! Às vezes, estendo o meu braço e tento agarrá-las. E a lua? Oh, é tão grande! Há dias em que me dá a sensação de ver meninos a brincar. Outras, parece um jardim zoológico, com uma quantidade enorme de animais,
- A lua está recortada. Foi o Fly, que a cortou Estrelas na noite alada Que a lua nos preparou.
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Tal qual um naco de queijo, É tão grande é mesmo linda! Irei pedir-lhe um desejo Pois nunca pedi ainda.
- Sabes, mãezinha? Quando a lua se apresenta recortada em forma de queijo, como aquele que às vezes compras, quando vais à loja do Ti’ Lino, parece que alguém a mutilou. A culpa deve ser do ratinho Fly, penso que foi ele quem fez alguma matreirice. Nós bem sabemos que os ratinhos são matreiros e loucos por se lançar sobre um pedaço de queijo, não é verdade, Lorne? - pergunta, virandose para o seu estimado gatinho – Mas tem cuidado, se tentas lançar-lhe a tua patinha, era uma vez um ratinho. – Vamos lá dormir e deixar essas questiúnculas para amanhã, – acrescentou a mãe - por hoje, chega de brincadeira. E logo lhe estende um longo abraço, acompanhado do mais carinhoso beijo. - Dorme bem, princesinha. Ligou a luz de presença e assim afastou-se, descendo de seguida. Como todas as noites, Ludy deitou-se ficou por ali a admirar as estrelas e a lua. Até que, vencida pelo sono, adormeceu
- Ludy, acorda, vem comigo. - O que está a acontecer, Porque hei de eu ir contigo? Desculpa, não pode ser!
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- Vem comigo, por favor Ao Lugar do Faz de Conta, Chegaremos ao sol pôr… - Um instante e fico pronta.
Mas que grande confusão Na pequena cabecinha, - Levo o Lorne, porque não? Logo pensou a menina.
Roupa quentinha vestiu E confortáveis botinhas, Olhou p’ra Lorne e sorriu Ao ver no céu, estrelinhas.
- Vamos, Ludy – chamava aquela voz meiga que a menina mal conseguia distinguir - Vem comigo, vou-te levar ao Lugar do Faz de Conta Ludy arregalou os olhitos, espreguiçou-se, bocejou e ainda com voz ensonada, perguntou: - Porque me chamas! Qual a razão para ir contigo seja onde for, se nem sequer te conheço? Além do mais, a minha mãe diz-me sempre para nunca falar com desconhecidos. Diz-me quem és, deixa-me que te veja. - Sou eu, Ludy, o teu gatinho Lorne. - Lorne? Olha-me este, agora resolveu falar! Acho que estou a sonhar! Na verdade, ao que vejo por aí, já nada me surpreende. - Vem comigo, Ludy, fecha os olhos e conta até três. Depois, tudo pode acontecer.
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Ludy levantou-se de um salto, preparava-se para obedecer e contar até três, quando reparou que ainda estava de pijama. - Espera, Lorne. Primeiro, tenho que vestir uma roupa bem quentinha, ou ainda morro de frio. Esta primavera está a ser bem fresquinha e quando anoitece, o frio aumenta. - Vai-te lá vestir. E calçar, também, pois se estiveres descalça, não te vais desenrascar.
- Ainda sou pequenina Para entrar nesta aventura, Sair da minha caminha Numa noite fria e escura.
Mas o Lorne, o meu gatinho, Quer-me levar a um Lugar… Saio dum lugar quentinho, Nem sei onde vou parar.
Espreito pela janela, Vejo um céu anil escuro, Lá no alto tanta estrela, Não sei bem se é seguro.
É bom olhar o universo, Ver ao longe o firmamento E aqui perto do meu berço, Ter o mundo em pensamento.
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Ludy espreitou pela vidraça da janela e à sua frente apenas via um mar de negritude com mil pontinhos cintilantes. Olhou bem os olhos do seu gatinho Lorne, e perguntou: - Lorne, diz-me, como vamos sair daqui? Não temos asas para voar! Se me lanço da janela, estatelo-me no chão e vai ser lindo! - Não tenhas receio. Dito isto, Lorne assobiou bem alto e logo apareceu a Coruja Sábia que logo os saudou: - Boa noite, Sir Lorne, sua Alteza chamou? E parece que não está só, tem uma menina por companhia! Não me queres apresentar essa preciosidade? - Olá, minha amiga Coruja Sábia. Aqui tens a Ludy. – e virando-se para a menina - Ludy, esta é a Coruja Sábia, não tens nada a temer, sim? É uma ave pacífica e conhece todos os recantos por aí. - Boa noite – cumprimentou, temerosa. - É um prazer conhecer-te, Ludy. Olha, a noite está fria, ainda apanhas um resfriado. Aonde pensas ir com o gatinho Lorne?
- Coruja Sábia, é amiga, Não temas, minha pequena. Ela mexeu na barriga, Lorne viu e sentiu pena.
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- Gato Lorne, por favor, Há que ter muita atenção, Vê bem ao que a vais expor, Quem sabe, constipação.
- Porque estás preocupada? Vamos ter muito cuidado. Ludy está bem cuidada E pode ir p’ra qualquer lado.
- Vamos lá, Ludy, – disse o gatinho – voemos para o Lugar do Faz de Conta! - Para o Lugar do Faz de Conta? – gritou a coruja, já no seu voo de regresso – Que peça rara me saíste, Lorne. Como vais levar a menina ao Lugar do Faz de Conta? Não temes as consequências que podem advir dessa tua maluquice? Bem sabes que não deves levar ninguém ao Lugar do Faz de Conta sem a prévia autorização de Carmelita Farine. - Acalma-te, Coruja Sábia, eu e a Carmelita já conversamos sobre esta viagem, não há problema algum. - Pois, pois. Tem cuidado, Gatinho Lorne, quem pode acabar por passar as passas do Algarve, é ela, não és tu! - Agradeço muito o teu cuidado e estima, boa amiga. - Mas, diz-me, como pode ela ir ao Lugar do Faz de Conta, se não pode voar, acaso pensaste nisso? - Na verdade, nem me ocorreu. Como nós podemos fazêlo, nem pensei nisso. - Bonito!
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- E se do alto caísse, Que podia acontecer? - Ó coruja, que chatice! Não penses que vai sofrer! -
O melhor era pensar, Que tudo bem correr ia. Um balão surge no ar, Ludy saltou de alegria.
Coruja Sábia partiu,
Ao trabalho regressou
Ludy quase nem a viu,
Foi p’ró balão e voou Enquanto isso, Ludy olhava o chão, agora tão distante do alcance dos seus pequeninos pés. E lá ia ela pelas alturas em direção às longínquas estrelas que pareciam lhe acenar, como que a convidá-la a participar daquele desafio impar. O Gatinho Lorne, ocupado com a corda que segurava o balão, cantarolava feliz. E a viagem parecia agora mais próxima do seu destino. Não faltava muito para chegar com a amiga ao Lugar do Faz de Conta. Há tanto tempo esperava por esse momento!
- Depressa vamos sair Agarra a minha patinha. - Sinto medo de cair! - Confia em mim, amiguinha.
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Nada receies, pequena, Vai ser espetacular E vais ver que vale a pena Conhecer este lugar.
Até três vamos contar, Depois, voar nas alturas, Só tens que te agarrar, Viver novas aventuras.
Um, dois, vai acontecer! No tempo que serve o tempo, Um céu de estrelas vais ver Seguindo a rota do vento.
E lá ia o balão ao sabor do vento, com a menina a deliciar-se com toda aquela maravilha. Ludy tentava tocar em cada estrela, a lua, fascinada com o seu vestido de rendas e brocado e acenava feliz. - Boa noite, linda Lua saudava Lorne, feliz. - Lorne, que bom ver-te de novo – respondia. – Vem aqui – chamava Ludy cheia de entusiasmo – Quero tocar-te! Lorne puxou três vezes o balão e este, depois de três voltas, parou mesmo perto da lua.
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- Olá Ludy, como te sentes a viver esta aventura? - perguntava a Menina Lua. - Como sabes o meu nome? – perguntou com voz trémula. - Há muito tempo que te conheço Ludy, esperava esta ocasião para te dizer que és uma menina muito especial! Mas de repente, tudo mudou, a lua desapareceu, o balão rodopiou, rodopiou e foi embater em qualquer lado e parou. Ludy, ainda zonza, chamava por Lorne, o gatinho. - Lorne, Lorne, onde estás? O que aconteceu? Onde estou eu? Disseste-me que o Lugar do Faz de Conta era mágico, mas não vejo aqui magia nenhuma. - Ludy, estou aqui, não tenhas receio, algo estranho se passou, mas vamos já reencontrar o equilíbrio.
De repente, ouvem chorar, Algo estranho aconteceu. E esse choro invulgar, Ouvia-se lá no céu.
- O que se está a passar? Vamos ter de descobrir, Quiçá, poder ajudar, Vamos de novo subir.
Porque choras, estrelinha? Vem e diz-me, por favor! A estrela olha a menina E diz: - Perdi minha flor!
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- Uma flor? Rosa, Jasmim, Um bonito malmequer? - Não é do vosso jardim É a paz que o mundo quer.
Oh! Vamos então dar as mãos e juntos procurar a tua flor. Qual é a sua cor, a sua fragância? - É branca, da cor da Paz, tem a fragância do Jasmim, tão pura, tão bela, qual Lírio-da-paz, que nos liberta de todas as energias negativas. O mundo precisa dela, Ludy, ajudame a encontra-la e trá-la sem demora antes do amanhecer, ou nunca mais teremos a Flor da Paz. Ludy lançou-se desenfreada à procura do Lírio da Paz. O céu estava vestido de negro, as estrelas eram agora ocultas. Ludy sentia muito medo, mas todas as esperanças recaíam agora sobre si. Por momentos, desejou estar no aconchego da sua cama, lá no sótão, com quem partilhava as suas confidências. Mas não podia esmorecer. - Vamos, Lorne, temos que nos despachar, vamos encontrar o Lírio da Paz ou então, pobre do mundo. E lá foram os dois, de estrela em estrela, questionando pelo almejado Lírio da Paz. Mas nada, ninguém sabia o que havia acontecido. Quando, desanimados, se preparavam para desistir, eis que avistam ao longe, num buraco negro, algo a brilhar. Aterrorizados, veem o buraco a fechar-se lentamente. Lucy correu, mas ao aproximar-se, sentiu receio de entrar. E se ficasse ali encarcerada para sempre? Reuniu as forças que ainda tinha e num rasgo de coragem resolveu entrar. Ao comando do balão, ficou Lorne. Segurando bem a corda que ligava ao balão, Ludy
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mergulhou no buraco negro, apanhou a Flor e logo puxou três vezes o fio do balão. Quando Lorne sentiu os três esticões, puxou com toda a força que tinha e logo Ludy surgiu à superfície com a Flor na mão. O seu rosto transpirava felicidade. O mais depressa que puderam, regressaram até junto da sua amiga estrela que, ansiosa, aguardava notícias e lhe entregaram o Lírio da Paz, logo que o tinha nas mãos, exclamou:
P’lo poder do Sol, da Lua, Pelas ondas lá do Mar, P’la menina pura e nua Que esta Flor foi encontrar,
Pelo tempo sem demora, Pelo dia a clarear, Eu proclamo aqui e agora Que haja paz em cada lar.
- Como é bom ver-te no Lugar do Faz de Conta, Ludy. Um dia vais entender o contributo maravilhoso que cada um de nós pode dar para que a nossa terra seja mais feliz. Sê bem-vinda, Ludy, esta terra é também tua! Obrigada!
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O Milagre da Paz
O país entrou em guerra. Que dia estranho! A neve caía, o chão estava completamente branco, o céu estava carregado de nuvens chorosas, o vento soprava forte, das árvores desprovidas ainda da sua ramagem farta, brotavam alguns rebentos soltos que anunciavam o novo ciclo primaveril que se aproximava a passos largos. Na pequena escola da Aldeia, Nadezhda, uma menina de olhos verdes, ruiva, despedia-se das amigas, apertava o blusão, colocava as luvas, passava a mão no cabelo aos caracóis e colocava o gorro de lã, verificava os atacadores das botas e pronto, estava preparada para partir. Abraçou as colegas e partiu em direção a casa. Fora mais um dia de aulas.
Amigas, até amanhã Dizia ela a sorrir, Prendendo o gorro de lã P’ra que não fosse fugir. Dois amiguinhos chegaram E no caminho a seguiram, Dois coelhos saltitaram E as crianças sorriram.
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Branquinho, da cor da neve, Com seus olhos bem pretinhos Pulava qual pluma leve Ao longo dos seus caminhos.
Tudo estava tranquilo No campo, na natureza E nem faltou o esquilo Com toda a sua destreza.
Eis que se ouviu um estrondo E eles ficam assustados: - Mas que barulho hediondo, Há fogo em todos os lados! -
Sem saberem para onde ir, Com a neve a derreter, Os coelhos a fugir, Onde se iam meter?
- O que está a acontecer? Perguntava uma criança –- Vamos para casa a correr, Já não é grande a distância!
Nadezhda, Aleksandr e Vladimir desataram a correr para casa. Mas… - Onde está a nossa casa? Só vejo escombros e ruinas por todo o lado!
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Nadezhda olhava aterrorizada para o lugar que antes fora o seu aconchegante lar, agora, totalmente destruído. Aflita, chamou: - Maezinha, mãezinha, onde estás? Onde está a avozinha? Responde, mãe! Ajudem-nos, por favor! Aleksandr e Vladimir aproximaram-se de Nadezhda, abraçaram-na e perguntaram: - Que terá acontecido? O que vamos fazer agora, Nadezhda? Onde estão os nossos pais? - Não sei, estou com medo, cansada e triste. – respondeu a choramingar. A rua estava deserta, parece que todos tinham desaparecido. Nem um animal, sequer. Por todo o lado, apenas eram visíveis escombros do que foram antes lindas moradias. Os três amiguinhos sentaram-se no chão abraçados e, vencidos pelo cansaço, acabaram por adormecer. A noite foi chegando. Agora, era a fome, o frio. O que haviam de fazer?
- Que nos vai acontecer? Ainda somos meninos Sem saber o que fazer, Perdidos e tão sozinhos.
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Depois, quando amanhecer, O que virá a seguir? Iremos sobreviver? Para onde vamos seguir?
Mãe, pai, avó, onde estão, Mas o que vai ser de mim? É tão grande a confusão, Não posso ficar assim.
Oiço vozes! Quem me chama? Preciso de descansar E a minha alma clama Por não querer despertar.
- Nadezhda, Nadezhda, abre os olhos e segue-me, depressa, não temos tempo a perder! Nadezhda acordou sobressaltada, abriu os olhos e viu um homem idoso, de barba branca e cabelo longo. Usava um tipo de burca escura. Embora temerosa, o seu sorriso inspirava-lhe confiança. Parecia que a conhecia há muito tempo. - Olá, como te chamas? - perguntou Nadezhda. - Não temas, não te irei fazer mal! Segue-me em silêncio, sem fazer perguntas. Coloca os teus pés nas marcas dos meus, não te desvies do trilho, pode haver por aí espalhados estilhaços ou engenhos ainda não acionados. Segueme e mais tarde vais entender porque te vou levar comigo.
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Confusa, mas sem pestanejar, Nadezhda seguiu o velhinho sem fazer perguntas, seguindo cautelosamente as suas indicações. Quando chegaram a certo lugar, viu pendurados muitos balões coloridos, uns de cor uniforme, outros multicolores. Os seus olhos brilharam. Nunca tinha visto tantos balões juntos. - Ena, tanto balão – disse, sem conseguir disfarçar alguma emoção. Porque estamos aqui? – perguntou ansiosa. - Já te explico. - respondeu o seu novo amigo de barbas e cabelos brancos -Aproxima-te e ouve o que tenho para te dizer. A guerra instalou-se não só por aqui, mas pelo mundo. E essa gente louca precisa muito rapidamente de encontrar um caminho para terminar com isso, com tamanho arsenal bélico, vão acabar com tudo em poucos dias. - Mas como foi isso acontecer? Que mal fizemos a essa gente? Além disso, sou ainda tão pequena, tenho apenas nove anos. O que podemos fazer para trazer os meus pais e avó de volta? - Olha, Nadezhda, os teus pais e avós já descansam, filha. Quem sabe, um dia possas voltar a abraçá-los. Mas, uma coisa é certa, tu podes ajudar muitas crianças tuas amigas ou não, ao dares-lhes o teu apoio. Quanto a ti, havemos de te ajudar a encontrar uma nova família, onde poderás ser feliz.
- Não quero outra família, Quero a minha, por favor, Essas noites de vigília A ouvir histórias de amor.
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Não posso viver sem ela, Trá-la de volta para mim, Eles não são uma estrela Um anjo, ou um querubim.
Quero sentir o seu abraço, A sua voz com doçura, Deitar-me no seu regaço E ouvir sua voz tão pura.
- Confia, Nadezhda, vais ficar bem, confia. É só recolheres cada balão. Quando isso acontecer, vais receber um desafio. Escolhe também balões para entregares aos teus amiguinhos. Tenho a certeza de que todos juntos vão encontrar os caminhos para acabar com esta guerra sem sentido que jamais devia ter começado. Depois de muito pensar, Nadezhda virou-se para o amigo e disse: - Escolho o verde, verde cor de Esperança, que é também o significado do meu nome. Depois, o balão azul, o balão do mar, Galina, que significa Serenidade. Galina é uma das minhas melhores amigas da escola. A seguir, escolho o balão encarnado, Aleksandr, que significa Defensor da Humanidade. Aleksandr é um dos meus grandes amiguinhos, meu vizinho. Também, escolho o balão branco, Vladimir,
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cujo nome significa senhor da Paz. Vladimir é o amiguinho que estava a dormir ao meu lado, quando chegaste. - Que maravilha! Continua, criança linda, que belas as tuas escolhas. Começo a entender porque me foste indicada pela Divindade. Mas olha, escolheste quatro balões, podes ainda escolher mais três. - Escolho, sim. - respondeu Nadazhda, apontando para o balão laranja – Escolho este, da cor do Sol, da Luz, da Natureza. O nome do meu primo Dimitri, que significa filho da terra. Faltam dois. Vamos ver se acerto no próximo, o balão amarelo. Tem o nome de Gennady, um grande amigo, cheio de Bondade. - Que belas escolhas. Falta um, qual vai ser? Nadezhda olhou ao redor. Quantos mais balões ainda por ali, quiçá, com prontos para serem escolhidos para missões diferentes- Mas o eleito teria que ser algum que pudesse trazer a paz a mundo. Olhou atentamente para todos os balões. Precisava de encontrar um que fosse capaz de alterar estes tempos conturbados que tão intempestivamente tinham invadido as suas vidas. - Lyuba, é esse mesmo. Lyuba é a minha coleguinha de carteira. O seu nome significa amor! Afinal, de que mais precisamos de momento que não de Amor? - Perfeito! – exclamou o seu amiguinho de barbas brancas. São esses mesmo os balões de que necessitamos para transformar o mundo. Agora, só tem que os distribuir por cada um dos teus amigos. Agora, segue o mesmo percurso que fizeste comigo e tudo vai correr bem. Que possas alcançar o maior êxito na tua missão. E de imediato, desapareceu.
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Ainda surpreendida pelo seu desaparecimento inesperado, Nadezhda lá se meteu ao caminho pelo percurso indicado e foi no encalço de cada amigo, a fim de entregar a cada um o balão que lhe estava destinado. Quando entregou o último balão, o pequeno homem de novo apareceu e proferiu algumas palavras que a menina não entendeu bem. A seguir, virou-se para o grupo e disse: - Juntem-se em círculo, todos de mãos dadas, cada um com o seu balão na sua mão direita e repitam comigo estas palavras em voz alta, todos ao mesmo tempo: “PELA PAZ DO MUNDO, NÃO À GUERRA, QUE HAJA UNIÃO E PAZ”. Quando acabaram de as dizer, soltem os balões ao vento e vejam bem o que vai acontecer. Logo, as crianças se juntaram numa roda, proferindo aquelas palavras e de seguida, soltando os balões. Estes, voaram até grande altura, até atingirem as casas dos Senhores do Mundo. Logo, os balões se multiplicaram aos milhares, espalhando-se ao longo de todos os continentes. Surpresos pelo que estava a acontecer, os homens deram as mãos… e a guerra terminou.
Para o mundo ser melhor,
Há que praticar o bem,
Com alegria e calor
Não só aqui, mas além.
Não há pobre nem há rico, Vai e abraça teu irmão Num mundo bom e bonito Onde haja compreensão.
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Que não haja fome ou dor, Mas só paz entre as nações E prevaleça o amor Em todos os corações.
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Autor
Sílvia Regina Costa Lima
Três contos
A DESCOBERTA
Se a vida estava difícil, ela pensou, era porque as chances não se ofereciam igualmente para todos. Sempre se sentia assim aos sábados, pois era o dia que a sua mãe entregava as roupas costuradas para suas freguesas. A mãe costurava que era uma beleza, sendo seu forte os vestidos novos. As clientes traziam os tecidos mais variados e também um ou dois modelos que queriam fazer, sempre copiados de revistas famosas. E tanto a mãe como ela e o irmão menorzinho viviam desse abençoado dinheiro. Não havia a presença masculina e a mãe evitava falar sobre isso. De algum modo, ela já sabia não dever insistir pois, sentada à máquina desde cedinho, a mãe pedia silêncio apenas com um olhar. Viviam então uma vida digna, mas bem sacrificada. A mãezinha se acabava de tanto costurar.
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