A POESIA nos anos sessenta Como não poderia deixar de ser, a poesia dos anos 60 reflete as inquietações e as transformações que as viagens espaciais, o movimento hippie, a ditadura e a pílula anticoncepcional provocaram na sociedade.
Copyright © A POESIA NOS ANOS SESSENTA Trabalho de pesquisa iniciado nos anos 70 quando o autor, poeta Rubens Jardim, esteve afastado do mundo literário. Todos os direitos reservados. Reprodução permitida desde que autorizada.
PROJETO GRÁFICO, REVISÃO, PRODUÇÃO E EDIÇÃO DO AUTOR
A década de 60 foi um período de grande efervescência cultural, que se estendeu até os anos 70 e 80. Foi um
A POESIA nos anos sessenta
momento também de intensas transformações políticas que impactaram diretamente nas produções culturais e na maneira de se enxergar a arte. Aqui, no Brasil, tivemos o golpe militar de 64 que suspendeu garantias constitucionais e perseguiu artistas, professores, religiosos, militantes e civis que eram contra o regime.Muitos conseguiram exílio. Outros foram assassinados pela ditadura militar.
POESIA
EM EBULIÇÃO antologia substantivo feminino 1 Rubrica: botânica. estudo das flores 2 coleção de flores escolhidas; florilégio 3 coleção de textos em prosa e/ou em verso, ger. de autores consagrados, organizados segundo tema, época, autoria etc. 4 livro que contém essa coleção Dicionário Eletrônico Houaiss
Você não está diante de uma simples antologia. Esta é uma antologia especial. Tão especial que resolvi começar este prefácio com esse substantivo feminino que nos leva à coleção de flores. Por isso é a antologia. Você está diante de um jardim formado por flores distribuídas em canteiros. Seu autor, além de poeta, é reconhecido como bom pesquisador, haja vista sua As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira, da Arribaçã Editora, que, em ordem cronológica, publica as mais de 300 mulheres poetas desde o século XVIII ao XXI. Isso sem falar de outras antologias que ele organizou. N´A Poesia Nos Anos Sessenta, como em todos os outros trabalhos, Rubens Jardim teve a paciência, o tempo e o conhecimento necessários para produzir um livro que será lido por amantes da poesia e por estudantes de literatura. Rubens tem uma vantagem, além do conhecimento literário, é bom lembrar, foi testemunha dessa história, tendo participado da Catequese Poética, movimento iniciado em 1964 por Lindolf Bell destinado a colocar a poesia em todos os lugares. Em seu livro, preocupado em nos dar uma amostra fiel dos movimentos poéticos, publica poemas de cada um dos participantes, seguido de mi-
nibiografia. Na abertura das seções, fatos e datas que ilustram o caldeirão cultural, político e social da época contextualizam o período. Talvez uma das antologias mais completas até agora publicadas. Rubens foi feliz ao escolher a década de 1960. Como ele próprio chama a atenção, é uma década marcada por fatos icônicos, novos valores, mudanças de hábitos e comportamentos. Hoje, vestígios dessa história ainda aparecem aqui e ali. Foi uma década marcada pela explosão da modernidade. Pelo questionamento de linguagens e modos de vida e pela intensa fervura do caldeirão cultural. Todo esse clima foi encarnado pela poesia dos anos de 1960 e, mesmo que a leiamos hoje, fora do contexto, essa fervura se deixa notar. Leia e confira. E, apenas para reforçar minha tese, do quanto essa época nos marcou e nos marca, cito como exemplo o próprio autor dessa antologia que se revelou influenciado pelo concretismo. Não, não estou dizendo que Rubens é concretista, apenas afirmando que a forma pela qual trabalha a distribuição de textos e imagens é resultado de uma das máximas concretistas, a utilização do espaço na página. Em outras palavras, a página é elemento, faz parte da linguagem. Na maioria dos livros, o padrão é a página servir de suporte à palavra. Na antologia de Rubens não! A página faz parte. É linguagem. E, jornalista habilitado pelos longos anos de diagramador, não teve dificuldades em integrar palavras, imagens e página. Leia A Poesia Nos Anos Sessenta e passeie pelo jardim. Observe. Os canteiros exalam vapor. Começam a ebulir. Assim é. Boa leitura! Cesar Augusto de Carvalho
A POESIA CONCRETA
PAG 17
A POESIA PRAXIS
PAG 29
O POEMA PROCESSO
PAG 37
VIOLÃO DE RUA
PAG 43
CATEQUESE POÉTICA
PAG 55
A POESIA MARGINAL
PAG 69
A POESIA INDEPENDENTE PAG 81
1960/
O MUNDO ERA ASSIM... O MUND
A década de 60 foi marcada pela contracultura, pelos movimentos civis em favor dos negros e homossexuais, pelo feminismo, pelo movimento beat, pelo movimento hippie.
O presidente Juscelino inaugura Brasília. A URSS coloca em órbita Iuri Gagarin, primeiro homem a viajar pelo espaço sideral. Jánio Quadros é eleito presidente do Brasil Martin Luther King recebe o prêmio Nobel da Paz. La Dolce Vita, filme de Federico Fellini faz enorme sucesso Twist e Hully Gully, são as danças do momento em bailes, boates, clubes. O Muro de Berlim é erguido separando Berlim Ocidental e Berlim Oriental. O Pagador de Promessas, filme de Anselmo Duarte, recebe a Palma de Ouro no Festival de Cannes. A seleção brasileira conquista, pela segunda vez, a Copa do Mundo, no Chile. A atriz Marilyn Monroe é encontrada morta em sua casa de Los Angeles. João Goulart sanciona lei que institui o 13º salário. EUA realiza a primeira transmissão de TV via satélite. Beatles lança seu álbum Please Please Me. Crise dos mísseis em Cuba quase provoca guerra mundial. A bossa nova conquista Nova Iorque. Três mil pessoas lotam o Carnegie Hall. TV Tupi faz a primeira transmissão em cores da televisão brasileira. Kennedy, é assassinado a tiros, em Dallas, no Texas.
/1965
DO ERA ASSIM... O MUNDO ERA
Movimento de rebeldia e insatisfação, a contracultura rompeu com diversos padrões. disseminados pela industria cultural. Vale lembrar o seu caráter pacífico.
Mônica, personagem mais famosa de Maurício de Sousa aparece pela primeira vez. Bob Dylan encanta Nova Iorque com suas canções que incluem diversos estilos da música folk. Em retaliação ao processo revolucionário, os EUA rompem relações diplomáticas com Cuba. Sartre ganha o Nobel de literatura, mas recusa o prêmio, que segundo ele, poderia vir a interferir em suas responsabilidades como escritor junto aos seus leitores João Goulart, é deposto por um golpe militar. Lei do governo Lyndon Johnson. proíbe a discriminação racial no emprego, em locais públicos, sindicatos e programas financiados pelo governo federal Os Beatles desembarcam em Nova Iorque e logo ocupam os primeiros lugares das paradas de sucesso. O cosmonauta soviético Alexei Leonov torna-se o primeiro homem a sair de uma espaçonave em órbita e flutuar no espaço sideral Che Guevara, médico, guerilheiro e ministro cubano, deixa Cuba, para combater o imperialismo no exterior. O programa Jovem Guarda, comandado todos os domingos por Roberto Carlos faz enorme sucesso entre os jovens. O estilista francês André Courrèges mexe com a moda e cria a grande vedete da década: a minissaia Satisfaction, canção dos Rolling Stones chega ao topo das paradas de sucesso no mundo todo.
1966/1
O MUNDO ERA ASSIM... O MUND
Em todos os aspectos, os anos 60 são os anos dourados da juventude. Influenciados pelas idéias de liberdade da geração beat (Kerouac, Ginsberg) a moçada contesta valores e comportamentos.
Milhares de estudantes protestam, nos gramados da Casa Branca, contra a guerra do Vietnã. Sidney Poitier é o primeiro negro a conquistar Oscar de melhor ator, pelo filme “Lírios do Campo” Em abril de 1966 Mao Tse-Tung lança a Revolução Cultural, com novas iniciativas de crítica ao pensamento burguês reacionário. É criado em 20 de dezembro de 1966 pelo marechal Castelo Branco, o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) A Guerra dos Seis Dias começa no dia 5 de junho de 1967 após o ataque de Israel as forças da Síria, Egito e Jordânia. O Congresso Nacional promulga, em 24 de janeiro de 1967, em Brasília, a nova Constituição brasileira, que substitui a de 1946 50 mil jovens de cabelos compridos e flores dão um colorido todo especial ao Festival de Monterey. O filme 2001, uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, marca indelevelmente o ano de 1968. Cansados da fama, os Beatles, buscam paz de espírito no Ganges, Índia, com o guru Maharishi Mahesh Yogi Martin Luther King, é morto a tiros na sacada de seu quarto, no segundo andar do Motel Lorraine em Memphis, Tennessee. Caetano lança, em janeiro de 68, o LP “Tropicália” ou “Pane et Circenses”
1970
DO ERA ASSIM... O MUNDO ERA
Alguns símbolos dessa década: Elvis Presley, James Dean e Marlon Brando. A moda era não ter moda. Cada um na sua. Jeans, blusão de couro, topete , minissaia e calça cigarrete.
O ministro da Justiça do Brasil, Gama e Silva, anuncia, em 13 de dezembro de 68, em cadeia nacional de rádio e televisão, a edição do AI 5 A era De Gaulle chega ao fim na França.No lugar dele entra George Pompidou O estudante José Guimarães morre, em 4 de outubro de 68, em confronto entre alunos da Filosofia da Usp e alunos do Mackenzie, em São Paulo Charles Manson e um grupo de fanáticos matam Sharon Tate,mulher de Polanski, grávida de 8 meses Caetano Veloso e Gilberto Gil, ambos com 26 anos, presos em dezembro de 1968 ,partem para seu exílio na Inglaterra. O estadunidenses Neil Armstrong torna-se o primeiro homem a pisar na Lua, em 1969.. Carlos Marighela, guerrilheiro e líder da ALN é assassinado pela polícia de São Paulo, sob o comando do delegado Sérgio Fleury. Blow Up filme de Michelangelo Antonioni, com Jane Birkin e Verushka é cheio de referências aos anos 60 500 mil pessoas enfrentam engarrafamentos, falta de comida e de água e chuvas para viver três dias de prazer no Festival de Música e Artes de Woodstock,
A POESIA
CONCRETA Nas décadas de 50 e 60 a sociedade brasileira foi marcada por uma efervescência política e cultural que deu origem a profundas transformações. E a poesia, é claro, não ficaria fora desse quadro. Os poetas Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos formaram, por volta de 1952 o grupo Noigrandes incluindo nele Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald, e lançaram a revista-livro com o mesmo nome. Nessa revista-livro-antologia esses poetas divulgavam suas propostas revolucionárias decretando, entre outras coisas, simplesmente o fim do verso.
O PLANO PILOTO DA poesia concreta: produto de uma evolução crítica de formas dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal), a poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutura. espaço qualificado: estrutura espácio-temporal, em vez de desenvolvimento meramente temporístico-linear, daí a importância da idéia de ideograma, desde o seu sentido geral de sintaxe espacial ou visual, até o seu sentido específico (fenollosa/pound) de método de compor baseado na justaposição direta – analógica, não lógico-discursiva – de elementos. “il faut que notre intelligence s’habitue à comprendre synthético-ideographiquement au lieu de anlytico-discursivement” (apollinaire). eisenstein: ideograma e montagem.
Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos, os poetas autores desse plano revolucionário publicado na revista-livroNoigrandes4, São Paulo, 1958.
precursores: mallarmé (un coup de dés, 1897): o primeiro salto qualitativo: “subdivisions prismatiques de l’idée”; espaço (“blancs”) e recursos tipográficos como elementos substantivos da composição. pound (the cantos):método ideogrâmico. joyce (Ulysses e finnegans wake): palavra-ideograma; interpenetração orgânica de tempo e espaço. cummings: atomização de palavras, tipografia fisiognômica; valorização expressionista do espaço. apollinaire (calligrammes): como visão, mais do que como realização. futurismo, dadaísmo: contribuições para a vida do problema. no/brasil:/oswald de andrade (1890-1954): “em comprimidos, minutos de poesia”./joão/cabral de melo neto (n. 1920 – o engenheiro e psicologia da composição mais anti-ode): linguagem direta, economia e arquitetura funcional do verso. poesia concreta: tensão de palavras-coisas no espaço-tempo. estrutura dinâmica: multiplicidade de movimentos concomitantes. também na música – por definição, uma arte do tempo – intervém o espaço (webern e seus seguidores: boulez e stockhausen; música concreta e eletrônica); nas artes visuais – espaciais, por definição – intervém o tempo (mondrian e a série boogie-wogie; max bill; albers e a ambivalência perceptiva; arte concreta, em geral). ideograma: apelo à comunicação não-verbal. o poema concreto comunica a sua própria estrutura: estrutura-conteúdo. o poema
A POESIA CONCRETA
concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores e/ou sensações mais ou menos subjetivas. seu material: a palavra (som, forma visual, carga semântica). seu problema: um problema de funções-relações desse material. fatores de proximidade e semelhança, psicologia da gestalt. ritmo: força relacional. o poema concreto,usando o sistema fonético (dígitos) e uma sintaxe analógica, cria uma área lingüística específica – “verbivocovisual” – que participa das vantagens da comunicação não-verbal,s em abdicar das virtualidades da palavra. com o poema concreto ocorre o fenômeno da metacomunicação; coincidência e simultaneidade da comunicação verbal e não-verbal, coma nota de que se trata de uma comunicação de formas, de uma estrutura-conteúdo, não da usual comunicação de mensagens. a poesia concreta visa ao mínimo múltiplo comum da linguagem, daí a sua tendência à substantivação e à verbificação: “a moeda concreta da fala” (sapir). daí suas afinidades com as chamadas “línguas isolantes” (chinês): “quanto menos gramática exterior possui a língua chinesa, tanto mais gramática interior lhe é inerente (humboldt via cassirer). o chinês oferece um exemplo de sintaxe puramente relacional baseada exclusivamente na ordem das palavras (ver fenollosa, sapir e cassirer). ao conflito de fundo-e-forma em busca de identificação,chamamos de isomorfismo. paralelamente ao isomorfismo fundo-forma, se desenvolve o isomorfismo espaço-tempo, que gera o movimento. o isomorfismo,num primeiro momento da pragmática poética, concreta, tendo à fisiognomia, a um movimento imitativo do real (motion); predomina a forma orgânica e a fenomenologia da composição. num estágio mais avançado, o isomorfismo tende a resolver-se em puro movimento estrutural (movement); nesta fase, predomina a forma geométrica e a matemática da composição (racionalismo sensível). renunciando à disputa do “absoluto”, a poesia concreta permanece no campo magnético do relativo perene. cronomicrometragem do acaso. controle. cibernética. o poema como um mecanismo, regulando-se a próprio: “feed-back”. a comunicação mais rápida (implícito um problema de funcionalidade e de estrutura) confere ao poema um valor positivo e guia a sua própria confecção. poesia concreta: uma responsabilidade integral perante a linguagem. realismo total. contra uma poesia de expressão, subjetiva e hedonística. criar problemas exatos e resolvê-los em termos de linguagem sensível. uma arte geral da palavra. o poema-produto: objeto útil.
Haroldo de Campos (1929/2003) se nasce morre nasce morre nasce morre renasce remorre renasce remorre renasce remorre re re desnace desmorre desnace desmorre desnasce desmorre nascemorrenasce morrenasce morre se
Fez seus estudos secundários no Colégio São Bento.Ingressou na Faculdade de Direito da USP, no final da década de 1940, lançando seu primeiro livro, O Auto do Possesso, em 1949, quando participava do Clube de Poesia. Em 1952, Décio, Haroldo e seu irmão Augusto de Campos rompem com o Clube, por divergirem quanto ao conservadorismo predominante entre os poetas, conhecidos como “Geração de 45”. Fundam, então, o grupo Noigandres, passando a publicar poemas na revista do grupo. Nos anos seguintes, defendeu as teses que levariam os três a inaugurar, em 1956, o movimento concretista, ao qual se manteve fiel até o ano de 1963, quando inaugura um trajeto particular, centrando suas atenções no
poesia em tempo de fome fome em tempo de poesia poesia em lugar do homem pronome em lugar do nome homem em lugar de poesia nome em lugar do pronome poesia de dar o nome nomear é dar o nome nomeio o nome nomeio o homem no meio a fome nomeio a fome onde mói esta moagem onde engrena esta engrenagem moenda homem moagem moagem homem moenda engrenagem gangrenagem
projeto do livro-poema “Galáxias”. Em 1972 Haroldo doutorou-se pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, sob orientação de Antonio Candido, com a tese “Para uma teoria da prosa modernista brasileira: morfologia do Macunaíma.” No ano seguinte, a tese foi publicada em livro pela Editora Perspectiva. Seguindo na carreira acadêmica, Haroldo também foi professor da PUC-SP, bem como na Universidade do Texas, em Austin. Dirigiu até o final de sua vida a coleção Signos da Editora Perspectiva. “Transcriou” em português poemas de autores como Homero, Dante, Mallarmé, Goethe, Maiakovski, além de textos bíblicos, como o Gênesis e o Eclesiastes. Publicou, ainda, numerosos ensaios de teoria literária, entre eles A Arte no Horizonte do Provável (1969). Algumas obras:Auto do Possesso (1949) Servidão de Passagem,(1962). A Arte no Horizonte do Provável( 1972),Xadrez de Estrelas (1976), Signância: Quase Céu (1979), Crisantempo (1998).
o azul é puro? o azul é pus. de barriga vazia. o verde é vivo? o verde é vírus de barriga vazia. o amarelo é belo? o amarelo é bile de barriga vazia. o vermelho é fúcsia? o vermelho é fúria de barriga vazia. a poesia é pura? a poesia é para de barriga vazia. ......................................... onde mói esta moagem onde engrena esta engrenagem moenda homem moagem moagem homem moenda engrenagem gangrenagem .......................................
de lucro a lucro logrado de logro a logro lucrado de lado a lado lanhado de lodo a lodo largado
Augusto de Campos (1931)
Poeta, tradutor, crítico literário e musical, ensaísta, é um dos principais representantes do concretismo brasileiro. Cursou direito na Faculdade do Largo de São Francisco. Publicou seus primeiros poemas em 1949, na Revista Brasileira de Poesia, editada pelo Clube de Poesia, entidade ligada ao grupo literário da Geração de 45. Publica seu livro de estreia, O Rei Menos o Reino, em 1951. No ano seguinte, afasta-se do Clube de Poesia, por discordar de sua orientação estética, participa da criação do grupo Noigandres e edita uma revista com mesmo nome, ao lado de Haroldo de
Campos e Décio Pignatari . Em 1953, produziu a série de poemas em cores, Poetamenos, primeira manifestação da poesia concreta brasileira. Em 1956, participou da organização da 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta, no MAM em São Paulo, Em 1963, apresentou-se na Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte, e no ano seguinte expõe a série de poemas-cartazes Popcretos. Na década de 1960, com colaborações de poetas como Cassiano Ricardo, Sebastião Uchoa Leite e Paulo Leminski editou a revista literária Invenção. Sua produção poética, iniciada em 1951, com o livro O Rei Menos O Reino, está reunida principalmente em Viva Vaia (1979), Despoesia (1994) e Não (2003), além de Poemóbiles e Caixa Preta, coleções de poemas-objetos, em colaboração com Julio Plaza, publicados em 1974 e 1975,
Décio Pignatari (1927/2012)
Poeta (também em romances e contos), crítico literário, tradutor, publicitário, cronista de futebol e até mesmo ator, (em Sábado, filme de Ugo Giorgetti). Passa sua infância e adolescência em Osasco. Em 1948 ingressa no curso de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Em 1949 publica seus primeiros versos na Revista Brasileira de Poesia. Em 1950, Décio estreia na literatura com o livro de poemas “Carrossel”. A partir de 1952, ele, Augusto de Campos e Haroldo de Campos iniciam a articulação da chamada “poesia concreta” - uma reação contra a lírica discursiva
hombre hambre hembra
hombre hambre hembra
hombre hembra hambre
e frequentemente retórica da geração de 45. Nesse mesmo ano publicam a primeira edição da revista “Noigandres” Em 1956 o grupo lança oficialmente o movimento concretista, durante a Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo e no Ministério da Educação e Cultura, no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano é decretado o fim do “ciclo histórico do verso”, no manifesto “Plano-Piloto” para a Poesia Concreta. Mais tarde, mais satírico e menos ortodoxo, Décio escreveu romances e também contos. Foi professor e teórico da comunicação. Traduziu obras de Dante, Goethe e Marshall McLuhan. Entre suas obras destacam-se: “Poesia pois É Poesia”, “Contracomunicação”, “Semiótica e Literatura”, “Comunicação Poética”, “Informação, Linguagem, Comunicação” e “Semiótica da Arte e da Arquitetura”
EPITÁFIO Décio Pignatari menino imenso e castanho com tremores nascido sob o signo mais sincero e para e per e por e sem ternura quem te dirá do mando que exerceram sobre os teus cabelos os amigos rápidos as mulheres velozes e os que comem dentro do prato Estás cansado Pignatari e teu desprezo entumesceu como uma árvore tamanha Estás cansado como uma avassalada aberta enorme porta enorme e quando abres os braços repousas os ombros em amplos arcos de pássaros vagarosos Lento e fundo é o ar de tuas tardes nos teus poros e dentro dele se desenredam fundos e atentos mesmo os esforços mais assíduos e se mergulhares tua mão na água que repousa à água acrescentarás a mão e a água Décio Pignatari menino castanho e meu como um cachorro grande que atravessa o portão sereno inflorescendo aos poucos no jardim seu garbo com a calma grandiosa das nuvens que se abrem lentas na tarde para envolver o ar devagar tua cabeça almeja devagar a superfície sem temores e tuas pálpebras se inclinam aos eflúvios da sesta mundial de imensos paquidermes que avolumam na sombra como grandes bulbos insonoros em cavernas dormidas Mansa dinastia de gestos nas ruínas dulcificando as intempéries da memória descansa como um cortejo de crepúsculos antigos na cordilheira turva da semana Crescente como o céu de março nas ameias das torres elevadas e redondas e à tua própria sombra no mundo que perdeste descansa Pignatari.
Ronaldo Azeredo (1937/2006)
Poeta carioca é um nome importante do movimento.Em 1956 e 1957, participou do lançamento da Poesia Concreta, na I Exposição Nacional de Arte Concreta no MAM/SP e no saguão do MEC/RJ. Ainda em 1956, sairia seu livro de poesia Mínimo Múltiplo Comum. Sua obra poética compreende os livros Paragens (1975), Labirintexto (1976), Armar (1977), Sonhos Dourados (1982) e Noite Noite Noite (1990), entre outros.
José Lino Grunewald (1931/2000)
Poeta carioca, tradutor, crítico de música, artes plásticas, literatura e cinema, e jornalista brasileiro, sendo um dos últimos participantes do grupo de poetas concretos envolvidos com a Noigrandes. Obteve o diploma de Direito em 1953, trabalhou na Fundação Getúlio Vargas e começou a colaborar na imprensa em 1956, por intermédio do poeta Mário Faustino. Foi também um dos editores da revista Invenção, segunda porta-voz da poesia concreta, desde o seu primeiro número, em 1962, ao último, em 1966.
Edgard Braga (1897/1985) mal me quer se mal me queres mal se mal me queres bem mal queres bem mal se bem queres bem bem me queres se bem mal queres se bem bem mal queres mal me queres mal me quer bem bem queres
Poeta alagoano fez o curso de medicina na Universidade do Brasil, atual UFRJ. Conheceu Bilac e seus poemas iniciais mostram a influência do parnasianismo. Seu primeiro livro, A Senha, em 1933, era um poema épico.Aproximou-se dos modernistas e. em 1963 publica Soma, um divisor de águas em sua carreira de poeta, agora experimental. A partir daí sua obra flerta com os poemas visuais, com o concretismo e outras vanguardas. Alguns de seus livros:Odes (1951), Inútil Acordar (1953), Extralunário (1960), Algo (1971) e Desbragada (1984)
mal me quer mal me queres bem me se
A POESIA
PRAXIS
Movimento iniciado por Mário Chamie, logo após seu rompimento com o grupo da poesia concreta. O marco inicial foi a publicação do livro Lavra-Lavra (1962), de sua autoria, que apresenta as propostas básicas do movimento: jogo sonoro, visual e semântico. Esse livro conquistou o Jabuti de 1963. Mas antes disso, os poetas que aderiram ao praxismo já começaram a adotar ao invés da palavra coisa do concretismo, a palavra energia, a palavra viva geradora de outras palavras. .A poesia praxis surgiu como dissidência ao rigor formal da poesia concreta.
Mario Chamie (1933/2011)
Poeta, professor, publicitário e advogado,Mário Chamie publicou seu primeiro livro de poesia, Espaço Inaugural, em 1955, quando tinha 22 anos. Nesse período ele adere ao movimento concretista e publica O Lugar (1957) e Os Rodízios (1958).Pouco tempo depois anuncia seu rompimento com o concretismo e lança o livro Lavra Lavra (1962), que instaurou a poesia práxis. O livro recebeu o Prêmio Jabuti, em 1963, e nesse mesmo ano, o poeta fundou a revista Práxis. que sobreviveu até o quinto número.Em 1963, realizou conferências sobre a nova literatura brasileira na Itália, Alemanha, Suíça, Líbano, Egito e Síria. Em 1964, a convite do Departamento de Cultura do Departamento de Estado do governo dos EUA, organizou e realizou palestras sobre problemas de vanguarda artística nas universida
I Lavra: onde tendes pá, o pé e o pó, sermão da cria: tal terreiro. Dor: Onde tenho pó, o pé e a pá, quinhão da via: tal meu meio de plantar sem água e sombra. Lavra: Onde está o pó, tendes cãibra; agacho dói ao rés e relva. Dor: Onde, jaz o pó, tenho a planta do pé e milho junto à graça do ar de maio, um ar de cheiro. Lavra: A planta e o pé, o pó e a terra; o mapa vosso; várzea e erva. II Dor: Onde o ganho alastra eu perco. Perde o mapa a cor, fina réstia de amanho em nós, nossa rédea de luz lastro em casa, o raso nosso e a fome clara verga o corpo onde o ganho alastra. Lavra: A planta e o mapa, pó e safra Dor: Onde a morte perde, em ganho. Ganha a casa amor, o pouco de amanho em nós, já redobro de paz aura em casa, o raso nosso e a fome cava cede no corpo, onde a morte perde. Lavra: Mapa vosso, várzea e erva, domingo e sol um voo narra. III Dor: Onde é a mó, mais moeda má, ardendo, ardente ira, nós, o veio, nosso sangue, vaza. Lavra: Mapa vosso, várzea e safra. Dor: Onde é o pó, cultivo raia. Pó arroz outona. Acelera o sol não o voo mas a raiva nossa, lenta mó que esmaga a lavra a dor, a mão e o calo. E orando, aramos, sem sombra, se arados somos no valo.
ESPAÇO INAUGURAL O espaço que se mede e que se perde não é o tempo perdido da memória. Esquece. O tempo que se perde é o mesmo que fenece a cada hora. Na hora do homem em casa. Na hora do homem na rua. Na hora do espanto desse homem sem tempo no espaço de cada canto. Mas o cansaço do tempo que se perde não impede o espaço que se inaugura. O espaço do homem na praça. O espaço do homem em luta com a fúria de outro tempo : sua surda fúria muda. •••
des de Nova York, Columbia, Harvard, Princeton, Wisconsin e Califórnia. Um de seus aluinos foi Jim Morrinson. De 1979 a 1983, ocupou o cargo de secretário municipal de Cultura de São Paulo, promovendo a inauguração da Pinacoteca Municipal, do Museu da Cidade de São Paulo e do Centro Cultural São Paulo. Concluiu em 1994 doutorado em Ciência da Literatura na UFRJ. Foi professor titular de comunicação comparada da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Ao longo de sua carreira literária, recebeu vários prêmios, entre os quais o Primeiro Prêmio Nacional de Poesia (SP) e o Prêmio Jabuti A sua obra poética compreende mais de 15 títulos, entre eles: Espaço inaugural (1955), Configurações (1956), O lugar (1957), Os rodízios (1958), Lavra lavra (1962), Now tomorrow mau (1962), Indústria (1967), Conquista de terreno (1977), Planoplenário (1974), Objeto selvagem (1977, Carfavana Contrária (2002), Horizonte de esgrimas (2002).
FORCA NA FORÇA a palavra na boca na boca a palavra: força a forca da palavra força a palavra rolha fofa a rolha fofa sem força a palavra em folha solta a força da palavra forca a palavra de boca em boca na boca a palavra forca a palavra e sua força --falar na era da forca calar na era da força na era de falar a forca a era de calar a boca na era de calar a boca a era de falar à força calar a força da boca com a forca falar a boca da forca com a força calar falar a palavra não na ira da era ida falar calar a palavra nesta ira de era viva calar a palavra na era ida da ira falar a palavra na viva era da vida ---mas a forca da palavra força :um cedilha em sua boca
AGIOTAGEM Um Dois Três o juro: o prazo o pôr / o cento / o mês / o ágio p o r c e n t a g i o. dez cem mil o lucro: o dízimo o ágio / a mora / a monta em péssimo e m p r é s t i m o. muito nada tudo a quebra: a sobra a monta / o pé / o cento / a quota hajanota agiota. SIDERURGIA S.O.S. Se der o ouro sidéreo opus horáriO Sem sol o sal do erário saláriO Ser der orgia semistério o empresáriO Siderurgia do opus o só do eráriO Se der a via do pus opus erradO Se der o certo no errado o empregadO Se der errado no certo o emprecáriO
Armando Freitas Filho (1940/2011) RESSONAR para Cassiano Ricardo
A noite arquiteta um teto, uma casa pensa uma porta repensa um portão e planta parede e tranca o jardim seu sonho de nervos entranhado no muro. Poeta carioca,recebeu, em 1980, o Prêmio Fernando Chinaglia, por Apenas uma Lata (infantojuvenil). Em 1986, com 3x4, recebeu o Prêmio Jabuti. Em 2000, com o livro Fio Terra, o Prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Fundação Biblioteca Nacional. Em 1963, publicou Palavra, o seu primeiro livro de poemas. Daí vinculou-se à poesia práxis, instaurada por Mário Chamie. Essa tendência de vanguarda se opôs à poesia concreta. Foram escritos em seguida Dual (1966) e Marca registrada (1970) sob os cânones desse movimento.. Outros livros:À Mão Livre, Cabeça de Homem, De Cor, Dois Dias de Verão, Duplo Cego, Lar, Mr. Interlúdio, Números Anônimos, Para este Papel,
Verde sono: calado coagulado sangue cerâmica – absorto vaso sem veia sem pulso, esbatido absorvido arbusto embuçado esboço embaçado, embutido estojo, lavrado lacrado no escuro. TÊNIS Sai o saque seco estampido baque segue o som. Nítido ritmo nu: tímpano célere sílaba súbita, soa. Volve elástica ríspida raquete detona um tom repete o golpe. Quica na quadra bola – bala brusca dicção ginástica. Volátil exercício fugaz
vibrátil lance veloz nívea imagem ágil. Tênis teia tênue malha tátil erro na rede rasga nua nesga falha. RAIOS X Magro e amargo um corpo distende cercado de treva tato mais dente. Rebenta a flora: trevo de carne travo de terra segreda: sente. Um braço que abraça uma perna que arrasta. Corpo – um furo segrega rente o corpo futuro germina: doente. SONOTECA A droga do dia adia o drama: a drágea desce o homem dorme. Um sono ensaiado sem saídas – som bulex sem sonhos ressona, sonado. Viagem ao vácuo movida a valium: visita os vazios e as visões do avesso. Apalpa a polpa
do corpo em pane: a pílula apaga as pilhas, pifam os sinais do sangue e seguem, às cegas as senhas do sexo: sequência de setas. O código do sono fechado no cofre do corpo encadeia a cápsula sem chave. A vertigem no vidro: o invólucro envolve a vida – envelope comprimido no corpo. LUA-DE-MEL Magro e amargo um corpo distende cercado de treva tato mais dente rebenta a flora trevo de carne travo de terra segreda: sente um braço que abraça uma perna que arrasta corpo: um furo segrega rente o corpo futuro germina: doente.
Antonio Carlos Cabral (19
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COMES E BEBES drinque amigo tranco antigo vodka vossa murrpo em grogue vida nossa engole a manha comjes e bebes olha e seca cerveja em lata o bom malte o mate o mato e o homem malzebeer na mesa é fogo birra e garra dá na cara cinzano cinza e ano duro bottle bota quina é sono coca e calo bebe e cala
Poeta carioca, tradutor, crítico de música, artes plásticas, literatura e cinema, foi um dos últimos participantes do grupo de poetas concretos envolvidos com a Noigrandes.Obteve o diploma de Direito em 1953, trabalhou na Fundação Getúlio Vargas e começou a colaborar na imprensa em 1956, por intermédio do poeta Mário Faustino. Foi também um dos editores da revista Invenção, segunda porta-voz da poesia concreta, desde o seu primeiro número, em 1962, ao último, em 1966.
SITUAÇÕES 1 o homem forte o cala a boca o ríspido o espasmo guspe o olho em cima a mão é pedra e fica quieto a paz rapaz o fecho a boca a voz patada o cálice qa carga o medo o olho baixo a mesa o pé o pó o olho em pó na paz do pó na paz não pode não na paz rapaz nem às nem a nem b só asco asma quarto nono só mente a paz do sono 2 jogatina jogo não é a tua joga a mesa he paga eu ganho e pago bota a pinga joga eu mostro vinte eui passo três feijão cereveja só que coisa e ficha dá é dama vai valete é valente pinga a grana joga damas e pega fogo perde tudo e paga
Mauro Gama (1938)
Poeta e crítico literário, nasceu em 1938, no Rio de Janeiro. Estudou letras clássicas e ciências sociais, na UERJ. Estreou em livro com Corpo verbal (1964). Ganhou a vida como redator de editoras e obras de referência, entre as quais enciclopédias, como a Barsa 1 e a Mirador internacional (onde foi assessor editorial de Otto Maria Carpeaux e Antônio Houaiss).Auto-exilado de sua grande e violenta cidade, vive hoje principalmente em sua Quinta da Janaína, em Mendes/RJ. Outros livros publicados: Anticorpo (1969) e Expresso na noite (1982), poemas; José Maurício, o padre-compositor (1983), ensaio; Zoozona seguido de Marcas na Noite (2008).
A FAZENDA (fragmento) Plantio Homem ou barro o anjo músculos e asas pardas metal contra o céu contra a terra metal de alto a baixo homem cava homem cava na polpa do sol na polpa da terra cava no peito cava e pára mão ou terra desprendida digitada se recortada contra o espelho do azul renda renda de luz curvando-se ou festo e sopro de sementes? Pão que devora o barro ou corpo em lâminas mão e ventos COLHEIRA cesto levanto o incesto sem fruto ou curva, solar. e lacaio do pulso aliás do impulso vai o balaio vai o que em dedos e alma de palma a palma ferida é a carga e a malha é a falha e a farpa também — ou tão só — da vida.
PURA TERNURA Pura ternura Margarida: coisa de rosa e mucosa de pêssego e de ferida de violetas e gretas de humor e quase dor deleitosa: coisa de vida e guarida Margarida. Você me guarda lá dentro e palpitamos ambos meio jambos meio bambos você com um pássaro na mão: venha depressa me dê essa mão a seu pássaro – a um passo do coração ou do vulcão. AVENTURA Comprou uma homepage toda de chocolate e entrou no site da Light: estava escuro tateou estranhas formas de pelúcia e recuou com um choque no prepúcio. Viu o portal dos novos tempos globais com as mais solícitas e explícitas nádegas e pândegas. Teve sede: bebeu a rede inteira de eletrizantes cômputos e putas mentoladas dores. Teve fome: comeu um software com rabanetes e dois cuzinhos impenitentes.
Yone Gianetti Fonseca (
Formou-se em Letras pela UFMG e em Psicologia pela Faculdade de Filosofia de São Paulo. Ganhou em 1976 o 18.º Prêmio Jabuti, na categoria Poesia, com seu livro Rosa Dialética.(1975) Puiblicou A Fala e a Forma.(1963) e Vristal/Carvão (1998).
MERETRIZ Dona ronda Tez de liz Loura sombra Meretriz
ROSA ROSA ROSA Rosa rochosa Roda de abóbodas Pomposa incógnita Só rococó
Onda à toa Toda miss Por um gozo Por um xix
Só rocambole Rosa sarcófago Rosa só rosa Só rosa cósmica
Rôta noiva Pó raiz Ala nômade Meretriz
Rosa retórica Só dela, rosa Dela zelosa Dela que evola
Flor bisonha Mera atriz Por um sonho Por um bis
Rosa memória De rosa. Rosa Moma senhora Misteriosa
Songamonga Luz de aniz Algo monja Meretriz
Só categórica Forja metódica Lógica ilógica Rosa ou abóbora?
Álcool longo Caos matriz Por um pouso Por um triz
IV Por favor, não diga Adeus à vida: ainda Há manhãs florindo
Lantejoula Cicatriz Lã de joio Meretriz
Este pátio sujo. Ainda é possível Amar sem policia.
Só destoa Mau matiz Por um voo Por um giz
Há um verão na carne Mesmo exausta, e há vinho Na morte das uvas.
Carlos Rodrigues Brandão (1940)
Em 1998 recebeu o título de Comendador do Mérito Científico pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e de Professor Benemérito do Centro de Memória da Unicamp. Em 2006 foi agraciado com a medalha Roquette Pinto Pinto, da Associação Brasileira de Antropologia. Em 2008 e 2010, com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Uberlândia, pela Universidade Federal de Goiás e pela Universidad Nacional de Lujan, na Argentina. É também Fellow do St. Edmund’s College, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Professor emérito pela UNICAMP. Foi um dos fundadores do Movimento da Poesia Praxis e publicou os livros Mão de Obra (1968) e Os objetos do dia (1968),
311 OFÍCIO DE DIZER dizer: se pedra o duro se entra o homem: o muro dizer: se trigo o pão se vai no homem: ação dizer se noite o fundo se entra o homem: um mundo dizer: se verbo o verso se vai no homem: inverso dizer: se foi, a fato se entra o homem: a luta dizer: se flor a graça se vaio homem: a safra dizer se terra o grão se entra o homem: à mão dizer: se foi, o fato se vai com homem: o ato se vai em outro: o trato dizer: se palha um feixe se entra o homem: um cesto se chega outro: o texto. 312 DIZER-DIZENDO a. onde é a forja fazer da forja o ferro onde a forja ganha o nome onde é o ferro fazer do ferro a arma onde o ferro encontra o uso o fato onde a arma ganha impulso onde é o fato fazer do fato o texto onde o fato apura o senso b. onde é o texto fazer do texto o fato onde o texto toca a arma onde é o fato fazer do fato onde ó o ferro fazer do ferro a forja onde o verbo volte ao mundo.
O OFÏCIO DE MORTO 1 êsse que vai morto vai a vau. esse que vai, morto vai ao valo. êsse quem o leva morto leva a morte ao valo. essa a tarefa:por em cova o corpo onde a cava enterra a carne. desse que vai morto sai a cal. esse que vai morto vai ao ralo. êsse: o que se leva morto leva o caso ao ralo. essa . a morte: por o corpo ao lado de onde a terra apressa o fruto. êsse que vai morto vai a pau. nêsse que vai morto cai o malho êsse o morto: o que se leva e leva a morte ao malho. essa a fun$ao: por na morte a parte em que a fome aponte o fato. desse que vai morto sai o sal. êsse que vai, morto cai ao lado. êsse o que se leva: morto leva a lavra ao lado. essa a morte: por o homem longe de onde a safra perde o trato. nesse que vai: morto? vai sinal. desse que vai (morto) sai o brado. êsse o morto que se leva e leva a morte ao brado. êsse o sinal. por na coisa a causa em que a luta acabe a grita.
O POEMA
PROCESSO Foi um movimento artístico de vanguarda que aconteceu entre 1967 a 1972, em plena Ditadura Militar. Surgiu em duas capitais do país simultaneamente: Rio de Janeiro (RJ) e em Natal (RN), se espalhando depois pelo Brasil. Foi fundado por diversos poetas dos quais se destacam: Wlademir Dias Pino, Moacy Cirne, Neide de Sá, Álvaro de Sá, Dailor Varela. O Poema/Processo foi um movimento vanguardista que priorizou principalmente o poema visual. Visava apresentar uma nova forma de fazer poesia. Poemas gráficos, poemas objetos, poemas interativos, filmepoemas, envelopoemas e performancepoemas, são algumas das contribuições que merecem destaque.
Wlademir Dias Pino (1938)
Foi poeta, artista visual e artista gráfico. Em decorrência de perseguição política, seu pai transfere-se com a família em 1936 para Cuiabá, onde passa a juventude. Em 1939, com 12 anos de idade, edita na gráfica de seu pai que era tipógrafo, seu primeiro livro: Os Corcundas. Em 1948, em Cuiabá, funda o movimento literário de vanguarda Intensivismo, que já traz em seu ideário fortes inovações formais que antecipam as tendências mais radicais da poesia visual e das artes plásticas dos anos 50 e 60. Volta para o Rio de Janeiro em 1952, onde passa a participar dos movimentos de vanguarda política e cultural da época. Um dos seis fundadores do movimento da poesia concreta no Brasil (são eles: Décio Pignatari, Ferreira Gullar, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Ronaldo Azeredo e Wlademir Dias Pino). Participa da I Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, tendo sido, ainda, um dos fundadores do poema/ processo em 1967
Moacy Cirne (1943/2014)
Poeta, teórico da poesia, artista visual e professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense, é considerado o maior estudioso brasileiro das histórias em quadrinhos, tendo escrito inúmeros livros sobre o assunto. Foi um dos fundadores, em 1967, de uma das vanguardas brasileiras importantes do pós-guerra: o Poema-Processo. Sua obra poética está formada por livros como Objetos verbais (1979), Cinema Pax (1983), Docemente experimental (1988), Qualquer tudo (1993), Continua na próxima (1994), Rio Vermelho (1998), A invenção de Caicó (2004), Almanaque do Balaio (2006), Poemas inaugurais (2007) e Seridó Seridós (2013).
DADÁ PRA CÁ, DADÁ PARA LÁ leia JOYCE como se estivesse lendo KAFKA veja FELLINI como se estivesse vendo MIZOGUCHI ouça MOZART como se estivesse ouvindo COLTRANE use REMBRANDT como se estivesse usando DUCHAMP leia JOYCE como se estivesse ouvindo COLTRANE ouça MOZART como se estivesse vendo MIZOGUCHI veja ZILA MAMEDE como se estivesse usando KAFKA use REMBRANDT como se estivesse sonhando com BACHELARD ouça JOYCE como se estivesse ouvindo ANTONIONI assuma JOSÉ BEZERRA GOMES como se estivesse como se estivesse metaplagiando FALVES SILVA e JOTA MEDEIROS e AVELINO DE ARAÚJO e ANCHIETA FERNANDES e DAILOR VARELA e JORGE FERNANDES ao som de PEDRO OSMAR e HERMETO PASCOAL e CLÁUDIO MONTEVERDI POEMV 321 três poemas de josé bezerra gomes incomodam muita gente dois poemas concretos incomodam muito mais dois poemas concretos incomodam incomodam muita gente um poema/processo incomoda muito mais muito mais muito mais
Alvaro de Sá (1935/2001)
Poeta carioca, critico, filólogo, professor e engenheiro químico. dos fundadores do movimento de vanguarda Poema/Processo, que teve seu início em 1967. Produzindo inicialmente poesia verbal, Álvaro passa a experimentar com outras linguagens a partir de 1962. A frente do movimento Poema/ Processo, foi co-editor das revistas Ponto 1 e Ponto 2. Em 1972, juntamente com Neide Sá, produziu filmes-poemas experimentais. Em 1977, participa da 14ª Bienal Internacional de São Paulo. Produziu também livros de ensaios sobre vanguarda, comunicação e poesia. Publicou os livros: “Poemics”, “Vanguarda Produto de Comunicação”, foi co-autor de “Poesia de Vanguarda no Brasil. Participou de todas as exposições da movimento.
Neide de Sá (1940)
Poeta visual, pintora e gravadora, foi uma das fundadoras do movimento experimental de vanguarda Poema/Processo, na década de 60, sendo uma das responsáveis pela publicação das revistas Ponto 1, Ponto 2, Processo e Vírgula, ligadas ao movimento. Em 1976, ingressa na PUC/RJ, onde estuda programação visual, formando-se em 1980. Três anos depois faz pós-graduação em Arte Educação no Instituto Metodista Benett; cursa gravura e fotogravura, com Tereza Miranda; pintura, com Katie Van Sherpenberg e participa da Oficina de Gravura, desenvolvendo pesquisas com gravura em relevo, no MAM/RJ. Em paralelo aos estudos, dirige o Núcleo de Arte Heitor dos Prazeres, entre 1966 e 1983.
Dailor Varela (1945/2012) PORNO-GRÁFICO
À MARISE CASTRO A escrita é fala que se imprime no silencio do papel À MAÍRA No labirinto de teu rosto indecifrável dialeto que não se revela
Poeta goiano de nascimento e potiguar por raízes e tradições familiares,foi um dos criadores do movimento Poema/Processo. Escreveu seus primeiros v os Campos. Na década de 90 escolheu a interiorana Monteiro Lobato para sua morada. Seu trabalho está entre os Cem Maiores Poetas Brasileiros do Século, antologia organizada por José Nêumane Pinto, ao lado de nomes como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Mário Quintana e outros.
FOTO Estática memória a foto espalha poeira da família pela casa. ÀS MULHERES Lamber o sexo Perfume de sabonete Ar de verão dentro da manhã de primavera Sol no meio das coxas território úmido que escorre líquida semente cheirando a marisco Maresia, mar, Penetrável ostra que pulsa Orgasmo de marés. Língua no falo. Silêncio e falas absurdas, toque noturno que se faz brincadeira Lúdico caminhar na fronteira do corpo sem fronteiras. O espaço infinito e metafórico do gozo
VIOLÃO
DE RUA
Foi um movimento estético e social que reuniu intelectuais e artistas da classe média urbana identificada com o desejo de transformar a arte em uma forma de conscientização política. Essa poesia, engajada e participante, atinge seu apogeu com os Cadernos do Povo Brasileiro, projeto do CPC da UNE que lançou, em 1962, uma coleção extra com publicações de poesias. Essa coleção foi intitulada Violão de Rua - poemas para a liberdade. e foi realizada sob a supervisão do poeta Moacyr Felix. Foi publicada ao longo dos anos de 1962 e 1963 e materializa muito das agitações político-ideológicas e estéticas que marcaram a literatura do período.
Vinicius de Moraes (1913/1980)
Poeta, dramaturgo, jornalista, diplomata, cantor e compositor carioca.. Cursou a Faculdade de Direito e a Universidade de Oxford, onde estudou língua e literatura inglesas. Em 1941 entrou para o Itamaraty, assumindo em 1946 seu primeiro posto diplomático, de vice-cônsul em Los Angeles. Em 1953 conheceu Tom Jobim e iniciou um apaixonado envolvimento com a música brasileira, tornando-se um de seus maiores letristas Notabilizou-se por seus sonetos e por vários clássicos da MPB..Esse poema foi publicado em 1959 e em 1962 entrou em Violão de Rua, volume I.
OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as asas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia por exemplo Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão. De fato como podia Um operário em construção Compreender porque um tijolo Valia mais do que um pão? Tijolos ele empilhava Com pá, cimento e esquadria Quanto ao pão, ele o comia Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui Adiante um apartamento Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria Não fosse eventualmente Um operário em construcão. Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário: Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão O operário foi tomado De uma subita emoção Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão Era ele quem fazia Ele, um humilde operário Um operário em construção. Olhou em torno: a gamela Banco, enxerga, caldeirão Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação! Tudo, tudo o que existia Era ele quem os fazia Ele, um humilde operário Um operário que sabia Exercer a profissão. Ah, homens de pensamento Nao sabereis nunca o quanto Aquele humilde operário Soube naquele momento Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara Um mundo novo nascia De que sequer suspeitava. O operário emocionado Olhou sua propria mão Sua rude mão de operário De operário em construção E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela. Foi dentro dessa compreensão Desse instante solitário Que, tal sua construção Cresceu também o operário Cresceu em alto e profundo Em largo e no coração E como tudo que cresce Ele nao cresceu em vão Pois além do que sabia – Excercer a profissão – O operário adquiriu Uma nova dimensão: A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu Que a todos admirava: O que o operário dizia Outro operário escutava. E foi assim que o operário Do edificio em construção Que sempre dizia “sim” Começou a dizer “não” E aprendeu a notar coisas A que nao dava atenção: Notou que sua marmita Era o prato do patrão Que sua cerveja preta Era o uisque do patrão Que seu macacão de zuarte Era o terno do patrão Que o casebre onde morava Era a mansão do patrão Que seus dois pés andarilhos Eram as rodas do patrão Que a dureza do seu dia Era a noite do patrão Que sua imensa fadiga Era amiga do patrão. E o operário disse: Não! E o operário fez-se forte Na sua resolução Como era de se esperar As bocas da delação Comecaram a dizer coisas Aos ouvidos do patrão Mas o patrão não queria Nenhuma preocupação. –“Convençam-no”do contrário Disse ele sobre o operário E ao dizer isto sorria. Dia seguinte o operário Ao sair da construção Viu-se súbito cercado Dos homens da delação E sofreu por destinado Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido Teve seu braço quebrado Mas quando foi perguntado O operário disse: Não! Em vão sofrera o operário Sua primeira agressão Muitas outras seguiram Muitas outras seguirão Porém, por imprescindível Ao edificio em construção Seu trabalho prosseguia E todo o seu sofrimento Misturava-se ao cimento Da construção que crescia. Sentindo que a violência Não dobraria o operário Um dia tentou o patrão Dobrá-lo de modo contrário De sorte que o foi levando Ao alto da construção E num momento de tempo Mostrou-lhe toda a região E apontando-a ao operário Fez-lhe esta declaração: – Dar-te-ei todo esse poder E a sua satisfação Porque a mim me foi entregue E dou-o a quem quiser. Dou-te tempo de lazer Dou-te tempo de mulher Portanto, tudo o que ver Será teu se me adorares E, ainda mais, se abandonares O que te faz dizer não. Disse e fitou o operário Que olhava e refletia Mas o que via o operário O patrão nunca veria O operário via casas E dentro das estruturas Via coisas, objetos Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão. E o operário disse: Não! – Loucura! – gritou o patrão Nao vês o que te dou eu? – Mentira! – disse o operário Não podes dar-me o que é meu. E um grande silêncio fez-se Dentro do seu coração Um silêncio de martirios Um silêncio de prisão. Um silêncio povoado De pedidos de perdão Um silêncio apavorado Com o medo em solidão Um silêncio de torturas E gritos de maldição Um silêncio de fraturas A se arrastarem no chão E o operário ouviu a voz De todos os seus irmãos Os seus irmãos que morreram Por outros que viverão Uma esperança sincera Cresceu no seu coração E dentro da tarde mansa Agigantou-se a razão De um homem pobre e esquecido Razão porém que fizera Em operário construido O operário em construção
Cassiano Ricardo (1894/1974) ALIENAÇÃO Não achei um relógio (já-sem-corda que fosse.) Nem um chepéu sem forro. Nem um guarda-chuva preto como a mais preta noite da África. (No áspero beco, onde moro, só nascendo carrapicho.)
Poeta, ensaísta e jornalista, esteve associado aos grupos Verde-Amarelo e Anta. Aproximou-se de Menotti Del Picchia e Plínio Salgado, à época da Semana de 1922. Repudiou depois essas ideias. Em 1928 publicou Martim Cererê. Mais adiante aproximou-se do grupo concreto e foi editor das revistas Noigrandes e Invenção. Envolveu-se depois com a poesia praxis e realizou o livro Jeremias Sem Chorar(1965), um verdadeiro clássico. Os poemas Alienação e Cortiço foram publicados em Violão de Rua, Vol. III.(1962)
Pés comidos pelo asfalto. Achei este par de sapatos, no lixo de um arranha-céu de vidro. Dentro dele sorrirão (como em apertado nicho) os meus dedos ingratos e, ao mesmo tempo, gratos a Deus e ao Anjo do Lixo. Que pés os terão calçado? Onde andarão esses pés? Em Paris, em Calcutá? E o dono desses pés, quem será? Algum príncipe deposto? E eu é que ando, hoje,na rua, com os “seus” sapatos? Ou ele que --indebitamente-andou no planeta azul com os “meus” sapatos? E daqui, até onde vim, neste rude trocar de pés, com os pés dos que caminharam antes de mim, os que virão, por um cruel capricho, não caminharão com os “meus”, depois de mim? Sinto-me um homem-bicho. Na calçada, os pés calçados. No mínimo, um transeunte (perdido) entre objetos achados.
Graças ao Anjo do Lixo. Noite sideral, só luz, só estrelas, sóis orbitais. Luas que são uma fortuna, jogada no ar. E eu no chão, eu no pó. Triste como um noitibó. Que me faltará, agora? Um pouco de graxa, apenas, nos “meus “ sapatos. E alguém que me pergunte: “Quem és, que tns as cintilações das lâmpadas de todas as ruas nos pés? CORTIÇO Não são sementes dentro de um fruto. Não são abelhas, em cacho, para a migração. Não são pétalas de uma flor numerosa. Não são tripulantes do submarino, sob a espessa esmeralda, que o fecha em seus orifícios, rodeando-o por todos os precipícios. Não são homens que o medo juntou no segredo de um mesmo esconderijo; ou que a necessidade reuniu num abrigo noturno, ou no mesmo castigo. Ou no mesmo pacto diante do inimigo.
Ou em torno de um cacto. Não são as feras dentro de um covil. Não são as borboletas no mês de abril. Nem peixes, enlatados de frente ou de perfil.
São os que aí moram por não terem, na carta do Atlântico, uma ilha em que possam morar. Todos num só retrato, numa fotografia que é a mesma, noite e dia.
Não são os loucos da cidade cruel, misturando as línguas num repentino hebraico, sob a noite que é um arco voltaico.
Como agrestes sementes dentro de um fruto. Como pétalas rudes de uma flor numerosa. Como palavras mortas num dicionário vivo. Absurdo dicionário. Em que a palavra fome quer dizer o contrário do que significa a hora do pão diário. (Pois todos tem fome mas a fome é que os come. Não é só a escalada do universal azul que muda o significado das palavras, é a fome.)
São seres como nós... Homens e meninos, anjos e mulheres em brutal mistura de sexos, de dores, de palavras, de flores. Flores de sordidez, dores da gravidez, sexos do ajuntamento forçado, do pecado. Irmãos, não por o serem, porém pelo jejum, pela vida em comum, pelos pés, pelo corpo, pela verminose, pelas necessidades físicas; irmãos porque estão juntos, dentro do mesmo barro, da mesma flor, do mesmo escarro. Dentro da mesma fome que diariamente os come. Ou num só mijadouro, onde os meninos deitam seu orvalho de ouro. Pobres flores tísicas, pobres flores físicas.
Em que a palavra fruto não é um fruto verde – e que o fosse – agridoce, mas o triste sinônimo de morte, que esta é o fruto de quem nada come. Fruto da diferença que há, entre uma flauta de osso e uma mesa lauta. Em que a palavra irmão não é a flor livre de cada coração mas o amargo abraço por falta de espaço mas o abraço enfermiço dentro do cortiço.
Ah, os que aí moram sobre um chão dissoluto. Como agrestes sementes dentro de um fruto. Como palavras mortas num dicionário vivo. Como feras reunidas dentro do covil. Não como as borboletas no mês de abril. POÉTICA* 1 Que é a Poesia? uma ilha cercada de palavras por todos os lados. 2 Que é o Poeta? um homem que trabalha o poema com o suor do seu rosto. Um homem que tem fome como qualquer outro homem.
* poema publicado no livro Jeremias sem chorar
Ferreira Gullar (1930/2016) mar azul mar azul marco azul mar azul marco azul barco azul mar azul marco azul barco azul arco azul mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul ............................................................................................... o cão vê a flor É uma bomba-relógio a flor é vermelha (o relógio é o coração) anda para a flor que enquanto o homem trabalha a flor é vermelha vai preparando a explosão.
Poeta maranhense, crítico de arte, tradutor, cronista, dramaturgo e ensaísta, Ferreira Gullar despertou a atenção de Osvald de Andrade e dos irmãos Campos.É que seu livro, A Luta Corporal (1954) apresentava experimentos estéticos radicais. Gullar participou da poesia concreta, do neoconcretismo, mas abandonou essas experiências e mergulhou de cabeça na poesia engajada e participante do Violão de Rua. Bem mais adiante, em 1976, publicou Poema Sujo, um dos mais belos poemas da nossa literatura.
passa pela flor a flor é vermelha A BOMBA SUJA Introduzo na poesia a palavra diarreia. Não pela palavra fria mas pelo que ela semeia.
Bomba colocada nele muito antes dele nascer; que quando a vida desperta nele, começa a bater. Bomba colocada nele pelos séculos de fome e que explode em diarreia no corpo de quem não come.
Quem fala em flor não diz tudo. Quem me fala em dor diz demais. Não é uma bomba limpa: é uma bomba suja e mansa O poeta se torna mudo que elimina sem barulho sem as palavras reais. vários milhões de crianças. No dicionário a palavra Sobretudo no Nordeste é mera ideia abstrata. mas não apenas ali, Mais que palavra, diarreia que a fome do Piauí é arma que fere e mata. se espalha de leste a oeste. Que mata mais do que faca, Cabe agora perguntar mais que bala de fuzil, quem é que faz essa fome, homem, mulher e criança quem foi que ligou a bomba no interior do Brasil. ao coração desse homem. Por exemplo, a diarreia, Quem é que rouba a esse homem no Rio Grande do Norte, o cereal que ele planta, de cem crianças que nascem, quem come o arroz que ele colhe setenta e seis leva à morte. se ele o colhe e não janta. É como uma bomba H Quem faz café virar dólar que explode dentro do homem e faz arroz virar fome quando se dispara, lenta, é o mesmo que põe a bomba a espoleta da fome. suja no corpo do homem * Os dois poemas iniciais fazem parte da fase vanguardista (concreta e neoconcreta) e A Bomba Suja e Figuras foram publicados em Violão de Rua.
Mas precisamos agora desarmar com nossas mãos a espoleta da fome que mata nossos irmãos. Mas precisamos agora deter o sabotador que instala a bomba da fome dentro do trabalhador. E sobretudo é preciso trabalhar com segurança pra dentro de cada homem trocar a arma da fome pela arma da esperança FIGURAS Figuras de gente obre retirantes do Nordeste que mal se livram da noiteque a mão do artista gravou Figuras de gente viva retirantes do Nordeste que mal se livram da noite que o latifúndio criou Figuras de nordestinos que se retiram da noite para mergulhar noutra noite (iluminada de anúncios) destas cidades do Sul Mas já dentro dessa nooite trabalha o sol de manhã já por debaixo da noite escutamos o rumor do dia que explodirá numa esplendente manhã NÃO HÁ VAGAS O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás
a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras – porque o poema, senhores, está fechado: “não há vagas” NO CORPO De que vale tentar reconstruir com palavras o que o verão levou entre nuvens e risos junto com o jornal velho pelos ares? O sonho na boca, o incêndio na cama, o apelo na noite agora são apenas esta contração (este clarão) de maxilar dentro do rosto. A poesia é o presente.
Affonso Romano de Sant’Anna (1937) POEMA PARA PEDRO TEIXEIRA ASSASSINADO 1 Ontem, senzala. Hoje, cortiço. Ontem, chibata.
Cantou o galo outra vez e o filho sangroiu-se à bala.
Ontem, quilombos. Hoje, sapé.
Meninoovelha adubo verde, sangue fresco em plantação.
O latifúndio, companheiro, rói seu osso de Caim.
Ronda o galo a casa aberta de Pedro Teixeira morto.
Coronel fuzil e olho
Uma viúva e seus filhos se espreitam na madrugada que amanhece em sangue e brasa.
polícia pau e ferrolho
4 Vai a noite alte é
Hoje, fuzil.
Poeta, crítico , professor de literatura e jornalista. Em 1954, viaja por diversas cidades mineiras pregando o Evangelho em favelas, hospitais e presídios. Forma-se em Letras Neolatinas pela UFMG, em 1962. Em 1969, também pela UFMG, torna-se doutor em Literatura Brasileira. com uma tese sobre Drummond . Nos anos 60 participou de diversos movimentos de renovação da nossa poesia. De 1973 a 1976 realiza a Exposia, na PUC do Rio.Em 1990 preside a Biblioteca Nacional e cria a revista Poesia Sempre. Ao todo publicou mais de 15 livros entre poesia, ensaios, crônicas.
noite adentro sobre seu corpo jorrando sangue.
O latifúndio, companheiro, mói as fezes de seu fim. 2 Do home é a terra a terra e seus desertos e sobre o campo se estende o corpo do homem ---é a fome Cavei colhi perdi Marido campos e filhos pés de estrume mãos de esterco somos todos, companheiros, humus e homens, amém 3 Cantou o galo uma vez e Pedro foi de emboscada. Se escurecia
uma viúva em seu leito arde desejos de sangue. --Mulher, porque morreu teu marido com o corpo ferido? --Moço, morreu ferido pelo inimigo porque sabia do seu caminho. --Mulher, poque feriram seu filho na estrada de teu marido? --Moço, feriram o menin porque seguia o caminho que vamos todos sdeguindo. Desce o dia longo é. Uma viúva ouvindo a voz do marido: “Vai mulher que a luta é” desperta seus companheiros e sai com a alba pelos campos.
Uma coisa é um país, outra o confinamento.
5 Tu és pedra Pedro Teixeira e sobre ti levanto esta bandeira.
Mas já soube datas, guerras, estátuas usei caderno “Avante” — e desfilei de tênis para o ditador. Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso” e éramos maiores em tudo — discursando rios e pretensão.
Tu és brasa Pedro Teixeira e sobre ti já queima esta fogueira Tu és guerra Pedro Teixeira e sobre ti cavamos a trincheira.
Uma coisa é um país, outra um fingimento.
O EPISÓDIO DO RIOCENTRO Mentiram-me. Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente. Mentem de corpo e alma, completamente. E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente.
Uma coisa é um país, outra o aviltamento.
Uma coisa é um país, outra um monumento.
(...) 2 Há 500 anos caçamos índios e operários, há 500 anos queimamos árvores e hereges, há 500 anos estupramos livros e mulheres, há 500 anos sugamos negras e aluguéis.
Mentem, sobretudo, impune/mente. Não mentem tristes. Alegremente mentem. Mentem tão nacional/mente que acham que mentindo história afora vão enganar a morte eterna/mente. Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases falam. E desfilam de tal modo nuas que mesmo um cego pode ver a verdade em trapos pelas ruas. Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura. Mas não se chega à verdade pela mentira, nem à democracia pela ditadura. QUE PAÍS É ESTE? 1 Uma coisa é um país, outra um ajuntamento. Uma coisa é um país, outra um regimento.
Há 500 anos dizemos: que o futuro a Deus pertence, que Deus nasceu na Bahia, que São Jorge é que é guerreiro, que do amanhã ninguém sabe, que conosco ninguém pode, que quem não pode sacode. Há 500 anos somos pretos de alma branca, não somos nada violentos, quem espera sempre alcança e quem não chora não mama ou quem tem padrinho vivo não morre nunca pagão. Há 500 anos propalamos: este é o país do futuro, antes tarde do que nunca, mais vale quem Deus ajuda e a Europa ainda se curva. (...)
Oscar Niemeyer (1907/2012)
Formou-se em arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro. Estagiou no escritório Lucio Costa onde aprendeu os fundamentos da arquitetura moderna. É considerado um dos nomes mais influentes na arquitetura moderna internacional. Um dos seus primeiros projetos, o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, chamou a atenção de especialistas do mundo inteiro. Mais adiante projeta o Parque do Ibirapuera, Brasília, Memorial da América Latina,sede do Partido Comunista Frances,Universidade de Constantine e muitas outras.E ainda escreveu alguns poemas.
Estou longe de tudo de tudo que gosto, dessa terra tão linda que me viu nascer . Um dia eu me queimo, meto o pé na estrada, é aí, no Brasil, que eu quero viver. Cada um no seu canto, cada um no seu teto, a brincar com os amigos, vendo o tempo correr. Quero olhar as estrelas, quero sentir a vida, é aí, no Brasil, que eu quero viver. Estou puto da vida, esta gripe não passa, de ouvir tanta besteira não me posso conter. Um dia me queimo, e largo isto tudo, é aí, no Brasil, que eu quero viver. Isto aqui não me serve, não me serve de nada, a decisão está tomada, ninguém me vai deter Que se foda o trabalho, e este mundo de merda, é aí, no Brasil, que eu quero viver. ............................................................................. Não é o ângulo reto que me atrai nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein.
O QUE FEZ VOCÊ ARQUITETO?
O que fez você, arquiteto desde que está diplomado? O que é que você fez pra se ver realizado? Trabalha, ganha dinheiro, anda bem alimentado. Nada disso, meu amigo, é grande pra ser louvado.
Você só fez atender a homem que tem dinheiro, que vê o pobre sofrer e descansa o ano inteiro na bela casa grã-fina que fez você projetar, esquecido que essa mina um dia vai acabar. Você só fez atender a governo capitalista que faz obra pra se ver que deixa o pobre morrer, que tira o pobre da lista, a lista dos seus amigos, amigo capitalista
São escolas, hospitais, teatros, apartamentos, construções industriais, verdadeiros monumentos. Tudo isso o pobre vê, vê e não pode tocar, perdido por essas terras, sem ter casa para morar sem ter remédio que tome, sem ter livro pra estudar sem ter um olhar amigo, um ombro pra se encostar. Mas se você é honrado, não pode se conformar. Ponha a prancheta de lado e venha colaborar. O pobre cansou da fome que o dólar vem aumentar, e vai sair para a luta que Cuba soube ensinar.
Fernando Mendes Vianna (1933-2006) PROFECIA O monarca vindouro não será o ouro e seu cetro --chicote, punho de morte. A arca do futuro não será um muro alto e duro para a moeda parca. A marca do homem não será o nome inscrito a ferro no medo do servo. O monarca, a arca, a marca do porvir será o berro de quem, hoje, não pode rir.
Poeta e tradutor de poesia, é diplomado em direito. Transferiu-se para Brasília logo após a inauguração da cidade, em 1961. Trabalhou no Senado e também colaborou em jornais e periódicos. Estreou em 1958, com o livro Marinheiro no Tempo e a Construção do Caos. Publicou, em seguida, A Chave e a Pedra (1960); Proclamação do Barro (1964); O Silfo-Hipogrifo (1972); Embarcado em Seco (1978); Marinheiro no Tempo – Antologia (1986); Ah, o Último Paraíso (1998); Antologia Pessoal (2001); e A Rosa Anfractuosa (2004).
O MIGRANTE Emigrante e imigrante de mim mesmo, sem passaporte sigo nos mares e ares. Não me atrapalha o mundo e seus lindes, e cruzo qualquer pátria clandestino. Limites impressos em códigos e mapas não são fronteiras, não, para um poeta. Inferno é o mundo máximo. O resto, pegadas vãs – pó e pó, barro no barro. Vou e volto dentro do eu-planeta, ao sopro do poema – vento no velame do barco da carne. O corpo voa! Não me detém o mundo: suas alfândegas, feitas de mofo, o vento as leva - enquanto chego e parto a qualquer hora.
CATEQUESE
POÉTICA
Exatamente no dia 18 de maio os frequentadores da boate Ela, Cravo e Canela, templo da MPB, foram surpreendidos por uma apresentação diferente que entraria para a história da literatura brasileira.É que o poeta catarinense Lindolf Bell dava início, naquela noite, a um dos mais importantes e expressivos movimentos de distribuição de poesia: a Catequese Poética. “O lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os lugares.” Seguindo esse lema, a Catequese levou a poesia ao conhecimento do grande público por meio de leituras de poemas em lugares previsíveis e imprevisíveis: praças, teatros, livrarias, colegios, clubes, universidades, bares. sindicatos--e até em estádio.
Lindolf Bell (1938/1998)
Publicou seu primeiro livro de poesia, Os Póstumos e as Profecias, em 1962. Na época, cursava Dramaturgia na Escola de Arte Dramática, em São Paulo. Em 1963 publicou Os ciclos. Em 1964, logo depois do golpe militar, criou a Catequese Poética, movimento que reaproximou o poeta da povo, da praça, da comunidade. Em 1968 declamou poemas no Show Contra, no Teatro Ruth Escobar.No mesmo ano casou e viajou para os Estados Unidos, onde integrou o grupo brasileiro no International Writing Program, na Universidade de Iowa.
O POEMA DAS CRIANÇAS TRAÍDAS O poema das crianças traídas Eu desci ao centro da terra para coEu vim da geração das crianças lher o girassol que morava no eixo. traídas Eu descobri que são incontáveis os Eu vim de um montão de coisas grãos do fundo do mar destroçadas mas tão raros os que sabem o camiEu tentei unir células e nervos mas nho da pérola. o rebanho morreu. Eu tentei persistir para além e para Eu fui à tarefa num tempo de aquém do contexto humano, drama. o que foi errado. Eu cerzi o tambor da ternura, quebrado. Eu procurei um avião liquidado para fazer a casa. Eu fui às cidades destruídas para Eu inventei um brinquedo das molas viver os soldados mortos. de um tanque enferrujado. Eu caminhei no caos com uma Eu construí uma flor de arame farpamensagem. do para levar na solidão. Eu fui lírico de granadas presas à Eu desci um balde no poço para respiração. salvar o rosto do mundo. Eu visualizei as perspectivas de Eu nasci conflito para ser amálgama. cada catacumba. Eu não levei serragem aos coraII ções dos ditadores. Eu sou a geração das crianças Eu recolhi as lágrimas de todas as traídas. mães numa bacia de sombra. Eu tenho várias psicoses que não me Eu tive a função de porta-estandar- invalidam. te nas revoluções. Eu sou do automóvel a duzentos Eu amei uma menina virgem. quilômetros por hora com o vento Eu arranquei das pocilgas um a bater-me na cara na disputa da brado. última loucura que adolesceu. Eu amei os amigos de pés no chão. Eu sou o anti-mundo à medida que Eu fui a criança sem ciranda. se procura o não-existir. Eu acreditei numa igualdade total. Eu faço de tudo a fonte para alimentar a não-limitação. Eu não fui canção mas grito de Eu sei que não posso afastar o corpo dor. que não transcende Tive por linguagem materna, roçar mas sei que posso fazer dele a catade bombas, baionetas. pulta para sublimar-me. Eu fechei-me numa redoma para abrir meu coração triste. Meu coração é um prisma. Eu fui a metamorfose de Deus. Eu sou o que constrói porque é mais difícil. Eu vasculhei nos lixos para redes- Eu sou o que não é contra mas o que cobrir a pureza. impõe.
Eu sou o que quando destrói, destrói com ternura e quando arranca, arranca até a raiz e põe a semente no lugar. Eu sou o grande delta dos antros Os amigos mais autênticos são as águas que me acorrem.
que serei alimento para o verme primeiro da madrugada, que a vida é a faca que se incorpora em forma de espasmo, que tudo será diferente, que tudo será diferente, tão diferente...
Eu quero um plano de vida para conviver. Eu ostentarei minha loucura Eu sou o que está com você, erudita. solitário. Quando evito a entrega, restrin- Eu manterei meu ódio a todos os cetros, cifras, tiranos e exércitos. jo-me. Eu manterei meu ódio à toda arroQuando laboro a superfície é gante mediocridade dos covardes. para exaurir-me. Eu manterei meu ódio à hecaQuando exploro o profundo é tombe de pseudo-amor entre os para encontrar-me. Quando estribo braços e pernas homens. Eu manterei meu ódio aos fabrina praça sobre o não alterável cantes das neuroses de paz. É para andar a galope sobre a Eu direi coisas sem nexo em cada não-liberdade. crepúsculo de lua nova. Eu denunciarei todas as fraudes de III Sem bandeira que indique morte nossa sobrevivência. Eu estarei na vanguarda para qualquer, conferir esplendores. avanço das caliças. Eu me abastardarei da espécie Sem porto fixo à espera, nem lar de maternas mãos ou rua de humana. Eu farei exceções a todos os que reencontro. souberem amar. Ostento meus adeuses. Sem credo a não ser à humanidade dos que amam e desamam, A PAZ anuncio a catarse numa sintaxe Eu conheço a paz A rotunda paz de construção. A paz pregada Eu escreverei para um universo A paz relegada sem concessões. Eu saberei que a morte não é es- Conheço a paz pregada à pele das terco,mas infinda capacidade de ruas colher no chão menos adubado, Ao muro de Berlim que poderei sorvê-la como à A paz podre laranja que esqueceu de A paz colada às bandeiras dos madurar,
países A paz com bolor A paz histérica das nações fortes A paz imposta aos pequenos Conheço a paz preta Não a branca paz da pomba A homeopática paz A pálida paz A paz do cartaz A paz do púlpito A paz política Conheço a ridícula paz da gorda senhora chamada ONU Conheço o cachimbo da paz Que é uma bomba sem paz Que é uma paz pontiaguda Esta é a paz que eu conheço Aonde estará a paz?
Rubens Jardim (1946) Entre o ato e o fato eu constato meu tempo seus silêncios seus impactos. Não negarei as pontes incendiadas, nem os rumos desfeitos. Eu vim para conhecer as fontes e recompor os rios. Não vim para explodir a bomba, nem ferir a pomba. Poeta e jornalista Vim para me incorporar paulstano, nasceu em aos desabrigados, 1946 e ingressou na aos que perderam a terra o pão Catequese Poética em a pá. 1965. Nesse mesmo Não vim para dizer a palavra ano participou do nova ou descobrir a lua Comício Poético da nova. Vim para cumprir Praça da Sé. Publios chamados e assistir o meu cou poemas em várias povo. antologias aqui e no Não vim para me resguardar exterior. É autor de ou resguardar minha poesia. três livros de poemas: Vim para expor meu coração Ultimatum (1966), e revelar que o poeta Espelho Riscado não ficará de braços cruzados (1978) e Cantares porque nós ainda construiremos da Paixão (2008). Organizou e publicou o mundo novo nós ainda acreditamos no mundo Jorge,80 Anos, ponnovo! tapé inicial do Ano Jorge de Lima (1973). OPÇÃO Participou da I Bienal Internacional À força de Poesia de Brasília ou (2008), das comemo- a forca? rações dos 70 Anos Nossa da Guerra Civil Esopção panhola,(2009) e da Revolução dos Cravos entre cedilha (2013).Pesquisou e publicou As Mulheres e ce Poetas na Literatura sem cartilha na mão! Brasileira (2021)
VARIAÇÕES Eu duvido da vida da vida devida da dívida da divisa (Deve Davi dever a vida?) Não dou ouvido ao vidro da vida Eu di vi do a vi da e dou o pão di vi di do O INVISÍVEL POEMA Aqui se cruzam os caminhos de épocas remotas e atuais. Neste espaço finco os beirais desta casa onírica. Meu ninho é esta escrita em pergaminho. São as fantasmagorias banais, os sons obsessivos das vogais e as libações efêmeras do vinho. Não falo de casas em burburinho, nem de monumentos e catedrais. Registro, apenas, nesta escrivaninha o invisível poema em redemoinho, capturando o lido e o olvido e os ais escutados na partição dos caminhos AUTO-RETRATO Até que enfim não dei em nada Dei em mim
Luiz Carlos Mattos (1945/2000)
Poeta e jornalista paulistano, nasceu em 1945 e morreu em outubro de 2000, vítima de câncer pulmonar. Ingressou na Catequese Poética logo depois de Rubens Jardim quando o movimento ainda estava levantando voo e ampliando seus quadros e suas repercussões. Publicou 4 Novos Poetas na Poesia Nova (1965); Ex-Exercícios (1966); Antologia da Catequese Poética (1968); Lapidário Geral, (1978). Teve poemas traduzidos para o italiano na antologia Poesia de Brasile d’Oggi (1968).
VAMOS BRINCAR DE HERÓIS? Vamos brincar de heróis? Atamos verdades verdes pelas veredas, falamos das falhas e das mortalhas. A canalha rompe, range e age na medida de ação da reação: CASSAÇÃO CALADA (não convoca-ação) RUGE corre-se risco. Mas nós não corremos rápido talvez pelo hábito de enfrentar de tentar e de estar na terra e não no ar NOSSOS HÁBITOS Mas nos habituaremos (um dia) com uma cidade casual que procura um álibi para explicar o abismo? Um ISMO? Uma solução decrépita ou demente? Ou dissolvida pela mente? Nao se sabe ao certo. Aliás, não se sabe nada ao certo. Ou mais aliás ainda, não está nada certo. Nem há nada perto, e há que se nadar muito para alcançar qualquer ilha. Com nosso barco sem quilha neste mar acidental, no acidente entre o ocidente e o oriente nesse mapa emocional. Será que vale a pena ser herói (nacional)? A PASSEATA Uma bandeira nova passava pela rua (pensamos: muito importante era o dia) julgarás: renovado Saía a passeata
depois veio o cansaço / aço / aço construiam ao nosso lado pensarás: arquiteturas passava a passeata / ata / ata a ata na mesa do congresso / esso / esso pensarás: progresso protesto petróleo / óleo / óleo olhamos tudo e não pudemos dizer nada. INVENTÁRIO DE BRASÍLIA Bassa basílica digo lago ao longo Regina Advocata et Mater na catedral sem vidros ilha em terra enterrada nas marés de suas savanas a oração rompe na tarde da ilha nova é tarde o brilho se transfigura face ao tempo face a face em minha face refletida no brilho vidro da janela face norte do Hotel Nacional em Brasília Brasil minha locação: W 3 SQ 303 (evitar saída sul) a esplanada dos ministérios R 13 sem mistérios ou equações este o caminho mais curto (passando pela casa de Maria) para se chegar ao Palácio da Alvorada presidência da república dos Estados Unidos do Pindorama terra dos marujos e dos papagaios.
Iracy Gentili (1930/2001)
Poeta nascida em Barra Mansa, Rio de Janeiro, viveu a maior parte de sua vida em São Paulo. Era também artista plástica e foi uma das primeiras poetas a integrar o movimento Catequese Poética, iniciado em 1964 pelo poeta catarinense Lindolf Bell. Na década de 70 foi morar em Salvador e criou uma galeria de arte que acabou sendo ponto de encontro de muitos artistas. Publicou apenas um livro: Os Rumos(1964)
A TUDO DIREI SIM A tudo direi, sim, Sem nenhuma importância. Saberá alguém dos silêncios dos cofres cheios de miçangas Em símbolos de vidro, mais que a verdade caberá. A tudo sorrirei Recolhendo as esperas. Ninguém perceberá a urgência de ontem. Às noites com piedades tão cruas Pedirei que antecipem as anmarras do voo. Caminharei cansada, sem flores nos meus cantos, Pois cairemos, eu sei, Folha por folha, E o verde se perderá num excesso de odor. Quem armazenará o fruto, nestes campos estéreis, Se as flores distribuem-se vestidas de verdade? A tudo hei de jazer calada Num silêncio pletórico de cardos. Alguém inventará gestações de mármores e bronzes. BRANCOS SÃO OS OLHOS Brancos são os olhos das mulheres Brancas as paisagens O céu todo branco arqueando-se em horizontes. Brancos homens? Brancas ruas? Onde estão as cores da vida? O sol quer se por e nada mudou! Sempre a alvura infinita Distendendo-se em toda a parte Os olhos cansam de ver Sempre a mesma paisagem. Ele,—o que tinha azul nos olhos Que tanto me assombraram Que branca lembrança me deixou! Ah! Este tédio branco ao meu encalço Onde tudo é loucura, Este longínquo marulhar de vozes veladas Que passam por mim E este sussurro de harmonia extinta.
Érico Max Muller (1945/ Esse é o vale e esta a mão que o desmancha para que ainda maior seja a identidade entre os guardiões e os guardados. Por muito tempo te distanciaste, vertebrado na crônica dos parentes, e agora ressurges um nível das noites.
Poeta nascido no interior de São Paulo, Santa Cruz do Rio Pardo, viveu por quase uma década em Florianópolis e participou da Catequese Poética, movimento iniciado em 1964, ano de publicação de seu primeiro livro, Um Anjo Morto na Encosta, seguido por Ao Corpo Circunscrito, de 1966. Érico, em Florianópolis, colaborou com poemas e artigos no jornal Ilha, uma raridade editorial, como também no jornal O Estado.
Onde os anciãos cultivam velas e palavras cansadas, onde framboezas contaminam a frágil dança dos amantes, onde o gato continua subterrâneo, à espreita dos que se uniram sob a proibida imagem. Talvez aqui, a lua manchada pelos feiticeiros, deuses ainda percorram jardins e clavicórdios. O vale é como o poema ou a folha,--apalpados, transmitem-nos o impoderável tremor de seu ser. Vale, célebre vale, tanto cresceste em minha origem, alimentando-me de silêncio e certos momentos evocando um passado não compartilhado. Quantas vezes será preciso cantar-te, ó vale, até que eu fique inteiramente submerso em teu dorso? 3-O GOMO Asperge sobre mim a tua face, unindo os gomos de fruta silente, replanta aqui a primitiva máscara, que à força de existir se desmembrou. Não o tempo, mas certo intermédio gosto, primeira e mais leve certeza, úmida folha em membrana exposta, onde a insegura forma se completa. Em todo gesto sobrenada um outro, o anterior, sonhado, gêmeo encoberto. algum canto de remota ternura. Porém o último permanece intato, sombra retida na inculta semente, e vibra, desperto do sereno ato.
Ronald Zomignan Carvalho (1944) LAR essa rua é minha rua essa casa é minha casa esse é o povo que eu amo e que traí tanto tempo. esse céu de madrugadas, essas vozes da cidade, essas ruas que anoitecem sonhos, mortes, serenatas, tudo isso eu vivo em mim, tudo isso me pertence. Poeta, jornalista, professor de marketing e planejamento estratégico. Nasceu no Rio de Janeiro em 1944, mas quatro anos depois já estava vivendo em São Paulo. Em 1959 organizou a Semana da Poesia Novíssima, em São Paulo, Publicou em 1965 o livro de poemas Ao compasso de Marcha (Brasil Editora, capa de Lindolf Bell). Participou do movimento da Catequese Poética, cursou o mestrado de Literatura Portuguesa na USP, sob a orientação de Carlos Felipe Moisés.Foi executivo e hoje vive em Vitória, Espírito Santo.
essa rua é minha rua, em que desfilo meus sonhos em que me vejo menino correndo atrás de meu sonho, em que me vejo sonhando a liberdade de um dia. e tudo isso eu entendo, é minha língua que falam, o mais é tudo estrangeiro e quase nem me interessa. essa rua é minha rua, nessa calçada eu amei, nessa rua eu me criei, chorei, brinquei, morrerei. o mais é muito distante a minha luta é aqui, a minha pátria é aqui, e aqui meu povo que sofre. aqui tenho minha luta, minha flauta, minha roupa, minha verdade amanhã. essa rua é minha rua nela que eu luto e trabalho, nela eu ensino e discurso, nela faço meus poemas, nela eu tenho a namorada, o pai, a mãe, a esperança. nela se resume inteiro tudo o que sonho prá mim. minha rua companheiro, com meu povo companheiro, minha ideia e destino.
essa rua é minha rua, de cores e amores cheia, essa casa é minha casa, de livros e sonhos cheia, essas coisas livres todas é o meu sonho de um dia, a liberdade sonhada para essa rua e esse povo é tudo que hoje eu tenho. é minha luta e me basta. ROBERTO PIVA Morreu o Piva. meu grande amigo, companheiro, e mestre da minha juventude. Que me apresentou a Nieztsche. Massao Ohno (que morreu também outro dia), Carlos Felipe, Cesário Verde etc... Tem muita gente morrendo... Mas, olha, se você me ama, não se preocupe. Há muitos anos, eu decidi que não vou morrer nunca. TUDO BEM escrever poesia como se fosse uma solução uma saída? canções, modos estranhos de ser danço na rua canto no chuveiro a menina do andar de baixo diz: puxa que voz bacana! vontade de chorar
Carlos Vogt (1943) SINGULARIDADE Todo homem tem ao menos um direito e uma esquerda menos eu que perdi minha mão em São Simão
Poeta, é professor titular da área de semântica argumentativa da Unicamp. Foi reitor da Unicamp. Foi vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) Foi presidente da Fapesp, de 2002 a 2007, e Secretário de Ensino Superior do Estado de São Paulo, entre 2009 e 2010. Participou da Catequese Poética e publicou os livros de poemas: Cantografia (1982). Prêmio de Revelação em Poesia, APCA;Paisagem doméstica (1984); Geração (1985);Metalurgia (1991);Mascarada (1997);Pisca Alerta (2008).
3 AFORISMOS PARA O PRIVADO PÚBLICO I A imprensa observa acordada vinte e quatro horas e cria os acontecimentos observados na vigésima quinta hora do dia II Pública no que presta a imprensa é privada quando empresta III O cidadão privado de seu direito público é como a imprensa privada de seu serviço público ANFITRIÂ Não se decepcione: a vida o convidará para outros fracassos. O GRÃO Ponha-se no meu lugar: pedido Ponha-se no seu lugar: ordem Ponha-se no lugar dele: compreensão Ponha-se no nosso lugar: entrega Ponha-se no lugar que quiser: desprezo Ponha-se no lugar de todos:
BIOBIBLIOGRAFIA PRECOCE Fui aprender lingüística para entender as palavras ensinei semântica ao acreditar que tudo tem sentido escrevi livros sobre a linguagem buscando não perder as farpas das circunstâncias traduzi textos de hermética lógica e mitológicas depois de viajar por binarismos e termos médios sem deixar de girar por gerações de frases bobas volto ao ponto de que partia: vejo-me gramaticalmente indecifrável diante da técnica da poesia IDENTIDADE Um homem tem muitas mortes: aquela que irá morrer porque nasce aquela que matará o seu batismo ou o simples nome que lhe é atribuído enfim todas aquelas em que morrerão as máscaras sociais com que foi sendo vestida sua vida AFRESCO No banco de jardim da praça Santa Rita de Cássia em Sales Oliveira sentados meu pai e eu ambos ausentes: um pela morte outro pela vida resolvemos lembrar as velhas sombras que abrigam os esquecidos PROVERBIAL O silêncio é de moscas ausentes, completo, geral, irrestrito, por isso, de ouro, quebrado apenas pelo atrito
Iosito Aguiar (1941/2001) A primavera está chegando nos olhos, no rosto. Subo a escadaria, atravesso a rua, a chuva, atravesso a melancolia. CANTAR DE SÓ Estou perplexo. Da minha solidão ecoa um grasnar de cisne ferido. Escrevo e o poema cessa. Poeta, escritor, professor, jornalista, publicitário, é natural de Paramirim, Bahia.Na década de 60 viveu em São Paulo e fez parte da Catequese Poética, levando a poesia às ruas, bares, boates, clubes e estádios. Mais adiante foi viver em Curitiba. Publicou, em poesia: Jô, o Andarilho (livros 1,2, e 3); Opus Inconcluso; Anjo Silencioso – Contraponto Elegíaco à Rilke; Ailina - Auto de Amor; Poetamente e In Illo Tempore. Em prosa, Ravina (Romance); Menino-Espantalho (Memorabília); Tio Nochas – Havenças e Revivências (romance); Espectadores da Eternidade I (romance);
HORA SECRETA Sinto no rosto tuas mãos e canto Eu te amo, eu te amo Ainda que minhas asas se estendam para o zodíaco Eu te amo, eu te amo Em beatitude, absorvido pelo espectro Que passa num leve sopro Eu te amo, eu te amo A inquietude envolve meu coração E esta é a hora secreta Quando o ferido bebe o vinho Consuma-se o mistério A barca adentra a baía Minha alma se dilata Enquanto deslizo pelo asfalto Não sei me conter Esta luz, este órgão imenso Tangido pelo anjo de sempre Liberta melodias que aprendi Quando uma pata de tigre Arrancou-me as entranhas. PROCURANDO VIOLETAS Ah, meus agitados sonhos A voz falando e eu sentindo vertigens O Universo possui o silêncio Eu possuo o êxtase, nunca desejei o escuro ou luz Para emergir nesta cidade, mas tudo
aconteceu Quando meu grito ecoou no último céu Xerxes, Buda, Maomé ou Antônio Conselheiro Sou mesmo Yusha, sem rival no meu delírio Dolorido como os feridos Mas como pétalas dos velhos tempos: Van Gogh, Nietzsche ou Bosch Loucos na ânsia de comunicar Mas as paredes estão ruídas! Eu não voltarei ao pó Entrei aqui por vontade própria Por ela sairei quando quiser Que ladrem no delírio da crença Continuarei emitindo clarões Ainda que cercado de ídolos Foi ontem, sim Eu procurava violetas no asfalto Sem nenhuma preocupação Nenhum temor Apenas procurava violetas. SÃO LUIZ A noite é uma concha rolando narcotizada. A prostituta de azul rompe com seu riso o hímen da alvorada. Volto pra casa e descuibro a primavera chegando em grossas bátegas.
Nilza Barude (1946) 6 Calcei os chinelos velhos de deus E caminhei pelas águas Pela mão de todos os meus irmãos, E dançamos a ciranda das ondas junto com todos os peixes Depois, Exaustos E em paz, Deitamos no leito marinho Entre algas. Adormecemos para acordar Ao lado dos velhos chinelos.
eu sou a que morre a cada momento e a que nasce no segundo imediato. eu sou a quem tem muito a dizer e cala. eu sou a que luta sem preocupação de vitória mas traz a mensagem da guerra e da paz. eu sou a que é mais difícil. a que toma pelas mãos banha com os olhos e ama sem lua. eu não sou a estranha Poeta, psicóloga, mas a telúrica. jornalista e artiseu sou a que morre a cada momento ta plástica, Nilza 44 e a que nasce no segundo imediato. Barude atua no Eu tenho todas as raças liquidadas eu sou a que tem muito a dizer e cala. jornalismo desde em meu sangue, eu sou a que cala. 1970, quando iniciou Eu tenho todos os povos tombasua carreira em São dos em meus braços, QUANDO A TRISTEZA É MUITA Paulo. Antes disso, Eu tenho o estigma desse tempo, quando a tristeza é muita integrou a Catequese E tenho o sangue e a terra mistu- escorre em correntes de lágrimas até Poética. Em 1979 foi rando-se e restaurando-se lavar o coração. viver em Salvador. In memorian. depois deixa na alma uma espécie de Trabalhou quase Eu tenho as trincheiras nas costas mancha roxa 20 anos no jornal A e asas nos pés, que minha avó chamava de melancoTarde.Nessa longa Que me levam a todos os contilia... trajetória também nentes. criou, apresentou e Eu tenho em cada olho uma bomdirigiu programas ba detonada, de TV, telejornais, E na boca uma granada por debates e reportaexplodir. gens em diversas Eu sou o produto desse tempo emissoras da capital discutido em dialética. baiana Publicou Eu sou a hipótese e a síntese maos livros Contos & temática dos acontecimentos. Cartas Memórias de Eu sou a criança metralhada, um Coração e Amor/ Eu sou a angústia da humanidade Ação (1995). toda, Recebeu o Título de Que se desfaz, Cidadã da Cidade do Aprendendo a morte, Salvador, concedido Dia a dia.
pela Câmara Municipal.
Edson Roberto Santana (1941)
Sou um andarilho. Pedestre ou passageiro, nunca o condutor. Do interior de São Paulo, para espaços do Brasil e do mundo. Olhar e ver. Deixar o mínimo de pegadas. Mais a busca que a fuga. Decidir com o coração, sempre. Felicidade importa menos que a verdade. A beleza é a essência de todas as coisas. Poesia é o que me arrebata como ator, escritor, diretor, músico ou empregado de infindáveis patrões./ Agora, aos 73, começar a re-ver, passar adiante, olhar nos olhos do meu filho e ter uma certeza: passei adiante. Minha geografia: seres vivos, a humanidade.
POEMA Trago-vos um penis ereoto pela urgência da vida. Habito-vos em prostíbulos psicodélicos escancarando minhas portas, abertas desde o ventre para a tormenta. ................................................... Está próxima a hora em que, um distante do outro, sem psicotrópicos, nus, conseguiremos dizer, banhados de simplicidade: Tenho a impressão de que estou te amando. ................................................ Na borda de um prato escrevi a palavra amor. A palavra amor, comi-a. O prato espatifou-se. .................................................. Fui correndo ao passado buscar meu sorriso menino. Na porta, encontrei uma velha. A seu lado, um velhinho sorrindo. O sorriso que eu tenho é roubado do velho que deixei dormindo. LABAREDA. I queima tronco folha pata queima estala fogo reina tosta pele viva II queima gente bicho
pássaro queima onça roça cobra anta frágil vida III mata era casa era cabra era tribo mata eram olhos eram asas eram bicos todos eram carne viva IV mata vira cinza vira osso vira pasto mata vira praga vira cova vira verme vira adubo foge vida V água teme o fogo no pantanal corumbrasa cuiabrasa brasaxingu houve tempo quando a terra do alto era azul mato a minha sede na tua água limpa estupro teu corpo mineral e garimpo meu corpo recebe teu ar puro e chora
Reni Cardoso (1945/2008) O CAMINHO Não é medo de chegar sozinha: é medo de não chegar. Não é angústia de saber longa a estrada: é de não saber escolher entre todas a verdadeira. Oh! Meu segredo inviolável! O longo mapa a percorrer! Quantas vezes penso ter chegado à paz e é apenas uma encruzilhada.
Poeta, atriz, professora, pesquisadora e tradutora, cursou Letras na UNESP de São José do Rio Preto. Foi premiada por sua interpretação de Catarina, em A Megera Domada, de Shakespeare. Trabalhou no IDART como pesquisadora e supervisora. Fez mestrado e doutorado na USP, quando foi se aproximando cada vez mais do Teatro Russo, tema que pesquisou apaixonadamente e no qual se tornou grande especialista. pelo que escreveu. Participou da Catequese Poética Antologia(1968) e publicou Uma poética em cena: Meierhold, Blók, Maiakóvski: 358.
CARTAS A ALESSANDRO 1 O trem partiu. A princípio pensei No teu rosto. Depois, que não existias. No final, deixei de sentir. Tua mão acenou E vi que eras incomparável -o único. 2 Ontem à noite Fui colher uvas E a uveira não deixou. Hoje de manhã Os meninos roubaram Minhas uvas -todas. 3 Estou como num hotel. Redescubro conversas de um dia anterior E sei que alguma festa está no fim. Converso com tua voz De trás de uma coluna Para sempre.
Jaa Torrano (1946)
É professor titular de língua e literatura grega na USP e um dos mais prolíficuos tradutores de textos gregos para a língua portuguesa. Já traduziu e publicou autores como Hesíodo (o poema épico, Teogonia, 1981), todas as tragédias de Esquilo, alguns poemas de Safo e as tragédias Medéia e Bacantes, de Eurípides . Também publicou um livro de poemas, em 2009: A esfera e os dias. Pois bem: Jaa Torrano foi, também, companheiro nosso de Catequese Poética nos anos 60. Os poemas divulgados aqui estão no livro Lindolf Bell – 50 anos de Catequese Poética (Patuá,2014).
PRO Amor Fati, na minha experiência, é a íntima raiva ou júbilo ante os dados do aqui & agora. Fatum é nada & nenhum evento necessariamente ser o que é, mas necessariamente ser-&-não. Ao Kháos convém os atributos do Ser: infinito em todos os sentidos, & em cada sentido infinitamente definível. À fala convém os atributos do Fogo: a revelação, o brilhar & a aparição. O Fogo & o Kháos são o mesmo. E nesta identidade de revelação & revelado, encontra seu fundamento o Amans Fati para decidir entre o (que deve) Ser & o (que deve) Não Ser, segundo está dito no primeiro capítulo do Tao-Te-King: Ser & Não-Ser, provindo de um só fundo, distinguem-se apenas pelo nome. E tanto quanto nós próprios somos & não somos e, nos mesmos rios, entramos & não entramos, – esta atividade do Amans Fati é, radicalmente, po(i)ética. AMOR ME CHAMASTE
Amor, me chamaste ao amanhã onde resides, mas nós não saímos de nossa reminiscência, tudo permanece irreal cujas raízes todas se aprofundam no real cujas raízes irreais são todas as coisas, e quando amanhecer a próxima noite o ontem será hoje. Amor, copulamos envoltos pelo plenilúnio do agora quando eu procuro a sós o dia em que estarei comtigo e de que com tanto júbilo agora me recordo simulvisíveis o vindouro e o ido. Amor, me chamaste ao amanhã onde resides, mas nos caminhos da terra marinhos celestes caminhos e os mesmos pássaros espalmados no ar.
A POESIA
MARGINAL
Era também chamada “geração do mimeógrafo” pois a maioria dos poetas marginais recorriam ao mimeógrafo para copiar e imprimir suas obras. Com esse processo, quase artesanal --e sem vínculo com editoras-- os jovens poetas driblavam a censura imposta pela ditadura militar e sentiam-se mais livres para contestar os valores tradicionais, assim como o formalismo dominante, imposto pelos grupos de vanguarda que reinavam nos anos 60 e 70. Deixaram como legado uma maneira mais livre, leve e solta de escrever, agir artisticamente e viver. Como disse Chacal, “a última flor do lácio, inculta e bela, ganhava as páginas alcoolizadas dos mimeógrafos.” Esses poetas irão ocupar espaços predominantemente nos anos 70 e 80. Poderiam estar em um anexo, mas resolvi posicioná-los aqui porque eu mesmo e outros poetas fizemos livros mimeografados na década de 60.
Chacal (1951) RÁPIDO E RASTEIRO vai ter uma festa que eu vou dançar até o sapato pedir pra parar. aí eu paro, tiro o sapato e danço o resto da vida CAMARIM adentrei o camarim como um encouraçado potenkin com mil marinheiros sublevados fazendo algazarra dentro de mim Chacal é poeta e letrista brasileiro. Aluno de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi um dos primeiros poetas da década de 1970 a se utilizar do mimeógrafo para divulgar sua poesia, com o livro Muito Prazer, Ricardo (1971) e desde então colabora em antologias, revistas impressas e eletrônicas, em performances, como autor e editor de livros. Tem parcerias célebres com Lulu Santos, 14 Bis, Blitz e outras bandas e compositores de sucesso, Alguns livros: Preço da Passagem(1972), Amárica(1975), Olhos Vermelhos(1979).
ANATOMIA pego a palavra no ar no pulo paro vejo aparo burilo no papel reparo e sigo compondo o verso PAPAGAIO estranho poder o do poeta. escolhe entre quase e cais quais palavras lhe convêm. depois as empilha papagaio e as solta no céu do papel UMA PALAVRA uma palavra escrita é uma palavra não dita é uma palavra maldita é uma palavra gravada como gravata que é uma palavra gaiata como goiaba que é uma palavra gostosa ANATOMIA pego a palavra no ar no pulo paro vejo aparo burilo no papel reparo e sigo compondo o verso
Cacaso (1944/1987) Poesia Eu não te escrevo Eu te/ Vivo E viva nós!
Antônio Carlos de Brito, o Cacaso, foi um dos nomes mais importantes da década de 1970, era da geração mimeógrafo, que imprimia seus próprios poemas ou se mobilizava em pequenas editoras. Cacaso era professor, poeta, crítico, desenhista, letrista da MPB. Bem informado, levou para a universidade a discussão sobre essa nova poesia que surgia no Rio de Janeiro. Abriu discussão contra o estruturalismo, a linha teórica do momento, e se insurgiu contra a poesia concreta, depois de ter se mostrado simpático a ela.
JOGOS FLORAIS Minha terra tem palmeiras onde canta o tico-tico. Enquanto isso o sabiá vive comendo o meu fubá. Ficou moderno o Brasil ficou moderno o milagre: a água já não vira vinho, vira direto vinagre. Minha terra tem Palmares memória cala-te já. Peço licença poética Belém capital Pará. Bem, meus prezados senhores dado o avançado da hora errata e efeitos do vinho o poeta sai de fininho. (será mesmo com dois esses que se escreve paçarinho?) ESTILOS DE ÉPOCA Havia os irmãos Concretos/ H. e A. consanguíneos e por afinidade D. P., um trio bem informado: dado é a palavra dado E foi assim que a poesia deu lugar à tautologia (e ao elogio à coisa dada) em sutil lance de dados: se o triângulo é concreto já sabemos: tem três lados.
HAPPY END o meu amor e eu nascemos um para o outro agora s[o falta quem nos apresente DESCARTES Nada há no mundo mais bem distribuído do que a razão: até quem não tem tem um pouqu8inho AS APARÊNCIAS REVELAM Afirma uma Firma que o Brasil confirma: “Vamos substituir o Café pelo Aço”. Vai ser duríssimo descondicionar o paladar. Não há na violência que a linguagem imita algo da violência propriamente dita?
Torquato Neto (1944/1972) COGITO eu sou como eu sou pronome pessoal intransferível do homem que iniciei na medida do impossível eu sou como eu sou agora sem grandes segredos dantes sem novos secretos dentes nesta hora O poeta, letrista, cineasta e jornalista Torquato Neto nasceu em Teresina e cursou Jornalismo no Rio de Janeiro. Fez parte do Tropicalismo e compôs inúmeras letras, como “Geléia Geral”, “Mamãe, Coragem” e “Pra Dizer Adeus”, musicadas por Gilberto Gil, Caetano Veloso e Edu Lobo, respectivamente. Entre 1970 e 1972, atuou em alguns filmes e também criou e redigiu a coluna “Geléia Geral”, no jornal carioca Última Hora. Editou a Navilouca, revista emblemática da época. Em 1973, é publicado, postumamente, o livro “Os Últimos Dias de Paupéria”.
eu sou como eu sou presente desferrolhado indecente feito um pedaço de mim eu sou como eu sou vidente e vivo tranquilamente todas as horas do fim ANDARANDEI não é o meu país é uma sombra que pende concreta do meu nariz em linha reta não é a minha cidade é um sistema que invento me transforma e que acrescento à minha idade nem é o nosso amor é a memória que suja a história que enferruja o que passou não é você nem sou mais eu adeus meu bem (adeus adeus) você mudou mudei também adeus amor adeus e vem
LITERATO CANTABILE Agora não se fala mais toda palavra guarda uma cilada e qualquer gesto é o fim do seu início: Agora não se fala nada e tudo é transparente em cada forma qualquer palavra é um gesto e em sua orla os pássaros de sempre cantam nos hospícios. Você não tem que me dizer o número de mundo deste mundo não tem que me mostrar a outra face face ao fim de tudo: só tem que me dizer o nome da república do fundo o sim do fim do fim de tudo e o tem do tempo vindo: não tem que me mostrar a outra mesma face ao outro mundo (não se fala. não é permitido: mudar de idéia. é proibido. não se permite nunca mais olhares tensões de cismas crises e outros tempos. está vetado qualquer movimento
Afonso Henriques Neto (1944) TEXTO Oh espina clavada em el hueso Hasta que se oxiden los planetas! Federico García Lorca
É mineiro, filho e neto dos também poetas Alphonsus de Guimaraens Filho e Alphonsus de Guimaraens. Formou-se em Direito pela UnB em 1966 e retornou ao Rio de Janeiro em 1972. Participou do movimento da poesia marginal, conhecida também como “geração mimeógrafo”. Estreou em 1972 com O misterioso ladrão de Tenerife. Desde então, é considerado um ícone da poesia marginal. Lançou vários livros de poemas.Os mais recentes são Cidade vertigem (2005) e Uma cerveja no dilúvio (2011). É professor do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense.
O texto, escura escama, pesadelo de eternidade, Máscara densa do universo vomitando. O texto, mas não a energia que o pensou, Interrogando a simultaneidade absoluta. Há uma esperança nas ruas, nas pedras, no acaso de tudo,uma esperança, uma forma suspensa entre o aparente e a essência, entre o que vemos e a substância, uma esperança, uma certeza talvez de que o rio não se dissolva no mar, de que o ínfimo, o precário, a voz, a sombra, o estalar das carnes na explosão não se dispersem no todo, impensável medusa da inexistência. Há uma luz qualquer sonhando integração, o suposto destino dos ventos, das energias globais, a suposta sabedoria com o que homem fecundou a crosta envenenada do planeta, há uma luz qualquer ensaiando águas pensadas no eterno esvair-se, abstrato expansionário, há uns olhos além da frágil realidade, da terrível matança, a cruel carnificina entre seres pestilentos aquém da fronteira do sonho, um texto além do texto, uma esperança talvez, enquanto somo e nos cumprimos, enquanto somos e nos oxidamos, enquanto somos e prosseguimos. EXERCÍCIO empurre as mãos lentamente através da pele do rio at[e tocar o coração da beleza (ruína do tempo impenetrável) depois as retire lentamente como se puxasse do infinito a respiração da criança nascendo
Nicolas Behr (1958) RECEITA Ingredientes: 2 conflitos de gerações 4 esperanças perdidas 3 litros de sangue fervido 5 sonhos eróticos 2 canções dos beatles Modo de preparar
Nasceu em Cuiabá, estudou em colégio jesuíta e mudou pra Brasília em 1974. Ali descobriu a poesia marginal e começou a publicar seus próprios livros que viraram best-sellers. Seu primeiro livro feito em mimeógrafo--Iogurte com farinha, em 1977 - vendeu 8.000 cópias de mão em mão pelos bares e outros locais públicos da Capital Federal. Tornou-se uma das principais vozes da Poesia Marginal, ao lado de Chacal e Chico Alvim.Já foi preso por causa de seus poemas e proibido de publicar entre 1978 e 1979.
dissolva os sonhos eróticos nos dois litros de sangue fervido e deixe gelar seu coração leve a mistura ao fogo adicionando dois conflitos de gerações às esperanças perdidas corte tudo em pedacinhos e repita com as canções dos beatles o mesmo processo usado com os sonhos eróticos mas desta vez deixe ferver um pouco mais e mexa até dissolver parte do sangue pode ser substituído por suco de groselha mas os resultados não serão os mesmos sirva o poema simples ou com ilusões O MENINO QUE FUI EXISTE ONDE NÃO ESTOU o menino que fui não sou eu, é outro menino, mais antigo, que veio antes de mim o menino que fui nenhum poeta imagina, nenhuma palavra recria o menino que fui não foi ..................................................................................................... eu sei que errei mas prometo nunca mais usar a palavra certa EU TE AMO e daqui pra frente tudo será decepção
Ana Cristina Cesar (1952/1983) CONTAGEM REGRESSIVA Acreditei que se amasse de novo esqueceria outros pelo menos três ou quatro rostos que amei Num delírio de arquivística organizei a memória em alfabetos como quem conta carneiros e amansa no entanto flanco aberto não esqueço e amo em ti os outros rostos.
Poeta carioca, crítica literária, professora e tradutora, é considerada um dos principais nomes da geração mimeógrafo, conhecida também como a poesia marginal da década de 1970. Licenciada em Letras pela (PUC-Rio) em 1975, sua dissertação de mestrado na Escola de Comunicação da UFRJ resultou na publicação, em 1980, do livro Literatura não é documento, importante levantamento de documentários sobre escritores e movimentos literários do Brasil.
AVENTURA NA CASA ATARRACADA Movido contraditoriamente por desejo e ironia não disse mas soltou, numa noite fria, aparentemente desalmado; - Te pego lá na esquina, na palpitação da jugular, com soro de verdade e meia, bem na veia, e cimento armado para o primeiro a andar. Ao que ela teria contestado, não, desconversado, na beira do andaime ainda a descoberto: - Eu também, preciso de alguém que só me ame. Pura preguiça, não se movia nem um passo. Bem se sabe que ali ela não presta. E ficaram assim, por mais de hora, a tomar chá, quase na borda, olhos nos olhos, e quase testa a testa. OLHO MUITO TEMPO O CORPO DE UM POEMA Olho muito tempo o corpo de um poema até perder de vista o que não seja corpo e sentir separado dentre os dentes um filete de sangue nas gengivas.
Geraldo Carneiro (1952) EROS & CIVILIZAÇÃO se você diz eu te amo meu coração se mira no espelho e faz piruetas de circo se você diz eu te quero meu coração distraído lixa as unhas e diz: não se comova, baby se você diz eu te quero meu coração faz versos como quem sonha demais e não se abala nunca Poeta mineiro, nascido em Belo Horizonte, é escritor, compositor, letrista, tradutor e roteirista. Estreou em poesia em 1974 com o livro Na Busca do Sete-Estrelo, momento em que a poesia marginal estava mostrando sua cara irreverente. Cursou filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e letras na Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ). É parceiro de vários craques da música como Francis Hime, Egberto Gismonti, Wagner Tiso. E é o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras.
se você diz eu não te amo meu coração tristonho acende as luzes porque as noite é negra como a asa da graúna A PROSA DO OBSERVATÓRIO o poeta esquadrinha a natureza em busca de indícios: eclipses o grafismo das garças no lago estrelas cadentes e outros sinais da língua de deus. e deus, crupiê do acaso, foi passar o verão noutra galáxia deixou no céu uma guirlanda de enigmas e mais meia dúzia de coincidências pra orientar o frenesi dos tolos e as especulações da astronomia OS FOGOS DA FALA a fala aflora à flor da boca às vezes como fogos de artifício fulguração contra os terrores do silêncio só espada espavento espelho ou pedra ficção arremessada ou canção pra cantar as graças as virilhas as maravilhas da amada a deusa idolatrada de amor: essa outra voz quase jazz que subjaz ventríloqua de si mesma ROMÂNTICA o poeta se enfastia da lua e a compara à amada depois se enfastia da amada e vice-versa
Paulo Leminski (1944/1989) INCENSO FOSSE MÚSICA isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além
Paranaense, é um dos mais expressivos poetas de sua geração. Foi escritor, poeta, crítico literário, tradutor e professor. Influenciado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos deixou uma obra vasta que, passados mais de 30 anos de sua morte, continua exercendo forte influência nas novas gerações Tinha uma poesia marcante, alicerçada num jeito próprio de escrever, com trocadilhos, brincadeiras com ditados populares. Nota-se a influência do haicai. Usou e abusou de gírias e palavrões, tudo de modo bastante original e instigante.
AVENTURA NA CASA ATARRACADA Já disse Já disse de nós. Já disse de mim. Já disse do mundo. Já disse agora, eu que já disse nunca. Todo mundo sabe, eu já disse muito. Tenho a impressão que já disse tudo. E tudo foi tão de repente... PARADA CARDÍACA Essa minha secura essa falta de sentimento não tem ninguém que segure, vem de dentro. Vem da zona escura donde vem o que sinto. Sinto muito, sentir é muito lento. SEM TÍTULO Eu tão isósceles Você ângulo Hipóteses Sobre o meu tesão Teses sínteses Antíteses Vê bem onde pises Pode ser meu coração
Francisco Alvim (1938) ARREPENDIMENTO Eu não devia ter nascido. DESCARTÁVEL Vontade de me jogar fora ACONTECIMENTO Quando estou distraído no semáforo / e me pedem esmola / me acontece agradecer
Poeta mineiro, nascido em Araxá, sua carreira literária como poeta teve início em 1974, com o lançamento de Passatempo, pela coleção Frenesi, nome adotado pelo primeiro grupo da Poesia Marginal, que teve projeção na década de 1970 e foi representado por intelectuais como Roberto Schwarz, Cacaso, Chacal e Geraldo Carneiro. Recebeu o Prêmio Jabuti, em 1982 e 1989, e o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte, em 2011. Depois de se tornar embaixador na Costa Rica, aposentou-se em 2008.
MUITO OBRIGADO Ao entrar na sala cumprimentei-o com três palavras boa tarde senhor Sentei-me defronte dele (como me pediu que fizesse) Bonita vista pena que nunca a aviste Colhendo meu sangue: a agulha enfiada na ponta do dedo vai procurar a veia quase no sovaco Discutir o assunto fume do meu cigarro deixa experimentar o seu (Quanto ganhará este sujeito) Blazer, roseta, o país voltando-lhe no hábito do anel profissional Afinal, meu velho, são trinta anos hoje como ontem ao meio-dia Uma cópia deste documento que lhe confio em amizade Sua experiência nos pode ser muito útil não é incômodo algum volte quando quiser REVOLUÇÃO Antes da revolução meu era professor Com ela veio a demissão da Universidade Passei a cobrar posições, de mim e dos outros (meus pais eram marxistas) Melhorei nisso --Hoje já não me maltrato Nem a ninguém.
Waly Salomão (1943/2003) EXTERIOR Por que a poesia tem que se confinar às paredes de dentro da vulva do poema? Por que proibir à poesia estourar os limites do grelo da greta da gruta e se espraiar em pleno grude além da grade do sol nascido quadrado?
Poeta baiano, produtor cultural, diretor artístico e letrista de música popular. Distingue-se na poesia por uma estética de excesso e de ruptura. Estudante de Direito na UFBA, participou do Centro Popular de Cultura (CPC), junto com outras figuras como o compositor Tom Zé. Daí sua proximidade com o tropicalismo conforme evidenciam suas poesias e letras de música. Como outros poetas pertencentes à poesia marginal, seus trabalhos primam pela irreverência, coloquialidade e temática urbana.
Por que a poesia tem que se sustentar de pé, cartesiana milícia enfileirada, obediente filha da pauta? Por que a poesia não pode ficar de quatro e se agachar e se esgueirar para gozar -CARPE DIEM!fora da zona da página? Por que a poesia de rabo preso sem poder se operar e, operada, polimórfica e perversa, não poder travestir-se com os clitóris e os balangandãs da lira? NOVELHA COZINHA POÉTICA Pegue uma fatia de Theodor Adorno Adicione uma posta de Paul Celan Limpe antes os laivos de forno crematório Até torná-la magra-enigmática Cozinhe em banho-maria Fogo bem baixo E depois leve ao Departamento de Letras Para o douto Professor dourar. POEMA JET-LAGGED (trecho final) Escrever é se vingar da perda. Embora o material tenha se derretido todo, igual queijo fundido. Escrever é se vingar? Da perda? Perda? Embora? Em boa hora.
José Carlos Capinam (1941)
Poeta baiano, jornalista, publicitário, médico e letrista de várias canções populares, inclusive Ponteio que ganhou o 3º Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record. É considerado um dos maiores letristas da nossa música. Participou do movimento Tropicálista e são célebres aas canções Miserere Nobis e Soy Loco por Ti, América.Publicou dois livros de poemas: Inquisitorial (1966) e Confissões de Narciso.
MUDANDO DE CONVERSA Não me venham falar de éticas Prefiro locomotivas Ou motivos loucos para ser feliz Prefiro vagões de urânio e feijão Atravessando o país Vendo o povo acenando lenços brancos (Campos férteis) Aos que vão sul a norte Leste oeste Trilhos novos, outros brasis E eu menino outra vez a dar adeus aos tempos da antihistória Quero sorrir das janelas de trens supersônicos Em trilhos magnéticos E novamente pensar que podemos alcançar as estrelas MADRUGADAS DE NARCISO Encalho nas madrugadas as minhas velas em farrapos Sou eu mesmo os marinheiros Sou eu mesmo a cabotagem Sou eu quem traça os portos do roteiro E torna em desespero a bússola da viagem Naufrago nas madrugadas Mas eu mesmo me faço nadar em vão até as mais longínquas praias Sou eu a maresia, a calmaria e a tempestade Sou eu mesmo a terra à vista Inalcançável OUTRAS CONFISSÕES Narciso se despe, é noite, estão ladrando os cães Os cães provavelmente ladrarão inteiramente a noite Enquanto a lua cheia obtura os dentes podres das canções Um traficante boliviano Diz alô de Amsterdã Um fracassado governante Diz alô num telegrama Tudo é ópio, para um ex-marxista Para um ex-espiritualista, tudo é transe. Tudo é provisoriamente eterno para os poetas Tudo é eternamente provisório para os amantes E o poema apenas a configuração do instante
A POESIA
INDEPENDENTE A Antologia dos Novíssimos, publicada pelo Massao Ohno em 1961, marca o aparecimento de um grupo de poetas muito jovens--a maioria tinha pouco mais de 20 anos--que não estava nem aí para o experimentalismo das vanguardas. Todos eles--Alvaro Alves de Faria, Carlos Felipe Moisés,Celso Luis Paulini, Eduardo Alves da Costa,Eunice Arruda e Roberto Piva--não desistiram do verso. Pelo contrário, o mantiveram vivo através de poemas intimistas, às vezes líricos, às vezes provocativos. Ou engajados e participantes. Reuni apenas.38 poetas, os mais atuantes no eixo rio/são paulo/ minas/rio grande do sul.
Dora Ferreira da Silva (1918/2006) NASCIMENTO DO POEMA É preciso que venha de longe do vento mais antigo ou da morte é preciso que venha impreciso inesperado como a rosa ou como o riso o poema inecessário.
Poeta paulista, tradutora e editora, desempenhou essas atividades com rara lucidez, seriedade e consciência. Traduziu poetas fundamentais como Rilke, Holderlin, Saint-John Perse.Traduziu, também, trabalhos de Jung. Fundou a revista Diálogo, junto com seu marido, o filósofo Vicente Ferreira da Silva. E criou a revista Cavalo Azul, para difusão da poesia. Como poeta publicou 10 livros, ganhou 3 vezes o Jabuti e recebeu o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras. Elegias de Duino, obra máxima de Rilke, foi traduzida e editada por ela em 1956. Seu primeiro livro, Andança (1970) também foi editado por ela.
É preciso que ferido de amor entre pombos ou nas mansas colinas que o ódio afaga ele venha sob o látego da insônia morto e preservado. E então desperta para o rito da forma lúcida tranqüila: senhor do duplo reino coroado de sóis e luas. NOTURNO II Nossos olhos nos pertencem — não o dia. Amor não nos pertence nem a morte. Apenas pousam na pérola mais fina. Desce o luar No flanco de rios precipitados folhas se alongam caules estremecem. A noite já desfere seu punhal de trevas.
MULHER E PÁSSARO Linha invisível liga-me àquela andorinha: tato percorrendo um trajeto de comunhão. O pássaro debate-se em meu peito. Ou coração? A andorinha se esvai na tarde. Leva consigo o que não sei de mim. BONECA A boneca de feltro parece assustada com o próximo milênio. Quem a aninhará nos braços com seus olhos de medo e retrós? O signo da boneca é frágil mais frágil que o de pássaro. Confia. Assim passiva o vento brincará contigo franzirá teu avental dirá coisas que entendes desde a aurora das coisas: foste um caroço de manga uma forma de nuvem ou um galho com braços de ameixeira no quintal. Não temas. Solta o corpo de feltro. Assim. Para ser embalada nos braços da menina que houver.
Moacyr Félix (1926/2005) INICIAÇÃO — Meu pai, o que é a liberdade? — É o seu rosto, meu filho, o seu jeito de indagar o mundo a pedir guarida no brilho do seu olhar. A liberdade, meu filho, é o próprio rosto da vida que a vida quis desvendar. É sua irmã numa escada iniciada há milênios em direção ao amor, seu corpo feito de nuvens Poeta carioca, escricarne, sal, desejo, cálcio tor, jornalista e crítico e fundamentos de dor. literário, desempenhou A liberdade, meu filho, papel de destaque na é o próprio rosto do amor.
famosa revista Civilização Brasileira, dirigida por ele e editada por Enio Silveira nos anos 60. Antes disso, escreveu artigos no ParaTodos, jornal do antigo Partidão, dirigida por Jorge Amado e Oscar Niemeyer. Como poeta colaborou em vários jornais, como o Correio da Manhã, o Diário de Notícias, o Diário Carioca e Jornal do Brasil. Publicou mais de 10 livros de poemas e eu destaco esses dois: Canto para as Transformações do Homem (1964) e Um Poeta na Cidade e no Tempo (1966). Recebeu, em 1960, o premio de melhor livro de poesia por O Pão e o Vinho.
— Meu pai, o que é a liberdade? A mão limpa, o copo d’água na mesa qual num altar aberto ao homem que passa com o vento verde do mar. É o ato simples de amar o amigo, o vinho, o silêncio da mulher olhando a tarde — laranja cortada ao meio, tremor de barco que parte, esto de crina sem freio. — Meu pai, o que é a liberdade? É um homem morto na cruz por ele próprio plantada, é a luz que sua morte expande pontuda como uma espada. É Cuauhtemoc a criar sobre o braseiro que o mata uma rosa de ouro e prata para a altivez mexicana. São quatro cavalos brancos quatro bússolas de sangue na praça de Vila Rica e mais Felipe dos Santos de pé a cuspir nos mantos do medo que a morte indica.
É a blusa aberta do povo bandeira branca atirada jardim de estrelas de sangue do céu de maio tombadas dentro da noite goyesca. É a guilhotina madura cortando o espanto e o terror sem cortar a luz e o canto de uma lágrima de amor. (...) O POEMA Ou se vive por inteiro ou pela metade a gente escreve a vida que não viveu. E o papel em branco então serve como serve ao prisioneiro a parede branca do cárcere. O que não foi é o ser que é no poema, esse ato mágico de uma chama que não se vê tanto mais quanto ela queima no ar de uma cela vazia o homem que é posto em pé sobre os mortos do seu dia
TARDE NA ILHA Não sei por que, mas tenho uma vontade mansa de tomar chá com Thomas Steams Eliot, de não dizer nada de não perguntar nada, e ficar olhando todas as manchetes e todas as capas de todos os livros, olhando de olhos vazios não como os do morto, mas vazios como o luar que orvalha a tamareira e o poço. Uma vez ou outra, ouvirei a colherinha pousar na porcelana frágil, e é tudo que eu ouvirei, a colherinha de prata. Talvez até lhe disesse uma coisa qualquer, uma coisa só para quebrar o silêncio, só para isso, uma coisa sem importância, simples, como por exemplo: Você sabe, ó T. S. Eliot, minha mãe já foi muito bonita ... SENTIMENTO CLÁSSICO Pisados, os olhos com que pisaste a soleira escura de minha face; e por mais pontes que entre nós lançasse, ao que de fato sou nunca chegaste. Que distâncias lamento, e que contraste ! Gravando em cada ser o amor que nasce não encontrei o amor que me encontrasse: amaram sem me ver, como me amaste. Tinha os olhos tristes como eu tenho, e o pranto que eu te trouxe de onde venho é o mesmo que te espera adonde vais. Se a mesma sóbria dor em tudo pomos, não vês o que me calo. E assim nós somos o que não somos nem seremos mais.
Lilia Pereira da Silva (1926)
Poeta paulista, nascida em Itapira, é escritora, pintora, desenhista, capista e ilustradora de livros. Publicou mais de noventa livros nas áreas de poesia, romance, literatura infantil, artes plásticas. Foi professora de pintura e de piano. Representou o Brasil em poesia, em Toluca (México), em 1972, e em Artes Plásticas, em Santiago (Chile), em 1974.Teve poemas traduzidos para o inglês, francês, espanhol, italiano, japonês, latim, norueguês e alemão.Seu livro de estreía, Estrela Descalça, (1960) saiu na Coleção dos Novíssimos do Massao Ohno e foi ilustrado por Manubu Mabe.
EM RITMO DE CREPÚSCULO, O ANJO Engastada na névoa, a sombra luminescente do Anjo, e os lírios refletindo seu reflexo. No ar, um cheiro de surpresa Encarcerou-lhe a cítara. E na invisível interrogação, eu, com opção de horizonte, necessitando do Anjo, no sempre-passado e no futuro. E ele com amnésia, sem acordar meus deuses, fluindo e refluindo seu perfume, sem poder auxiliar-me. ACALANTO À MÃE Mãe-índia, filha de Eva, pousam-me as mãos deoutras eras na tatuage,m do teu colo... Mãe-preta sorrindo branco por sobre o leite ofertado, trago uma rosa aos teus seios! Mãe-branca, senhora minha, a lua beija tua fronte, estrelas sonham em tuas faces! Ouve que as fontes se ajoelham quando teus passos de imagem cantam ante berços ou chagas!
Ida Laura (1928/2008)
Poeta paulista, crítica de cinema e psiquiatra –embora nunca tenha exercido a profissão. Publicou poemas nos livros A Mãe e o Irrevogável (1957),Antecipação(1963), Poema Cíclico(1962)e Nova idade(1969). Foi presidente da APCA e exerceu a crítica de cinema no Estadão e na antiga revista Senhor. Participou de leitura pública de poemas como convidada da Catequese Poética. Obteve boa repercussão crítica nos anos 60.
Um diálogo estabelece-se entre Terra e cosmos magnífico terrorífíco céu Inferno deus demônio profeta em seu carro de fogo o astronauta fala e sua voz se transforma em palavra nova ...................................................................................................... Onde deus se sua essência vai além do ar do vácuo ninguém jamais viu o rosto daquele que cria visões terrificantes visões do céu a Terra que deus habita onde sua força acumulada em séculos de repente explode na atormentada na obscura fórmula do Homem”
Affonso Ávila (1928/2012) O AÇUDE Há neste açude lendas afogadas, deuses dormindo o sono que os transcende. Nenhuma sede irá buscá-lo incauta. Nele, porém, dois cães vigiam sempre. Não há peixes no açude, nem há vagas. A seu apelo mudo na atende O vento viajor das madrugadas. O açude é um cemitério diferente.
Poeta, pesquisador e ensaísta, o belorizontino foi um dos fundadores da revista de poesia Tendência (1957), que dialogava com os horizontes concretistas. Seu primeiro livro, O Açude. Sonetos da Descoberta (1953) pagou um tributo à estética da geração de 45, embora seus sonetos desrespeitem o rigor formal. Em 1961, saiu seu livro Carta do Solo; em 1963, Frases-feitas. Em 1972, Código Nacional de Trânsito. Em 1967, tornou-se colaborador da revista Invenção.Ganhou 2 Jabutis(1991 e 2001) e o prêmio Cdade de Beo Horizonte(1961)
Os mesmos cães na ladram. Pelo afã Soment é que parecem-nos dois cães. O açude é um muro longo, erguido em gelo, Que por castigo os deuses sem destino tornaram mausoléu, doando ao limo o segredo final para rompê-lo. INSÓLITO contato é impudicícia ou carência de tato gesto que sai do corpo como um salto de gato suave rude ardil ou busca de gozo rei dos sentidos empós do amor ou do afeto sondagem de quem sonhou e argui de fato a empáfia escondida entre haustos do só não temer o impacto da astúcia colher a rosa no ramo propício enquanto é vermelha e saborear o odor a cor o íntimo calor é tarde é breve mas intensa de brilho signo de infinito clamor que não calou no estamento do tempo e rói fundo o apetite que resta via possível na corrosão do palor e usá-la a furto oculto imponderada lapela fim ou princípio sorte lançada defasado cupido
dentro da faixa fora do perigo dentro da fauna fora do perigo dentro da farsa fora do perigo dentro do falso fora do perigo dentro do fácil fora do perigo IMPROVISO A palavra justa a mim não pertence, busco-a nessa luta em que não se vence, trabalho diário, pelo amor de sempre. A palavra triste a mim não pertence, perco-a numa lide cujo amor me vence, trabalho diário pelo amor de sempre. A palavra louca a mim não pertence, bebo-a noutra boca e ela me convence, trabalho diário pelo amor de sempre.
LE BATEAU IVRE Os jovens cabeludos da rua onde mora o poeta têm fama de fumar maconha Os jovens cabeludos da rua onde o mora o poeta fumam maconha Os jovens cabeludos fumam maconha na rua do poeta Os jovens cabeludos fumam maconha na casa do poeta Os jovens cabeludos fumam maconha em sua casa com o poeta Os jovens cabeludos buscam maconha na casa do poeta Os jovens cabeludos buscam droga na casa do poeta Os jovens cabeludos saem drogados da casa do poeta Os jovens são drogados pelo poeta O POETA É UM TRAFICANTE DE DROGAS EXPRESSÃO CORPORAL liberar o corpo deste pano grosso deste pelo exposto caldo de cult ura corte e costura mídia e ficçã o meia-confecção apertada no pei to afetada jaqueta de má consciê ncia máscara de nascença arrocha da ao rosto rótulo rubrica image m impune ícone ideológico liberar o corpo deste estômago sô frego deste espaço da fome lugar da devoração dia nunca da caça d ia sempre do caçador dente moend a do saque digestão do animal pr edador praga do egito ave de ra pina rato formiga gafanhoto gula de pantagruel liberar o corpo desse potro solto deste pênis pênsil pater et circe nsis regalo de galo guru do org asmo ereção do rei salomão eros do barba azul astral de serralho sarraceno fatalidade do falo fú ria fornicandis império dos sent idos insânia semântica a chave do código escreve-se
strip-tease
Celso Luiz Paulini (1929/1992)
Poeta paulista, é o mais velho da Antologia dos Novíssimos, publicada em 1961, pelo Massao Ohno e que reuniu jovens poetas que tinham por volta de 20 anos. Caso de Alvaro Alves de Faria, Carlos Felipe Moisés,Eduardo Alves da Costa, Eunice Arruda e Roberto Piva.Celso cursou letras clássicas na USP lá no prédio da Maria Antonia, local que foi um ponto de encontro desses jovens poetas. Publicou O Gerifalto(1963) e O Gerifalto primus et secundus(1979). Dramaturgo, trabalhou em parceria com Antonio Bivar em algumas peças.
O GERIFALTO (PRIMUS) O amor é nu. É forma e sobressalto. No azul desta avenida verde-cana Entre mulher e cão, um lobo e asfalto, Um gerifalto passeia sua doidice. A ebúrnea orelha abana. Dizem: “Ama”. Ao gerifalto, pobre, falta-lhe a gama Comum de converter a viva flama Em menor chama: flerte de verão. O pé então falseia. Nariz no chão. Pela doce coluna vertebral Um furacão assoma. Entra em coma. O gerifalto morre. Já não ama.
O GERIFALTO (SECUNDUS) Sutis demais Não eram vistas as patas coruscantes Embora nos desertos interiores Suas marcas fervilhassem. Inevitável o enrodilhado da crina Orgulho da raça Graça Febre imortal que aos picos alucina. Passeava o animal pela campina Fendendo nuvens com os cornos enristados E mordiscando ervas encantadas. Posto que só — último da espécie — Como um deus em si se refloria Narcisado nas águas luxuriantes. Suas ancas, dizê-lo, quase é um crime Tal o cio, o céu, a fome de suas curvas Irrompendo na tarde enlouquecida. O mundo, pobre, em dores renascia Sem alcançar as veias do pescoço Que era enxuto, nobre, de altivo porte — Linha pura e fria — Talvez um cântaro esclarecido pela morte. Nenhuma jóia, adorno algum, Apenas o silêncio envolvia Como um leve lenço de cambraia. Sobravam-lhe dentes. Em demasia. Tão grande o esplendor da superior arcada Que os olhos ofuscados refluíam.
VÊNUS NO TELHADO Não é a vida que me preocupa: é Vênus no telhado. Onde as pálpebras onde o umbigo onde o ambíguo sorriso em ágil espreita de amor? Onde? Em que azuis por que nuvens em que ventos? Etéreas coxas de ontem sulcam-lhe hoje estrias e sem lustre o nácar dos dentes rói um fruto apodrecido. Não, não é o vapor da madrugada que nos afoga. São chaminés apitos fumo de fábricas e alergia nos brônquios irritados. Ainda assim (por Zeus!) é Vênus no telhado: divina – posto que suja – quase indiferente e os transparentes véus tão encardidos.
OS MORTOS PERSPICAZES Perspicazes são os mortos com seus ouvidos de cera. Nenhuma palavra escapa a sua argúcia doentia:
DÁVAMOS AS MÃOS Dávamos as mãos como se a abstrata figura tivesse a carne madura para os encontros seletos.
Pelos vazios da noite chegavam-me a face insone e suas águas amargas não prometiam retorno.
A morte nos conduzia com mil dedos e cuidados por vales nunca varridos pelos miasmas da vida. A morte falava sempre de seu horror bem-fundado pelas formas que se agitam sob a luz dúbia do dia.
sussurro de amor ou ditas ao mais cruel desafeto ou então as desgarradas proferidas sob o vento. E catalogam na sombra de sua infinita paciência mesmo os versos mais frios de nossa humana carência. Atentos vão derrubando os mais severos segredos: o falso orgasmo, este medo, e uma corrente fria que detém na tarde em pranto o gesto que salvaria. RIOS NOTURNOS Os rios que me fizeram gastar o precioso tempo eram rios de pouca monta: águas baças, modorrentas...
Talvez ao mar arribassem ou, quem sabe, pela noite em nuvens se dissolvessem.
Hilda Hilst (1930/2004) AMAVISSE Como se te perdesse, assim te quero. Como se não te visse (favas douradas Sob um amarelo) assim te apreendo brusco Inamovível, e te respiro inteiro Um arco-íris de ar em águas profundas. Como se tudo o mais me permitisses, A mim me fotografo nuns portões de ferro Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima No dissoluto de toda despedida.
Poeta, dramaturga, cronista e ficcionista construiu obra extensa e variada com mais de 40 títulos. Nos últimos anos de sua vida, acho que em 1990, anunciou seu “adeus à literatura séria” e tornou-se uma autora pornográfica. Seu objetivo era vender mais livros e conquistar o reconhecimento do público. Essa postura da poeta causou espanto e indignação entre amigos e críticos. O editor Caio Gracco, da Brasiliense, negou-se a publicá-la. Hilda ganhou o Jabuti duas vezes e o APCA também duas vezes. Fez uma poesia profunda, comovente e originalíssima.
Como se te perdesse nos trens, nas estações Ou contornando um círculo de águas Removente ave, assim te somo a mim: De redes e de anseios inundada. DEZ CHAMAMENTOS AO AMIGO Se te pareço noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água Desejasse Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há tanto tempo Entendo que sou terra. Há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento.
AQUELA Aflição de ser eu e não ser outra. Aflição de não ser, amor, aquela Que muitas filhas te deu, casou donzela E à noite se prepara e se adivinha Objeto de amor, atenta e bela. Aflição de não ser a grande ilha Que te retém e não te desespera. (A noite como fera se avizinha) Aflição de ser água em meio à terra E ter a face conturbada e móvel. E a um só tempo múltipla e imóvel Não saber se se ausenta ou se te espera. Aflição de te amar, se te comove. E sendo água, amor, querer ser terra. PORQUE HÁ DESEJO EM MIM Porque há desejo em mim, é tudo cintilância. Antes, o cotidiano era um pensar alturas Buscando Aquele Outro decantado Surdo à minha humana ladradura. Visgo e suor, pois nunca se faziam. Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo Tomas-me o corpo. E que descanso me dás Depois das lidas. Sonhei penhascos Quando havia o jardim aqui ao lado. Pensei subidas onde não havia rastros. Extasiada, fodo contigo Ao invés de ganir diante do Nada.
AOS HOMENS DO NOSSO TEMPO Enquanto faço o verso, tu decerto vives. Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue. Dirás que sangue é o não teres teu ouro E o poeta te diz: compra o teu tempo. Contempla o teu viver que corre, escuta O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo. Enquanto faço o verso, tu que não me lês Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala. O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas: “Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”. Irmão do meu momento: quando eu morrer Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo: MORRE O AMOR DE UM POETA. E isso é tanto, que o teu ouro não compra, E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto Não cabe no meu canto. XIX Se eu soubesse Teu nome verdadeiro Te tomaria Úmida, tênue E então descansarias. Se sussurrares Teu nome secreto Nos meus caminhos Entre a vida e o sono Te prometo, morte, A vida de um poeta. A minha: Palavras vivas, fogo, fonte. Se me tocares, Amantíssima, branda Como fui tocada pelos homens Ao invés de Morte Te chamo Poesia Fogo, Fonte, Palavra viva Sorte.
Mario Faustino (1930/1962)
Poeta piauiense, iniciou-se como cronista na Província do Pará, aos 16 anos.Interrompeu os estudos na Faculdade de Direito do Pará e estudou, como bolsista, língua e literatura inglesa na California. Foi tardutor da ONU, em 1959-1960. Autor de um só livro – O Homem e sua Hora (1955) e de poemas esparsos, publicados em revistas e jornais. Notabilizou-se como crítico literário no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil com a seção Poesia-Experiência, no auge dos movimentos concretista e neoconcretista.
O MUNDO QUE VENCI DEU-ME UM AMOR O mundo que eu venci deu-me um amor, Um troféu perigoso, este cavalo Carregado de infantes couraçados. O mundo que venci deu-me um amor Alado galopando em céus irados, Por cima de qualquer muro de credo. Por cima de qualquer fosso de sexo. O mundo que venci deu-me um amor Amor feito de insulto e pranto e riso, Amor que força as portas dos infernos, Amor que galga o cume ao paraíso. Amor que dorme e treme. Que desperta E torna contra mim, e me devora E me rumina em cantos de vitória... RESSSUSCITADO PELO EMBATE DA RESSACA Ressuscitado pelo embate da ressaca, Eu, voz multiplicada, ergo-me e avanço até O promontório onde um cadáver, posto em maca, Hecatombado pela vaga, acusa o céu Com cem olhos abertos. Fujo e, maiis adiante, O açor rebenta o azul e a pomba, espedaçada, Ensanguenta-me o rastro. Avante, sombra, avante, Cassa-me a paermissão de fica vivo. O nada Ladra a meu lado, lambe e morde o calcanhar Sem asas de quem passa e no espaço se arrasta Pedindo paz ao fim, que o princípio não basta: A vitória pertence ao tempo que no ar Agita um homem só, troféu tripudiado Pela noite que abate o sol no mar manchado.
SONETO II Necessito de um ser, um ser humano Que me envolva de ser Contra o não ser universal, arcano Impossível de ler A luz da lua que ressarce o dano Cruel de adormecer A sós, à note, ao pé do desumano Desejo de morrer. Necessito de um ser, de seu abraço Escuro e palpitante Necessito de um ser dormente e lasso Contra meu ser arfante: Necessito de um ser ao meu lado Um ser profundo e aberto, um ser amado. SONETO ANTIGO Esse estoque de amor que acumulei Ninguém veio comprar a preço justo. Preparei meu castelo para um rei Que mal me olhou, passando, e a quanto custo. Meu tesouro amoroso há muito as traças Comeram, secundadas por ladrões. A luz abandonou as ondas lassas De refletir um sol que só se põe Sozinho. Agora vou por meus infernos Sem fantasma buscar entre fantasmas. E marcho contra o vento, sobre eternos Desertos sem retorno, onde olharás Mas sem o ver, estrela cega, o rastro Que até aqui deixei, seguindo um astro.
PREFÁCIO Quem fez esta manhã, quem penetrou à noite os labirintos do tesouro, quem fez esta manhã predestinou seus temas a paráfrases do touro, a traduções do cisne: fê-la para abandonar-se a mitos essenciais, desflorada por ímpetos de rara metamorfose alada, onde jamais se exaure o deus que muda, que transvive. quem fez esta manhã fê-la por ser um raio a fecundá-la, não por lívida ausência sem pecado e fê-la ter em si princípio e fim: ter entre aurora e meio-dia um homem e sua hora.
Renata Pallottini (1931/2021) (1931) FINISTERRAE Aqui começa o fim Feito de vento. Enlouqueceu a bússola Do tempo. Naufragam as certezas Do infinito. Aqui se acaba o mapa Nasce o mito.
Poeta pauistana, advogada, professora universitária e dramaturga, chegou a ser presidente da Comissão Estadual de Teatro, de 1969 a 1970, sucedendo à atriz Cacilda Becker Tem mais de 20 livros publicados, é autora de 21 peças teatrais, além de vários roteiros para seriados de televisão e de traduções e ensaios. Já recebeu prêmios como Molière, Anchieta e Governador do Estado, em teatro; Pen Club e Jabuti, em poesia; e APCA, em tradução e televisão. Já fez leitura de poemas com o grupo Catequese Poétca e acha que a poesia é o seu centro irradiador.
Aqui começa a morte Em naves findas . Aqui começa o medo. Como um grito. BAGDA 20 de março, 2003 Onde nasceu o mundo morre o mundo. O oriente amanhece no meu quarto. Soldados nunca falam. Matam e escrevem cartas. Correspondentes de guerra se arriscam por uma imagem. As mulheres e as crianças essas morrem caladas. BURITI CRISTALINO Para Lamarca e os outros
Ele andou por três dia na caatinga. No quarto dia ajoelhou de fome. No quinto adormeceu ao pé da baraúna. No sexto foi encontrado e metralhado pelos guardas. E no sétimo descansou.
A vida vindo a ser o que devia: absolutamente agora sem nenhum outro dia. SAPATOS SOVIÉTICOS E CORAÇÃO CUBANO Te vejo, velho, andando calmo por uma avenida com teus sapatos soviéticos e coração cubano. Não sabes nada de aberturas; tens um sorriso aberto, cabelo de povo e uma cara de galego emigrado. Dizes “pá lo que sea, Fidel” e queres viver, todos queremos viver, mas há um momento em que o calor faz apertar o sapato. Sucede a qualquer um; sentas num banco te descalças lentamente, sacas as meias velhas, aspiras com prazer e o pé moreno emerge. Não temas; não precisas olhar para os lados. Não; ninguém está vendo esses teus dedos anárquicos... InVENTÁRIO (II) Avó, que pretendias com as letras escritas, que palavras dizias avó, qual a mensagem que este ouvido perdeu? Foste tu ou fui eu avó, quem distraiu e o trato não cumpriu? E se estavas calada tu não dizias nada ou era erro meu? Avó, quando morreste, quem morreu?
Paulo Marcos del Greco (1932/2018)
É um dos poetas mais injustiçados deste país. Publicou um único e excelente livro nos anos 60, Lamentações de Fevereiro, na coleção Novíssimos -- do Massao Ohno. Depois disso caiu no esquecimento e teve apenas um trecho desse poema republicado na Antologia Poética da Geração 60, organizada pelos poetas Álvaro Alves de Faria e Carlos Felipe Moisés. Como vocês poderão ver, esse poema abre exatamente com o mesmo verso com que Camões dá início ao seu célebre poema Babel e Sião. (Sôbolos rios que vão por Babilônia...)
Sôbolos rios que vão por Babilônia o tempo de chegar gerou a espera e as mãos que me seguiram no caminho teceram o foi e o que não era. Sôbolos rios, tristes águas noites, Babilônia outra vez ressurge em dias e presente é passado e história é fuga do escuro de teus olhos quando vias. Por que tempo de amar, por que destêrro nessa esfera armilar dentro do escuro, onde barões assinalados, rudes, cruzam as armas sobre a cruz de um muro? Aqui é Babilônia. É parte alguma onde tudo está. E armado em sangue singra o tempo vazio o espaço exangue. As palavras estão cansadas. Sem deuses, a palavra cai na conjura dos povos, dorme no sobressalto das sílabas e ressoa difícil, inquieta no labirinto dos significados. Semente que aguarda a madurez dos mitos Palavra árvore de lúcidas sombras e frutos pressentidos nas raízes. Inútil lutar nesse horizonte de gritos Inútil crispar mãos, ritos e gestos para a chegada dos tempos em que amor fale de nós. Mas nossa voz é gasta como o olhar dos mortos e os ritos já se perdem na pronúncia dos ventos dissimulados no perfil de outrora. Resta o gesto que somos na escuridão sem memória. Pois o que pensamos, nossa casa onde se diz mesa, leito e cartas esquecidas, o vaso de flores absortas e livros longamente tocados no vazio das noites: é ceia na memória. A simples memória de sermos o fruto de sabor prematuro nas línguas do vento agitando vozes de outra essência pelas estradas de Fevereiro. Mas permanecemos. Aqui. Sobre coisas ocultas.
Aqui. no que nos mantém, pois mantemos o que nos mantém, fiéis a um compromisso de vozes articuladas sem berço. O GALO Na Cruz principia o sentido do meu canto. Fiel ao tempo, esta planície que ignoro, desperto os sinos, os lençóis, a pressa, o repetido exercício da vida humana. No último dia, quando se confundirem céus e terra, ainda estarei ali e levantarei minha garganta ao Senhor, pedindo a graça de permanecer em silêncio, sem mais os dias, sem mais os homens. A BORBOLETA A memória dos homens é povoada de impérios, de duras coroas e espadas, do rumor de altos momentos, da melodia que a lágrima consagra, de ruas que se perdem, de rostos que se apagam, países que jamais pisaremos, palavras e datas que nunca voltarão. Eu quero guardar apenas o instante em que leve e azul e transparente pousaste na nudez da minha mão A MINHOCA Não fui eleita não sou bela, nem sei se existo ou apenas insisto em anular-me sob a terra.. O CÃO Pois que ficaste do nosso lado és quase humano. Com o primeiro afago apago o que tens de cão e dou-te meu nome, chamo-te meu irmão. Os 4 poemas que sucedem a abertura de Lamentações de Fevereiro, são inéditos que o Paulo entregou a mim sob o título Poemas do Quintal Só foram publicados em meu blog
Lupe Cotrim Garaude (1933/1970) SAUDADE (a Guilherme de Almeida) A saudade é o limite da presença, estar em nós daquilo que é distante, desejo de tocar que apenas pensa, contorno doloroso do que era antes. Saudade é um ser sozinho descontente um amor contraído, não rendido, um passado insistindo em ser presente e a mágoa de perder no pertencido.
Poeta paulistana estudou literatura, línguas, artes. biblioteconomia e iniciou curso de filosofia na USP. Em 1961, apresentava um programa de TV, que a projetou publicamente. Em 1956, lançou seu primeiro livro de poemas, Monólogos do afeto e viajou para o Chile onde conheceu o poeta Pablo Neuda. Seu último livro, Poemas ao Outro,1970, conquistou o prêmio governador do Estado. Em 1968 integrou a equipe de professores-fundadores da ECA, lecionando Estética e Pensamento Filosófico.
Saudade, irreversível tempo, espaço da ausência, sensação em nós premente de ser amor somente leve traço num sonho vão de posse permanente. Saudade, desterrada raiz, vida que se prolonga e sabe que é perdida. ARS POÉTICA Da desordem nunca erguerei um verso. Bem sei que na bela superfície de um momento, existe o alento da Poesia. Mas é do futuro, é do instante que serve a continuidade da vida em sentimento, que desejo o meu poema. O Homem, sofrido a prosseguir na sua eternidade construída — — eis o meu tema. DE PEDRA — Eu sou de pedra, me dizias, a defender tua distância. E esquecias o musgo, essa tua epiderme de ternura,
e o teu corpo de carinhos, num horizonte de água e terra, a te envolver na vida. — Eu sou de pedra — insistias. — Pesado. Denso. Inalterável. De estofo eterno. Apenas estou, não sofro; se algum gesto me ferir, eu sou duro; quebrarei o gesto sem sentir. E esquecias que és pouso de borboletas, alicerce de flores, abraço de raízes, vulnerável em tudo do que em ti pertence e minha mão possui, acaricia. — Eu sou de pedra. E esquecias, esquecias. DESTINO MINERAL Sou feita de uma carne perecível futuro de outra carne, sem nenhuma eternidade. A rocha é uma invencível parte da terra; que ela me resuma no seu mesmo destino mineral. A solidez ausente que tortura nossa matéria frágil, no final se renderá: serei de pedra dura. Nunca mais chorarei nessa passagem de poesia. Com nítida certeza, recorto nas montanhas minha imagem mais que raiz, expressa na beleza. Pela terra em que não me desfiguro, hei de surgir um dia em cristal puro.
Eduardo Alves da Costa (1936) NO CAMINHO, COM MAIAKÓVSKI Assim como a criança humildemente afaga a imagem do herói, assim me aproximo de ti, Maiakósvki. Não importa o que me possa acontecer por andar ombro a ombro com um poeta soviético. Lendo teus versos, aprendi a ter coragem.
Pintor, poeta, cronista, contista e romancista, Eduardo Alves da Costa é hoje, aos 84 anos, um ilustre desconhecido. Injustamente seu nome permanece oculto do grande público. No entanto, ele já foi louvado por Antonio Houaiss e outros figurões. Seu único livro de poemas, No Caminho, com Maiakovsky (1985) tornou-o celebridade por causa desse poema que acabou dando o título ao livro e originou um enorme mal entendido. Apesar de ter sido bandeira contra a ditadura em pôster, cartões postais, estampa de camiseta, a autoria era atribuida ao poeta russo.
Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho e nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada. Nos dias que correm a ninguém é dado repousar a cabeça alheia ao terror. Os humildes baixam a cerviz: e nós, que não temos pacto algum com os senhores do mundo, por temor nos calamos. No silêncio de meu quarto a ousadia me afogueia as faces e eu fantasio um levante; mas amanhã, diante do juiz, talvez meus lábios calem a verdade como um foco de germes capaz de me destruir.
Olho ao redor e o que vejo e acabo por repetir são mentiras. Mal sabe a criança dizer mãe e a propaganda lhe destrói a consciência. A mim, quase me arrastam pela gola do paletó à porta do templo e me pedem que aguarde até que a Democracia se digne aparecer no balcão. Mas eu sei, porque não estou amedrontado a ponto de cegar, que ela tem uma espada a lhe espetar as costelas e o riso que nos mostra é uma tênue cortina lançada sobre os arsenais. Vamos ao campo e não os vemos ao nosso lado, no plantio. Mas no tempo da colheita lá estão e acabam por nos roubar até o último grão de trigo. Dizem-nos que de nós emana o poder mas sempre o temos contra nós. Dizem-nos que é preciso defender nossos lares, mas se nos rebelamos contra a opressão é sobre nós que marcham os soldados. E por temor eu me calo. Por temor, aceito a condição de falso democrata e rotulo meus gestos com a palavra liberdade, procurando, num sorriso, esconder minha dor diante de meus superiores. Mas dentro de mim, com a potência de um milhão de vozes, o coração grita - MENTIRA!
Carlos Queiroz Telles (1936/1993) RECADO Vocês podem me falar. Vocês podem me explicar. Vocês podem me ensinar. Vocês podem me pedir. Vocês podem me exigir. Vocês podem me ordenar. Vocês podem me forçar. Vocês podem me obrigar a fazer o que eu não quero. Só não venham, por favor, me dizer o que eu quero! Poeta e dramaturgo, formou-se em direito na USP e participou da fundação do Grupo de Teatro Oficina que estreou com a peça A ponte, de sua autoria. Trabalhou em publicidade, dedicou-se ao magistério e à criação de programas para tv. Tem mais de 50 obras editadas e mais de duas dezenas de peças encenadas no Brasil. No exterior, seus textos já foram encenados em mais de 20 países. Pelos seus trabalhos, recebeu inúmeros prêmiosMoliére(72 e 75),da ABL (1972), APCA (72, 73,75, 77, 81, 84, 88, 92). Como poeta publicou 8 livros, recebeu prêmio do Pen Clube e foi elogiado por Wilson Martins, um dos mais rigorosos e respeitados criticos do Brasil.
POETA&POEMA nem sempre o poeta ronda o poema como uma fera à presa. às vezes, fera presa e acuada entre as grades do poema-jaula, doma-o o chicote das palavras CREDOCARD Ladrões, afastai-vos de mim! Mendigos, recolhei as vossas mãos! Nada tenho a perder. Nada posso oferecer. Não preciso de dinheiro, sou um homem inédito. Comprei minha liberdade com trinta cartões de crédito. OPINIÃO PÚBLICA Quem me disse que eu quero o que eu quero? Quem me fez precisar o que eu preciso precisar? Alguém deve saber o que eu sei que não sei.
EU EM MIM Enfim, esse é meu corpo, flor que amadureceu Estalo os dedos é sonho Respiro fundo é brisa Estendo os braços é asa Libero as fibras é voo Esperança resolvida Verso que ficou pronto Meu corpo é assim. Olho seu rosto, mistério Ouço sua voz, estrangeira Sinto seu suor, lembranças Sinto sua pele, sou eu! Sou eu para a dor e o prazer Para o sabor e o saber Para a emoção de viver Viagem tão companheira! Sou eu sim, Sou eu assim, Sou eu enfim, Com meu corpo em mim. QUARTO-SALA-SOLIDÃO A moça mora sozinha, quarto-sala-solidão. O apartamento é pequeno, mal cabe o seu coração. Mal cabe o medo da vida, mal cabe o medo da morte, mal cabe o medo do amor. O apartamento é menor do que o orçamento do mês, do que o ferrolho da porta que nunca se abre de vez. O aparftamento não existe. A moça mora em si mesma, quarto-sala-solidão.
Ivete Tannus (1936/1986) A DANÇA DOS CIPRESTES Sou apenas uma mulher pequena que escuta o nascimento das plantas Sem entender-lhes o diálogo. Sou pequena e estou cansada de interrogar-me, De perscrutar sempre as mesmas coisas Para sempre descobrir que os homens são tristes. Ah, meus irmãos A estrêla se aproxima Para nunca mais regressar.
Poeta paulista, professora universitária, socióloga e pedagoga. Estreou, em 1960, com A violeta e o espelho. Seguiram-se A irmã escolhida(1961), Canto de Amor e Morte para um rei(1963), Eu do teu ser(1964) e O poeta e a Origem(1966). Teve vários poemas traduzidos para o francês, inglês e espanhol. E participou de diversas antologias. Obteve boa repercussão crítica nos anos 60.
Ainda bem que a noite desceu E o luar me visita em casa É ele que me deixa nua Enquanto os ciprestes bailam. LÊDA SEM CISNE Está solto na alegoria Lúcido cisne Num lago sem fêmea. À noite um piano me visita Não sei se sou Lêda Só sei que estremeço Nas gazes do sono. E não vejo a presença. O GRANDE CREPÚSCULO Vai buscar pois as cinzas na planície E lava-as no orvalho dos lírios incendiados Vai buscá-las e com esses restos reconstrói na cinza insensível Teu amante mutilado. A papoula jaz profundamente sepultada na areia que o vento agita. Acorda-o sem rumor e dança em redor dos juncos vermelhos Ai seus cabelos rescendem a nardo e pétalas de loto. Para ti florescem os narcisos. (Pouco faltará para chegarmos a esse grande crepúsculo). Como poderei salvar até ao amanhecer a grande flor que cresce no precipício?
Orlando Parolini (1936/1991) O SUICIDA 1. sua mão boiava como um gesto partido perdido na derradeira aurora, olhos de vidro, as lágrimas todas guardadas num prenúncio de voz e o silêncio entre as pedras
Poeta, ator, diretor de cinema, Parolini atuou no underground paulista entre o final dos anos 1950 e o começo dos anos 1970. Não deixou nenhum livro publicado: sua obra foi recusada por vários editores. Dirigiu o primeiro filme underground brasileiro, Via Sacra (1965), que não existe mais. Com medo de ser preso, torturado e o filme confiscado,Parolini picotou todo o negativo. Deixou quatro coletâneas de poesia: Poemas (1957-1961), Poemas do pequeno assassino (19631964), O pântano (1964-1968), e Cartas de Babilônia (19681972).
talvez não tenha chegado a hora do desejo – e o suicida dorme amanhã será a vigília do mutilado (no chão as flores impenitentes) quando pedir a imutável água (nas taças de cristal as flores impenitentes) os pés nos espinhos repousando (no remo as flores impenitentes) o nada importará o anseio do seu grito (na face do amigo as flores impenitentes) e nada importará o desconhecido para à margem do caminho flutuam entre os dedos as flores impenitentes nos trilhos, o suicida dorme aguardando a sombra 5. na hora precisa, exata, no momento exato virão as brumas afagar as sombras desprendidos os braços em gestos mútuos para o anseio, na hora precisa, no momento exato a flor na jarra chora uma lágrima (murcha) vazio o leito, a forma abandonada o SUICIDA já se prepara na hora precisa, no momento exato quando o relógio face ante o espelho mostrar o tempo, nesse instante perene Ele voará sobre a mesa repousa todo o passado a água no copo se evapora pela noite alguém entrou amedrontado
Roberto Piva (1937/2010)
Poeta paulistano e figura polêmica, estreou nos anos 1960 tornando-se conhecido por sua postura de poeta rebelde na linha da geração beat, cujos reflexos se fazem sentir em uma poesia surrealista, de cunho erótico. Leitor apaixonado de Dante, e iniciado no xamanismo, extrai dessas vertentes sua inspiração. Participou da Antologia dos Novíssimos (1961) e de 26 poetas hoje (1976) .Obra poética: Paranóia (1963); Piazzas (1964); Abra os olhos e diga ah! (1975), Coxas (1979), 20 poemas com brócoli (1981), Quizumba (1983), Antologia poética (1985) e Ciclones (1997).
POEMA PORRADA Eu estou farto de muita coisa não me transformarei em subúrbio não serei uma válvula sonora não serei paz eu quero a destruição de tudo que é frágil: cristãos fábricas palácios juízes patrões e operários uma noite destruída cobre os dois sexos minha alma sapateia feito louca um tiro de máuser atravessa o tímpano de duas centopéias o universo é cuspido pelo cu sangrento de um Deus-Cadela as vísceras se comovem eu preciso dissipar o encanto do meu velho esqueleto eu preciso esquecer que existo mariposas perfuram o céu de cimento eu me entrincheiro no Arco-Íris Ah voltar de novo à janela perder o olhar nos telhados como se fossem o Universo o girassol de Oscar Wilde entardece sobre os tetos eu preciso partir um dia para muito longe o mundo exterior tem pressa demais para mim São Paulo e a Rússia não podem parar quando eu ia ao colégio Deus tapava os ouvidos para mim? a morte olha-me da parede pelos olhos apodrecidos de Modigliani eu gostaria de incendiar os pentelhos de Modigliani minha alma louca aponta para a Lua vi os professores e seus cálculos discretos ocupando o mundo do espírito vi criancinhas vomitando nos radiadores vi canetas dementes hortas tampas de privada abro os olhos as nuvens tornam-se mais duras trago o mundo na orelha como um brinco imenso a loucura é um espelho na manhã de pássaros sem Fôlego. JORGE DE LIMA, PANFLETÁRIO DO CAOS Foi no dia 31 de dezembro de 1961 que te compreendi Jorge de Lima
enquanto eu caminhava pelas praças agitadas pela melancolia presente na minha memória devorada pelo azul eu soube decifrar os teus jogos noturnos indisfarçável entre as flores uníssonos em tua cabeça de prata e plantas ampliadas como teus olhos crescem na paisagem Jorge de Lima e como tua boca palpita nos bulevares oxidados pela névoa uma constelação de cinza esboroa-se na contemplação inconsútil de tua túnica e um milhão de vaga-lumes trazendo estranhas tatuagens no ventre se despedaçam contra os ninhos da Eternidade é neste momento de fermento e agonia que te invoco grande alucinado querido e estranho professor do Caos sabendo que teu nome deve estar como um talismã nos lábios de todos os meninos A PIEDADE Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento abatido na extrema paliçada os professores falavam da vontade de dominar e da luta pela vida as senhoras católicas são piedosas os comunistas são piedosos os comerciantes são piedosos só eu não sou piedoso se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria aos sábados à noite eu seria um bom filho meus colegas me chamariam cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio bóia? por que prego afunda? eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as estátuas de fortes dentaduras iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos pederastas ou barbudos eu me universalizaria no senso comum e eles diriam que tenho todas as virtudes eu não sou piedoso eu nunca poderei ser piedoso meus olhos retinem e tingem-se de verde Os arranha-céus de carniça se decompõem nos pavimentos os adolescentes nas escolas bufam como cadelas asfixiadas arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através dos meus sonhos
Stella Carr (1938/2008) A CORRENTE Um rio imita o Tempo. Quanto passa, caminho de água na margem da água, corrente, minuto impossível — elo. Um rio corta veia rua cadeia-viva a hora-morta de nem hoje ou amanhã. Poeta carioca, veio para São Paulo com 4 anos e daqui nunca saiu. Estudou línguas, literatura, artes gráficas, antropologia e pré-história. Escreveu três livros de poesia, ilustrados por ela mesma: Tres viagens em meu rosto(1965), Matéria de abismo(1966) e Caderno de capa azul(1968) em coautoria com crianças. Por esse livro conquistou o Jabuti, em 1969, ano em que passa a escrever para jovens, dedicando-se inclusive à série juvenil de livros policiais e de suspense. Publicou mais de 40 livros nessa área e ganhou mais um Jabuti pela obra Acordar ou Morrer. Participou de leituras públicas de poesia com a Catequese Poética, nos anos 60.
Um dia-tempo não, luz. Um rio flui infinito, cordilheiras, planícies, movimento no fundo do aquário redondo — rotação-translação. Um rio-rua com holofotes nos olhos fortes de luzes — tráfego — de milhões de seres transeuntes. Passam, postes, pastam — rebanhos enrolam a lã luminosa, uns atrás dos outros. O rio imita a rua. O mar imita a terra. O peixe imita o homem.
PLANETAS Mercúrio Vénus Terra Marte.. . Será que... Será que gente marciana é bicho? Com multipernas e pluribraços nadando no espaço? Comem azuis e rosuras verduras? como comemos Será que entre foguetes como comemos ainda possíveis fadas? — 261 — E anjos de asas sem jato podem voar de fato? Saturno Urano Netuno Plutão.. . Nana nenê, saturninos vêm assustar os meninos. Não faz mal, eu vou pra lua é lá a Terra é uma canção
Rodrigo de Haro (1939/2021) ESCRITO EM VENEZA Mais vale confiar nos próprios olhos do que nas opiniões. O corpo é única evidência, refletia ele. Sábio Ptolomeu! E pisava com força, prazeiroso, a terra imóvel. Todos reconhecem a incompatibilidade do movimento linear com um globo em rotação. E o vôo dos pássaros? Os homens devem ter enlouquecido! Atualmente ousam discordar até das Escrituras. Poeta, escritor, desenhista, pntor e gravador, nasceu em Paris e com menos de 1 anos a família retornou ao Brasil. É membro da Academia Catarinense de Letras e, entre muitas obras plásticas um de seus trabalhos mais vistosos orna as paredes e a entrada da reitoria da UFSC. Publicou vários livros de poemas:Trinta Poemas, Taça Estendida,Naufrágios e Andanças de Antonio são alguns. Participou de leitura pública de poema com a Catequese Poética nos anos 60.
Pico Della Mirandola, Dolese, que refuta o Estagirita e prefere – em muitos pontos – seguir a Demócrito; Gomezius Pereira na sua “Pérola Antonina”: Ocelus de Lucania e ainda Rodrigues de Castro. Todos admitem esta cristalina verdade: “- A Terra é imóvel.” ANDARILHO Às vezes abre-se uma porta. Avista-se o vestíbulo, uma nesga de salão iluminado. Adivinham-se os fastos da alegria. Dança-se com elegância e gravidade - pois alegria verdadeira é sempre um pouco solene, com certos ares de espanto. Mas logo fecha-se a porta e somente a noite silenciosa se estende à nossa volta.
Eunice Arruda (1939/2017) UM VISITANTE Quem escreve é um visitante Chega nas horas da noite e toma o lugar do sono Chega à mesa do almoço come a minha fome
Poeta, pós-graduada em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, começou a publicar em 1960. É Tempo de Noite foi seu livro de estréia. Seguiram-se mais 11 livros de poemas, além de antologias publicadas nos EUA, Canadá, França, Uruguai. Já foi diretora da UBE e do Clube de Poesia de São Paulo. Ganhou em 1974 o prêmio Pablo Neruda (Argentina) e, em 1997, o de Mérito Cultural da UBE, Rio. Coordenou projetos de divulgação de poesia, deu palestras e organizou oficinas literárias. Seus versos, sempre curtos, são muito bem trabalhados.
Escreve o que eu nem supunha Assina o meu nome ERRO Edifiquei minha casa sobre a areia Todo dia recomeço OBSERVANDO sim há as horas de trégua Quando se afiam as facas A TERRA É REDONDA Se corro corro o risco de chegar Ao mesmo lugar HORA POÉTICA Para esquecer esta dor - transformá-la em poesia Para eternizar esta dor - transformá-la em poesia
PROPÓSITO Viver pouco mas viver muito Ser todo pensamento Toda esperança Toda alegria ou angústia — mas ser Nunca morrer enquanto viver NOTÍCIAS As crianças morrem Em piscinas lagoas no centro da cidade o corte na testa barrigas inchadas costas afundadas As crianças elas também nos abandonam UM DIA um dia eu morrerei de sol, de vida acumulada na convulsão das ruas um dia eu morrerei e não podia: há poemas escorregando de meus dedos e um vinho não provado ACIDENTE Uma mulher caiu na rua ninguém viu Pensa que não caiu
CIMENTO ARMADO O cotidiano basta calçadas asfaltos desafogam o coração
AMPLIAÇÃO Construo o poema
Depois há a noite A noite é mãe de afagar cabelos onde seus dedos são constante ausência
Construo um pedaço de mim em cada poema
Sim o cotidiano basta não tem importância o que não tenho OUTRA DÚVIDA Não sei se é amor ou minha vida que pede socorro RIMAS Deus não tem pedra na mão Ele usa as pessoas - um irmão para nos arrancar de algum chão Ainda não é aqui então É a próxima é a próxima é a próxima a estação
pedaço por pedaço
Carlos Nejar (1939) LISURA Entras na morte, como se entra em casa, desvestindo a carne, pondo teus chinelos e pijama velho. Entras na morte, como alguém que parte para uma viagem: não se sabe o norte mas começa agora.
Poeta gaúcho, nasceu em Porto Alegre, formou-se em Direito em 1962 e, no ano seguinte, foi aprovado no concurso para o Ministério Público. Como Promotor de Justiça viajou pelo interior do estado, onde testemunhou seu tempo e seu presente em seus poemas. O Campeador e o Vento (1966), quarto livro do poeta, foi considerado uma nova épica na poesia contemporânea.Foi professor de Português e Literatura, em diversos estabelecimentos de ensino do Rio Grande do Sul. Em 1989 foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Sua obra está traduzida em várias línguas.
Entras na morte, sem escuros, sem punhais ocultos sob o teu orgulho. Entras na morte, limpo de cuidados breves; como alguém que dorme na varanda enorme, entras na morte. CÂNTICO Limarás tua esperança até que a mó se desgaste; mesmo sem mó, limarás contra a sorte e o desespero. Até que tudo te seja mais doloroso e profundo. Limarás sem mãos ou braços, com o coração resoluto. Conhecerás a esperança, após a morte de tudo.
DE COMO A TERRA E O HOMEM SE UNEM Fica a terra, passa o arado, mas o homem se desgasta; sangra o campo, pasce o gado, brota o vento de outro lado e a semente também brota. Fica a terra, passa o arado e o trabalho é o que nos passa, como nome, como herança; fica a terra, a noite passa. A semente nos consome, mas a terra se desgasta. 2. Que será do novo homem sobre a terra que vergasta ? Sangra a terra, pasce o gado e o trabalho é o que nos passa. Vem o sol e cava a terra; a semente é como espada. Há uma noite que nos gera quando a noite é dissipada. Vem a noite e cava a terra; vem a noite, é madrugada. 3. O homem se desgasta, sopro misturado ao sopro rijo do arado. Vai cavando. Madrugada sai da terra, como um corpo se entreabre para o orvalho e para o trigo. O homem vai cavando, vai cavando a madrugada. Um cronômetro para piscinas
SONETO AOS SAPATOS QUIETOS Os pés dos sapatos juntos. Hei-de calçá-los, soltos e imensos, e talvez rotos, como dois velhos marujos. Nunca terão o desgosto que tive. Jamais o sujo desconsolo: estando postos, como eu, em chãos defuntos. Em vãos de flor, sem o riacho de um pé a outro, entre guizos. Não há demência ou fome.
XIV É preciso partir da manhã para o escuro de Deus. Das coisas para as coisas.
Sapatos nos pés não comem. Só dormem. Porém, descalço pela alma, o paraíso.
Pisar na dor para o equilíbrio da terra e os frutos.
O GANHO Dos deuses não espero soldo, nem reses. De ganho, só meus proventos: de ganho, o que esbanjo ao vento. De ganho o que cava a pá. De ganho o que faz a paz. De ganho o que a morte dá, dia dia, ano e ano.
É preciso amar sempre e de novo. Que os pensamentos voam raso, embaixo das estrelas. Não há religião ou ambição nas profundezas. Quem ama corre o risco.
Neles não ponho linhas ou malhas, como a peixes. Ponho luz e ponho tento; nenhum lucro lanço em dados. Qual a réstia que os distingue? Qual a torre? Qual o sino? Vestem blusas, vestem nuvens? São humanos ou divinos? De que tempo o seu declive? De que sarro? Dos deuses não espero soldo, nem reses. Só lhes ganho o não rendido, o obscuro, o solo virgem, onde parte deles vive e outra parte se redime.
Claudio Willer (1940)
Poeta paulistano, ensaísta, crítico e tradutor. Graduado em psicologia, pela USP (1966), e em Ciências Sociais e Políticas, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1963). Fez doutorado em letras(2008) e pós-doutorado (2011) pela USP. Como poeta, Willer distingue-se pela ligação com o surrealismo e a geração beat. Traduziu Allen Ginsberg, Lautréamont, Artaud, Bukowski e Jack Kerouac. Publicou os livros de poemas: Anotações para um Apocalipse(1964); Dias Circulares(1976);Jardins da Provocação(1981); Estranhas Experiências(2004).
SOBREVIVEREMOS(RUÍNAS ROMANAS) Quantos poetas já não estiveram aqui quantos já não escreveram sobre a ofuscante aniquilação diante desses dramáticos perfis minerais quase natureza reduzidos a não mais que montanha tão perto da pedra original barro anterior à forma fronteira da mão que trabalha, do vento, da água neles ressoa a ensandecida voz do oco, do cavo, da fresta os silvos do vento no silêncio matizado de sussurros e agora também sou dos que enxergam o informe monstruoso passado escultores do avesso os reduziram a isso os autores do cruel teorema que nos condena ao presente e repete que nada sabemos e nada vale a pena pois passado e futuro só existem como passo para a informe eternidade a custo divisamos lá fora a realidade logo ali outro lugar onde existiremos menos ainda nós é que somos os fantasmas e a solidez é o que está aí, nas ruínas a dizer-nos que isto nada - é tudo o que temos ANOTAÇÕES PARA UM APOCALIPSE I A Fera voltará, com seu rosto de tranças de prata, nua sobre o mundo. A Fera voltará, metálica na convulsão das tempestades, musgosa como a noite dos vasos sanguíneos, fria como o pânico das areias menstruadas e a cegueira fixa contra um relógio antigo. Um sonho assírio, eis nossa dimensão. Um crânio amargo, velejando com a inconstância do sarcasmo em meio a emboscadas de insetos, um crânio azul e sulcado, à janela nos momentos de espera, um crânio negro e fixo, separado das mãos que o amparam por tubos e esmagando os brônquios
POÉTICA 1 então é isso quando achamos que vivemos estranhas experiências a vida como um filme passando ou faíscas saltando de um núcleo não propriamente a experiência amorosa porém aquilo que a precede e que é ar concretude carregada de tudo: a cidade refluindo para sua hora noturna e todos indo para casa ou então marcando encontros improváveis e absurdos, burburinho da multidão circulando pelo centro e pelos bairros enquanto as lojas fechadas ainda estão iluminadas, os loucos discursando pelas esquinas, a umidade da chuva que ainda não passou, até mesmo a lembrança da noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e mais nosso encontro na morna escuridão de um bar - hora confessional, expondo as sucessivas camadas do que tem a ver - onde a proximidade dos corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia TUDO GRAVADO NO AR e não o fazemos por vontade própria porém por atavismo 2 a sensação de estar aí mesmo harmonia não necessariamente cósmica plenitude muito pouco mística porém simples proximidade da aberrante experiência de viver algo como o calor sentido ao estar junto de uma forja (talvez eu devesse viajar, ou melhor, ser levado pela viagem, carregar tudo junto, deixar-se conduzir consigo mesmo) ao penetrar no opalino aquário (isso tem a ver com estarmos juntos) e sentir o mundo na temperatura do corpo enquanto lá fora (longe, muito longe) tudo é outra coisa então o poema é despreocupação
Bruno Tolentino (1940/2007)
Poeta carioca, nasceu numa tradicional e rica família carioca. Conviveu desde criança com intelectuais e escritores, entre eles Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Foi ensinado a falar francês e inglês antes mesmo de se alfabetizar no português. Saiu do Brasil em 1964 e deu aulas em Oxford, Essex e Bristol e trabalhou com o grande poeta inglês W.H. Auden. Só voltou ao Brasil em 1993 após cumprir 22 meses de prisão por porte de cocaina. Aqui ganhou 2 vezes o Jabuti.Uma vez com “As Horas de Katarina”(1994) e a outra com “O Mundo como Idéia”(2003)
NOTURNO Não sou o que te quer. Sou o que desce a ti, veia por veia, e se derrama à cata de si mesmo e do que é chama e em cinza se reúne e se arrefece.
16 VALSE OUBLIEE Certas estrofes perdidas longe de papel e lapis vão e vêm e doem-me ainda, tão límpidas quanto rápidas,
Anoitece contigo. E me anoitece o lume do que é findo e me reclama. Abro as mãos no obscuro, toco a trama que lacuna a lacuna amor se tece.
como certos, certos fatos de uma fluida inconseqüência na rapidez da existência, certos rasgos, certos raptos,
Repousa em ti o espanto que em mim dói, certas cenas, certa faca noturno. E te revolvo. E estás pousada, de que às vezes sou bainha, pomba de pura sombra que me rói. afiada quando ataca e cega quando sozinha. E mordo o teu silêncio corrosivo, chupo o que flui, amor, sei que estou vivo e sou teu salto em mim suspenso em nada. CELEBRAR ESTE MUNDO Celebrar este mundo adivinhando a incurável leveza, a inabalável certeza do esplendor interminável da luz de Deus, aurora ruminando para sempre a quietude do imutável. Somos reflexos dessa luz, um bando de flamingos ardendo, misturandose ao sol nascente, ao inimaginável incêndio indescritível, todo asas, todo luz… Somos feitos como brasas abrindo o voo, somos como o voo
À TERRA PROVISÓRIA Adeus, cimos e vales e veredas, e bosques e clareiras e campinas soltas ao vento, sacudindo as crinas das espigas de sol na luz de seda.
Adeus, troncos e copas e alamedas, dos flamingos em brasa ao oriente… esmeraldas selvagens que as neblinas E nunca há de apagar-se aquele ardente salpicavam de prata, adeus, colinas sol perfeito que neles se espelhou. que iam subindo como labaredas de cobalto no ar... Adeus, beleza irrepetível, que me viu nascer e toca-me deixar: a natureza também é feita de deixar de ser, e eu levo agora a sombra e deixo a presa à luz do provisório amanhecer.
Otoniel Santos Pereira (1940) WC Sentado em cima do mundo (anatômico) o homem se des/faz da mundana carga carga carga Depois, frio, sem pânico aperta o botão atômico
Poeta escasso -segundo suas próprias palavras, Otoniel destacou-se no jornalismo e na publicidade dos anos 60. Foi um dos principais integrantes da equipe que planejou e lançou o Jornal da Tarde. Também participou da primeira fase das revistas Realidade e Bondinho naquele que foi um dos períodos mais originais e inventivos do jornalismo brasileiro. Passou por várias agências de propaganda, fez incursões pelo cinema, realizou filmes em 16mm e super8 e conquistou vários prêmios nacionais e internacionais. Publicou A Pedra na Mão (1964), WC (1972), Bichário(2006) e Desnudamentos : uma Aventura Tipo Gráfica, em parceria com o artista gráfico Tide Hellmeister .
E, obra prima, belo brota no deserto a flor de um cogumelo. POÉTICA Palavras cercadas por um mar branco, eis o poema. Não as palavras. O mar branco. PODER fazer da morte uma nação e dividi-la em sul e norte, fazer da vida uma negociação que se oxida e se exila, fazer do homem uma arma que resuma granada, obus, metralhadora, mão armada, fazer do tiro no ar uma constelação e constelar o inimigo e seu cão da fome, fazer pesar a industria pesada de matar e desenvolvê-la, fazer do impacto de uma explosão explodir uma estrela, fazer da ponte e da casa a bomba e o gás no horizonte, fazer um corte exato no rnapa de óbitos, fazer a morte e fazê-la em paz.
Neide Archanjo (1940) Solidão de árvore esperando o fruto. Solidão de Lázaro esperando o Cristo. Solidão de alvo esperando a seta. Ave, poeta.
Poeta paulista, advogada e psicóloga. Estreou com o livro Primeiros Ofícios da Memória, em 1964. Em seguida, participou de alguns recitais junto com o grupo Catequese Poética. Criou, em 1969 o movimento poesia na praça com exposição de poemas na Praça da República. Em 1980 recebeu o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Em 1995 foi indicada para o Jabuti, e em 2005 ganhou o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras. Sua obra reunida está no volume Todas as Horas e Antes, de 2004.
DA POESIA Esculpo a página a lápis e um cheiro de bosque então me aparece. Que a poesia é feita de romãs daquilo que é eterno e de tudo que apodrece. PROFUNDAMENTE Estão todos sentados esta noite. Estão todos sentados. A velha mesa respira mas nadas se aquieta. Estão todos sentados mortos e sentados. E este amor não basta para carpir os beijos os nomes os retratos. O INESPERADO Estou ficando só diante do mundo diante dos amigos e pior diante do amor. Estou ficando só diante de Deus. Mas não era para isso acontecer mais tarde bem mais tarde?
TOCA MINHA PELE ASSIM Toca minha pele assim: as costas com beijos lentos a nuca com lábios roxos as coxas com mãos noturnas. Nada é mais suave que teu cabelo solto aberto como asa sobre meu corpo. 41 [A CIDADE NUNCA ME CANSOU, QUIXOTE A cidade nunca me cansou, Quixote, apenas me confundiu quando se espalhou pelas marginais, empurrou o rio e saiu do outro lado do mundo. Gostaria que ela fosse a cidade de Oswald de Andrade, o sátiro, e as tardes limpas do rio Tietê e os passeios de Cadillac pelo Paraíso. Esta é a rua Mauá. O trem ali embaixo ERA CANDEIA não dá vontade de partir, Era candeia porque sinto que nenhuma viagem, e parecia ser o lume. nenhuma outra vida, Era candeia. nenhuma outra forma de vida, mudaria a vida, Nomeio-o este estado definitivo e morno Alma de todas as coisas. adequado ao clarão Por isso vou, volto, reflito. que traz consigo. E tenho medo. Nem distraído nem remoto este Anjo apenas hesitante entre o bem e o mal como se um e outro ele não fora e assim desapercebido ora luz ora sombra passasse por mim. Em contrapontos.
Orides Fontella (1940/1998) FALA Tudo será difícil de dizer: a palavra real nunca é suave. Tudo será duro: luz impiedosa excessiva vivência consciência demais do ser.
Poeta paulista de origem pobre, viveu sempre em dificuldades financeiras. Aos 27 anos, depois de cursar a escola normal na terra natal, veio morar em São Paulo e realizar dois sonhos: entrar na USP e publicar um livro. Fez filosofia, exerceu o magistério e trabalhou como bibliotecária na rede estadual de ensino. Publicou cinco livros de poemas.Parte de sua obra foi republicada em 2006: Poesia Reunida. Recebeu o prêmio Jabuti em 1983, com Alba , e o prêmio da APCAem 1996, com Teia . Morreu em Campos de Jordão, em um sanatório.
Tudo será capaz de ferir. Será agressivamente real. Tão real que nos despedaça. Não há piedade nos signos e nem no amor: o ser é excessivamente lúcido e a palavra é densa e nos fere. (Toda palavra é crueldade) TEIA A teia, não mágica mas arma, armadilha a teia, não morta mas sensitiva, vivente a teia, não arte mas trabalho, tensa a teia, não virgem mas intensamente prenhe: no centro a aranha espera.
Cansa-me. A chaga inumerável de mim cintila, sem palavras, úmida fonte rubra do ser, e tédio de prosseguir, inabitada, viva. Prosseguir. Ai, presença ignorada do ser em mim, segredo e contingência, espelho, cristal raso, submerso na eternidade do existir, tranqüilo. Cansa-me ser. Ai chaga e antigo sonho de áureas transmutações e vidas outras além de mim, além de uma outra vida! Mas amolda-me o ser. Prende-me a essência (raiz profunda e vera) a imutável condição de ser fonte e ser ferida CARTILHA Foi de poesia lição primeira: “a arara morreu na aroeira”. KANT (relido) Duas coisas admiro: a dura lei cobrindo-me e o estrelado céu dentro de mim. ANANKE Não há culpa não há desculpa não há perdão AFORISMOS Matar o pássaro eterniza o silêncio matar a luz elimina o limite matar o amor instaura a liberdade
Nunca amar o que não vibra nunca crer no que não canta. A ESTRELA PRÓXIMA A poesia é impossível o amor é mais que impossível a vida, a morte loucamente impossíveis. Só a estrela, só a estrela existe - só existe o impossível. TEOLOGIA Não sou um Deus, Graças a todos os deuses! Sou carne viva e sal. Posso morrer.
Henry Corrêa de Araújo (1940/1999) O MURO o muro é menos sua ruina o lodo móvel que o rumina o muro é onde a cal confina o mbarro duro que o germina
Poeta mineiro, jornalista e autor de literatura infantil, Henry destacou-se na Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, realizada pela Reitoria da UFMG, em 1963. Pouco depois, participou da edição de uma plaquete de poemas, Vereda, considerada a única publicação de vanguarda jovem em Minas Gerais. Em 1966, chega seu primeiro livro de poemas, Valacomum, reconhecido por especialistas como o melhor do ano. Também conquistou prêmios com seus livros de literatura infantil. Quando a Catequese Poética esteve fazendo recitais em Minas, conhecemos vários poetas jovens. Henry era um deles.
o muro é só o que confisca a pedra e o pó em que se fixa o muro é quando o olho elimina o que é nele silêncio e urina o muro é mais quando consigna a própria ira de quem conspira ESTIGMA Este corpo não foi gerado para colher o fruto dúbio da minha noite fábula este corpo o forjaram para absorver o asfalto gasto do meu dia mágoa o tempo esculpiu nesta carne sua hora de vidro ESTOU MARCADO:
dentro de mim modelo esta fome que a boca pronuncia --e me consome. O ANÔNIMO não mescreverei minhas palavras na pedra ( nem as moldarei na espuma) eu as guardarei para a festa --do homem sem pluma não gravarei minhas palavras na lenda ( nem as moldarei na flor) eu as guardarei para a festa --do homem sem cor não esculpirei minhas palavras no bronze (nem as moldarei no agouro) eu as guardarei para a festa --do homem sem ouro não gastarei minhas palavras na seda (nem as moldarei no cristal) eu as guadarei para a festa --do homem sem grau não lavrarei minhas palavras na terra (nem as moldarei na fome ) eu as guardarei para a festa--do homem sem nome.
Márcio Sampaio (1941) PALAVRA todo o mundo fala as mesmas palavras eu não sei falar todas as palavras nem sequer sei falar algumas palavras mas elas estão dentro de mim como água prestes a se despejar sobre o encanto de um sofrimento. eu não sei se as minhas palavras voarão nem sequer sei se elas são pássaros ou triste granada no campo inimigo mas elas estarão um dia junto ao mundo e transformarão alguma coisa em nada. É poeta mineiro, jornalista, escritor, crítico de arte, artista plástico, curador e produtor cultural. Nasceu em Santa Maria de Itabira e com 18 anos foi viver em Belo Horizonte. Lá ingressa na Faculdade de Artes Visuais e participa, com poemas-cartazes, da 1ª Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, na Reitoria da UFMG, em 1963.Funda, com um grupo de amigos, a revista de vanguarda Ptyx. Dirigiu a Galeria Pilão, em Ouro Preto (1966), coordenou o Museu de Arte da Pampulha (1968) e foi assessor de Imprensa do Palácio das Artes (1972). Em 2014 foi eleito para a Academia Mineira de Letras.
é por isso que o meu poema vem num corcel vermelho entregando espadas de fogo aos tristes dias É POR ISSO QUE A DOR DESTA ENTREGA É SANGUE. com que se escreve a palavra: MORTE. NOTURNO DE ITABIRA Teus heróis já estão mortos: nada te resta senão a traça roendo a memória: Nesta hora tardia, o príncipe com o fio da espada acorda o relógio. Mas o tempo não marca as estações, nem pára o trem na curva onde há pouco esperavas chegar o amor. Não te consolam carros velozes, a fórmula-um do pirlimpimpim, o zepelim (corrida sem prêmios nas pista esfalfada). Nem te consola a doce carícia de tua íssima amante. Os heróis mortos: cisnes, fadas, lobos. Famintas galinhas barganham o ouro do ventre por um prato de feijão-tropeiro. A noite é profunda; mole e lenta move-se a lesma sobre a resma de papel em que recolhes teu último poema.
Antonio F. de Franceschi (1942/1921) GIGA
“Love is unhappy when love is away!” James Joyce
escura a sina de quem ama e entra inteiro nessa trama
pois sendo o amor ardida chama mais machuca quem mais ama e não acalma quando queima no abrasado peito a dor insana
Paulista de Pirassununga, com formação em filosofia e finanças, é autor dos livros de poesia Tarde revelada (1985; prêmio Jabuti), Caminho das águas (1987; prêmio Jabuti e prêmio da APCA), Fractais (1990), A olho nu (1993), Cinco formas clássicas (2002) e Sete suítes (2010). Sal recebeu o prêmio Cassiano Ricardo
saber que o fogo apaga um dia e que esse dia não demora porque o amor mesmo doído nunca morre em boa hora ALGO há algo feito e acabado que desmente a teoria algo livre das aduanas que flota justo e medido no lírio das cumeeiras algo subtraído das ganas que se preserva intocado algo entre as unhas pelo tecido lunar que te desconcerta e redime algo certo algo errado como inteiro domicílio uns restos no copo e a ressaca que volta algo que é também soberba e te ilumina algo que não pode ser recuperado por simples razão teus mitos como um quarto fechado algo vertido na lâmina que por descuido a corrói algo sem gume nem corte mas cujo toque te dói
Péricles Prade (1942) 0 tesouro é procurado nos centros das metrópoles, mas é nos infernos que ele esta, guardado nos altares que cobrem o rosto do desesperado Não quero as moedas, as espalhadas pelos errantes círculos, as doidas construtoras, as pesadas, as fartas que na cor já revelaram os tempos No bolso ha o estranho ritmo, sede do ouro; nem se quisesse o demônio ele saltaria para o viciado corpo Jurista renomado, político bissexto, ator, contista, ensaísta, tradutor, editor, professor, historiador, filósofo, crítico de arte e poeta. Eis aí, em resumo, as atividades de Péricles Prade, este catarinense que mais parece um homem da renascença do que um medievalista --como ele gosta de se identificar. Autor de mais de 15 livros de poesia, fora os inéditos, Péricles considera a poesia a verdadeira pedra filosofal, o ouro supremo da palavra. E é a partir desse entendimento que ele se dedica ao corpo das sombras e aos limites da água e do fogo. Poesia das mais originais criadas no Brasil.
Faca é de prata, a morte vale mais assim, mais respeitada, pois morrer é bom se presente a nobre matéria PERDIÇÃO Perco-me na selva doce desses pêlos. E se me perco, levito entre um gozo e outro. Vê-la, revê-la, muda caverna que às vezes canta. SE GIRA O SOL Giro quando amor eu faço, se não giro, então desfaço. Giro quando amor eu faço. O sexo é o sol porque te enlaço. Giro quando amor eu faço, Se gira o sol no teu espaço. Giro quando amor eu faço, e se for agora, então refaço.
Alvaro Alves de Faria (1942) SERMÃO DO VIADUTO* Peço a solidão dentro de um vidro, peço a praça para morrer e um canteiro onde cresçam estrelas e estátuas de deuses. Possuo a noite na alma e tenho um coador onde filtro a angústia. Eu não deixarei as crianças serem massacradas, os crepúsculos arrebatados e vendidos, nem deixarei livres os grandes sábios da destruição.
Poeta paulistano, é escritor e jornalista. Dedica-se a diversos géneros literários entre os quais poemas, novelas, romances, ensaios e crónicas, além de ter escrito peças de teatro. Como poeta, iniciou, em 1965, o movimento de recitais públicos nas ruas e praças de São Paulo, quando lançou o livro “O sermão do Viaduto” - um comício poético - em pleno Viaduto do Chá. Em 1966 foram proibidos, por motivos políticos. Pelo seu trabalho recebeu, em 1976 e 1983, o Prêmio Jabuti de Literatura da Câmara Brasileira do Livro.
Eu possuo a noite e um viaduto no meu sermão, plantei num buraco que esqueceram, a minha semente e reguei com a chuva que ninguém olha a minha planta, e deixei meu manifesto nos ouvidos dos tiranos e fiquei rindo da morte dos déspotas. Em minha palavra guarneço uma tristeza: cuspi nas mãos para pegar uma pá e lavei a minha mão com uma nuvem para mexer nas flores. Com um balde jogo na garganta que pede. Tenho pena dos que dominam E pavor dos dominados. Eu escutei uma estrela para me arrepender de tudo e teci uma bolsa para a necessária manhã. Eu não encontrei Deus na igreja. Eu caminho há vinte e dois anos: uma vez brinquei com um pião, sem saber que tudo seria assim. Eu presenciei a destruição e olhei de longe o que fizeram da ternura, mas senti de perto os efeitosdo que restou e tive medo e tive ódio, a fonte seca. Houve o tempo em que encontrei a irmã, e o irmão, e vozes de profetas falando em mim. Senti a força dos falsos,mas não medi suas ações,e violentei as farpas da cerca e de mais alto contemplei o abraço.
* trecho de abertura do Sermão do Viaduto, livro lançado em recital público realizado no Viaduto do Chá, centro de São Paulo, abril de 1965.
ESPETÁCULO Para Paulo de Tarso, Odete e o pequeno Nikolas
O salto mortal é meu número especial nesta tarde de domingo.
Não temo o trapézio por não saber voar sobre as cabeças que torcem para a corda arrebentar. Quando muito, abro a tarde falando ao respeitável público que farei a mágica final de desaparecer sem nunca ter sido visto por ninguém.
8.
Sempre haverá um sol em alguma janela assim tão amarelo que o próprio amarelo não conhece. Um sol na pele e na água, a mulher que se estende num espanto e se deixa correr por rios intermináveis. Sempre haverá esse sol por dentro das coisas, nas celas, nas igrejas, nas ruas, nos castelos e nas cabeças que já morreram. Sempre haverá um sol. Sempre. 33 Da alma que me habita guardo um paletó e uma camisa que só uso aos domingos, quando vou ao encontro de Deus, e com ele troco palavras antigas, preces, apelos e dores, dessas que cortam a imagem dos anjos que vivem nas igrejas, outros que saem às aldeias e molham os pés nos rios, e falam com os peixes e com os insetos, desses anjos que voam rente à terra junto com os pássaros e pousam nos ninhos entre as folhas das árvores e comem as frutas das aves e depois voltam para os altares com o cheiro das ruas e dos telhados escuros das casas, levam consigo as asas molhadas das chuvas e depois adormecem como se estivessem no céu.
POEMA 27 O poema diz o que não sabe e se transforma no que não é e nunca será. O poema esquece e se fere nas palavras antigas de um dicionário morto. O poema exclama na voz do poeta versos que não cabem numa estrofe, canta o canto que não existe mais, distante de seu tempo. O poema morre no poema, morta poesia na paisagem do nada, onde se guarda a memória, o que sempre deixa de ser. O poema não é, por mais que queira ser, não é, apenas pensa existir no espaço exíguo da palavra. O poema não interfere, o poema cala, o poema não sente, o poema que se finge, o poemorto, o poemente. 16. Observo o tempo parado, como um tiro ou um terço para rezar. Não me adivinho nem sei quem sou no instante em que me revelo. Tenho lágrimas de vidro que cortam a face em pedaços. Está tudo apagado e a solidão é sólida como uma pedra. Deixem-me ficar. Os passos morreram e não há para onde ir.
Carlos Felipe Moisés (1942/2017) FONÊMICA Por que mo-nos-si-lá-bi-co requer tantas sílabas?
Poeta, tradutor, crítico literário e professor universitário. Em 1960.publica A Poliflauta de Bartolo, seu primeiro livro de poesia, Nas décadas de 1970 a 1990 publica diversos livros de ensaios, entre os quais Poesia e Realidade. Entre 1978 e 1983 é professor de Literatura da Universidade da Califórnia (EUA). Na década de 1980 publica os livros O Poema e as Máscaras e traduz diversas obras, como O Que é Literatura?, de Sartre. Em 2000 organiza, com Álvaro Alves de Faria a Antologia Poética da Geração de 60. Sua obra poética inclui A Tarde e o Tempo (1964), Círculo Imperfeito(1978), Subsolo (1989), Lição de Casa & Poemas Anteriores (1998), entre outros.
POEMA DE TRÊS FACES O que levas no teu bojo não é teu. Tampouco te pertence a sólida reserva de silêncio que arduamente conseguiste. Ganhaste-a enfim para distribuí-la. Após entrares no domínio de teus dons, urge obsequiá-los um a um entre os iguais. É o tácito acordo que engendraste um dia com teu povo e agora se cumpre. DEVOLUÇÃO A noite veio, dispersou meu corpo e os ventos me passearam pelo campo. Ah, minha carne misturada à terra, meus ossos desmanchando-se no frio secular dos rios que me despejam envolto em musgo e lama contra as pedras. Meus olhos desmoronam-se no verde, a paisagem traspassa-me as retinas. Meus dedos carcomidos se desfazem pelos vãos das folhas, de volta ao pó. De minha boca inútil nascem rosas brancas. Eu chovo eu vicejo eu me planto e um dia vou brotar por entre as pedras frias, mais puro, transformado em verde. CONJUGAÇÃO Eu me arquipélago tu te maravilhas ele se istma nós nos montanhamos vós vos espraiais eles se eclipsam
O DIA SEGUE O CURSO ITINERANTE Assim te amei, amada, assim te amei de amor tão grande e puro que secou no peito meu o rio que corria submisso e atento para os braços teus. Nos ermos vales agora percorro os gestos esquecidos, densas brumas do rio que fui, o rio que fomos, largas águas seguindo o mar da noite. Assim te amei o amor maior que pude. E, mais ainda, a minha vida foi uma desfeita nau vagando a esmo o mar do tempo, o mar janeiro, o mar que perdi. E agora, de ti disperso, nos desertos de mim, sem fim, caminho. NÃO ERAS MAIS
para Rodrigo (1969-1975)
Não eras mais que um sorriso e o ar que serenava quando te movias. Tomo tuas mãos em minhas mãos e peço que me ensines esse ar, o sorriso, a serenidade que desconhecias. Mas tu não dizes mais que o teu sorriso e o claro olhar, irmão das águas. Tomo teu corpo em minhas mãos (raio de sol) e tenho em meus olhos a mágoa de todas as mágoas. Vagueio meu olhar além dos montes (murmúrio de pássaros entretidos) e te diviso, brilho liberto de todas as sombras, a ensinar aos pássaros, como me ensinaste, o teu sorriso. LINGUAGEM FIGURADA Tropel de trapos lençol amarfanhado a convulsão de umas sílabas rebeldes desarrumando a cama & a folha em branco: o peito de quem ama.
Rubens Rodrigues Torres Filho (1942)
Tinha 20 anos e estudava filosofia quando publicou seu primeiro livro de poemas: Investigação do Olhar, 1963, Massao Ohno. Dezessete anos depois, também pelas mãos de Massao, publica O Voo Circunflexo, premiado com o Jabuti. Entre 1965 e 1994 leciona História da Filosofia Moderna e Filosofia Clássica Alemã, na USP. Traduziu clássicos de filosofia de Fichte, Kant, Schelling e Nietzsche para a coleção Os Pensadores (Ed. Abril). Sua obra poética inclui os livros A Letra Descalça (1985), Figura (1987), Poros (1989), Retrovar (1993) e Novolume (1997).
DESENVOLTURAS Nós nos queremos bem: ah que derrama, que hemorragia de sentimentos! Irmãos! Que almas transparentes temos! 0 chão nos foge sob os pés, tão leve. Podemos nos olhar pelos avessos que é tudo luz. 0 bem que nos queremos nos santifica até aos intestinos. Que vísceras de vidro! Que evidência! Meu pênis se eletriza - é um travessão! Um hífen! Um traço-de-união entre duas almas tão juntas, tão aninhadinhas uma na outra que da gosto e enlevos. Nos sabemos de cor, rosto e relevos. Tudo nos dança: umas fosforescências embevecidas lambem nossos beiços e um simples esplendor nos satisfaz! SEM JEITO O poema, essa cicatriz da velha ferida dos gêneros, entre prosaica e feliz — indigna, pelo menos — oscila, pela via-não, entre a corrosão e o êxtase, jeito de pedir perdão sem deixar endereço, forma besta de glamour sem ornato ou adereço, e a cada respectiva musa agradeço por tudo o que lembro e o que esqueço.
Decio Bar (1943/1991)
Esse inquieto poeta paulistano cursou várias faculdades: filosofia, sociologia, jornalismo, arquitetura e trabalhou profissionalmente em jornalismo e publicidade. Criouroteiros para TV, fez filmes super-8 e fotografia. Participou da Antologia dos Novíssimos do Massao Ohno, em 1961, e pouco tempo depois publicou seu único livro de poemas: No Temporal, 1965. Mais adiante, graças a filha Joy Bar, veio à luz o segundo livro deixado pelo poetaem uma pasta, com título e tudo. Décio Bar se matou em 1991, pulando de seu apartamento em São Paulo.
SÚPLICA Por estradas de tempo vaguei pelo espaço. Os olhos vazios de muito não ver, cansei e parei. Deixei sonhos em rotogravura, pálidas meninas em verdes olhos, sisudos homens, voleios de arte e esvaí-me. Defequei minh’alma e fiz-lhe acalanto de nulidade. Faltaria que rne rnatasse mas restaria a dúvida. Não a hamletiana ser-ou-nao-ser do porvir, mas a covarde, chã e feminil dúvida do que teriam feito vocês se eu não tivesse morrido. Abro a janela, meu espírito vagueia, meu corpo estremece. Na rua o carro de lixo: “São Paulo não pode parar!”. Eu quero parar, não tenho vocação para santo. Só tenho meu cansaço e esse tédio que é a noite de bodas de ouro do meu consórcio com a vida. Quero parar: “um dia...” é pouco e muito longe. Sei que não posso ficar, sei que não quero ir, sei que não consigo parar. IDADES Aos 45 do primeiro tempo, que molde toma a vaidade? Mais 1 minuto e o jogo pára Mais 15, ele recomeça Só que então já serão os semifinais da morte
Roberto Bicelli (1943)
É formado em letras, com especialização em literatura brasileira e gestão cultural. Exerceu o magistério de 1975 a 1984, quando começou seu trabalho de gestão cultural na Fundação Nacional de Artes (Funarte), onde foi coordenador adjunto em diversos períodos. Poeta autor dos livros Antes que eu me esqueça (poesia,1977),O colecionador de palavras (romance juvenil,1987) e Ego Trip (diário de viagem,2011).Atuou sempre próximo de Piva, Willer, Decio Bar e outros que dialogavam com a geração beat e com o surrealismo. Também fez leituras de poemas com a Catequese Poética.
TYCO TICHO NO FUBRAHE Livrai-nos Deus da Corrução Do Chaos da Anarchia Da Excecionalidade Tenhamos Tacto y Tecto Façamos Gymnástica Combatamos a Infecção A Sciência a Sucção Pas du tort W Aplainemos a Língua De Pycos Phalésyas y Promonthórios Circunspeto Aspeto Evitemos Italianizmos, Francezismo, Españolysmos Y ultimamente o Abril Portucalense Sejamos… fotográficos Optimistas Sociológicos Nostálgicos Sem Nevroses nem Zunzuns No afã de que o flautim Abafe o Uivo Que vem de Nós Para Mim. KONG 1933 MM Orgulho-me disso, sim senhor: estive em Nova Iorque Quando King Kong atacou New York. Tentei salvar a moça roendo as unhas & King derrubando os aviões Tudos em vaões. Os esforços cinematográficos estragam tudo. ECO DA LÓGICA O ninho do João de Barro está no antiquário a polução é uma poluição? os deuses astronautas… E os Argonautas? Quo Vadis? Ecologia: VADE MECUM La Terra puzza, caro mio. Me ne vado a Pasárgada Dove sono amico Del Rei Manuel Bandeira LA TERRA PUZZA “M’illumino d’immenso” Si non è vero…
Carlos Soulié do Amaral (1944) RECEITA PARA ACABAR COM QUALQUER TRISTEZA Pense um pouco na mulher que você ama e esqueça que a existência é uma vulgaridade. Quaisquer que sejam, nuvens de saudade não poderão apontar rumos, mas tão só fermentar sua paz. Pense na mulher que você ama, no sorriso descoberto sob o olhar satisfeito em que ela o envolve, pense no mar, no amar e no ar, atire o grito e a violência inexpiados. Poeta paulista, escritor, jornalista e crítico de arte, Soulié fez parte da primeira equipe de jornalistas que criou o Jornal da Tarde, em 1966 e dois anos depois a revista Veja. Com 22 anos seu primeiro livro, Procura e Névoa, conquistou o prêmio Jabuti. Faz parte dessa geração que, nos anos 60, procurou através de leituras públicas uma aproximação maior com o povo. Organizou com Alvaro Alves de Faria e Eduardo Alves da Costa o Comício Poético da Praça da Sé.(1965).Publicou Morte na Rua Simpatia e Verba.
Dance uma valsa e sonhe no doce acalanto de um samba. Salte e morda os calcanhares; a vida é desconjunção que jaz e nada nos restará senão tristezas pulverizadas. -Mas a tristeza foge e leva consigo sonho e samba! Combine alquimia e bruxedo segundo a teoria do amor esquivo e fabrique a poção-comichão-de-vida. -Mas a vida fugiu em atômica nuvem! Então beba os mares e envenene-se de luar SONETO DA ALEGRIA De nada, ou quase nada, uma alegria Criar e permitir que nos aqueça E acenda o vôo* e a voz da fantasia Provando-se à exaustão adversa e avessa. Uma alegria que dê fogo à fria E brumosa jornada e não se esqueça De transbordar, cravando-se travessa E incontida, no coração do dia. E que por ela os nossos corações Se deixem, sem constrangimento, ser E fluir, como fluem as canções, Como fluem os rios, sem saber Nem indagar as mil ou mais razões De tudo quanto vive e vai morrer.
Sergio de Castro Pinto (1947) LAPIDAR em cada verso que escrevo, eu me parto. a folha é lousa. poemas, epitáfios.
Poeta paraibano é jornalista profissional e professor titular aposentado do Curso de Letras da Universidade Federal da Paraíba, onde defendeu dissertação de mestrado e tese de doutoramente sobre Manuel Bandeira e Mario Quintana, respectivamente.Ao longo de cinqüenta anos de vida literária, conquistou vários prêmios. Em 2005, Zoo imaginário (poesia), além de conquistar o prêmio Guilherme de Almeida, promovido pela UBE Rio, foi adotado nas escolas públicas de São Paulo e em todos os colégios públicos de João Pessoa. Mais recentemente, A Flor do gol (poesia) foi semifinalista do Concurso Oceanos.
EXÍLIO desarvorada, a madeira do móvel desata os seus nós e estala a árvore que foi (no exílio da sala). ATOS FALHOS sequer os ensaio. mas os meus atos falhos encenam-se assim: eles já no palco e eu ainda no camarim. DIÁRIO no guarda-roupa (imóvel de jacarandá), os dias antigos suspensos em cabides em ritos de abraçar. sobre imóveis roupas (diário colorido) o pássaro distingo: o pó dos sábados, memória dos domingos! POETA&POEMA nem sempre o poeta ronda o poema como uma fera à presa. às vezes, fera presa e acuada entre as grades do poema-jaula, doma-o o chicote das palavras.
Betty Vidigal (1948) O AMOR DOS OUTROS O amor dos outros é indiferente. Só o da gente é especial, fosforescente, brilha no escuro. O amor dos outros é tão pequeno, nem vale a pena pichar o muro. Poeta paulistana, estudou no tradicional Colégio Des Oiseaux, na USP e na Escola Panamericana de Arte. Teve o primeiro livro publicado aos 17 anos e já fazia versos antes de saber ler e escrever. Na década de 1960, fez leituras públicas de seus poemas junto da Catequese Poética, movimento liderado pelo poeta Lindolf Bell. É jornalista e foi co-editora das revistas literárias Essência e O Escritor. É parecerista do Ministério da Cultura (atual Secretaria Especial da Cultura) e foi diretora da UBE. Publicou poemas em 4 livros (Eu e a Vela, Tempo de Mensagem, Os súbitos cristais e Paixão via Internet.
QUE SEJA
Está bem: que termine, que termine! Se tem de ser assim... Enfim: que seja! Que não mais o meu verso te ilumine e nem tua magia me proteja das coisas que não temo e em que não creio. E os beijos de hortelã e de cereja que trocaríamos noutra realidade, que fiquem para sempre relegados ao território das impossibilidades.
Ninguém entende o amor alheio; não é bonito e não é feio. O amor dos outros é tão efêmero! Estão amando? Fazendo gênero?
Não sou de ter saudades do passado, mas do futuro, sim, terei saudade .
O amor dos outros é muito pouco: só o da gente, direito ou torto, alegre ou triste, sereno ou louco, lascivo ou puro, céu ou inferno — só o da gente será eterno.
Para o século vindouro, o que me atiça, que me desperta a cobiça, tem um rosto de asceta e mãos de artista e uns acessos de fúria nunca vista, da qual, em meu desvelo, quisera protegê-lo para que jamais se fira em sua própria ira.
Olha pro rosto do amor alheio: são só dois olhos, nariz no meio, cadê a boca? Olha pra cara do amor da gente: que coisa louca!
OBSESSÃO Tudo que desejo me obceca e não quero querer pela metade. Por desejar com tanta intensidade, só desejo uma coisa a cada século.
Ulisses Tavares (1950) REBORDOSA Não, nenhum amor morre, apenas fica assim: Uma cruel ressaca Depois de um grande porre. POEMINHA MACHISTA Lutei tanto para transformar Você de mulher em posse Só o que consegui foi uma Ejaculação precoce.
Poeta nascido no interior de São Paulo, Sorocaba, também exercitou a prosa infanto-juvenil e o jornalismo. Começou a escrever e publicar muito cedo. Na Wikipédia está registrado 9 anos e na Enciclopédia Itau menciona-se a iade de 13 anos.O certo mesmo é ter publicado vários livretos mimeografadas de seus poemas nos anos 60. Também realizou centenas de recitais Seu primeiro livro, Pega Gente, é de 1977 e fez muito sucesso. Fez, ainda, Poesias Populares-O Jornal do Poeta, em 1978.Já publicou mais de cem livros nos diversos gêneros e já vendeu mais de 20 milhões de exemplares.
CANTO DAS MINORIAS O índio não pode caçar. O negro não pode falhar. O poeta não pode sonhar. O homossexual não pode amar. Das minorias nenhuma dessas (consolo e esperança) é aquela que decreta que a maioria não pode comer. GÊNESIS De madrugada aqui no bar num esforço coletivo nós recriamos o mundo e os homens. E não temos culpa se Deus tira tudo do lugar de manhãzinha. TOQUE alguma coisa estranha acontece quando se toca em gente. experimente. CONTEÚDO No toque, a troca. No ato, o salto. No esfrega, a entrega. Na mão, o coração. No rir, o repartir. No sangue, o bumerangue. Na ida, a vida.
Fortuna Crítica Rubens, belíssimo seu poema sobre a mãe. Precisamos resgatar esta experiência originária que foi colocada sob cinzas pela cultura racionalista moderna que transforma tudo em mercadoria e não em metáfora do mistério. Meus parabéns. Vou guardá-la no conjunto de minhas coisas ligadas à Mae Terra. Leonardo Boff, teólogo e escritor Homem, você é um senhor poeta! Eu tenho experiência e não falo isso prá qualquer ! Leio teu livro e de cara encontro o DRAMA: É QUANDO O AMOR / PURA CHAMA/VIRA TELEGRAMA E vou seguindo e encontro “Uma mulher é a soma... - e fico quieta porque tudo é demais . Renata Pallottini, poeta, dramaturga Jardim: muito obrigado pelos poemas, que estão maduros e me fizeram bem. Hélio Pólvora, crítico Jardim: de um modo geral—gosto de seus poemas, bem feitos, com cuidado.Eu evitaria jogos óbvios como da vi da david de vi da,etc. Repensaria este aspecto. Gosto da rosa real que tutela o invento. Porém me sinto mal-como poeta in progress—de ficar dando opiniões. Quem sou eu???? Grande abraço, Regis Bonvicino.poeta Obrigado caro Rubens Jardim, me ha gustado mucho el diseño y el trabajo que haz realizado con el gran artista y creador brasileño Guimarães Rosa, mis felicitaciones, ha sido un gusto, recibir su libro, lo voy a leer con mucho cuidado, ahora lo he visto y mirado, me ha encatado su diseño y trabajo de fotografia e imagen, felicitaciones de nuevo!! Este libro tiene una versión impresa? seria genial poder tener un ejemplar para poder traducir y estudiar en Chile. Leo Lobos, poeta chileno Querido mestre, poeta ímpar! emocionado! Flávio Viegas Amoreira, poeta Comecei o ler o livro do Jardim e pasme, estou gostando muito. Abujamra, ator e diretor de teatro Rubens Jardim é uma das vozes mais significativas da chamada Geração 60 de Poetas de São Paulo. Rubens Jardim está com livro novo, “Fora da Estante”, publicado pelo Centro Cultural São Paulo, na coleção Poesia Viva, que tem o objetivo de divulgar autores com qualidade. Autores com qualidade é o caso por inteiro de Rubens Jardim, também no que diz respeito à dignidade e à ética. “Fora da Estante” é mais um livro desse poeta de verdade, numa coleção importante. Álvaro Alves de Faria, poeta, escritor e jornalista Rubens: não só os poetas, mas todos. Esperando a definitiva colheita. Gostaria, um dia, de ler este poema. Em voz alta. Abraço Eunice Arruda, poeta Acabo de ouvir você na Rádio USP e ouvi direitinho o teu endereço eletrônico. Abração pela verve arrebatadora! A vida vela a pena, sem dúvida. Antonio Romane, poeta e jornalista Alguém precisa dizer que Rubens Jardim está entre os melhores poetas brasileiros de nosssa geração. Eu digo! Ronald Zomignan Carvalho, poeta e escritor
Muito bom, Rubens. Só agora pude ler o seu Fora da Estante. Gostei da alternância entre os muito longos (como o da ida à Grécia ou o saudação a Mário de Andrade) e os muito breves (a maioria). Parabéns! Abraços, Carlos Felipe Moisés, poeta e escritor Meu caro Rubens, participei no inicio deste mês do Congresso Brasileiro de Poesia em Bento Gonçalves. Havia mostra de poesia visual (organizada por Hugo Pontes) e deparei-me com poemas nossos, lado a lado. Pois é, “herrar é umano”. Grande abraço. Ronaldo Werneck, poeta Não me surpreendeu o encantamento que ND revelou sobre os Cantares da Paixão. Concordo plenamente de que se trata de um “conjunto de assombros”. De fato, você é um poeta de muita originalidade, capaz de captar a vida de modo inédito.Poucos disseram tanto sobre o ser humano mulher. Aquele seu poema é luminosa estrela! E o que você vem fazendo em prol da palavra dela é prova irrefutável de rara percepção e profunda empatia. Astrid Cabral, poeta
Oi Rubens, vou ler com o maior carinho e o prazer de sempre, a sua poesia: inquieta, objetiva, lúcida, lúdica, bela. Com certeza, deverá ficar fora da estante, naquele lugar especial onde guardo os bons livros dos verdadeiros poetas.Abração e boa sorte! Tanussi Cardoso, poeta Belo documento ficou este, Rubens, e que lindas e afetuosas essas suas relações familiares! O Affonso Romano costuma repetir que ele é um dos raros poetas brasileiros que põe a família na poesia, mas você coloca o tema, na sua própria, de forma muito mais intensa, profunda e verdadeira que ele. Isso me encanta na sua poética, sabe . Rubens, você é um raro, sua solidariedade é comovente, e seu poema ao filho, recitado no programa de rádio, é uma obra-prima. Angélica Torres, poeta “Rubens, ontem na Livraria Cultura, vi teu último livro. Fiquei poeticamente encantado com a modernidade do projeto, mesclando poesia breve e imagens.Sem falar no conteúdo, de alto quilate literário. Parabéns.” Ricardo Manieri, poeta Rubens, mestre, seu comentário ao meu poema me envaidece. Vindo de você, é uma honra e tanto. Muito obrigado! Você é modesto (o que ainda o faz maior). Seu nome está consagrado - com todo merecimento - na história da poesia brasileira. Você sabe; eu tento. Um abraço ainda grato! Alberto Bresciani, poeta e juiz “Tô lendo seu livro e me emocionando muito, sofrendo junto pelas perdas, vibrando com as vitórias, quanta vida, hein... Me doeu tanto o caso de Juvenal-menino... A sua poesia é de uma entrega absoluta. Fico muito grata, é um presente incalculável.” Neuzza Pinheiro, poeta, compositora e cantora Querido amigo Rubens Recebi o seu livro, o que muito agradeço. É uma surpreendente e belissíma obra de
poesia. Inovadora e lírica que quase me lembrou algumas páginas da poesia concreta. Parabéns!! É um maravilhoso Poeta. Vou bem cedo enviar-lhe o meu, e caso vá a São. Paulo gostaria de o visitar. Dê noticias que eu ficarei contente com tudo o que enviar. Amélia Vieira, poeta portuguesa Fulminante o teu poema. Imagem sangrada no significado... Poesia é isso, esse risco no invisível que, por ser íntegro, se torna tão nítido. Lau Siqueira, poeta Estou mergulhado no seu memorial poético. E que viagem maravilhosa! Viagem esta em que me descobri: “Até que enfim/ não dei em nada/ dei em mim” e corroborei o meu desejo de reinvenção, pois a cada instante me invento e a descoberta desta constante invenção traz no seu bojo o mapa da reinvenção, e assim ensina o poeta: “Replanta teu nome/ Com a palavra// Reinventa o gesto/ Com a partida// E já sem força de guardar// Celebra o amor/ Que em amor se guarda”. Receba os meus parabéns e a minha amizade. Que a sua semana seja radiante. Abraços. José Inácio Vieira de Melo, poeta Caro Rubens, gostei muito dos poemas escolhidos e agradeço sua generosa apreciação. Ótima surpresa clicar no link! Grande abraço. Adélia Prado, poeta Rubens, só hoje li o seu texto. Gostei muito, muito mesmo. Que bom que você é poeta! Num de seus poemas você fala do corpo que você carrega, faz 37 anos. Pois é, esse corpo tem limites. E o meu, que carrego há 66 anos, tem limites maiores ainda. Abraço amigo, Rubem Alves, teólogo e escritor Estimado Rubens: tuas poemas son profundos y hermosamente reflexivos y mui atrevidamente me animo a creer que ambos están intimamente conectados; em el primero la relacion verso-anverso, el Outro, la sombra y el espejo, y en el segundo, la vigília, el sueno y la locura, parecen piezas del mismo puzzle. Cordial saludo Mariella Nigro, poeta uruguaia Sempre me intriga sua maneira de dar textura às palavras, que parecem sair da página como se fossem talhadas em alto relevo. Incrível como você transita pelas diversas formas, instigante, arrebatado, preciso. Atravessa os estilos, nadando de braçada. Flora Figueiredo, poeta Prezado Rubens: gostei de receber teus poemas. Eles despertaram em mim uma sensação de leveza, de calviniana leveza diria, como se a palavra se dissolvesse no ar, dissolvendo com ela a inquietação de que nascera. Liliana Laganá mestre em língua e literatura italiana Caríssimo Poeta Rubens Jardim, gostei demais do poema e, especialmente do “desaforo” e da “quebra de protocolo”. AL-Braços. Al-Chaer, poeta
QUEM SOU EU
Rubens Jardim, 75 anos, jornalista e poeta. Publicou poemas nas antologias: 4 Novos Poetas na Poesia Nova (1965/SP), Antologia da Catequese Poética (1968/SP), Poesia del Brasile D’Oggi (1969/Itália), Vício da Palavra (1977/SP), Fui Eu (1998/SP), Poesia para Todos (2000/ RJ), Antologia Poética da Geração 60 (2000/SP), Letras de Babel (2001/Uruguai), Paixão por São Paulo (2004/ SP), Rayo de Esperanza (2004/Espanha), Congresso Brasileiro de Poesia (2008/RS).
É autor de três livros de poemas: Ultimatum (1966), Espelho Riscado (1978) e Cantares da Paixão (2008). Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA, em 1973, em comemoração aos 80 anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos Drummond de Andrade, Menotti del Pichia, Cassiano Ricardo, Raduan Nassar, Walmir Ayala, Stella Leonardos, Álvaro Alves de Faria e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e publicou JORGE, 8O ANOS – uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, logo após o golpe militar. Nosso lema era: o lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os lugares. Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (2008), com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional. Fez também leituras no Café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília e participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Em abril de 2009, foi convidado a participar das comemorações dos 70 Anos da Guerra Civil Espanhola, evento realizado no Instituto Cervantes de São Paulo. Na ocasião, Rubens Jardim leu um poema feito especialmente para a ocasião: Carta em homenagem aos Combatentes da Guerra Civil Espanhola. Participaram dessa comemoração outros poetas e escritores como Alan Mills (Guatemala), Nurit Kasztelán (Argentina), Yaxkin Melchy (México), Hector Hernandez (Chile), Alice Ruiz e Marcelino Freire (Brasil).
No final de 2012, uma seleta de seus poemas, Fora da Estante, foi publicada na Coleção Poesia Viva, do Centro Cultural São Paulo. Em 2016, Coração do Mundo, coletânea de seus poemas foi publicada em Portugal, Coimbra, na série “mínima” de Temas Originais. Participou, em 2013, das homenagens realizadas na Câmara Municipal de São Paulo ao 25 de Abril português. Na ocasião, leu poema escrito especialmente para a celebração dos 39 anos da Revolução dos Cravos. Em maio de 2014, organizou e participou das comemorações dos 50 Anos da Catequese Poética, evento especial do Chama Poética, realizado na Casa das Rosas, que contou com a leitura de poemas de Lindolf Bell feita por diversos poetas amigos e companheiros de geração. Entre eles, Péricles Prade, Eunice Arruda, Eulália Maria Radtke, Celso de Alencar, Helen Francine, Raquel Naveira, Fernanda de Almeida Prado e outros. Em julho desse ano esteve em Belo Horizonte participando do programa do Museu Nacional de Poesia, de Regina Mello, Poesia no Parque. Ainda em BH, participou do Banquete de Poesia, programa realizado pelo poeta Rodrigo Starling. Em ambas as ocasiões, lançou Lindolf Bell 50 Anos de Catequese Poética, antologia que organizou e reúne poemas de vários integrantes do movimento, como Luiz Carlos Mattos, Érico Max Muller, Iosito Aguiar, Iracy Gentile, Nilza Amaral, Carlos Vogt, Jaa Torrano. Desde meados de 2011 iniciou a publicação da série AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA.. Já foram publicadas e divulgadas mais de 360 poetas e mais de 1450 poemas. Criou o SARAU DA PAULISTA, com Claudio Laureatti, e Cesar Augusto de Carvalho que acontece no último domingo do mês na esquina da Paulista com a Peixoto Gomide. É curador, em parceria com Davi Kinski e Cesar Augusto de Carvalho do SARAU GENTE DE PALAVRA PAULISTANO, que acontece todos os meses e homenageia a poetas vivos. Em 2001 teve seu nome incluído na Enciclopédia de Literatura Brasileira, dirigida por Afrânio Coutinho e J. Galante de Souza (pag. 872 do volume II ) e no verbete Catequese Poética (pag.463 e 464).
Rubens Jardim com um de seus poemas na I Passeata Poética, realizada na Av. Paulista