AS MULHERES NPOETAS NA LITERATURA BRASILEIRA Vol.3

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AS MULHERES POETAS

NA LITERATURA BRASILEIRA

VOLUME 3


Pesquisa, seleção e organização: Rubens Jardim

AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

Capa e projeto gráfico: Rubens Jardim

_______________________________________________ As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira – Antologia poética São Paulo, 2018 ISBN 978-85-8297-438-4 Poesia brasileira ______________________________________________ 2

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Rubens Jardim

AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

São Paulo Edição do Autor 2018 AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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Sumário 06 10 14 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50

Mirian de Carvalho As mulheres poetas Um pouco de luz Camila do Valle Carolina Montone Adriane Garcia Cris de Souza Claudia Freire Andréa Catrópa Angélica Lucio Paula Autran Simone de Andrade Neves Patrícia Reinbrecht Cristiane Sobral Socorro Lira Ana dos Santos Adri Aleixo Ana Elisa Ribeiro Annita Costa Malufe Carla Diacov Carla Nobre Geruza Zelnys Patrícia Claudine Hoffmann Daniela Galdino Chantall Castelli Prisca Agustoni Jeanine Will Leila Guenther Vanessa Molnar Alexandra Vieira de Almeida Luciana Queiroz Ana Martins Marques Carla Andrade Angela Castelo Branco Katyuscia Carvalho Karina Rabinovitz Carla Carbatti Gabriela Silva 4

51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88

Cyelle Carmemw Maria Rezende Isis Moraes Ramos Mariana de Almeida Ana Rusche Carol Marossi Bianca Veloso Mariana Ianelli Lívia Natalia Marina Mara Marília Garcia Mônica de Aquino Michele Ferret Telma Scherer Viviane Barroso Tatiane Pequeno Adélia Danielli Alessandra Cantero Ale Safra Iara Carvalho Beatriz Bajo Mah Luporini Juliana Krapp Nívea Maria Vasconcellos Nil Kremer Walquíria Raizer Roberta Ferraz Eliza Caetano Katia Castañeda Elisa Andrade Buzzo Aline Binns Juliana Meira Lisa Alves Marina Rabelo Pollyana Furtado Raquel Gaio Roberta Tostes Daniel Simone Teodoro

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089 090 091 092 093 094 095 096 097 098 099 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122 123 124 125 126

127 Bhetty Brazil 128 Ellen Maria Vasconcellos 129 Juliana Amato 130 Ana Salek 131 Alice Santana 132 Clarissa Macedo 133 Marcela Maria Azevedo 134 Mel Duarte 135 Michelle Buss 136 Camila Assad 137 Carina Carvalho 138 Juliana Bernardo 139 Lívia Corbellari 140 Mariana Basílio 141 Ryane Leão 142 Laisa Kaos 143 Renata Flávia 144 Yasmin Nigri 145 Juliana Costa 146 Géssica Borges 147 Ana Paula Simonaci 148 Amanda Bruno 149 Thalita Coelho 150 Luiza Romão 151 Samanta Esteves 152 Luna Vitrolira 153 Pollyana Quintella 154 Barbara Bento 155 Isabela Ingra 156 Lia Macruz 157 Ádyla Maciel 158 Karine Kelly Pereira 159 Pâmela Filipini 160 Luana Claro 161 Amanda Vital 162 Bruna Kalil Othero 163 Natasha Felix 164 Luiza Midlej AS MULHERES 165 POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA 5 Laura Navarro

Giselle Vianna Maria Carol de Bonis Adelaide Ivanova Clara Baccarin Francesca Cricelli Joana Corona Mariana Varela Elizandra Souza Maiara Gouveia Camila Rodrigues Nina Rizzi Priscila Lopes Bruna Beber Eunice Boreal Germana Zanettini Jenyffer Nascimento Julia de Carvalho Hansen Mariana Botelho Mariana Teixeira Rita Barros Rita Isadora Pessoa Ana Guadalupe Bruna Mitrano Mell Renault Bianka de Andrade Laura Liuzzi Lilian Sais Priscila Merizzio Ryana Gabech Susi Freitas Anna Apolinário Isabela Penov Lara Amaral Lubi Prates Mar Becker Ana Estaregui Ana Kehl de Moraes Camila Vardarac


O diferenc MIRIAN DE CARVALHO

À publicação da antologia intitulada As mulheres poetas na literatura brasileira, que consta de três volumes organizados pelo poeta Rubens Jardim, sinto-me honrada por assinar o texto introdutório a este terceiro volume que enfoca o trabalho de escritoras nascidas a partir de 1973, numa escala de tempo que alcança o ano 2000. A poesia continua viva e muito bem representada pelas novas gerações de mulheres poetas. Coisa sem valor em meio ao mundo monetizado, a poesia alcança lugares, tempos e dizeres que só a imaginação pode conceber. Imaginar é preciso. Longe das mordaças e dos paradigmas, a imaginação transforma em linguagem poética os veios da antelinguagem que sempre habita circunscrições anímicas. Nesse processo, o diferencial da palavra se ancora na criação de sentidos do mundo. Sentidos do mundo visto pela ótica feminina, nos meandros dessa antologia. De há muito a poética feminina tem sido alvo de grande destaque no trabalho de Rubens Jardim, ao ser divulgada com

é carioca, doutora em filosofia, dedica-se à poesia, à crônica, à crítica de arte e desenvolve estudos sobre cultura brasileira. Em 1999 publicou seu primeiro livro de poesias: Cantos do visitante. Em seguida vieram mais sete livros de poemas, alguns premiados como Violinos de barro, 1º. Lugar no Concurso Literário Nacional e Internacional da UBE-RJ - 2010. Como ensaísta, Miriam é autora de inúmeros trabalhos como A escultura de Valdir Rocha e, Metamorfoses na poesia de Péricles Prade. Em 2013 recebeu o Prêmio Vianna Moog, pelo 1º. Lugar no Concurso Literário Nacional e Internacional da UBE-RJ, categoria Ensaios. Miriam é membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte, da Associação Internacional de Críticos de Arte, da União Brasileira de Escritores: RJ e SP, do PEN Club e da Sociedade Eça de Queirós. 6 AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA


cial da palavra frequência no seu blog. Às edições do blog se acresce a publicação dessa antologia, o que representa uma iniciativa enriquecedora do campo da literatura brasileira, porque Rubens não se restringiu aos nomes consagrados pelos holofotes das grandes mídias e / ou da crítica oficial. Em esquiva dos modismos e das diretrizes do mercado, ele optou pela escolha de textos significativos do ponto de vista da escrita de cunho poético. Com vistas à literariedade, em As mulheres poetas na literatura brasileira, Rubens apresenta poesias de mulheres de várias gerações, entre diversidades temáticas e tonalidades expressivas. Nos três volumes da referida antologia, ganha relevo o que as mulheres poetas têm a dizer por meio da poesia. E além da poesia. Sinto-me, então, muito à vontade ─ ao longo deste texto ─ para dizer o que penso, o que sinto, o que almejo. E o que imagino sobre o alcance da poesia. Inicio por observar que, nos poemas reunidos neste volume, assim como nos dois anteriores,

pulsam realizações, aspirações e desejos femininos desvelados na transitividade do dizer e do fazer. Desse modo, a poesia é alçada ao rumo político no sentido de trazer à pólis a voz poética, em seu marcante diferencial. Indo além da mera divulgação de poetas e de poemas, Rubens Jardim deixa transparecer ─ entre as malhas do texto feminino ─ certo projeto direcionado à consecução da igualdade de direitos no plano sociocultural. Igualdade de direito à escrita. Igualdade de direito à palavra. Igualdade no reconhecimento literário. Igualdade que se permite abranger diferenças temáticas, ideativas e estilísticas, tão bem expressas nos versos dessas poetas. Em meio a tais diferenças, as vozes femininas tangenciam o épico, o trágico, o dramático e o lírico, entre as várias nuanças e tonalidades dos sentimentos humanos, por meio de uma ressonância da voz que permeia o diferencial da palavra como caminho libertário do

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dizer a partir da poesia. Não podemos esquecer que, numa extensão planetária, as mulheres foram por muito tempo alijadas dos processos de aprendizado escolar, das decisões de alcance coletivo e até mesmo impedidas da realização das aspirações íntimas. Ainda hoje, por motivos vários e em muitos lugares e circunstâncias, elas não alcançaram de modo pleno tais direitos. Confirmando esse quadro histórico-social, deve ser lembrado que, na Idade Média, as belas e famosas cantigas de amigo se enraizavam na escrita e na fala do homem simulando o dizer feminino, derramando-se nos versos de amor e saudade que ele queria ouvir. E as mulheres de antanho? Desejariam fazer tais versos? Se os compusessem, desejariam dizê-los a tal pessoa que se arvorava centro da paixão? Aquilo que, no dia a dia, as mulheres medievais realmente pensavam, sentiam e gostariam de dizer aos seus amados não nos é possível saber. Deve ser lembrado, ainda, que nas iluminuras ─ mostrando tímidos e langorosos olhares; delicados 8

e sinuosos gestos femininos ─ as imagens eram idealizadas e pintadas por homens. Nas artes do Medievo, a posição atribuída à mulher não correspondia ao lugar que lhe era dado no plano social. E não podemos esquecer que a partir do século XV ─ num longo período que chega ao século XVIII ─, acusadas de bruxaria, inúmeras mulheres passaram das chamas do amor às chamas da fogueira. À valorização da poesia feminina ─ e da mulher ─, pressinto que, numa dinâmica ideativa que tangencia tempos de antes, de hoje e de depois, Rubens Jardim, além de apresentar ao público o trabalho das mulheres poetas, almeja dar lugar e voz àquelas sem direito à fala. E, se aqui me sinto à vontade para falar livremente, aqui me vejo livre também para sonhar e imaginar. E vislumbro certos elos entre essa antologia e o filme Gabbeh. Mohsen Makhmalbaf, diretor do filme realizado em 1995, igualmente, homenageia as mulheres. Trata-se das tecelãs do sudeste iraniano onde se deslocam as tribos

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de Gashghai. Sem direito à voz, a tecelã conta sua história por meio da feitura de tapetes, entrecruzando fios do real e do imaginário. À dinâmica do tear, ela compõe uma cantiga da vida: uma cantiga nascida em meio ao entusiasmo das cores que falam dos sentimentos alusivos aos episódios daquele lugar. Em meio ao deserto, o feminino caminha entre tarefas do dia a dia e voos do onirismo ─ numa poética dos nós ─ a enlaçar os matizes das lãs urdidas com o coração. Assim como as mulheres tecem no poema a vida da palavra ─ e o sentido da vida ─, aquelas mulheres partejam no tear a própria vida. Que um dia possam elas ler, escrever e falar com desenvoltura. Que um dia possam tecer os fios da liberdade do verso. Junto à digressão alusiva à poética do tear ─ porque o teclado é hoje o tear da poesia ─, observo que, ao espalhar pelo mundo tais vozes femininas, inclusive aquelas que ─ por meio do poético e / ou da ação ─ tangenciam de modo explícito metas socioculturais, tal iniciativa do organizador me desperta o imaginar. Imagino então que,

implicitamente, Rubens Jardim se declara apreciador de outros feitos femininos em defesa do direito à vida, tal a comovente história das Madres y Abuelas de Plaza de Mayo, bem como de outros movimentos similares com grande participação feminina. Ante o respeito e incentivo às diferenças, pressinto que nessa antologia o poético se deixa conduzir pelo viés da liberdade, porque, com a delicada firmeza de quem sabe o que deve ser feito dentro de um projeto literário que não perde de vista os Direitos Humanos, e exaltando o alcance da ternura, Rubens Jardim convida o leitor aos desdobramentos da poesia incontida no diferencial da palavra criando sentidos do mundo. Do mundo como poderia ser. E o mundo poderia ser diferente! Ante esse diferencial, a palavra não se restringe ao feminino. Diversa e liberta, a palavra se inscreve nos meandros da imaginação buscando na antelinguagem a matéria a ser transformada em poesia. E a poesia repercute na delicada coragem daquele que sabe ouvi-la.

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Não faz muito tempo que elas deixaram a cozinha, os crochês e as costuras. Hoje elas são executivas, médicas, empresárias, políticas, professoras -- e até presidentes. Mas já faz tempo que elas ingressaram na literatura. Onde fizeram e fazem um excelente trabalho. Este e-book pretende divulgar o trabalho das nossas poetas. Antes, porém, leia este histórico.

Uma das últimas fotos de Virginia Woolf, escritora, ensaista e editora britânica, conhecida como uma das mais proeminentes figuras do modernismo. Nasceu em 1882 em família abastada. Seu pai, Sir Leslie Stephen, era escritor e historiador ilustre da Inglaterra vitoriana.Virginia morreu em 1941. 10

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Na década de 1920, Virgínia Woolf afirmava que, para as mulheres produzirem sua poesia, precisavam de um quarto com chave e uma renda anual de quinhentas libras. Em verdade, enquanto os homens dispunham de uma estrutura adequada ao trabalho intelectual, para as mulheres restava o canto da mesa da cozinha depois de realizadas todas as tarefas. Um quarto com chave proporcionaria o sossego necessário à concentração, e a renda contribuiria com a independência financeira indispensável para a liberdade de pensamento e o exercício da criatividade. Como se vê, não é privilégio tupiniquim o esquecimento proposital da contribuição cultural da mulher, em vários campos do saber e das artes. No caso específico da literatura, a questão é mais séria ainda. Afinal, tanto Silvio Romero como José Veríssimo –famosos historiadores da nossa literatura no século 19-- registraram pouquíssimos nomes femininos. E na História Concisa da Literatura Brasileira –a mais usada no ensino atual— o prof. Alfredo Bosi só menciona quatro nomes de poetisas: Francisca Júlia, Gilka Machado, Auta de Sousa e Narcisa Amália. Mesmo assim, somente a primeira mereAS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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ceu biografia e algum destaque. Mas essa ausência, que passa uma idéia equivocada da influência feminina na cultura do país, vem sendo corrigida através de pesquisas, teses, livros, artigos e ensaios. Escritoras Brasileiras do Século XIX, organizado por Zaidhé Muzart, foi o pontapé inicial em direção a uma reavaliação desse nosso patrimônio literário e cultural.

Raquel de Queiroz tomando posse na ABL.

Publicado em 2000, o livro, com cerca de 1000 páginas, revela nada menos que 52 autoras e mostra nomes que nunca ouvimos falar —resultado desse trabalho paciente de “revolver escombros e garimpar entulhos” conforme texto introdutório da própria autora, Zaidhé Muzart É inquestionável o mérito desse trabalho --e de um sem número de outros que foram surgindo sobre as questões relativas à mulher. É crescente, sem duvida, a presença delas em todas as áreas das atividades humanas. Tivemos até uma presidente mulher. Quanto à literatura mais recente, não podemos nos queixar. Existem muitas escritoras mulheres e elas também se apresentam em dissertações, teses de doutorado, pesquisas apresentadas em congressos e outras publicações. Sem a pretensão de desenvolver uma avaliação desse panorama, utilizo este espaço para prestar 12

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uma homenagem às mulheres. Mais especificamente às mulheres escritoras. Ou mais especificamente ainda: às mulheres escritoras de poemas. Afinal, por incrível que pareça, existe uma nítida predominância em nossa literatura de escritoras que se dedicaram à prosa, notadamente ao romance. Caso de Rachel de Queiroz, por exemplo, a primeira mulher a ingressar, em 1977, no clube do bolinha que era a Academia Brasileira de Letras. Pouco depois, a ABL acolheu duas outras prosadoras consagradas: Dinah Silveira de Queiroz e Lygia Fagundes Telles. O incrédulo leitor poderá perguntar: e as nossas poetas, onde estão?

Lygia Fagundes Telles É curioso observar que mesmo em épocas mais retambém entrou na ABL centes as poetas continuavam sendo preteridas. Um exemplo é a inexistência de qualquer nome feminino vinculado à literatura na Semana de 22. Nem Cecília Meirelles, que já havia publicado Espectros, em 1919 , teve aí a sua hora e a sua vez. Só para não ficar sem registro, relaciono aqui alguns nomes femininos. Alguns são desconhecidos até de especialistas, outros conquistaram alguma visibilidade. Mas todas essas escritoras desempenharam um papel que não se restringia às funções de esposa, mãe e dona-de-casa. Elas foram à luta e deixaram seu recado --para além do recato.

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UM POUCO DE LUZ NA LUTA DAS MULHERES Num dos artigos pioneiros no sentido de mapear as características da história da mulher no Brasil, escrito por Maria Beatriz Nizza da Silva, a autora afirma: “não temos acesso direto ao discurso feminino senão tardiamente no século XIX e, até então, temos de nos contentar em conhecer os desejos, vontades, queixas ou decisões das mulheres através da linguagem formal dos documentos ou petições, manejada pelos homens.” Debret, pintor e historiador que viveu 15 anos entre nós, já registrava que a educação das mulheres se restringia, até 1815, a recitar preces de cor e a calcular de memória, sem saber escrever nem fazer as operações. Somente o trabalho de agulha ocupava seus lazeres, pois

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os demais cuidados relativos ao lar eram entregues sempre às escravas. Só a partir de 1827, com a primeira legislação referente à educação feminina, é que as mulheres tiveram direitos assegurados à educação. Portanto, mesmo em meados do século XIX, a mulher ainda permanecia isolada do ambiente cultural. Talvez a marca mais evidente dessa condição de subordinação seja a do silêncio e a de uma ausência, notada tanto no cenário público da vida cultural literária, quanto no registro das histórias da nossa literatura. Na esperança de poder contribuir, modestamente, na reversão da nossa falta de conhecimento sobre a questão, resolvi abrir este espaço para divulgar alguns momentos significativos da história da literatura brasileira feita por mulheres. Já fizemos, em nosso site, postagens de tudo que se encontra neste e-book, elencando autoras muito pouco conhecidas e divulgadas. E prosseguimos, agora, nessa mesma direção. Esclarecendo que minha atenção está voltada, exclusivamente, nas poetas mulheres. Com vocês, as vozes femininas que quebraram barreiras e se fizeram ouvir.

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CAMILA DO VALLE (1973)

Poeta mineira, professora, foi diretora da Fundación Centro de Estudios Brasileros, em Buenos Aires. Trouxe, em 2005, a Editorial Cartonera, cooperativa que utiliza materiaL reciclado. Em 2008, organizou a antologia Caos Portátil, de novos poetas brasileiros, publicada no México. Publicou o livro de poemas Mecânica da Distração: os aprisântempos.(2005). Em 2006, este livro foi traduzido e publicado na Argentina. Está terminando de preparar seu próximo livro de poemas: Modos de abrir o mundo com as mãos.

MISSÃO DIPLOMÁTICA NA CHINA (pianissimo) Onde pousar a palavra? Como se a caneta fosse a asa de unia xícara de porcelana rara que eu estaria a segurar com todo o cuidado no ar. Do ar ao pires, podemos, ou não, espatifar a dinastia Ming. Delicadamente. TANGO Vejo milhões de Robertos todos os dias. Mas foi só ver Anita uma única vez que fiz um poema. Aí a cidade era eu. Girinos vermelhos saíam de minha vagina, escorriam veias pelas minhas pernas, abrindo avenidas em pleno centro da América Latina. Embora a linguagem seja dos homens, a cidade saiu-me mulher. De longe, a minha avó grita tão perto: – Tenha modos, menina! Cruze as pernas! E eu cruzo, adoravelmente, as pernas, e encanto o senhor capitão. De espada na cinta e ginete na mão. (eu ou ele?) Peço-te, Anita, somente, que não se case com ele. Se você não se casar: nem eu. Continuemos com as pernas escrupulosamente abertas na América Latina. De forma estratégica: sem modo

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CAROLINA MONTONE (1973)

Poeta paulista, é jornalista , atriz e instrutora de ioga, meditação e mindfulness (atenção plena). Autora de 3 livros individuais para público adulto e infantil. Seus textos integraram coletâneas poéticas, entre elas a antologia “Todos os Tons da Poesia” do IV Encontro de Poetas da Língua Portuguesa no Museu do Catete RJ -2017. “Pão Com Poesia” (Multifoco), que reúne receitas de pães e poemas, foi lançado nas Bienais Internacionais do Livro de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife e em outros eventos importantes como a Flipoços. É escritora premiada pela Academia Campinense de Letras.

SER DE LÁ * No sertão, poema de amor é bode na lata, Rapadura, requeijão bicicleta, rádio e óculos “raiban” Matula de baiano mesmo é o benzimento Menino ungido no dendê carece de muito não, nem chocalho Nasce “aprendido” Quase sabido de assoviar, pra não chorar Escrever é mais difícil A professora sertaneja quando vem , ensina na lousa é com a unha Com sorte, um e outro entende bem que B com R mais A é “Bra” e S com I junto do L é “ Sil” Bra-sil Oxente ! AS BOCAS SÃO IRMÃS O jornal noticia mais um sorriso assassinado, neste mundo desalmado onde ninguém mais compra fiado, o viado ainda é mal tratado e o padre é tarado... Menino abandonado é aos montes Em cada “fulano “ perdido outro choro contido, lícito igual o uísque e ou anestésico à gosto , triste feito eu e você ... RECÍPROCA RIMA Se eu pudesse nem saber o que quero com você, debaixo da palavra, ilhada em silêncio e sorte, mentiria em paz ... And.... Às vezes, eterno feito lembrança de lírio, seu sorriso sobreviveria seguro, acima dos muros ... FEITIÇARIA Deu face à sua faca, somente a poesia a atravessaria... *poema em homenagem a parte nordestina da

família da autora, escolhido para representa-la no IV Encontro dos Poetas da Língua Portuguesa no Museu do Catete no RJ em 2017 AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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ADRIANE GARCIA (1973)

Poeta mineira, é escritora, historiadora, funcionária pública, arte-educadora e atriz. Graduou-se em História pela Universidade Federal de Minas Gerais e se especializou em Arte-Educação na UEMG. Seu primeiro livro, Fábulas para adulto perder o sono, venceu o Prêmio Paraná de Literatura em 2013, na categoria poesia. Outros livros de sua lavra: O nome do mundo (2014) e Só, com peixes (2015). Também Enlouquecer é ganhar mil pássaros, e-book disponível online pelo Issuu, e o livreto Embrulhado para viagem, da coleção Leve um livro, 2016.

O LOBO MAU Tinha orelhas grandes Mas não eram para me ouvir Melhor Tinha nariz grande Mas não era para me cheirar Melhor Tinha mãos grandes Mas não eram para me acariciar Melhor Tinha boca grande Mas não era para me comer Melhor Sentei-me na soleira da porta E devorei a cesta. NA HORA Nem a tarde é tarde Seus raios avermelhados Dizendo-nos vida Nem os meus Nem os seus Cabelos são tarde A mão que os toca Tão presente Nem a tarde sente Que a gente chegou Bem No exato Da hora. A DITADURA DOS COITADOS Cuidado com os coitados Esses que nada podem Podem tudo É por causa deles Que os teus ombros Doem. 18

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SCHEILA SODRÉ (1973)

Poeta paulistana, é professora de língua inglesa, graduada em tradução e servidora pública municipal, casada e possui o gene da enxaqueca. Colaborou na revista eletrônica Zunái, no caderno Prosa, poesia e arte do site Portal Vermelho, na antologia A noite dentro da ostra e publicou a plaquete Hemicrânia (2018). A autora desenvolve pesquisas sobre Ezra Pound e suas traduções conforme o modelo teórico de Corpora.

JAULAS DE MOREAU mandíbulas de crocodilo abocanham pequenos ossos no fim do arco íris negro um muro árido cortes de arames fios de navalha unhas roídas de querubins ratoeira americana raiva contida em cápsulas e papel metálico crianças dormem invisíveis como elementos químicos nos pulmões: medo fábrica de terror Mickey Mouse morto na Disneylândia dezenas de rosários, terços e velas mães anônimas #mickeymousemorto CLAVA Flores e crânios confinados a espera do vento. a lápide e o trono dos leopardos dentes amarrados aos cipós do tempo clava que parte o solo o níquel da barganha no bolso Iku desenha o caminho da terra de volta ao ventre de Nanã. AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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CLAUDIA FREIRE (1973)

Poeta paulistana, formou-se em Jornalismo e História e, posteriormente, em Tradução, área em que atua há 18 anos. O flerte com a poesia teve início ainda na adolescência. Desde então foram centenas de textos e poemas escritos e… engavetados. Finalmente chegava o momento de seguir os conselhos de velhos amigos, poetas ou não: desengavetar poemas, fazê-los voar. A seu tempo, conseguiu finalmente compreender e aceitar que o poema só se completa quando lido. Publicou Ressonância, seu livro de estréia. Tem como hobby o bordado livre. Nas linhas dos versos ou dos tecidos, acredita que perder o fio da meada é absolutamente fundamental.

ISSO NÃO SÃO HORAS A esta hora da manhã e já lambendo os dedos? A esta hora da noite e ainda de gravata? A esta hora da vida e ainda de algemas? A esta hora da morte e ainda com saudades? A esta hora da viagem e ainda com enjoo? A esta hora da infância e ainda com manha? A esta hora da velhice e ainda se assanha? A esta hora do show e ainda se acanha? A esta hora do trato e ainda me estranha? A esta hora da missa e ainda duvida? A esta hora da barriga e ainda aborto? A esta hora da dívida e ainda juros? A esta hora das juras e ainda acredita? Vou me retirar A esta hora do velório já nem me lembro quem era o morto.

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SHIRLENE HOLANDA (1973)

Poeta cearense, lê poemas desde a adolescência. Estuda teatro e costuma desenvolver performances em saraus com declamações de poemas. Participou da antologia em homenagem ao poeta Rubens Jardim, pela Editora Patuá, e da Primeira Antologia do Sarau Achados & Perdidos pela Editora Desconcertos.

LOUCURA Avistou a loucura maior que a já familiar Parecia tolerável Em movimento lógico convenceram-no de uma culpa por todo desvario Adaptou-se à tortura à agressão outrora descabidas E passou a esperar do correio mais mensagens sedutoras no dia a dia, mesmo depois de qualquer horror Talvez estivesse à procura do seu absurdo mais íntimo. INSTANTE era parar o tempo queria só ver/ouvir a chuva no instante da janela as nuvens luzidias a clarear a água que caía você disse ser a vez do branco da paisagem eram peixes a alimentar-me o peixe sem ar , agonizado com limão , desajeitadamente minha contração meu alimento em banquete doze horas a sentir o cheiro da tua boca. AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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ANDRÉA CATRÓPA (1974)

Poeta paulistana, é mestre em teoria literária e uma das editoras do jornal O Casulo, de literatura contemporânea. Foi uma das organizadoras da Antologia Vacamarela 17 poetas brasileiros do XXI (edição dos autores : 2007) e publicou o livro de poemas Mergulho às avessas (2008).Quando criança odiava escola. Adulta fez duas faculdades, mestrado e doutorado. Aos 15 anos leu Mallarmé, Baudelaire e Rimbaud sem entender nada. Mas gostou: “aquela poesia era como música, que toca os sentidos antes da razão.

POUR FAIRE LE PORTAIT D’UN POÈME IDEAL era o alvorecer e o sol mais intenso uma paixão de descompasso as penas as glórias e os sabotadores da história a pequenez dos homens altos e a grandeza das mulheres baixas o gozo e o riso dos sem dentes era minha infância tataravós e escola teus sapatos altos debaixo da cama varridos junto com o medo a poeira acumulada e que sempre retorna a mônada que nos cabe certamente tudo que não este deserto MUSA fantasma do texto boca da palavra sexo de mulher que fala serpente que engole a própria cauda e no branco espalha o gozo lágrima da tara O SEM-NOME vermelho-laca com grandes brasas por detrás dos olhos, os cães ouviram o assobio, o homem ouviu – lhe disseram é o que anda sem os pés, o que se esgueira por entre as copas de árvore e não é cobra – e virá encarnado é texto, oração, pensamento, desencarnado é sangue, suor, frio na espinha, a ameaça da terra, o chão.

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CRIS DE SOUZA (1974)

Poeta capixaba, estudou na Universidade Federal do Espírito Santo e vive em Vila Velha. Lançou em março de 2017, seu primeiro livro de poemas: Na Frente da Loucomotiva.

ELÉTRICA Estou meio Louca Estou meio Emotiva Estou toda Loucomotiva SIMBÓLICO bilhete para um sonho: a sombra só pode ser sonâmbula PRESCRIÇÃO Não consegui Livrar-me Dos internos Sintomas Segui Inflamando Os devidos Idiomas De noite Entre bulas E bocas Salvou-me Um poema Em coma

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ANGÉLICA LUCIO (1974)

Poeta paraibana, é jornalista profissional. Recebeu menção honrosa no concurso de Poesia do Sesc João Pessoa. Participou da Antologia Contemporânea da Poesia Paraibana (1995) e publicou, Quadrifólio junto com os poetas André Ricardo Aguiar, Fausto Costa e Karina Grace. Organiza a publicação de seu primeiro livro de poemas.

PÉROLA Minha dor é molusco e se faz de ostra: sempre me enclausura. Brinca com hipocampos, faz cócegas em Netuno e me quer sua filha. Talvez uma pérola. TESSITURAS Se me esqueço em novelo de dedos não me fio em roca e fuso de tessituras alheias. Ainda que fique sem pão colher de pau e jasmim tapete de tez vermelha ventilador e dentifrício, Ainda que perca o elo, não me fio e me fecho em minotauro. FILHOS Meu pai pensava filhos como se quisesse açude pomar curral e galinhas fazia filhos como se pensasse em sítio: de sua carne.

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PAULA AUTRAN (1974)

Poeta paulistana, é historiadora, jornalista e mestre em artes cênicas pela ECA. Já teve seis peças encenadas e é integrante do Centro de Dramaturgia Contemporânea. É autora do livro infantil Vovó Rock and Roll e do relato jornalístico A Volta dos Mutantes. Publicou o livro de poemas Manifesto de mim mesma (2014) e Amor que parte (2017). Ministra aulas de dramaturgia e escreve textos jornalísticos.

Nosso amor: um osso em um relicário antigo encravado em algum ponto indefinível entre minha garganta e meu coração que só dói quando engulo (ou respiro). POR TÃO POUCO Olho para o sabonete na pia. Ele está no final. Gosto de usar os sabonetes até o finalzinho. E pensar o que acontece com eles. Sobram sempre alguns pedaços. Eles não se extinguem por completo. Nem o shampoo, a pasta de dente ou o perfume. Há sempre uma gota no final do frasco, do recipiente, da embalagem. Como os grãos de arroz, o pó do café. Nós é que desistimos deles. Desistimos de apertar o tubo, de catar migalhas, de bater no fundo do frasco. Um dia cansamos de nos esforçar por tão pouco.

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SIMONE DE ANDRADE NEVES (1974)

Poeta mineira, é advogada e teve poemas publicados no Suplemento Literário de Minas Gerais, Poesia Sempre, Revistas Mininas e Polichinelo. Em 2006 participou, como convidada, do projeto arte no ônibus e da pelada poética, 2010 e 2013. Publicou os livros Coração como engrenagem (1994) e Corpos em marcha (2015).

DUCHAMP ARDIDO O aposto e o hermetismo Tal urina, urinol um coração expande amorfo a decompor dejetos metafísicos cavo, calva, a cova. O TEMPO ABRANDA AS COISAS O Sol fez branco o terço rosa deixado sobre o túmulo. ALMA-DE-GATO Mora um gato no fundo do olho do pássaro. O observador de ninhos alheios assenta nos galhos mais altos: os acusadores dos ventos. Perito rompedor de cascas acessa a membrana espectral. Suga das gemas os cantos das incontáveis manhãs e reafirma o teu nome.

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PATRÍCIA REINBRECHT (1974)

Poeta nascida em Rio Grande, mudou para a capital Porto Alegre, no final dos anos 1990. Depois morou dez anos em Florianópolis e desde 2010 é uma sulista vivendo em Brasília. Publica seus poemas nas páginas do Facebook e do Instagram e na revista Criado Mudo, da plataforma Medium.

AS OUTRAS EM MIM Sou uma mulher ainda menina. Sou aquela que pede e aquela que ensina. Alugo meu ombro, distribuo esperanças, cobro presenças. Sou aquela que peca e a que dá a sentença. Sou várias em uma, sem me esquecer de mim. Sigo avante nesta estrada, sem me importar com olhares e juízos, nem com quem não entende a direção que o mundo me deu, pois, no final de tudo, quem sabe da minha vida e das minhas agruras sou eu, somente eu... TERAPIA Aceitei-me como sou, levou tempo, precisei me educar. Vi-me ali, tão frágil, disposta a entender, o que a vida faz com a gente quando começamos a nos reconhecer. Pés errantes, alma grená. Eu sou como um novelo emaranhado, cujo nó que o desenrola eu ainda não sei bem onde está. AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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CRISTIANE SOBRAL (1974)

Poeta carioca, vive em Brasília. Escritora, poeta, atriz e professora de teatro. Bacharel em Interpretação Teatral (UnB). Licenciada em Artes Cênicas. Especialista em Docência. Mestre em Artes (UnB). Professora de Teatro da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Tem nove livros publicados o mais recente: “Dona dos Ventos”, Ed Patuá. Dirigiu a Cia de Teatro Cabeça Feita por 17 anos. Ganhadora do 1º lugar Festival Frente Feminina com Esperando Zumbi, texto e interpretação de sua autoria publicado na Antologia de Dramaturgia Negra (FUNARTE). Em 2019 fez palestras sobre literatura negra em 09 universidades estadunidenses inclusive Harvard.

RETINA NEGRA Sou preta fujona Recuso diariamente o espelho Que tenta me massacrar por dentro Que tenta me iludir com mentiras brancas Que tenta me descolorir com os seus feixes de luz Sou preta fujona Preparada para enfrentar o sistema Empino o black sem problema Invado a cena Sou preta fujona Defendo um escurecimento necessário Tiro qualquer racista do armário Enfio o pé na porta e entro PROPAGANDA ENGANOSA Na primeira vez em que beijei Foram as minhas amigas que beijaram Elas inventaram um gosto, um jeito, um cheiro Meus lábios não estavam Na primeira vez em que beijei O príncipe foi escolhido pelas garotas sonhadoras Pra mim era um tolo Um sapo, um dragão que em mim cuspiu o seu fogo Não sei como foi Não viram os meus olhos cerrados Eu não estava lá.

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SOCORRO LIRA (1974)

Poeta paraibana, é psicóloga, foi professora e organizou grupos de mulheres, com vistas à ocupação de terras na região do Brejo Paraibano. É pesquisadora, compositora, instrumentista e cantora com vários discos gravados e inúmeras apresentações em shows. Seu primeiro livro de poemas Aquarelar, foi publicado em 2007 e A pena secreta da Asa, segundo livro, veio à luz em 2015.

A cor que me deste em rosa me despertou assim despetalada já meio parto dessa madrugada nasci doente de amor, passada da minha hora de nascer e à luz de uma velinha que cobriu o mundo e deu-me a sombra dada ao vagabundo que tem o céu por casa sem o ter e o azul por manto protetor para vestir a pele quando a dor o visitar na hora de viver O QUE É NOSSO Tornar universal um amor que é meu tomar do universo uma dor que é sua tirar da vida o pão de cada dia palavra por palavra – a poesia A LÍNGUA Revirando gavetas do tempo retirando poeira dos cantos reencontro você, bem no ponto, que paramos de andar adiante e escrevemos um pequeno conto... Com a vida, a nossa, escrevemos poucas linhas pra contar o quanto foi de prima, de cara, o encanto registrado no canto da alma onde fala, o amor, esperanto

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ANA DOS SANTOS (1975)

Poeta gaúcha, é professora de Literatura Brasileira e poeta. Mestranda em Estudos Literários Aplicados do PPG Letras/UFRGS, ministra a oficina de escrita criativa “Mulher Negra, Meu Corpo, Minha Voz,”. Tem dois livros publicados: “Flor” (2009) e “Poerotisa” (2019). Faz parte do catálogo “Intelectuais Negras Visíveis” (UFRJ) e é Acadêmica da Academia de Letras do Brasil/Rio Grande do Sul na cadeira 100 com a Patrona Lélia Gonzales.

Os meninos engraxates não usam sapatos. Isso é fato! Que nossa falta de tato não deixa perceber: a falta do sapato a falta do afeto... A graxa do sapato é da cor do menino e o brilho do lustre reflete em sua face. Enquanto lustra o sapato ele pensa que não há sapatos para calçar... E aquele que está lustrando não é o seu número! Não é o seu número! ________________________ AS BABÁS DE BRANCO As babás pretas cuidam bebês brancos. As babás de branco As babás são pretas e usam uniformes brancos. As babás de branco Eu não brinco com as babás de branco, a vida delas não é brincadeira!

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ADRI ALEIXO

(1975)

Poeta mineira, é formada em letras pela UEMG e escreve poemas desde a juventude. De vez em quando arrisca alguns contos. Vive em Belo Horizonte onde atua como professora de português e literatura. Possui textos publicados em sites e revistas literárias como Germina, Mallarmargens, Suplemento Literário de Minas Gerais, Zona da Palavra, Verso Aberto, O Relevo, entre outros. Publicou os livros de poemas: Des.caminhos(2014) e Pés (2015).

CALEFAÇÃO Os pés cansados: cadafalso, candelabro. Pisar minúcias nas costas, o mundo os filhos nos braços. E você diz que a mulher deve ter pés delicados. REGOLITO Quando saio, nunca sei aonde vou me perco entre as ideias do caminho. Meus pés querem céu meu corpo, um canto ribeirinho. Se volto, é porque um astro me prende ao chão. O antúrio sempre me cumprimenta à porta. MONJOLO Um chão vermelho de goiabas e cheiros me regressa E assim meio rio meio córrego eu tento dar-lhe fundo Eu sei, pai, foi seu braço que fez o mundo FADO Já busquei a chave do meu caminhar agora Descaminho. TRÊS MARIAS para Daniela Delias

No chão, as estrelas que colhemos têm outros nomes: rosas, margaridas e calêndulas. AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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ANA ELISA RIBEIRO (1975)

Poeta mineira, é doutora em linguística aplicada e mestre em estudos linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais onde também se bacharelou e licenciou em Letras/ Português.Publicou Poesinha (1997), Perversa (2002), Anzol de pescar infernos (2013), além de minicontos e poemas em revistas e jornais, no Brasil e em Portugal. É cronista do site Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com).

ANTIGUIDADE D’ONDE VIEMOS Péricles disse que a maior virtude de uma mulher Era ficar calada. Péricles se fodeu. Péricles, hoje, levaria uma surra dada por mil mulheres como eu. TRÁGICA meu galego não conhecia minha ira era dono do meu corpo meu espírito de porco sabia minha ginga minha pletora, minha míngua conhecia cada fresta cada trinca, cada aresta cada vinco, furo, fissura, mau humor, amargura mas da minha ira condenada ira ira da maldita ira de mulher fêmea exata ana saliente uterina, enfezada ele não sabia nada (meu galego dorme esta noite num cemitério improvisado) AFINAL, sobrou-me uma casa com livros. Além disso, relva, vidros e um cachorro de patas curtas. Restou-me também um filho, mas isso já é luxo. 32

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ANNITA COSTA MALUFE (1975)

Poeta paulistana, jornalista, é mestre em comunicação e semiótica pela PUC de São Paulo e doutora em teoria literária pela Unicamp, onde estuda poesia contemporânea e filosofia. Publicou Quando não estou por perto (2012), Como se caísse devagar(2008), Nesta cidade e abaixo de teus olhos (2007), Fundos para dias de chuva (2004), Ensaio para casa vazia (2016) e Um caderno para coisas práticas (2016)

Quero de volta os pretextos para lavar as superfícies encardidas não acredito mais no que dão por feito os outros prefiro eu mesma laçar usuras da imperfeição viver dá nisso uma certa arrogância necessária desisto de entediar as palavras com o gesto monótono da caneta perco o medo dos abstratos e sigo dizendo vida amor solidão e catando as horas como quem rasga papéis antigos como quem verte um copo de groselha na toalha branca de linho da avó A VERDADE É QUE AS MALAS JÁ ESTAVAM PRONTAS na véspera ela seguiu junto com ele uma espécie de viagem sem volta só a passagem de ida era a busca por um outro mundo a busca por algum lugar possível o mais distante que pudessem ir apenas a passagem de ida a pouca bagagem decidir depois onde ficar as malas já estavam prontas e eles seguiram sem pressa eu fiquei olhando de longe achando bonito aquilo aquele casal sumindo na neblina caminhando lentamente como num filme que não me lembro o nome como as cenas finais de um filme cobertas pelo letreiro dois corpos da mesma estatura abraçados empurrando duas pequenas bagagens os rostos sorrindo mesmo de costas era o que se via mesmo de costas os rostos sorrindo nos contornos que iam perdendo a nitidez AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA 33 à medida que avançavam


CARLA NOBRE

(1975)

Poeta amapaense, é graduada em letras e especialista em língua portuguesa. Professora da rede estadual, é fundadora da associação literária e teatral Abeporá das Palavras, onde desenvolve trabalho voltado para a difusão da literatura produzida na Amazônia. Publicou os livros: Sobre o Adeus e o encelado de Saturno (2007) O amor é urgente e Exageros e delicadezas(2013)

Deixo contigo O mistério escuro dos corais Levo comigo o desejo De que teu barco Permaneça ancorado Em meu cais SONETO DA PALAVRA NUA Quero para minha poesia Todas as palavras nojentas As obscuras, as ambíguas Uma linguagem piolhenta Não me envergonho das minhas escolhas Minha palavra é minha pepita Catarro, mentira, dor, sangue Suvaco, urubus, bruxaria, bauxita Todas as palavras são bem vindas E com elas as penas, a moela, as tripas E todos os seus sentimentos e suas histórias Das mais tristes às mais lindas Fico com o verbo parir E toda a sua memória

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GERUZA ZELNYS (1975)

Poeta paulista é doutora em literatura pela USP e dá aula na PUC-SP. Também trabalha com formação de escritor na Casa das Rosas e faz mediação em Clubes de Leitura pelo Grupo Movimenta. Criou o curso de Escrita Curativa realizado em ambiente terapêutico (Instituto Naturare). Publicou o livro de poemas Esse livro não é pra você (Patuá, 2015)

NOITES BRANCAS naquelas noites brancas minha avó tricotava na poltrona e na caneca grossa palavras fumegantes de uma história que eu não bebia porque esses versos não tem matéria nem memória apenas significantes imagens bonitas que se aconchegam bem ao poema principalmente em dias de frio porque a página é sempre pista de gelo mas hoje está calor e tudo queima minha vó nunca tricotou e eu não lembro das histórias que contou se lembrasse também não sei se caberiam num poema vidas não cabem no poema estendem-se infinitamente e ele tem pressa palavras fumegantes, casacos, meias e cachecóis demandam tempo adio a velhice boicotando o tempo da vida escrevendo poesia coleciono suicídios e juventude porque jovem é o verso corda elástica de bungee jumping que só estica até o limite do chão é esse o tempo que me cabe não serei avó nem terei história mas aprendi o tempo da poesia e bebo num só trago o que me desce queimando depois enfio duas grossas agulhas no pescoço e tricoto apertando bem a grossa lã até fechar totalmente o vão oco da garganta prendo as pontas com um nó e pulo

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PATRÍCIA CLAUDINE HOFFMANN (1975)

Poeta paulistana, mora em Joinville desde 1981. Cursou letras e é professora da rede estadual de ensino. Autora dos livros de poesia:Água Confessa ( 2001), Sete Silêncios (2004), Matadouro Imperfeito (2016), e Feito Vértebras de Colibris (2017). Este último integra a coleção Mariana Edições, movimento que promove a literatura produzida por mulheres.

REFÚGIOS PARA GUARDAR MEU PAI A saudade desenha seus estiletes, pai. De dentro para fora.

in memoriam

Teus molinetes, agora ornamentam a casa com inconformável beleza: procuram tua pesca. Nenhuma fresta entre nós. Nenhuma isca. Na antifesta de estar, o mar desfeito não comemora comigo: estamos sós. E não há pacto de anzóis que capture a precocidade de tua ausência ou te devolva como devolvíamos os peixes para a água. — Lembras? Apareceram uns cansaços nas paredes. Onde antes teu descanso sobre o dorso das redes, agora memórias rendadas avarandam a chuva em chamamento. Enquanto o vento motiva algum sol, embala-me ainda teu riso nos braços já fracos da infância. — As tarrafas cresceram, pai. Ainda não aprendi a dobrá-las.

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DANIELA GALDINO (1975)

Poeta baiana, mestre em literatura e diversidade cultural, é professora de literatura na UNEB. Organizou os livros Tessitura Azeviche: diálogo entre as literaturas africanas e a literatura afro-brasileira(2008) e Levando a Raça a Sério(2004). Participou de várias antologias e publicou Vinte Poemas Caleidoscópicos (2005) e Inúmera(2012)..

INÚMERA Eu tenho a síndrome de Tim Maia. Eu tenho as varizes de Clara Nunes. Eu tenho os vícios de Piaf. Eu tenho a orelha de Van Gogh. Eu tenho a perna que falta ao Saci. Eu tenho o olfato de Freud. Eu tenho o cansaço de Amélia. Eu tenho o peso de Maria. Eu tenho as dermatoses de Macabéa. Eu tenho a cusparada de Sofará. Eu sou a linha tênue que une os xipófagos. Eu sou uma interrogação vagando com pressa. Eu sou um insulto atirado à queima roupa. Eu tenho atalhos ainda não percorridos. Eu tenho palavras desgastadas e nulas. Eu tenho uma voz penífera e cortante. Eu confesso: sou intrusa, sou inúbil, sou inúmera. ALVORECIDA Acordei com um sol enorme dentro de mim abrasaram-se os órgãos vitais raios trafegaram minhas veias borbulharam pensamentos de lama nos lençóis freáticos da memória o sol tomou conta de tudo expandiu felonias esquecidas ergueu-se um centenário baobá no terreiro inabitado de mim o frêmito deste nascimento alimentou espetáculo frondoso: sombra nas costas do dia vertigem na borboleta. AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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CHANTALL CASTELLI (1975)

Poeta paulistana, é fotógrafa, professora de literatura e ensaísta. Participou do livro Drummond Revisitado (2002), que reúne análises de vários autores sobre a obra do poeta itabirano. Publicou os livros de poemas Memória Prévia (2000) e Os cães de que desistimos(2016)

Não um poema que descrevesse o desenho de tua mão procurando-me esta manhã; sendo que é de impalpável fibra esse aceno. Mas um poema que soubesse dizer ao menos da perfeita mudez dessa hora, do primeiro esboço de luz saudando o entendimento de nossos corpos. CONSTELAÇÃO Para Carlos Drummond de Andrade

saltavam, dois olhos de vidro opaco.

Contemplo-os agora na janela da memória — ou serão também espelho, reflexo de mim mesmo? A tarde parecia eterna nos pés do menino junto à horta, na caixa d’água que era berço e túmulo, na coleção de cacos e suas flores mínimas, resumo de conversas na cozinha, tinidos, subentendidos... Tento recompor a memória prévia, o tempo duplo, a casa em chiaroscuro, no papel que (mesmo querendo) não posso rasgar. 38

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PRISCA AGUSTONI (1975)

Poeta nascida na Suiça, vive no Brasil desde 2003. É professora de literatura italiana na Universidade Federal de Juiz de Fora, tradutora e autora de literatura infantojuvenil. Já fez parte de grupo teatral e já foi publicada em Portugal, Suiça e Espanha. No Brasil publicou 3 livros de poemas: Inventário de Vozes (2001), Irmãs de Feno( 2002) e Dias emigrantes y otros poemas (2004).

a paz, esse silêncio sem vozes acena para fora do mundo, uma ítaca que emerge, ao longe : tem sentido, o inferno, quando se volta com a bagagem da sombra, após longa cegueira. Paga-se caro, nesses tempos, por um precário ponto de ancoragem. FESTA Cada palavra tem seu espaço. Mesmo o silêncio tem espessura de homem. Os tambores escutam em surdina a entrega do corpo. Eis o cenário onde a palavra se renova pesando eternidade. 1. após dar três voltas na chave, hermética, a porta de entrada fica ali, branca e pura pomba da asa cortada a insinuar o voo — un vol que havia, a vida que havia antes que o chão não fosse tição ardente sob os pés ou tapete de ladrilhos numa igreja sem fiéis

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JEANINE WILL

(1975)

Poeta catarinense, tradutora e artista visual. Evadida dos cursos de letras português, artes cênicas, comércio exterior e letras alemão e do cursinho para medicina. Formada em tradução e interpretação inglês/ português pela Unibero. Publicou pela Editora Córrego os livros de poemas Caminhão de Mudança (2017) e Para-choques (2018). Desde 2006, mantém uma oficina permanente de criação poética no blog http://www. caminhaodemudanca.blogspot.com/. Lá publica seus poemas, fotopoemas, videopoemas, qualquer-coisa-poema, desenhos, fotos e colagens.

DIE ZEIT BEIßT é março vou deixar o outono desfiar o meu casaco DOS GIRASSÓIS À MELANCOLIA sobre o meu travesseiro ninguém dorme nem eu me sento na cama sobre as rendas da insônia enquanto meus dedos se desfiam em dores de papel perdido o botão de uma lágrima se descostura no canto do rosto e o dedo leva à língua esse objeto triste meus olhos são dois punhais cegos cansados de desferir sonhos minha gravata é um nó no pescoço das estrelas minha boca é uma mancha soterrada por arestas que desejo dizer penso em você nas minhas mãos desfiadas e no cansaço que é vencer cada dúvida: a comida de cada corvo que aqui dentro nunca acaba e a existência menos furiosa? plástico endurecido numa vitrine desbotada do centro onde olhos morrediços vão se espelhar em meu corpo que se quebra a cada sentido em meu coração vencido [a golpes de arco em cello num céu adiado

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LEILA GUENTHER (1976)

Poeta catarinense, é formada em letras e estreou em 2006 com o livro de contos O voo noturno das galinhas , traduzido posteriormente para espanhol e lançado no Peru. Participou como contista de várias antologias e em 2012 foi selecionada no Programa Petrobras Cultural com o livro de poemas Viagem a um deserto interior, finalista do Jabuti. Participou das antologias 50 versões de amor e prazer: 50 contos eróticos por 13 autoras brasileiras (Geração Editorial) e 70 Poemas para Adorno (Nova Delphi)

ANA CRISTINA CÉSAR eu também me mato todos os dias às três horas da tarde. depois volto às mesmas coisas de sempre até pensar de novo na minha próxima morte. CORPO FECHADO Vivo cada vez mais longe dos homens e mais perto dos cães cada vez mais longe dos olhos e perto do coração cada vez mais longe do barulho e mais perto do som cada vez mais longe da lâmpada e perto do fogo cada vez mais longe do asfalto e perto do mato Vivo cada vez mais longe do grito e perto da palavra mais longe do telefone e perto dos violões cada vez mais longe das telas e perto das portas cada vez mais longe das redes e perto dos peixes Vivo cada vez mais longe da vírgula e perto do ponto final Cada vez mais vivo

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MICHAELA SCHMAEDEL (1976)

Poeta paulistana, é jornalista de cultura. Nos últimos anos, tem se dedicado à poesia, além de escrever resenhas sobre literatura para jornais e revistas. Cursou o Clipe (Curso Livre de Preparação do Escritor), na Casa das Rosas, e oficinas de poesia com Angélica Freitas, Tarso de Melo, Ismar Tirelli Neto, entre outros poetas brasileiros. Coração Cansado, editora Penalux, é seu primeiro livro de poemas.

CLASSIFICADOS Bairro nobre casa boa desespero quarto e sala. À MESA Esperar pela morte como quem espera pelo jantar: sem reclamar demais. ZEN

Para Tito Leite A vida ligeira das moscas ensina tanto quanto a cerimônia do chá. No Tibete ou aqui na cidade de São Paulo o mesmo calor infernal a mesma desilusão o mesmo trabalho pesado (nesta tarde, desisti da poesia). É sempre isso: a vida, esta artimanha eu, a mosca morta.

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VANESSA MOLNAR (1976)

Escritora paulista, transita entre a poesia e a prosa. É historiadora e publicou em 2008 o livro Crônicas de uma tara gentil, prêmio PAC 2007.Participa ativamente das oficinas literárias na região do ABC, especialmente na Escola Livre de Literatura, em Santo André. Colabora em sites e revistas e mantém o blog O Mundo da Maga.

MULHER Quando vai aprender que seu sexo é Terra? Encosta o ouvido em seu ventre de Ariadne e escuta a ausência do tempo febril que perfura seu labirinto fechado o eco que rasga o vazio dos teus ossos o silêncio desse Dionísio que te fecunda. PUTA Sou um martelo, uma lâmina uma corda Instrumento suicida Puta e santa Cadela líquida Agulha de cristal. Sou uma granada, uma chaga uma morta Instrumento para a descida Puta e santa Sangue e líquen Pedra enterrada no quintal. Sou uma flor, um poema uma açucena Instrumento para a subida Puta e santa Punhal e carabina e trago dentro da vagina pássaros de sal.

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ALEXANDRA VIEIRA DE ALMEIDA (1976)

Poeta carioca, é contista, cronista, crítica literária, ensaísta e doutora em literatura comparada pela UERJ. Trabalha como agente de leitura na Secretaria de Estado de Educação. É tutora de ensino superior a distância na faculdade de Letras da UFF. Publicou artigos e ensaios literários em revistas acadêmicas especializadas e livros. Publicou os primeiros livros de poemas em 2011: “40 poemas” e “Painel”. Tem cinco livros de poesia, sendo o mais recente “A serenidade do zero” (2017). Tem poemas traduzidos para vários idiomas. Ganhou alguns prêmios literários. Publica suas poesias em revistas, jornais e alternativos por todo o Brasil.

VIAGEM Uma embarcação no leito e a lenta morte fazia sua hora. O barco de papel trazia um alfabeto de esqueletos mágicos. O sol penetrava nos cabelos das palavras doces do livro itinerário. No rio de símbolos costurados pelo céu um tapete de lágrimas. A chuva se fez prece dos viajantes percorrendo os papéis do vento. Duas taças, a aliança no ritmo dos vagalumes a luz, acesa a espera. O mapa do mistério da morte amor em pedaços, sangra a lua. A viagem pela escrita um vazio de tempo a bússola inumana das raízes. O papel se mancha de tinta ácida o rio percorre as pupilas – lenda viajante sou de um barco maior – o mar.

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LUCIANA QUEIROZ (1976)

Poeta paraibana, é mestre em letras e professora de literatura brasileira. Militante feminista, luta cotidianamente pelos direitos de todas as mulheres e acredita que o mundo só será melhor quando mulheres e meninas forem livres. Desde os 30 anos é mãe e Nua sob Escamas (2016) é o seu primeiro livro.

PEDRA Sou pedra E de rocha é feita toda a minha alma de mulher. Reclino-me no chão do sertão quente E lá fico Parada À mercê de chuva e vento Porque deles se faz minha erosão voluntária. Me desgasto, me esfarelo E cada partícula de areia que sai de mim Compõe o mundo inteiro Sofro, me dilacero Mas sei que só assim faço parte de tudo isso. A cada chuva, A cada ventania, A cada casal que pinta de branco seus nomes de amor em mim, Me faz mais pedra Me faz mais rocha, Pois sei que a cada erosão Me lapido mais É de natureza minha alma polida E cada vez que mais redonda fico Mais me faço eu, Mais me faço mulher, redonda e minha À POESIA Poesia é minh’alma espichada no varal em dia de sol. Letra por letra salgada à pinça, pinga a salmoura dos dias depois da retirada de cada fatia. Viva e contumaz, teima em me fazer paladar. CACO DE VIDRO És caco de vidro Lâmina afiada que nenhum amolador Imola em pedra Ponta quebradiça Que fere e inflama Mulher de requebrado incerto Virulenta peste de minha vigília diurna

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ANA MARTINS MARQUES (1977)

Poeta mineira, é mestre em literatura brasileira e doutora em literatura comparada pela UFMG. Seu primeiro livro, A vida submarina (2009), reúne poemas vencedores do Prêmio cidade de Belo Horizonte nos anos de 2007 e 2008. Ganhou também o Prêmio Alphonsus de Guimaraens, pelo seu segundo livro, Da arte das armadilhas (2011). Trabalha como redatora e revisora na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

ESPELHO Dentro do armário do seu quarto de dormir deve haver um espelho. Se você sai e deixa o armário aberto durante todo o dia o espelho reflete um pedaço da sua cama desfeita. Se você sai e deixa a porta fechada durante todo o dia o espelho reflete o escuro do seu armário de roupas, a luz contida dos vidros de perfume. Do outro lado do poema não há nada. PAPEL DE ARROZ Mira: as coisas construídas oscilam numa frágil arquitetura (os papéis cultivados em campos guardarão sempre a memória seca dos dias alagados). Também as palavras revelam somente o que escondem: eis a solução de uma questão delicada. VASO Moldar em torno do nada uma forma aberta e fechada. Palavra por palavra o poema circunscreve seu vazio. 46

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CARLA ANDRADE (1977)

Poeta mineira, é jornalista e vive em Brasília há 18 anos. Alguns de seus poemas foram premiados em concursos em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Publicou quatro livros: Conjugação de Pingos de Chuva(2007) Artesanato de Perguntas(2013) Voltagem (2014) e Caligrafia de Nuvens(2017). Participou de diversas antologias poéticas como na Escriptonita: pop-esia, mitologia-remix & super-heróis de gibi (Patuá), Fincapé, Contemporâneas (Vida Secreta), além de ter poemas publicados em várias revistas de poesia contemporânea: Mallarmargens, Germina, a portuguesa InComunidade, entre outras.

NOSSA PRIMEIRA VIAGEM Nova caligrafia de nuvens o sol e sua esgrima de raios bromélias como cataporas nas montanhas e o caleidoscópio nos seus olhos. É manhã – e a eternidade cabe na distância entre nossos pés delicados. SALTIMBANCOS A vida é só um picadeiro de circo Quando notamos... Foram-se as lâminas certeiras dos atiradores ciganos restaram véus de purpurinas. Apenas as lembranças rodopiam. Ecoam em algum lugar aqui dentro como cambalhotas sapecas. BARRA GRANDE Levei um ano para ver estrelas de novo. Olhei muito para cima nesse intervalo, mas elas se escondiam entre prédios com sobrenomes. Tinha que voltar... colecionar as conchas que o mar não nos trouxe, como uma antologia de tudo que não se pode repetir. EMBRIAGUEZ Acordei com gosto de ontem na boca. Vontade de ser um bálsamo. Procissão meus pensamentos, sem velas, no escuro, não há mãos dadas. Vão-se ideias em vão. Já vivi em livros Suprimi vertigens POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA E nãoAS háMULHERES mais vinho. Estou extinta há anos.

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NATALIA AGRA (1977)

Poeta alagoana, é editora e tradutora. Publicou os livros de poesia De repente a chuva (2017) e o Megamíni Fotogramas (o silêncio possível) (2019). Publicou, também em 2019, seu primeiro livro infantil Os balões de Nise, na coleção Coco de Roda, da Imprensa Oficial Graciliano Ramos. Edita, ao lado de Fabiano Calixto, Rodrigo Lobo Damasceno e Tiago Guilherme Pinheiro, a revista de poesia Meteóro. Organiza, com Emily Hozokawa, Fabiano Calixto e Tiago Marchesano, a Desvairada - Feira de Poesia de São Paulo, que acontece anualmente na capital paulista. Seu novo livro de poemas Noite de São João foi lançado em junho.

AMÁLIA

Para minha avó, que tinha cheiro de lavanda, alfazema e lírio (in memoriam)

1. deveria existir uma flor com teu nome 2. no teu cabelo ave do paraíso no sorriso hibiscos no abraço sargaços 3. na lembrança: o jardim da tua despedida (cortejo das lágrimas) saudade na tarde onde te perderia de vista nos campos de margaridas NOITE DE SÃO JOÃO

Para Emanuella Helena, que se foi cedo demais (in memoriam) Yesterday the sky was you And I still feel the same Billy Corgan

permanecemos aqui anestesiados de imenso frio nesta noite de São João regressamos pela manhã lareira ainda quente aquecida pelo canto da cotovia muito de nós dois pelos cantos fechados da casa o quarto vazio e seus brinquedos enquanto você esteve aqui ocupou pequenasPOETAS palavras 48 com AS MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA as borboletas


ANGELA CASTELO BRANCO (1977)

Poeta escritora e educadora, é autora dos livros independentes Orações (2008), Oferenda(2008) e O que digo, o que me diz. (2009). Possui graduação em fonoaudiologia e é mestre em educação. Fundadora e gestora d’A Casa Tombada- Lugar de Arte, Cultura, Educação. Foi coordenadora do núcleo de formação em arte contemporânea de crianças e jovens no Instituto Tomie Ohtake.

uma palavra em baixo da outra página a página aos poucos a parte de cima distancia-se da parte de baixo verticaliza-se a fala o pensamento -ascesee o sonho corre solto nos braços da horizontalidade 4. DO INABORDÁVEL eu já era Nos alicerces da casa de batismo Na maçaneta que destravava os dias a procura pelo fio — o desejo de amar o mundo — 5.DA ACÍDIA na encosta da mulher fios desencapados soldam a ligadura Destravo a fome e o fogo se instala em carne viva sou beirada 10. Crescer nos torna menores E uma flor a mais é o suficiente.

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KATYUSCIA CARVALHO (1977)

Poeta pernambucana de raízes e dialeto, nasceu com as águas de março de 1977. É formada em letras e lecionou todo o tempo em que viveu no Brasil, desenvolvendo projetos de inserção de saraus de poesia em salas de aula. Emigrou por amor. Hoje, em terras helvéticas, estuda idiomas e escreve porque não sabe cantar.

MOLDURA PARA POEMA Escrevo quadros humanos quadros que não pinto E que não pairam : movimentos sem cenário - Quadris! Meu texto é sempre um corpo ARGILA BARROCA I Na inteira voz do êxtase, foragir-se para a linguagem Dar o corpo à exorcização da palavra Ferir o texto de vida breve II Escrever é esse voo movediço Incêndio de sombras Encontro de língua com lama embebida em luz Cortejo vagabundo atravessando uma morte íntima, menor que a de um homem trespassado por um beijo III Argila barroca em coro cru de pergaminho tingido em fogo Urucum acendendo madrugada em carvão O poeta tem nos olhos bagos d’água

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KARINA RABINOVITZ (1977)

Poeta baiana, é jornalista, produtora de discos, vídeos e teatro. Tem 5 livros publicados: Mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus! (2014), O livro de água (livro-objeto e exposição, 2013), poesinha pra caixinha [de fósforo] (livro-objeto, 2012), livro do quase invisível (2010) e de tardinha meio azul (2005)

CURRÍCULO meu nome eu mesma. meu endereço em mim. meu cadastro de pessoa física este corpo, que dentro é céu e é jardim. meu registro geral não foi registrado e desde meu nascimento, numa quarta-feira de cinzas, nutro certo encantamento, por tudo que não é numerado. meu telefone anda ocupado, uma família de pássaros fez um ninho bem no fio da minha linha desde então, ali só se aninha o canto de uma mãe que espera. pra falar comigo, só mesmo depois da primavera, quando do nascimento do novo passarinho. minha formação profissional segue um caminho amador. insisto no amor. minhas atividades atuais: pensar na vida e uma corrida sem fim à beira-mar... encontrar saídas e encontrar entradas, para essa vontade desmedida de viver, de amar. por fim, minhas referências pessoais, é melhor que eu não diga ou que você pergunte a ninguém... elas serão sempre mais. mais verdadeiro e que você descubra, na convivência comigo, meu tempero, minha loucura, minha ternura, meu desassossego. POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA então,ASé MULHERES meu o emprego?

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CARLA CARBATTI (1977)

Poeta mineira, é doutoranda em estudos da literatura e da cultura pela Universidade de Santiago de Compostela (USC). Possui textos poéticos, ensaísticos e resenhas publicados em várias revistas eletrônicas como Germina, Mallarmagens, Alagunas, Diversos Afins, Escritoras Suicidas, Zunái, Jornal Relevo, Contratiempo. Estreou recentemente com o livro de poemas Cadencia do Caos (2016).

[ ] o poema não tem nenhuma missão ulterior que conduza a uma explicação da vida o poema é só esta mosca triste girando em volta de uma ferida OS GESTOS QUE ESTREMECEM OS TRIGAIS sou atravessada por todos os rios que naufragam no sul por todos os gestos que estremecem os trigais há uma espessura que só cabe o silêncio porque nenhuma palavra tem a cicatriz exata do mapa do meu ventre porque meu sopro é distância e diáspora [língua sem gramática e gravidade] e as noites estão feitas para os dedos e as cavidades TODO TOCAR É UMA CANÇÃO enquanto acordo os pássaros a mãe tece a mortalha do anoitecer agora estamos fora na linha curvilínea de uma folha que chora que farei com minhas mãos depois de tocarem aquilo que não se toca? todo tocar é uma canção - murmulha a mãe entre seus galhos e rascunhos é isso que se perde, minha filha e sua voz vibra as águas do meu punho

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GABRIELA SILVA (1978)

Poeta paulistana, deixou São Paulo há muito tempo e vive em Porto Alegre. Formada em letras, é mestre e doutora em teoria da literatura na PUCRS. Professora universitária já ministrou oficinas de criação literária e foi uma das coordenadoras da Breviário cursos, em Porto Alegre. Publicou seu primeiro livro de poemas Ainda é Céu em 2015.

A MÁQUINA QUE SOMOS Somos essa máquina de carne, amorzinho, pernas e braços articulados. Ossos de bom material. Viscosos, certos líquidos nos lubrificam, às vezes nos inundam. Somos essa máquina de reproduzir o mundo, ou de povoá-lo. Nossas almas, se enguiçarem, mandamos a Deus: o criador. Carcaças, ferimos a memória, dos que fingem não saber que somos arremedos de qualquer coisa. Somos essa máquina de torpor, de ânsia, amor, tédio, ódio. Todas as nossas peças se encaixam em comovente perfeição. E por coração chamamos essa bomba monocórdica que nos confunde e mantém.

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CYELLE CARMEM (1978)

Poeta paraibana, possui mestrado em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Paraíba. Lecionou Língua Portuguesa em cursinhos preparatórios para concurso, na UVA e no IFPB. É autora dos livros de poesia “Luzes de Labirinto” (2010), “(Uni)verso” (2012), e do romance “O Tempo da Delicadeza” (2016). Suas poesias foram publicadas também em jornais, revistas literárias e coletâneas. Atualmente é técnica judiciária no Tribunal de Justiça da Paraíba.

DO SENTIDO O que sinto não precisa de permissão Não precisa de casa Não preciso de sopro ao ouvido. O que sinto vive do ar da brisa distante. Vive de um retrato antigo Vive de uma palavra gasta. O que sinto não precisa de estrada Seu atalho foi coberto pela mata Seu riacho há tempos está extinto. Não precisa de papel contrato Não precisa de luzes acesas. Sobrevive do silêncio do escuro Da grade trancada a sete chaves. O que sinto não precisa de autorização Sobrevive sem um pedaço de pão. O que sinto não precisa de vida ou de morte Existe por si mesmo E escolhe o seu próprio norte. TRÊS LINHAS DE INFINITO Ser breve apesar da imensidão Ser rápida apesar da extensão Prolixo já não cabe. Há de ter conteúdo em três linhas de infinito.

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CLAUDIA BARRAL (1978)

Poeta baiana, é dramaturga, roteirista e psicanalista.. Suas peças de teatro contam com montagens no Brasil e em países como Alemanha, Itália ,Portugal e Peru. Publicações em poesia incluem poemas selecionados pela Revista Poesia Sempre (2008) e os livros O Coração da Baleia (2011) e Primavera em Vão (2015). Outras publicações incluem O Cego e o Louco e outros textos(1998) e Cordel do Amor sem Fim (2003).

MAIACOVSKY Uma vez, entrei no quarto do poeta. Aqui dormiu um homem, pensei. Aqui viveu um homem. Aqui morreu um homem. Aqui matou-se um homem. Um grande homem. “Todos os homens são do mesmo tamanho”, Me disse, sorrindo, o fantasma do poeta. É a vida, essa que nos mata? “É”, ele me respondeu, “A vida nos mata”. E ninguém sabe de quem era o dedo no gatilho. RECOMENDAÇÃO Não se funda a manhã com a mesma foice que se abre a noite. Gente também borboleteia. Viver é para frente, lembrar é pra trás. Não se sabe nada de uma história até que ela termine. Não abra outra noite dentro da noite. Entre na manhã com olhos de sol.

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SABRINA DALBELO (1978)

Poeta gaúcha, é servidora do Ministério Público Federal e escritora de um pouco de tudo. Escritora de contos e poemas, é colaboradora do blog As Contistas. Já participou de diversos projetos antológicos, assim como tem poemas e contos publicados em algumas páginas literárias eletrônicas. É autora dos livros de poesia Baseado em Pessoas Reais (2017) e Lente de aumento para coisas grandes (2018) e Rasga Ossos (2020) É aluna da oficina de criação literária Contantes, projeto fomentado pelo Fundo Municipal de Cultura de Bento Gonçalves onde vive atualmente. .

VERBETE não é costura não é orquestra poema nato é palavra aberta à broca sem polimento SOBRE ENVELHECER o cansaço da pele não deita de conchinha em lençóis de seda e sem calcinhas com as almas duras pele odeia sexo casual gosta de coisas para sempre A MULHER SEMPRE HOUVE a mulher apontada caricatura inventada é mulher, nada mais nem antagonista, nem protagonista a mulher é ser corpo e funções e dúvidas e vontade de fazer a mulher não é bunda, ou tetas, nem só ouve a mulher tem fala a mulher sempre houve coro e força e fogo a mulher é mulheres uma que não é una é cada areia que forma a duna

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MARIA REZENDE (1978)

Poeta carioca, atriz e montadora de cinema e televisão. Aprendeu a dizer poemas aos 18 anos com a poeta e atriz Elisa Lucinda. Em 2012, não sendo juiza, nem celebrante religiosa, celebrou alguns casamentos com sua poesia. Publicou 3 livros de poemas: Substantivo feminino (2003), Bendita Palavra(2008) e Carne do Umbigo(2014). Os dois primeiros vinham acompanhados de CDs.

PAU MOLE Adoro pau mole. Assim mesmo. Não bebo mate não gosto de água de coco não ando de bicicleta não vi ET e a-d-o-r-o pau mole. Adoro pau mole pelo que ele expõe de vulnerável e pelo que encerra de possibilidade. Adoro pau mole porque tocar um pressupõe a existência de uma intimidade e uma liberdade que eu prezo e quero, sempre. Porque ele é ícone do pós-sexo (que é intrínseca e automaticamente - ainda que talvez um pouco antecipadamente) sempre um pré-sexo também. Um pau mole é uma promessa de felicidade sussurrada baixinho ao pé do ouvido. É dentro dele, em toda a sua moleza sacudinte de massa de modelar, que mora o pau duro e firme com que meu homem me come.

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MARINA RUIVO (1978)

Poeta paulistana, é professora universitária e já trabalhou como freelancer no mercado editorial. Cursou Letras/Português na USP e lá defendeu o mestrado e o doutorado. Mantém o canal A barca Marina, no Youtube. Publicou Nossa barca (2019); Geração armada: literatura e resistência em Angola e no Brasil (2015) e Leite de Mulher (2021).

SÓ, SOZINHA Às duas da tarde de uma terça-feira desço as escadarias do Bloco N. Pantufas por cima das meias vermelhas roçam, suaves, o chão escurecido. Calça velha imitando veludo, camiseta surrada, a cara do Che e os peitos balangando sem proteção. Na mão, dois sacos de lixo. Não quero saber se encontro alguém, o caminho não leva ao mundo. Há dias sou eu e os mortos, ou vivos-mortos, falam pelos livros, as vozes ora graves, outrora delicadas. De pantufa, sem maquiagem, crio meu mundo, só meu. Lavo a louça quando quero, tiro o lixo no meio da tarde, no começo da noite, ou não tiro, deixo que cheire mal e apodreça. Almoço às onze ou às quinze, benção diária que me faço. Depois os horários voltam, depois tudo volta mas, por ora, deixem-me provar a ausência, essa solidão tão refrescante, como se não houvesse mundo, nem ninguém, nem mesmo amanhã.

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ISIS MORAES RAMOS (1978)

Poeta baiana, atua como jornalista e professora de literatura brasileira. É mestranda em literatura e diversidade cultural pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Editou, por cinco anos, o Tribuna Cultural, suplemento de cultura do jornal Tribuna Feirense. Já foi laureada com o Prêmio Bahia de Todas as Letras (2007), de poesia.

DESERÇÃO Cravado no não, o nome dela convoca as Fúrias para dançar. Em vigília, um olho insano crucifica o silêncio. SOLIDÃO Um olho devora o silêncio; o Outro o condena. Cavalos lendários margeiam meu sono. ULISSES Não sou a Outra. Tenho uma Circe costurada em cada olho.

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MARIANA DE ALMEIDA (1978)

Poeta paulista, nascida em São Bernardo do Campo, é formada em letras, e escreve no blog Diário Balzaquiano denunciando as dores e delícias de uma mulher que vive nos tempos atuais . É redatora e editora da página Casa da Poesia. Vive em Sorocaba.

DE TODAS AS MULHERES De todas as mulheres do mundo Eu já fui todas De menina e santa Casta e puritana À sacana e insana Aquela que engana Em troca de qualquer aliança Já fui inocente como nova Já fui coerente como velha Já fui linda como a lua cheia Já fui feia como areia seca do sertão Já disse sim e já disse não Já entrei em templos e igrejas Já dancei com as bruxas sob o clarão Da imensidão da lua sobre o chão Já entornei o vinho, o lírio, a papoula Já mastiguei a hóstia, o pão e o sermão Já vomitei em latrinas de ouro Já comi em pratos de papelão Já fui feliz ao pisar na terra com pés descalços Já amei na beira do mar enquanto a água salgada Molhava meu vestido de flor Já chorei sozinha em rodovias desertas Sem carona, sem carinho, sem deus. De todas as mulheres do mundo Carrego cada uma delas no meu olhar.

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ANA RUSCHE

(1979)

Poeta paulistana, é formada em letras e direito pela Universidade de São Paulo. É mestre em direito internacional e doutora em estudos lingüísticos e literários em Inglês, ambos pela USP. Publicou os livros Rasgada (2005), que recebeu tradução ao espanhol e foi publicado no México, Sarabanda (2007) e Nós que Adoramos um Documentário (2010), com apoio ProAC.Publicou também o romance Acordados (2007). Possui inúmeras participações em antologias e revistas literárias.

pq se vc tem o coração de osso o meu é de carne e sangue e se vc tem receio de te roubarem um rim azar pq tenho é dois e eu vou cavalgar vou cavalgar nos relinchos sem focinho pq a noite é monstra é ruminante é soturna e está bem longe de acabar ANORÉXICAS emagrecer extirpar a última gordura, devolver as costelas emprestadas e desintegrar-se em luz. OS PAPÉIS e assim ficamos como tudo, como sempre esse ever unfinished business sem a coragem dum chefe da máfia pra te aprontar na rua as vias de facto como tudo e como sempre with so much love esse isso tão difícil, a kind of rush um compromisso com algo mais terrível do que o amor o arrastado passar dos dias

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CAROL MAROSSI (1979)

Poeta paulista de São Jose do Rio Preto, é advogada e mestranda em direito do comércio internacional pela USP. Membro do Coletivo Vacamarela que organiza a FLAP! e edita o jornal de literatura contemporânea O casulo. Tem poemas publicados nas revistas Não Funciona, Zunái, Lapsus (Lima), e Série Alfa (Valência).

Acordo árida, vestida de chumbo. Lembro de Munique, as densas noites de uivos caninos. E era verão no sul. Tão negro e viscoso, tal como os dispositivos de uma Halifax Law. Mas os ecos chegavam da Marienplatz ressonando no meu peito, prestes a lançar uma ogiva nuclear. Pé ante pé você invadia a praça com seus imprestáveis patins de gelo (e era verão no sul). Naquele quarto minha alma degelava, líquida como chumbo.

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BIANCA VELOSO (1979)

Poeta gaúcha, cresceu e vive em Florianópolis. Optometrista por profissão, mãe por opção, escritora por paixão. É também programadora da Rádio Comunitária Campeche. Apresenta o “Sábado Arrastão”, um programa de entrevistas com foco em música e poesia.

SOBRE O MEDO medo do escuro não tenho não de fantasma? também não! de corda bamba? precipício? não! sei acender estrelas inventar sonhos alçar voos o que me mete medo - de verdade é o mundo das certezas RESISTÊNCIA novembro de mil novecentos e setenta e nove primavera no hemisfério sul e era medo o que florescia no jardim lá de casa diziam que o pior já havia passado mas a gente engolia ideais e vomitava escuridões a gente calava o que sentia quando aqueles homens cinzas levaram meus pais deixaram no meu peito esta pústula acesa que carrego até hoje criança exilada da infância : existo, resisto, insisto

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MARIANA IANELLI (1979)

Poeta paulistana, é mestre em literatura e crítica literária, e colabora como resenhista em alguns jornais. É autora dos livros de poesia Trajetória de antes (1999), Duas chagas (2001), Passagens (2003), Fazer silêncio (2005 – finalista dos prêmios Jabuti e Bravo! Prime de Cultura 2006), Almádena (2007 – finalista do prêmio Jabuti 2008), Treva alvorada (2010) e O amor e depois (2012). Em 2011 obteve menção honrosa no Prêmio Casa de las Américas (Cuba) pelo livro Treva alvorada.

FILHOS DO FOGO Não foi o cansaço da jornada Que de novo nessa noite nos venceu, Mas um sofrimento antigo, igual a sempre, A realidade com sua mão espadaúda Juntando a poeira de uns castelos demolidos, De tudo extraindo o que sobra de nosso, afinal: O irreversível. Cultivamos rituais silenciosos, Temos dentro de nós a alma do mundo. Fomos feitos para a solidão, A mesma que sente um animal Ao largar o seu rebanho E esperar a morte suavemente Numa longa tarde de chuva em Gibeon. Damos calor às coisas enquanto é tempo E mais tempo há enquanto estamos mudos. Gozamos um amor tranqüilo, sem heroísmo. Assim acontece certas vezes, por espanto: De um golpe, o infinito nos apanha. VOZ DE NINGUÉM Tão somente um gesto E não o fiz. Que muitos houvessem tentado, Apenas eu resisti. Homens que marcham, que se deixam levar, Porque vivem. Estranho guerreiro, eu não marcho. Corpo morto, já não me carrego. À frente de cem milhas agrestes, Como se contra o nada, respondi: - Estou aqui e aqui perduro. Isto que hoje fala em mim, em mim se cala

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LIVIA NATALIA

(1979)

Poeta baiana, é doutora em estudos literários e professora de teoria de literatura na Universidade Federal da Bahia. Realiza oficinas de criação literária e estreou com o livro Água Negra e Outras Águas(2011) premiado pelo Concurso Literário do Banco Capital. O poema Quadrilha foi colocado em outdoor – programa “Poesia nas Ruas” – e causou polêmica e rebuliço em Salvador. É autora também dos livros “Correntezas e outros estudos marinhos”, “Dia Bonito pra Chover” e “Sobejos do Mar”.

QUADRILHAS Maria não amava João. Apenas idolatrava seus pés escuros. Quando João morreu, assassinado pela PM. Maria guardou todos os seus sapatos. OXUN JANAÍNA Descobri que, para mim, ser mulher basta. Para puxar véus, levantar saias pintar as unhas de vermelho feroz – mesmo que seja só para dizer: para. Ou para ver a dança des-contínua do seu corpo sobre o meu (o meu oposto) pelo espelho que se emancipa das paredes deste quarto e desta tarde delicada. Mas sempre ser mulher basta: posto que é inteiro e vão, onda que bate na pedra e despedaça apenas para voltar inteira – afogada – num mar de (in)diferenças onde cada gota solitária e única forma um discurso descomposto, cambiante, plural: mesmo quando me atiro sobre esta pedra, que me rechaça.

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MARINA MARA (1979)

Poeta brasiliense, é publicitária, jornalista, ativista cultural, atriz, roteirista, designer gráfico, consultora de projetos poéticos e literários. Atua pelo Brasil desde 2006 com projetos multimídia. Seu primeiro livro, Sarau Sanitário.com, (2010)é parte de um projeto homônimo que distribuiu poesia por banheiros públicos e pelo mundo virtual.Seu segundo livro, Figuras (2015) tem prefácio de Tom Zé. Marina lançou também, no ano passado, um aplicativo, PoemApp, para celulares que reúne bibliotecas, pontos de intervenção urbana e pontos de poesia em todo o Brasil.

POMBAGIRA Não depile meus pelos Com seus apelos estéticos Depile seu preconceito Com argumentos éticos Não julgue minhas Intenções pelo tamanho De minha saia E na próxima estação Troque seu machismo Por um belo Tomara-que-caia E que o seu desamor Não desperte minha ira Pois fada madrinha É para os fracos Eu tenho é pombagira CAFUNÉ trocaria litros de café pelo seu cafuné e noites de boemia pelo seu bom dia SÃO SETE Ele mora nas sete cores E ao som das sete notas Engana os pecados capitais Um a cada dia da semana Acertando os sete erros E vivendo suas sete vidas Todas de uma só vez

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MARILIA GARCIA (1979)

Poeta carioca, escritora, tradutora e editora. Estreou em livro em 2001, com a plaquete Encontro às cegas. Publicou 20 poemas para o seu walkman ( 2007). traduzido para o espanhol e publicado na Argentina; Engano geográfico (2012); Um teste de resistores (2014) e Câmera lenta (2017) que reúne poemas marcados pelo ensaísmo e pela oralidade. A poeta participou do Festival de Poesia Latino-Americana Salida al Mar, em Buenos Aires e do Festival Europalia,na Bélgica(2011). Com seu último livro, Câmera Lenta, ela tornou-se a primeira mulher brasileira a ganhar o prêmio Oceanos de literatura.

NUM DIA BRANCO segura a borda da mesa com o cabelo vermelho vamos para a polônia

ver a neve andava tão dispersa assim ele nunca conheceu a família com ganas de frio. sempre aquele movimento preciso ler outras coisas a frase cortada no mesmo ponto fresta de luz onde fala uma gargalhada assomada à janela quando o vê do outro lado da rua procurando o castelo. cabelo curto, segura a ponta da mesa e mastiga as sílabas em sua língua. A GAROTA aquela que tem na voz o timbre que você quer a que fica um pouco confusa a que anda no meio fio a que por um triz a que acorda sorrindo, fazendo inventários de um céu sem astro. a que diz desastre aquela com as imagens gravadas. medindo as distâncias em parsec passando pela roleta sem olhar aquela que liga o walkman para não ouvir a que não ouve o que os olhos vêm dizer a que desce do táxi quando chega. quando o vir, vai saber. do alto do pico, ela vai dizer _____. quando o vir estará de verde escondendo a cara, mas sorrindo. quando o vir vai saber. o encontro será no subterrâneo de uma galeria AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA 67 para contar as tartarugas.


MÔNICA DE AQUINO (1979)

Poeta mineira, colabora em suplementos literários. Participou da antologia portuguesa O Achamento de Portugal (2005). Já teve poemas publicados em vários sites do Brasil e do exterior. Publicou seu primeiro livro, Sístole, em 2005. Com Fundo Falso, segundo livro, ganhou o prêmio cidade de BH, em 2013. Desde então, o livro recebeu novas leituras e versões. “É um trabalho de Penélope, né?”, brinca a autora sobre o processo de escrita e reescrita de seu livro.

O hoje é um cão com fome que esconde o osso. O hoje é a mão que o cão lambe. O hoje é o dono do cão é a fala do cão com o rabo o faro de Argos. O hoje é um cão pura língua e dentes preso à corrente do cão-passado preso ao alarde do amanhã: cão-labirinto às vezes fera que ladra e morde. O tempo é um cão de três cabeças (há dias em que é besta Cérbero em círculo). O tempo é a pata que cava a espera à procura do osso que enterra.

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MICHELE FERRET (1979)

Poeta potiguar, é mestra e doutora em ciências sociais, e possui graduação em educação artística. É jornalista e professora na UFRN. Tem publicado poemas em diversas coletâneas. Atuou no grupo Poesias e Flores em Caixas e atualmente é componente dos Insurgentes, movimento que une poesia, dança, teatro, artes visuais, música e economia criativa para insurgir e criar espaços de fluxo e trânsito para artistas e produtores do Nordeste. Participou da banda potiguar Rosa de Pedra e integrou a banda do cantor e compositor paulista Renato Braz.

PÁSSARO FEITO DE EFÊMERO Vivo para inventar planos de fuga E todas as noites Gaiolas inteiras se abrem por dentro A matéria prima Escolhida ao acaso Une silêncio, dorzinhas, arames cortados e um pouco de solidão Disso tudo se faz portinhas infinitas A passagem é o lugar O vôo consequencia Asas pequenas ou grandes Miragens Feito desertos inteiros dentro da gente Não se apagam nunca Vive-se para inventar planos de fuga E todas as noites as janelas se fecham para a vida São pequenas as mortes de dentro Imagens deitadas de inventos Vivemos para desenhar planos de fuga E todos os dias A passagem é o passageiro Entre o ir e vir de grades grandes ou pequenas Ficar é apenas consequência… CASA vivo pra morrer de saudade e todas as noites parecem pardas quase incendiárias com seus ocres e mel escorridos pelas paredes das calçadas Adoçam o céu invertem as incertezas desnuda vulcões e trazem as erupções para dentro do outro lado Quase sempre a mesma calçada na beira dessa casa em que ninguém se muda AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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TELMA SCHERER (1979)

Poeta gaúcha, é mestra em literatura e graduada em filosofia. Atua nas áreas de formação de escritores, criação literária e performance com adultos e crianças. Coordenou o Espaço Educativo da 6ª Bienal do Mercosul. Com o grupo Teia de Poesia, realiza saraus e oficinas de literatura. Publicou Desconjunto (2002), Rumor da Casa(2008) e Metro Poa (2014).Vive em Florianópolis.

Onisciente quer dizer: aquele que sabe a ciência de olhar no escuro. Escuro de brumas divisórias, escuro da sombra. Seta que reluz pra dentro. O gozo de se ver nesse espelho turvo. E ser sem saber, porque é tateando que se conhece um nascer para saber ter sido. Então clareira. Onisciente quer dizer; nunca esbarrar com uma porta. Abri-la. NÃO SOU CATÓLICA Minha alma vem de outros ancestrais. E são tais, os meus companheiros, que não nos dizemos nada. Nem ais, nem mágoas, nem vaidades e nem anseios. Entendemo-nos. Bater portas, fazer gritos, verter brita no fundo dos olhos, isso não é comigo. Não sou católica, mas minha alma é cheia de Palavras. São elas que brilham depois da escavação. Estar certo não adianta nada. Escavem o certo e o errado, mesquinhos aos olhos de Deus. Deus esquece das mágoas vãs. Porque Deus é maior que o mundo, e menor. Ele sabe de toda a história. Não precisa contar piadas. Deus não precisa levantar a voz.

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VIVIANE BARROSO (1979)

Poeta carioca, escreve desde os 12 anos. Em 2014 conquistou o segundo lugar no Concurso Internacional de Poesia promovido pela Casa de Espanha.Teve poemas incluídos em algumas antologias. Publicou em 2016 seu livro de estréia: Divinos Conflitos. Ao pedir sua minibio, ela escreveu-me: “não possuo cursos, nem formação acadêmica e nem trabalho em área ligada à literatura ou magistério. Sou uma pessoa sem nenhuma ligação com o sistema. Sou poeta na crueza do termo e porque esse dom me foi dado”.

BIOGRAFIA MUDA Minha linguagem é feita de silêncio. Da densidade sólida Que corrói as paredes De todos os templos. Prece muda, quase um fluído Se esvaindo do pensamento. O verbo que fala de mim, sussurra. Está noutro tempo, Noutra rima, Noutro verso. Verbo imperfeito Que não quer virar palavra: Verbo que cala, Verbo que morre, Verbo que mata. Assim, sou um rascunho Entre junho e julho, Quando o frio é um poema fatigado De esperar o inverno puro de agosto. DESCRENÇA Alguém me disse Que outubros são pra caçar verbos. Olhando pela janela ainda é maio. Então eu guardo meu estilingue Entre meus livros velhos E vou dormir Para espantar o tempo dos olhos. Dou boa noite à Poesia Que arranca de mim O meu relógio quebrado E as pedrinhas que me dera quando, Testando a minha crença no mundo, Pendurou aquela paisagem No vidro inocente do meu quarto. AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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TATIANA PEQUENO (1979)

Poeta carioca, é doutora em Letras Vernáculas (Literaturas Portuguesa e Africanas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com tese sobre Maria Gabriela Llansol. Professora Adjunta de Literaturas Portuguesa e Africanas da Universidade Federal Fluminense (UFF). Publicou os livros de poemas:, Réplica das Urtigas(2009) e Aceno(2014).

ASSINATURA A urna avermelhada que trago por dentro da costura deixa aberta a poça que me sai do baixo e o ventre é de onde partem os naufrágios quando mudas as viagens trazem o mar e finados são os filhos as luas todas as mulheres são cruzes punhos vapor e sentinelas acordam várias lâminas de passagem sobre o chão e a pedra – fêmeas criam estirpes de fria couraça e também preparam a dura e lenta sorte dos que perdem o medo e a parte sedada de si. nas urnas não adoecem mais as aves lançam elas o corpo trançado das labaredas. queimam os obituários e as lapelas tidas como cimento para o amor e para os nomes. O RESGATE tudo o que não pudemos tocar enaltece em nós a casa que está perdida. tudo o que não soubemos dizer refrata em nós como escombro e despedida. tudo o que irrompe neste adoecer reclina sobre meu corpo iodo e geologia. tudo o que deixamos para fingir termina em raios sobre os vales (e sobre o verde estrangeiro da terra onde não estou calçada) queimando vivo o que não é estrada. 72

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ADÉLIA DANIELLI (1980)

Poeta potiguar, cursou letras e ciências sociais na UFRN. Divulga poemas na internet e participou de três publicações coletivas: o livro Por cada uma (2011) e os zines Entre Seios e Revoada. Seu primeiro livro solo, Bruta, foi lançado em maio de 2016, Numa sexta-feira 13.

Minha anatomia minha autonomia à disposição da sua língua vadia .............................................................. No interior das coxas uma lambida e uma mordida mel e pão no café da manhã .............................................................. há uma linha tênue entre todas as músicas que mais amo e seu sorriso conversas sobre tempo e espaço não me resgatam do lugar em que me encontro apenas eu dançando pra você e o nada meu processo criativo está fascinado pelo jeito que você fala tem uma charla no discurso bem argumentado e os olhinhos que hora se apertam hora estão arregalados me perco nas ruas que ando todos os dias pego os mesmo ônibus errados uso pares de sapatos trocados porque eu não estou mais em mim AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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ALESSANDRA CANTERO (1980)

Poeta paulista, (nasceu em São Vicente), é licenciada em letras pela Universidade Paulista e possui o máster em filologia hispânica pela Universidade de Sevilha, Espanha. Publicou o livro de poesia Deslocamentos Líricos (2012).Se diz dependente química de poesia, ama sampa, café e coca-cola, não vive sem amigos e esquece facilmente. ah! também ama sevilla.. onde está vivendo..

útil para o desuso eu ñ conservo o pote vazio bonito do iogurte recém consumido me recuso a reutilizar eu ñ reciclo o lixo eu me reduzo a cultivar sicômoros eu ñ aguardo eu me recluso em meio a versos livres sem socialidades dialogo com o escuro sujo do mundo perecível sem conservantes inaproveitável para a próxima e mais perene geração futura com a qual ñ contribuo pq me salvo como rascunho ALZHEIMER a casa envelheceu era imensa qdo pequena agora não tem cabimento é toda estreitura e pó mas foi sim, um dia, e eu me lembro a casa com todos dentro da minha vó 74

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ALE SAFRA

(1980)

Poeta paulista, nascida em Santa Fé, publicou em revistas eletrônicas e faz parte do e-book Geração em 140 caracteres. Também teve poemas incluídos no livro É que os Hussardos chegam hoje . Seu primeiro livro, Dedos não Brocham, foi publicado em 2012. Escreve constantemente no blog que deu origem ao livro: dedosnaobrocham. blogspot.com-

MAIORIA DA MINORIA sou mulher, negra, gay, árabe, ateia tenho meu rosto desfigurado por ácido, o corpo escondido por um manto negro ou exposto como arranjo de mercadoria sou pobre, deficiente, ignorada. escondida meus olhos estão roxos e meus lábios cortados vagina desrespeitada pelo absurdo sou bela, rica, asiática, e mantida como escrava atendo todos os rótulos: vadia, mãe, amante louca, piranha, santa, vaca, puta, fofa e tô na rua mesmo morta pela misoginia, pelo machismo e homofobia pelos abortos clandestinos, em campos de refugiados mesmo mosta por nascer menina, lána china vivo na boca das meninas. todo suor do massacrante trabalho doméstico é da minha testa que desce quando sou roubadas de mim meu útero saqueado para gerar soldados e consumistas meu corpo roubado por ser escrava sexual, rural e emocional oito do três não é meu dia. piso em todas as rosas ignoro todo parabéns. hoje é um dia triste um trinta e oito apontado para meus olhos esse dia estúpido não deve ter ares de festa toda homenagem, presentes, abraços, é um ato violento que banaliza todo sofrimento, discurso e movimento ouça as mortas, sinta suas dores, elas são de todas nós falem de mim, destas marcas aqui. deste roubo. deste assassinato desta desunião criada entre eu e minhas iguais. destes deuses patriarcais não sou vítima, sou roubada em todos os meus direitos de existir mas sou mulher e tô na luta e sou todas as mulheres do mundo agora, passado e futuro

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IARA CARVALHO (1980)

Poeta potiguar, é graduada em letras e mestra em Estudos da Linguagem, pela UFRN. Foi uma das fundadoras do Grupo Casarão de Poesia. Participou de diversas coletâneas de poesias e contos resultantes de premiações literárias. Lançou o seu primeiro livro de poemas, Milagreira, em 2011. O segundo, Saraivada, apareceu em 2015.

SEGREDOS as operárias atravessam a rua com seus cabelos vermelhos. disfarçam planos incendiários silêncios estratégicos sonhos verdejantes. quando voltam pra casa, os companheiros permitem toda ausência e pudor. o que as operárias guardam no fundo do formigueiro ninguém sabe, mas é coisa muito grande: um esqueleto, uma flor pela lágrima. DESFEITA cortei cabelo, unhas e todos os carboidratos. os meus pulsos, porém, ainda estão intactos. NÃO SEI ME CONTER Meu corpo transborda como uma folha caindo de um quadro de Monet. 76

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BEATRIZ BAJO

(1980)

Poeta paulistana, revisora, tradutora e professora de língua portuguesa e literatura, especialista em literatura brasileira (UERJ). É diretora-geral da Rubra Cartoneira Editorial. Publicou A face do fogo (2010), A palavra é (2010) Domingos em nós(2012) e Sobre nossas línguas a carne das palavras (2017). Possui um blog na rede (http:// lindagraal.blogspot. com/) e esteve com um verso na mostra POESIA AGORA, do Museu de Língua Portuguesa (2015). Participa de antologias e revistas. Morou 17 anos no Rio e vive há 10 em Londrina.

POR UM TRIZ quando ele me pega fora de cena escorrego no sol raiado rosa-dos-ventos hasteada leque tremeluzindo tod´água vida é segurar por um triz transversando enfiando e fiando a tração sobre os nós A QUEM SE ATREVER a meter a unha nas palavras a roer sementes aperte o botão para desabrochar para desfolhar as páginas desabotoe os olhos depois feche e le{ia}me CAVALO DE FOGO galopante mistério no ventre clarividente deu à luz um cavalo incandescente o potro veio empinando suas palavras seus músculos com ares corajosos de amplexos e ósculos sobre os muros do tempo, coiceando-os com decisiva beleza para a desinvenção outros trotes e o verbo cavalga em novos campos fogueiras simbólicas

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MAH LUPORINI (1980)

Poeta paulista, é jornalista e iniciou seu trabalho literário em 2009 no Espaço Cultural Chico Triste, da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, de São José dos Campos onde integrou o “ESPAÇOPOEMA” com suas poesias. Natural de São José dos Campos, reside em São Paulo. Colaboradora da revista eletrônica Mallarmargens, editou seu primeiro livro de poemas Ausências, (2010) de forma independente. Tem trabalhos publicados em sites de literatura. Seu segundo livro, Traço de Sombras, foi publicado em 2014.

LEMBRANÇAS Penso no poema como um corpo gasto pelo tempo Onde as palavras são braços que alcançam os fios de navalha reprimidos pela carne Desejo incontido desta noite de inquietações mudas Silencio as lembranças da minha infância onde a saudade dorme serena No meu jardim de tulipas vermelhas E o céu veste seu manto de incertezas No espelho tímido da manhã CONFISSÃO Confesso a traição dos nossos corpos ao criado mudo da manhã. Os minutos dançavam ao toque da tua pele Jogo de pernas, braços e lábios anunciando o êxtase sagrado. I Sob chuva de pétalas Perco-me no instante do sonho Desta musica que embala a infância do meu nome II Transito entre dois mundos sobre a insônia do luar Dois corpos escritos em um só poema DEFINIÇÃO Não me identifico Sou TODA PALAVRA Ser que desconheço

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MICHELLE WISBOWSKI (1980)

Poeta paulista é licenciada em letras pela Fundação Santo André. Editora e revisora da editora Gente de Palavra de 2012 a 2018. Coordenadora dos projetos “Palavra da Rua” realizado com alunos da EPA, do projeto “Caderno de Poemas” com financiamento do FUMPROARTE, do projeto “Aedo” com financiamento do MINC. Publicou “Gema” editora Gente de Palavra em 2017.

Somos um devir um tornar-se, às vezes, tornado. SOLAR Venha ver o sol entre meus vales penetre minha escuridão Venha ver o sol entre deleites em devassidão Venha ver o sol tirar meus enfeites perder ,a razão. TEAR Amor-tece o meu corpo sob o teu EPÍLOGO Quando eu deixar pela porta contrária à vida ávida quero ter vivido e que digam apenas: nada teve, foi tudo.

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JULIANA KRAPP (1980)

Poeta carioca, é jornalista e mestre em comunicação social pela UERJ. Participa do grupo CAC (Comunicação, Arte e Cidade).Inédita em livro, tem poemas publicados em revistas como Inimigo Rumor, Germina e Poesia Sempre. O dossiê de poesia contemporânea brasileira publicado no Diário de Poesía de Buenos Aires traz quatro poemas seus, em tradução de Cristian De Nápoli. Foi também traduzida por Teresa Arijón e teve poemas incluídos na antologia espanhola Otra línea de fuego. Quince poetas brasileñas ultracontemporáneas, com organização de Heloísa Buarque de Hollanda.

PRETEXTO o olho da rua é seco, sarcástico do mesmo gênero das abotoaduras e toucadores de tudo resta sempre o seu mistério virgem a beleza de íris os ares encardidos a córnea tal qual um diadema espavorido sobre nossas cabeças então ele cruzou a pista sem qualquer melancolia e travou o zíper sobre a pele ATRIBUTOS Gostaria de ser uma mulher que soubesse identificar um brocado uma cerzidura um carmesim um adorno em matelassê No comércio a palavra aviamentos me lembra de que há todo um reino de malícias que desconheço – penso não em ilhós mas em aves aquáticas artefatos explosivos Gostaria de poder dizer: vamos desenlaçar o cordão do meu quimono vamos providenciar castanhas doces para o grande banquete e nos deitar sob o dossel à espreita das comissuras que ardem na pele Porém eu estou atada ao mundo da sonolência e das cintilações breves da louça quebradiça e da mixórdia – ao lugar das 80 mulheres e bichosPOETAS NA LITERATURA BRASILEIRA AS MULHERES que se espatifam n’água


NÍVIA MARIA VASCONCELLOS (1980)

Poeta baiana, é contista, letrista, professora e mestre em literatura e diversidade cultural. Ganhou, em 2007, o 7º Festival Vozes da Terra de Feira de Santana-BA, com a música “Soneto que não queria existir”. Publicou os livros de poesia Invisibilidade (2002), Escondedouro do Amor e Outros Versos sob a Espera (2008) e A Morte da Amada(2013). Tem poemas publicados na Coletânea Prêmio Off Flip (2015) e nas antologias Arcos de Mercúrio (2015) e Cantares de Arrumação (2015). Participa do projeto Mousikê & Poíesis, no qual realiza performances literomusicais.

O amor não está na estrela que, ao cair, carrega o pedido sussurrado, está no olhar que a percebe e espera. O amor não está nas cartas lançadas sobre mesas postas, está na tensão de quem as ouve e deseja. Búzios, números e datas não contém o amor, ele não está numa procura. Rezas, promessas e velas não trazem o amor, só a esperança de encontrá-lo. Mas, ninguém encontra o amor, ele é(misteriosamente) despertado... num momento de distração e abandono. ..................................................................................... Quando a amada morre, Não é seu corpo que fenece, Mas o desejo que existia por ele E tudo o que era romance e espetáculo. Não é a mulher que padece Quando a amada morre, É o amador que deixa de existir E tudo é enterro, tudo é luto. Não há coisa mais triste Do que uma amada que morre E que, quando morre, mata. Quando a amada morre, Parece a poesia E viver é expiação e tormento. Mas tudo revive quando, Como um susto, outra amada surge E com ela (de novo) o encanto. AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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NIL KREMER

(1980)

Poeta gaúcha, formada em letras, é atriz, arte educadora e estudante. Já passeou pela dança, teatro, cinema, circo, música. Participou da coletânea Sobre Lagartas e Borboletas e do Projeto Sete Luas . Tem poemas publicados nas revistas Plural, Mallarmargens, Limbo, O Emplasto e DiversosAfins. Publicou o livro Kamikaze(2016)

A idade não vem sozinha Vizinha de chagas Pragas que batem e voltam A idade não dá folga Rouba toga, melindres Perdoa deslizes Dá o troco em doces A idade é generosa Vem em prosa ou desalinho Como vinho bom Ou sermão de mãe nervosa Esta menina levada Amarrota a pele E passa a limpo nossa ficha ................................................................................ A placenta que me cuspiu do morno jogou-me ao forno sem piedade nenhum pio de dó até pão de ló tornar-me sigo mal passada

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WALQUIRIA RAIZER (1980)

Poeta nascida em Rondônia, morou no Acre, no Paraná e reside, desde 2008, no Rio de Janeiro. Graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Acre e especializou-se em Jornalismo Político pelo Centro Educacional Uninorte. Tem histórico profissional voltado para a política cultural. Escreve poemas, crônicas e histórias para crianças. Publicou dois livros (um infantil, com ilustrações de Ziraldo e um de poemas) e integra a coletânea de poesia Amar, verbo atemporal, organizado por Celina Portocarrero, lançado pela Editora Rocco em 2012 Defende a poesia como matéria prima de todas as artes.

RETICÊNCIAS vou escrever qualquer coisa que não pareça nada (!) esse tudo é mesmo o que (devasta) VENEZA A parede malhada feito um gato (Ou vaca) O espelho que mostra uma velha carcomida Pelo tempo, pelas palavras não ditas Trancadas na garganta de um mundo whatsapp Manda figurinha Escolhe Essa não Como no tempo das cavernas Desenha Nem desenha. Escolhe um desenho pra dizer O lambari pula no coqueiro - Pula? Lambari não é peixe? - É. Acho que é. Não importa. Nada importa no tempo das máscaras. .................................................................................... e todos os poemas que vão se perdendo nessa busca exagerada (de não sei o quê) que nunca chega e quando chega Ana começa a pintar de novo (quando os quadros são os mesmos, pinta-se a parede)

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ROBERTA FERRAZ (1980)

Poeta paulistana, estudou letras na PUC e história na USP. Publicou em 2003 seu primeiro livro, de contos, Desfiladeiro. É mestre em literatura portuguesa e ganhou em 2008, o prêmio do Programa Nascente da USP, com seu livro de poemas Lacrimatório, Enócoas (2009). Publicou Fio, Fenda e Falésia(2010) em parceria com Érica Zíngano e Renata Huber.

SAPHO O meu amor, quando é amor é excesso E morre Um pé sobre o penhasco abaixo todo o mar centrípeto sua sombra, volume de pender o fundo vermelhidão e escolha Expande o delírio feminino ininterrupto o mar de suas mulheres seus ramos do escuro Entre o lábio e a sola a precisão do penhasco: raja os amores o sexo o manto meu amor, quando é amor é excesso E morre

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ELIZA CAETANO (1980)

Poeta mineira, é jornalista, mãe de duas filhas . Começou a escrever em meios eletrônicos ainda na adolescência O Caderno das Inviabilidades é seu primeiro livro de poemas e foi semifinalista do Premio Oceanos de Literatura 2017. Tem poemas publicados também em revistas eletrônicas como Escamandro e Literatura.br.

O CADERNO DAS INVIABILIDADES Minha vontade irremediável de listar palavras inviáveis. Inviáveis, sua barba ou cabelos. O avião, incapaz de remediar minhas convicções inviáveis ou o defeito no lobo da orelha. Minha perversidade. O que me ocorre embaixo do chuveiro. A ereção inviável e o beijo. Os homens inviáveis. Os homens, de onde nada nasce. Onde não há menstruação não cabe vida, as mãos injustas e protetoras dos homens. Os filhos inviáveis dos homens cujo desejo me torna inviável. Os pés grandes demais, os olhos dos homens que não sabem chorar, ou nem só falar, os homens que não sabem. Os homens e seus pelos inviáveis, suas mãos sujas, seu tesão exposto. O homem que me alimenta, inviável, o caderno de inviabilidades, a quem sorvo diariamente na cama da casa que eu fiz viável para o homem morar. O homem cuja inviabilidade eu exponho debaixo do lençol a cada dia, todos os dias, na inviabilidade selada com o anel, o olhar pobre ora meu, ora dele, diante ao mesmo tempo do dever inviável e do mero amor, livre de mim, livre dele, o amor insone sobre a cama feita ao lado da janela voltada para o prédio vizinho à revelia de nós dois.

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KATIA CASTAÑEDA (1980)

Poeta paulistana, passou toda sua infância no sertão alagoano. Viveu na Cidade do México durante 6 anos. Domina o idioma espanhol e costuma escrever alguns poemas nessa língua. Azul, é um de seus poemas escritos em espanhol que foi publicado em uma antologia na Espanha. É autora do livro Poesia o grito de resistência, trabalho que vem sendo apresentado em coletivos artísticos independentes. Recentemente esse livro foi lançado na Casa das Rosas. Como bem diz o título, seus poemas denunciam as desigualdades entre homens e mulheres, brancos e negros, ricos e pobres.

MARCAS Estão marcados em meu corpo, O mapa da libertação Gosto de marcas na pele Essas que carregarei enquanto existir. Amo tudo que já foi. A pedra que um dia foi lava O papel dobrado e envelhecido Que um dia foi carta de amor E teu nome em mim, que levarei Para onde eu for. COSMOPOLITANO Desespero consumista induzido Tão cruelmente de forma letal Compras, comprar, parcelar Ciclo após ciclo, roda da fortuna A torre da desnutrição Doença moderna em plena emancipação Malas, perfumes, samba-canção Desfile, moda, Milão Conduz imagem, desesperação Desfile de vidas Escravidão.

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SAMANTHA ABREU (1980)

Poeta paranaense, é professora e pesquisadora da literatura. Já foi publicada em sites, revistas e teve textos adaptados para o teatro. Participa e produz eventos e projetos literários. Lançou os livros Fantasias para quando vier a chuva (2011); Mulheres sob Descontrole (2015); A pequena mão da criança morta (2018); e tem dois livros no prelo. Integra as antologias O Fio de Ariadne (2014); 29 de Abril: o verso da violência (2015); e Sob a pele da língua (2019) junto com autores contemporâneos de todo o país. Faz parte do Coletivo VERSA, que divulga, organiza e dialoga com a escrita de autoras londrinenses.

UM DESEJO LATEJANDO NA CÓRNEA Uma vontade não é reprimida na ausência. O desejo de outro desejo, uma faculdade do querer, uma cisma. Teimar em fisgar o oxigênio nas trompas, até sentir o ar alcançando as amígdalas liquefação explodindo nas córneas. Arranhar as paredes da casa com os dentes, gritar socorro entre os buracos dos tijolos que agora se mostram, querer diluir o corpo e sumir entre o concreto, assim feito massa corrida: lisa, fina e confortável. ALICE CONTRA O ESPELHO

Falsas verdades não me parecem mentiras. Eram apenas demasia de um capricho transbordando de mim para o outro. Alice e o gato, por horas a fio atraindo-se pelo recôndito. O que se mostra não me fascina. Eu cobiço o incompreensível e o inexplicável que me resuma. Procuro a passagem secreta no tronco da árvore, e um mundo farto de dogmas imperfeitos.

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ELISA ANDRADE BUZZO (1981)

Poeta paulistana, é formada em jornalismo pela ECA, com especializações em edição de livros e jornalismo literário. Se lá no sol (2005) foi seu livro de estréia. Em seguida, participou de antologias no Brasil e no exterior. Trabalhou na Radiobrás, revista Cult, edição brasileira do Le Monde diplomatique. Seu livro, Vário Som, foi finalista do Prêmio Jabuti, em 2013.Publicou, ainda Notas errantes (2017) e das crônicas de Reforma na Paulista e um coração pisado (2013), assim como O gosto da cidade em minha boca (2018), entre outras obras.

nas malocas no cais sodré faltam reboco e cortinado sobeja amor pombas fofocam a vida por detrás dos vidros das alturas me contam as novidades elogio a beleza de suas penas verdes rubras as patas flexionadas sentinelas tão seguras de si não jogo tranças nem alpiste como esta grade é baixa vertigens acometem quem se aproxima demais do abismo AMÉRICA É preciso amar rapidamente ler todos os livros interessantes pintar os quadros com urgência transformar toda farinha em pão registrar todos os sentimentos antes que as cabeças sejam cortadas. CIDADE ÁCIDA palco de horrores e amores solmáforo acusando: raios peligrosamente UV (perigo! perigo! peles brancas e azuis) olhos fechados a luz não queima atravessa cidade ácida vem me incendiar

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TÁGGIDI MAR RIBEIRO (1981)

Poeta tocantinense, é escritora, preparadora de textos e professora de literatura. Já morou em Goiânia, Campinas e Dublin. Reside em São Paulo desde 2008. É bacharel em letras pela Unicamp e pós-graduada em filosofia pelo Mackenzie. Autora dos blogs Subvertidas (2011/2013) e Chistes e Poesia (2007/2014). Tem publicado poemas e contos em revistas eletrônicas como Lavoura, Ruído Manifesto, Gueto e Quatetê. Em 2018, integrou a coletânea Degredo da revista Gueto. O Sonho do Tempo é seu primeiro livro solo.

Maria cheiro de alho e cebola Teu rosto só lembro embaçado Pelo vapor da panela de arroz Lá onde teus desejos fumegavam, Maria Toda a antipoesia Das avós de mãos enrugadas, enregelhadas Cabeças de algodão Pontes, verrugas, muletas Sorrisos amarelos de tabaco Cadeiras na varanda da casa De onde o movimento lento Maria das ruas Teciam histórias da gente comum Da gente tua Maria A mulher enlouquecida nua deitando-se sobre os carros O homem enlouquecido nu volteando-se bailarino, cantando o Menino Jesus Meninos meninas esmagados sob tratores Estradas de terra impaludismo migração miséria Alho e cebola o cheiro das tuas palavras, Maria Fumaça o teu rosto imortal, imemorial Perdido no tempo em que o tempo Podia esculpir O mármore das avós ............................................................................................ Duas adolescentes sentadas no batente à porta de um motel Letreiro luz neon vermelha e azul Cada uma um filho no colo uma criança de colo Cada uma na outra mão um cigarro São Paulo Brigadeiro Luís Antônio 23h Achei que valia uma foto Uma das meninas larga o cigarro Mecanicamente saca da bruzinha um peito triste O rebento suga sem deleite aparente OutraASfoto MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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ALINE BINNS

(1981)

Poeta paulista, produtora de cenários e ilustradora, faz parte do grupo Poesia Maloqueirista, criado a partir de leitura de poemas feitas em bares de Paraty na Flip de 2005. Na infância morou no Espirito Santo, mas voltou para Santo André ainda criança e aos 19 foi morar em São Paulo. Frequenta saraus, participando de projetos como Não Funciona, C.A.I.M.A.L. e Terra Vermelha. Já lançou Primeiro Voo, Cigarros Poéticos, Salto, Selva.

MUDO respira, no fundo pra sentir que ainda está dentro. Com as mãos, o peito e as extremidades em formigamento. Pressente a queda. Sente a vertigem (vinho raro). Salta. se arrebenta... engasga com o sangue, degusta o suor e acorda, ainda tonto do que houvera, vivo, mas não intacto, mudo, mas não calado. A SELVA Nas profundezas de minhas paixões sinceras Onde não existe o ecoar das palavras Mora a minha força mais bruta Cada vez que me abala a dúvida Com os poros em descompasso Eu sei que ela esta viva Devo dizer que estou livre apenas onde não há palavras Devo dizer que aperto, eu mesma, minhas amarras Cada vez que explico o que dizem os meus olhos Cada vez que corro pra longe de mim Cada vez que falam mais alto os contratos E eu sou uma selva Sou a mesma mata serena Que amedronta ao cantar da lua Sou uma deusa plena que tem medo de ser nua. Estou procurando velas para não estar sem trilha E apago com paixão velas e brasas Para não deixar de ser selva Nunca. 90

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JULIANA MEIRA (1981)

Poeta gaúcha,é advogada e vive em Curitiba. Seus poemas foram publicados pela primeira vez em caixas de fósforo, coleção Fogo do Verbo, em 2008. O primeiro livro, poema dilema, foi publicado em 2009. O segundo, sem título, integra o projeto Instante Estante de incentivo à leitura. Publicou o livro poema pássaro (2015) e está na Antologia Blasfêmeas: mulheres de palavra(2016). Seu último livro, Na língua da manhã silêncio e sal saiu em 2017.

o Guaíba indo lindo, limpo, no postal do gringo .................................................................................... todas as palavras com suas mutações contagiam meu corpo por isso sofro desde a sombra até o osso .................................................................................... o sapo coaxa. bonito? só a sapa acha. ..................................................................................... quando nasce um poema o poeta tem morte certeira é possível ver no futuro texto a funda cicatriz do recomeço ...................................................................................... que silêncio é este que me atravessa o crânio como se ele fosse um cânion? ....................................................................................... .

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LISA ALVES

(1981)

Poeta mineira, é escritora e videoartista. Escreve para a revista literária La Ninfa Eco (Oxford, Reino Unido) e coedita a Liberoamerica (revista transoceânica). Dirigiu os curtas Sou Indesejável (2018) e Depois do Sétimo Dia (2020). É integrante do coletivo de mulheres do audiovisual Anarchas e autora de Arame Farpado (2ª. Edição, Penalux, 2018). Teve trabalhos de videoarte exibidos em festivais no Brasil e no exterior.

CURTAS DE MEUS LONGAS II Sou a mesma figura que caminhou ao lado de ideais que sucumbiram ao tempo: assisti a Revolução Francesa apesar de ter nascido no Brasil de 1981. Fui agente comunista, embora nunca tenha comido criancinhas. E agora sou um fruto capitalista: apodrecido dentro do mercado. III Toda minha moral mente e toda minha imoralidade é demente. WOOLFS & STORNIS AQUI DENTRO Eu sou desordem. Exterminadora de Eus passados. Alma em cálice de vida. Corpo entregue à ruína. Eu sou canção do exílio – inteligência colonizada. Segredo para mais de 500 anos. Império de sem terras, de sem tetos e de sem vergonhas. Meu sexo é algema, mácula e saia longa. Meus olhos esperam o não sei o quê. Curso pontes e pinguelas desafiando Leis e o Reich da Gravidade. FILHOS DE MADALENA Alastra-se um cobertor virótico neste solo. Quem dorme não terá mais chance de dizer: Bom dia! Fazemos nossa parte: vendemos nossas vidas. Hoje nossas genitálias rendem o prato do dia

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MARINA RABELO (1981)

Poeta cearense, foi criada em Natal e se considera potiguar. É engeneira química e também dramaturga. Publicou três livros de poesia: Por Cada Uma (2011), em parceria com quatro outras poetas potiguares; Livro de Sete Cabeças (2016); e Das Coisas Que Larguei na Calçada (2016).

NÃO LIMPE OS PÉS ANTES DE ENTRAR Entre com a lama, a grama, a poeira e a areia do mar. Entre com o barulho das ruas, do samba e dos versos do poeta de mesa de bar. Entre com o cheiro do asfalto, do ônibus lotado e do pastel de carne com suco de maracujá. A porta está aberta, pode entrar:Eu quero minha alma suja e feliz. ORIGAMI nem sempre somos o que queremos ser. um dia, pássaros. um dia, papel amassado no chão. [somos as dobraduras da vida] A POESIA (MENTE) A poesia está na sala. Nos restos em cima da mesa. Inquieta e sedutoramente viva. A poesia está no quarto. Na poeira debaixo da cama. Tranquila e assustadoramente só. A poesia sorri, Debocha e diz: — A poesia não está. E assim a poesia descaradamente é.

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POLLYANA FURTADO (1981)

Poeta paranaense, vive no Amazonas, formou-se em letras e especializou-se em linguística pela UFAM. Fez mestrado e é professora de língua portuguesa e literatura na rede pública de ensino Publicou os livros de poemas: Fractais e À margem da luz(2007), Simetria do caos (2011), Rosa de Sombra (artesanal e em versão digital, 2013) e À sombra do iluminado (2017).

A PRAÇA Distribuição de indigentes ignorados pela intransigência. Ignota discrepância de uma singular civilização. Desmedidos, censurados em larga instância, de uma força dividida, em dissipação. Expressão desenganada e corrompida, de um povo desiludido pela ganância. No ácido da ferida, absorvidos pela ânsia. Jaz um grito: dissolvam-se os parâmetros, recomponha-se o veredicto. NA PELE Escrevendo na pele o gosto da paixão, deixei derramar no meu ser muitos dos teus anseios. Mergulhaste fundo, minha boca entreaberta, um refluxo selvagem. Olhos de fenda, minha ardente ilusão. Envolvido pela ternura, desperta-me deste sonhoi de estar longe de ti iluminando as trevas dentro e fora de mim.

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RAQUEL GAIO

(1981)

Poeta carioca, é atriz, bacharel em letras e performer. Em 2011 lançou o livro de poemas O Exercício no Mundo com Luis Alexandre Louzada e Denise Fraga. Foi publicada nas revistas Um Conto, Diversos Afins, Estrelas Vagabundas e Zebra, estas duas últimas pela UFRJ.

tem um rinoceronte no meu pátio que me flameja toda noite não há metáfora que sustente meu quadril dolo encardido que ensurdece os ossos como uma mancha. tenho entre os dedos um crucifixo pagão que me faz sangrar como eu sempre quis. novena que entorpece. as horas no meu corpo são como escombros, altares perdidos no oceano. ......................................................................................... o odor entre minhas pernas , meu diálogo mais esquizofrênico, denuncia minhas velhas pegadas. uma alcova fertilizando promessas uma altura encardindo meus excessos . o óleo que produzo rasga minha língua e mancha a memória dos meus tornozelos. ando manca pelas redomas de tua igreja, pelas profecias atônitas de uma virgem. o sangue que me jorra me reduz a um beijo pontiagudo. escombros em precipício. carne que não envelhece. teu tempo é grave e minhas pernas querem deter tua fuga. nuvem cigana. alçar voos de serpente lambuzar esse fingido diálogo beber nosso líquido numa catedral sem deuses. costura de uma noite pagã.

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ROBERTA TOSTES DANIEL (1981)

Poeta carioca, tem poemas publicados nas revistas eletrônicas Mallarmargens, Zunái, Musa Rara, Diversos Afins, além de blogs e no site do Centro Cultural São Paulo. Incluída nas antologias: Desvio para o Vermelho, Amar, verbo atemporal e História Íntima da Leitura.

o medo entrará em nossa casa nos recortando como num conto de Cortázar não saberemos por quê por fim, foragidos do perímetro de um país o coração na saudade eloquente e pagã forjada nas distâncias das coisas não paridas - mesmo partidas as coisas têm um nome ouço os espaços vagos do dia em que nascemos PÃO CEGO DA POESIA mastigo o ermo das palavras quando não quero dizê-las estendo os braços, frágeis de sentido por algo como a luz. ou a fome VIGÉSIMO ANDAR Tenho dias de ficar entorpecida com as montanhas, em parte alguma. Alargada pelas florestas, onde a verticalidade varia como o câmbio – flutuo sem pés nem asas pela chacina de elevadores que incomunicam o alto, sem confidências.

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SIMONE TEODORO (1981)

Poeta mineira, estudou letras na Universidade Federal de Minas Gerais, foi professora de literatura e fez mestrado na mesma instituição. Fez aulas de artes marciais, desistiu rápido e decidiu seguir carreira religiosa: foi católica carismática e quase irmã carmelita. É leitora compulsiva de poesia. Distraídas Astronautas (2014) é seu livro de estreia. Publicou depois Movimento em falso(2016). Atualmente coordena as atividades de incentivo à leitura da Biblioteca Pública de Belo Horizonte. Mas confessa: “poderia ter sido engenheira, lutadora de MMA, freira ou saxofonista. Uma vida só não basta: sou poeta.”-

SOBRE ARDER Eu sei Ousei flertar com claridades Mas sou filha do breu E agora me recolho Barroca e contorcida (Minhas frágeis asas de cera...) E ela era um verão Inteiro em minha cama Ardendo NÃO ERA Não era vento: Era ser forte Era ser fraco E, às vezes, sem rumo. Não era chama: Era um gosto na língua Era umidade entre as pernas Era angústia de amar. Não era outono: Era a superfície da pele Alcatifada por rugas. Não era um trilho de trem Uma estação ferroviária Um aeroporto Nem mesmo o mar Com um barco distante: Era a vida que restava Acorrentada à ausência. Não era chuva: Era tristeza pura. E só. AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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GISELLE VIANNA (1981)

Poeta paulista, nasceu em Campinas. Formou-se em Direito pela USP, é mestre e doutoranda em Sociologia pela Unicamp. É autora do livro Interpeles (2008) e organizadora do livro Tempo de Jabuticabas (2016). Idealizou o Coletivo Ocupecompoesia, que promove ações político-poéticas na cidade de São Paulo.

ME ilumina-me pensava ele diante do vagalume: então o dissecava até o caroço da morte mas aprendi anatomia consolava-se em pânico diverte-me pensava ele diante do brinquedo eletrônico: então o destroçava e remontava triunfante ama-me pensava ele diante de Ana: EPITÁFIO nada jamais há de tocarme sem esquar tej ar a nã o ser talvez a joaninha de minha primeira infância VIGÉSIMO ANDAR Tenho dias de ficar entorpecida com as montanhas, em parte alguma. Alargada pelas florestas, onde a verticalidade varia como o câmbio – flutuo 98

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MARIA CAROL DE BONIS (1981)

Poeta paulistana, é formada em Letras pela PUC-SP e leciona língua portuguesa e literatura. Passos ao redor do teu canto é seu primeiro livro de poemas e integra a Coleção Patuscada, projeto premiado com o ProAC – Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo.

DECOMPOR A fruta apodrece (não que eu assim quisesse) como vão de escada e escuridão. Vivo onde as moscas contornam minha ausência. Faço de mim escambo com o vento. Estaria a dois passos do que tem sido. Desfaço na estrada e vou fincando em cada poste abandonado em cada curva desvio a voz que em mim fala para decair na tarde verde vegetal e não querer mais nada da vida. Se assim se mostra no que decompõe a essência, deixo ao que o coração abra em tempo do que regressa o sumo maduro a colher o sêmen entrar dentro da ferida das coisas saber de que material são feitas e conter sua substância - expor sua ferida em um trauma aberto lá onde dói a fibra do fino fio corrói-se a essência sem luz.

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ANA FARRAH BAUNILHA (1981)

Poeta gaúcha,.teve sua escrita notada nas redes sociais quando seus textos começaram a ser publicados em blogs e revistas eletrônicas de literatura contemporânea no Brasil e em Portugal. Participou da antologia ‘Contemporâneas’ na revista Vidas Secretas, editada por João Gomes. Publicou poemas também no Livro da Tribo, pela Editora da Tribo. É colaboradora/curadora na Mallarmargens, revista virtual de poesia e arte contemporânea. Publicou o livro “Orquídea Trepadeira e outras flores ordinárias”, em 2017, pela Editora Benfazeja; em 2018 publicou “Os Mortos do Apartamento 21”, pela Editora Patuá.

Revezava um dia para cada: o policial nas quartas e sextas, o ex-presidiário nas terças e quintas. Nos finais de semana eles ficavam com suas respectivas esposas e eu inventava um terceiro que não me cobrasse nada. E toda segunda feira eu deixava livre para chorar em paz. * Meu amor me trocou por um aplicativo de sexo casual o amor me trocou por unidos venceremos e um pé de Iemanjá pisando descalça no chão da sala onde deitei e esfreguei a buceta em posições absurdas de ballet. Trocou meu Grimório por um livro de São Cipriano. O amor me trocou por um quarteirão com queijo batatas fritas coca-cola, trocou seis por meia-dúzia trocou uma nota de quinhentos, trocou meu vôo de lugar, trocou 3 gramas na biqueira me trocou por uma vídeo-chamada, me trocou por cabeçada na parede, cortou a testa de fora a fora e me trocou como trocasse de cueca zorba modelo antigo de algodão me trocou por uma banda de metal sueca me trocou por uma viagem a Helsinque e a Finlândia inteira, o amor me trocou por uma paisagista calma e equilibrada como devem ser as paisagens. O amor me trocou por um jardim de amor-perfeito e dentes brancos. * e eu sabia irritar um homem como ninguém eu sabia dizer a coisa certa na hora errada pra ofender de forma sangrada e imperdoável eu sempre soube ter a língua cheia de alfinetes porque um homem duro e impenetrável me parece por demais enfadonho a placidez mórbida sobretudo é inadmissível e isso vai além da minha vontade própria é quase involuntário espezinhar por gosto e propósito só pra ouvir o grito obter resposta ver mostrar por dentro ver até onde eles vão e nessas de brincar de ‘espete o bonequinho’ me lasquei bonito quando eles explodiam geralmente os estilhaços furavam meus olhos por isso fiquei cega toda vez que fui embora.

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ADELAIDE IVANOVA (1982)

Poeta pernambucana, é jornalista, fotógrafa e vive e trabalha entre Colônia e Berlim, na Alemanha. Lançou os livros Autotomia (fotografia), Polaróides (2014) e O Martelo(2016). Tem trabalhos fotográficos publicados por diversas revistas internacionais.

coisas no metrô acontecem muitas coisas na alemanha mas ninguém se olha nem na alemanha e nem no metrô pra mulher de burca todo mundo olhou mas ninguém a viu ninguém julga ter algo a ver com isso. ........................................................................................ embaixo da burca há uma mulher. GAIA CIÊNCIA é proibido cuspir no prato é proibido dormir no asfalto é proibido trepar no mato é permitido açoitar as massas é permitido erigir as farsas é permitido morrer às traças (paremos, portanto, de fingir que Nietzsche estava errado quando enlouqueceu às portas de explicar esse caralho) AS MULHERES acontecem muitasPOETAS NA LITERATURA BRASILEIRA 101


CLARA BACCARIN (1982)

Poeta paulista, formou-se em letras e fez mestrado pela UNESP (Araraquara). É autora do romance Castelos tropicais (2015), do livro de poemas Instruções para lavar a alma (2016) e do livro de crônicas Vibração e descompasso (2017). Escreve para diversos sites e em 2017 teve poemas gravados no CD Lavar a Alma. Morou na Austrália, Chile e Hungria.

entre silêncios e entrelinhas entre peles e recantos entre vãos e desvios entre a coincidência dos olhares e a refração dos espelhos entre os escafandros e os nus em pelo Amar é sempre um tiro no escuro MISSÃO é fácil escrever um poema difícil é – pelas décadas que se agregam pelos vícios que me pegam pelos sonhos que se quebram – não deixar morrer o olhar de encantamento é fácil escrever um poema difícil é fazer do corpo templo capturar na veia e no verso os ritmos do silêncio é fácil escrever um poema talvez leve alguns minutos apenas talvez surja num sonho numa alvorada do peito numa madrugada embriagada difícil é deixar a fenda aberta despir as máscaras desconstruir os passos reinventar a existência cotidianamente é fácil sentar e escrever um poema difícil é resistir e fazer da vida poesia 102

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FRANCESCA CRICELLI (1982)

Poeta paulista, nasceu em Ribeirao Preto, é tradutora e pesquisadora. Publicou Repátria no Brasil (2015) e na Itália (Carta Canta, 2017) e 16 poemas + 1 em Nova Iorque (edição de autora, 2017) e em Reykjavík (Sagarana forlag, 2017). Organizou as cartas de Ungaretti a Bruna Bianco (Mondadori, 2017) e traduziu, entre outros, Elena Ferrante. Morou na Itália, na Espanha, na Malásia e, por alguns meses, na Índia e no México.

RUA ABÍLIO SOARES A casa caiu e o vazio fisga fundo a ferida. A rua muda, a sombra nua espraia o sol, meus passos passam CATEDRAIS Força sutil e estrondosa a nossa catedral erguida no peito vazio – no silêncio dos olhos, sós e incessantes construímos um penhasco, ponte de uma dor a outra. Como todo ser vivo, hoje estamos cada um com seu vício. É O NASCER DO DIA QUE RASGA O PEITO DOS AMANTES É o nascer do dia que rasga o peito dos amantes, como o verde que colore ois olhos, na mesma diagonal, o desenho de um milagre. Plantar na terra pés com o coração e não ir mais embora agora que colocaste o mar no céu. Enquanto na gargante brota-se a línguia dos antepassados navegadores meu olhar permanece no horizonte.

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JOANA CORONA

(1982-2014)

Poeta paranaense, editora e artista visual. Foi mestre em literatura pela UFPR e viveu em Curitiba. Publicou o livro de bolso literário-visual OQ? (2006), em parceria com C. L. Salvaro. Também publicou fanzines coletivos, Potlatch (2 edições)e Lá (5º edição). Morreu, lamentavelmente, em março de 2014 víotima de uma partada cardíaca durante viagem para Florianópolis.

PETRÓLEO sombra: carne incorpórea colada no tempo. corpo imaterial, ou a fisicalidade do ausente. o negativo de uma materialidade anterior – silhueta de fumaça na parede branca. (o que se fotografa são fantasmas) eu sou o livro-fogo que queima, negro. estive sempre aqui (mas isso não é visível). agora há o resquício, e há também a imagem que me cria, para que eu siga sendo este outro. agora sou um traço de pólvora. a fotografia-fuligem, a imagem-pó – o livro-espectro. ENTARDECER voam em bando. estardalhaço. feito vento nas folhas barulhentas. as asas, simultâneas: tambores. avoada, nem vê, de perto. o fim de tarde sonoro a manchar o céu (alaranjado) com sua listra negra e ligeira.

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MARIANA VARELA (1982)

Poeta paulistana, é cientista social formada pela Universidade de São Paulo com mestrado em sociologia pela Universidade Nova de Lisboa. Lançou seu primeiro livro de poemas, Tempestade Musicada, em 2018. Enigmas de Jaguar e Jasmim, seu segundo livro, veio dois anos depois, em 2020.

ROTINEIRA CONTRADIÇÃO Cheia de arte de palavras cheia de rimas de conexões lógicas impróprias Cheia de vida cheia de raiva cheia de fome cheia de vôo cheia de rios, lotada de sonhos e ilusões (a liberdade na terra se esconde e a felicidade se torna a tranquilidade vazia da repetição) Estou farta, porque tranquila estou cheia, porque ausência liberta, porque aprisionada E fracassada porque nasci na selvagem vida dos homens e sou fêmea, que carinho – Eu estou cheia porque a vida Vazia

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ADRIANA CALÓ (1983)

Poeta paulistana, historiadora, amante das letras e das artes. Colabora com conteúdos para revistas digitais, possui um blog na Revista Digital Obvious (obviousmag.org/coisas_de_dri) e é uma das organizadoras do projeto literário Senhoras Obscenas, na qual além de suas poesias contribui com os resgates de memórias de escritoras ofuscadas. Participa também do coletivo de arte “Gestus”.

Em um labirinto de espelhos entrei Porém, não era meu reflexo que ali identifiquei Era algo muito semelhante, mas com outro semblante que aos encantos me entreguei Côncavo e convexo Entre uma curva e outra um afeto, uma afronta O pensamento em confusão Sem bússola ou mapa, nem rumo ou direção. O que agora refletia não tinha aspecto, nem fisionomia Tão abstrato quanto desenho, por pingos de chuva formado, no vidro embaçado. Buscava uma saída, uma pista Que retirasse essa sensação De que algo sugava meu coração Então o sol levantou... Em uma claridade transcendente Iluminou (in)utilmente Cada espelho ali presente Como um vulcão em erupção O chão tremeu de excitação Um trinco, uma rachadura, explosão Fui lançada pelos ares Cacos soltos e em pares Dissipada no vácuo do espaço Cada pedaço que voou levou um pouco do que sou 106 AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA Formando então, minha constelação.


ELIZANDRA SOUZA (1983)

Nascida em 1983 na periferia de São Paulo, cresceu em Nova Soure, pequena cidade da Bahia, terra natal de seus pais. Em 1996, retornou à capital paulista, momento em que inicia seu diálogo com a cultura hip-hop. Criadora do Mjiba, fanzine de poesia, que circulou entre 2001 e 2005, a autora começou a frequentar os Saraus da Cooperifa em 2004. Poeta, jornalista, editora da Agenda Cultural da Periferia, locutora da Rádio Comunitária Heliópolis foi co-organizadora da Antologia Pretextos de Mulheres Negras com Carmen Faustino e textos de 20 poetisas negras. Publicou o livro de poemas Águas da Cabaça(2012) e foi incluida em algumas antologias como Cadernos Negros, Negrafias, entre outras.

MULHERES CAMPESINAS No meio da noite, mãos de foice Pra lavoura de pragas, mulheres gafanhotos Noticie a invasão, nosso nome é ocupação Para germinar capital estéril, Sangue nosso não regará solo infértil Antes que o planeta seja vento e poeira Guardamos sementes boas nas carapinhas Espalharemos nos milharais nossas bandeiras Mulheres em luta, escrito nas muralhas e nas veias ÁGUAS DE CABAÇA Esse fruto seco que tudo carrega Elixir dos deuses e do diabo Águas para o banho Águas que matam a sede É vida, é ventre Quando pensam que morri Renasço nas mãos de uma mulher Ser cabaça, ser fértil simples, discreta suave, dura e impermeável Reverberar o som com suas sementes COMIGO-NINGUÉM-PODE Assentei no meu portão Uma erva poderosa Planta milagreira De banir Olho de Seca Pimenteira Para reforçar Espada de São Jorge Arruda e Alecrim Não há olho gordo que me derrube Não há mal que me assole Pois na minha casa o que não falta É Comigo-Ninguém-Pode AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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MARIANA PORTELA (1983)

PIERROT

“Estou lendo um romance de Louise Erdrich. A certa altura, um bisavô encontra seu bisneto. O bisavô está completamente lelé (seus pensamentos têm a cor de água) e sorri com o mesmo beatifico sorriso de

Poeta paulistana, é seu bisneto recém nascido. O bisavô é feliz porque perdeu a memória que tinha. O bisneto é feliz porque tem, ainda, nenhuma memória. Eis aqui, penso, a felicidade perfeita. Não a quero.” Eduardo Galeapsicóloga de forma- não noem O livro dos abraços. ção. Especializou-se em Fenomenologia Uma caixinha de música, às vezes, dá corda a mim. A poesia gorda me envaidece com seus versos, perfeitos. Existencial e PsicoEles vêm, sonhos oraculares, drama. Trabalha com em cores de Van Gogh e voz do Salvador. os tipos psicológicos É difícil dar-lhes nomes, de Jung e análises ou decidir o primogênito. comportamentais para indivíduos e Gostava de morar na beleza primeira que tem as letras, equipes. antes da oração. Filha de dois escriUma boneca antiga visita-me a infância. tores e jornalistas, Faz do passado uma colheita de outono. sabia que sua vida estava predestinada Uma caixinha de música, à literatura. Foi em às vezes, dá cordas em mim. Lisboa, no ano de 2008, que passou a Manipula meus títeres anteriores. escrever compulsiva- E vai-se embora como a nuvem derradeira que insiste em acariciar o Tejo. mente. Participou de diUma caixinha versas antologias e de música, encontros poéticos, às vezes, no Brasil e em Portu- desperta o pierrot aprisionado no brinquedo. gal. Em 2018 lançou Dilacera as dores cicatrizadas. Viver é Fictício, pela Dá risada dos projetos juvenis. Laranja Original.

No dia em que a caixinha de música for abreviada pela obviedade, talvez seja feliz. A memória, Poética, é sempre lapso dos possíveis futuros. 108

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MAIARA GOUVEIA (1983)

Poeta paulistana, possui poemas e artigos sobre cinema e literatura publicados em sites da internet, revistas e jornais. Classificou-se em 3º lugar em um festival de música e literatura da USP e foi finalista da 15ª edição do Prêmio Nascente, Publicou o livro Pleno Deserto, em 2009.

NO SUMIDOURO Ao redor do quarto migra um cortejo de aves. Não vemos pois estamos fechados. Ao redor do quarto um barco repousa em um mar sem ondas. Não vemos pois estamos partindo. Ao redor do quarto baleias abertas e peixes mortos cobrem a angra. Não vemos pois estamos sangrando. Porque estamos sozinhos não vemos suicidas engolfados nas brânquias tóxicas dos cardumes. Não vemos a morte solitária dos corais. Não vemos a embarcação vazia permanecer no silêncio das águas. Não vemos: pois estamos no escuro. DESENCANTO As mesmices cotidianas desmoronam quando estamos juntos. Parece que o tempo pára e averigua que cintilamos de volúpia. Consumidos pela alegria de trazer à tona um prazer legítimo que não se repete em mil eras. De repente, depois da viagem, voltamos a nos ver entre os limites das paredes: nossos corpos não vêm mais com paisagens, ou entre nuvens de luz furta-cor e néon. Já não somos deuses. AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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LÍDIA CODO

(1983)

Poeta paulista, é também musicista e professora.Já lecionou música e teatro para deficientes cognitivos.Deu aulas particulares de inglês e francês.Verossímil, seu primeiro livro, foi publicado em 2016. Em seguida, em 2017, publicou Carente e em 2018 trabalhou com o projeto KasatoMaru, cartões postais da cidade de São Paulo com um haicai sobre cada foto. Ela confessa não lembrar o título do primeiro poema e diz que escreve há muito tempo. “Desde pequena, minha mãe me recitava Ricardo Reis enquanto contava sobre o meu nome.”

LULALALALA Carta para o prisioneiro Você foi o primeiro candidato que eu votei e eu votei em você pela pri,meira vez que você se elegeu, fiquei até convencida com os meus 20 anos que o meu voto fazia muita diferença. Lembro eu passeando pelo corredor de fotos, bem antes da Dilma, impressionante: eles são tão parecidos um com o outro. A mesma cara lisa em todas as fotos no corredor em Brasília menos você sorrindo, fica parecendo mais ser humano que presidente da República! Ah é esqueci o Itamar que parece com medo. A diferença entre algo que desperta atenção e um benefício ou ganância é so uma questão de interpretação mas não estou interessada em definições. Impressionante: eles são tão parecidos um como outro só você parecendo mais ser humano que presidente da República! FEMININO Ser mulher no seio da aurora é como ter flor que existe nos olhos, porque sorveu ilusórios propósitos e alguma dor. É viajar no sonho de outrem ou nadar no cume do céu, completamente nua, no centro de um picnic público.

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PILAR BU

(1983)

Poeta carioca, é feminista, mãe felina de três gatos e mora atualmente em Goiânia. Mestranda em Literatura, é mediadora do clube Leia Mulheres de Goiânia, integra o projeto E-cêntrica, é uma das co-criadoras e ex-integrante do coletivo Minaescriba e faz parte da organização do festival literário [eu sou poeta]. Já publicou em Mallarmargens, Escritoras Suicidas, Germina, Subversa e Parentêses, além de ter integrado coletâneas das editoras Patuá (Antologia Patuscada, 2016), Selo Demônio Negro (Maus Escritores, 2009) e Nega Lilu (Os olhos do Bilheteiro, 2016)

NO AÇOUGUE DA AV.PADRE PEREIRA, dividi o corpo em partes: a cabeça, congelei as pernas, enviei por correio as mãos, guardei na cabeceira o resto, joguei fora. DUPLICADA a tristeza é dessas coisas que se avizinham se avizinham se agigantam e tomam conta de tudo. traz consigo o afago despretensão revistas velhas e mais uma escova no banheiro eu e minha tristeza andamos de mãos dadas por aí pegamos ônibus fazemos feira tomamos sorvete e quando ela se vai feito água de banho resta o vazio.

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CAMILA RODRIGUES (1983)

Poeta paulista, nascida em Santo André, conquistou notoriedade como atriz. interpretando Mariana, na novela “América”na TV Globo em 2005. Sua beleza e talento despertaram a atenção da Globo, que a escalou para outros trabalhos. Três anos depois, assinou contrato com a Rede Record. Estreou em poesia neste ano de 2019 com o livro Mergulho no Anticeu.

QUEDA LIVRE Caiu sem cálculos matemáticos, arriscou-se em queda livre escorregou pelo retângulo dos prédios, absorveu a vida lá de dentro sentiu o ar cortar os pulmões e rasgar a vda em pedaços não era mais um corpo, era uma equação física jogada ao chão SUBMERSA Perdi o fôlego imersa já era mar a alma inundada transbordava em dores que flutuavam sobre a água como corpos mortos a boiar sem rumo e cada vez mais submersa eu mergulhava em mim com uma única certeza: a superfície era o único lugar onde eu não queria estar CONTRAFLUXO Mar de gente à minha frente buzinas gritavam na mente passos rápidos e urgentes empurravam meu corpo ausente a lugares em que eu sempre resisti estar

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NINA RIZZI

(1983)

Poeta paulista, vive atualmente em Fortaleza. Formada em arte dramática (ECA/USP) e história (UNESP), coordena o Centro de Artes 7 Setembro. Participa de saraus, festivais de arte, eventos literários e palestra sobre poesia, literatura, gênero e artes e é engajada em movimentos sociais como o MST e o Movimento Arrastão. Publicou os livros de poesia: Tambores pra n’zinga (2012), A Duração do Deserto (2014), Geografia dos ossos(2017) e Quando vieres ver um banzo cor de fogo(2017). Tem poemas traduzidos para o espanhol, esloveno e inglês e participa em diversas antologias no Brasil e no exterior.

ENREDANDO LIBERDADE em lugar de poesia então eu cruzo as pernas com essa cara falsificada de foda-se. chiarescuro. entenda. aquela ribanceira ficou toda assoreada e era tão escuro e tanto vento e tamanha solidão, que montanha despenquei forte escorregada, esses malditos sapatos de plástico roxo. nãnã de lama. e você não estava lá pra me estender o braço esquerdo como bem-casadinho numa igreja de santa clara. entendo. suas pernas lazarentas e essa cara falsificada de te venero. chiarescuro. e não estou numa igreja de são francisco pra te cuidar. amor, ateu amor. ÚLTIMO ESTUDO PRA O DESAPEGO velhos títulos brincam de ricochetear o marejo d’ os meus olhos. esfrego-os um pequeno desastre me afunda na poltrona vazia, a echevaria apodrece. os livros que me roubou desaparecem da estante letraa-letra, grandes sorvos de esfaimento mais adentro mais adentro ainda te esqueço

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PRISCILA LOPES (1984)

Poeta brasiliense, reside desde criança em Florianópolis. É formada em relações internacionais. Possui contos, crônicas e poemas publicados em antologias. Realizou duas exposições de poesia no espaço cultural da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Em 2009 teve seu conto O intangível publicado na Revista Cult (138). Mais adiante foi contemplada com a Bolsa para Autores com Obra em Fase de Conclusão, recebida da Biblioteca Nacional com a qual pôde publicar seu primeiro livro de contos Uns traços, todos imponderáveis (2010) Integra a antologia Cantares Catarinas - A Nova Poesia Catarinense (2010)

APAGÃO Esse tédio de ficar sem luz me leva a escrever coisas tão escuras! Acendo as idéias para ver se consigo continuar minha leitura. THE NIGHT CAFE Contemplo as escadas de van Gogh. Consulto o relógio na parede. A cinco passos está o meu cliente. Nele me debruço se me vejo. Nele habita o clima, o verde da mesa de sinuca que me convida a ser só. Um casal ao longe não cabe em mim. Um bêbado sentado também sou eu. Por inúmeros motivos me condeno a manter-me em pé, entre parênteses. Creio que haja vida após a morte e que os olhos são os ouvidos das minhas paredes. Porém, me detenho no pensamento que mede o tamanho do meu taco — e se confio ou não, é mais embaixo o buraco que procuram minhas mãos. CRI-A-TIVA Quando eu era criança, E olhava para o topo das árvores, Eu não sabia o que era o passarinho. Bastava observar E eu era um passarinho.

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BRUNA BEBER

(1984)

Poeta carioca, nascida em Duque de Caxias e morando em São João do Meriti, sempre afastada dos centros do Rio. Desde 2007 vive em São Paulo. Publicou quatro livros de poemas:A fila sem fim dos demônios descontentes (2006), Balés(2009) , Rapapés & apupos (2010) e Rua da Padaria(2013).

LUDIBRIO vou enterrar cada parte junto ao rasto impreciso dos mínimos sinais e sobre cada indício construir um cemitério de notícias qualquer dia apareça de surpresa como um soluço. NEIGHBORHOODS se o mundo não fosse esse aterro de máquinas barbas pilhas débitos prazos e canetas marca-texto medos dúvidas e embalagens tetrapak se o mundo não fosse um aterro de babacas ou se o mundo não fosse um abrangente e resumido aterro de sinônimos e se essa rua se essa rua fosse tua eu ia me mudar pra lá. AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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EUNICE BOREAL (1984)

Poeta paraibana, é cineasta e exerce o ofício de artista multimídia. Estudou música na EMAN, com habilitação em violino, e filosofia na UFPB, onde pesquisa estética filosófica. Parte da sua obra está presente na internet, em exposições individuais e mostras coletivas, como por exemplo a Vídeopoéticas II, que aconteceu no Centro Cultural São Paulo, em 2014 .Também estuda grego clássico.

O cinema não existe mais naquele prédio Antigo eles Agora Só cultuam Deus mas ainda vendem o ingresso pra quem quiser entrar No Paraíso. POEMA O verso deita o oito e o infinito se levanta A POESIA FUGIU DO PAPEL Saltou aos olhos em câmeras e bits Criou formas com sprays e mármores A poesia trocou a métrica Pela coreografia E ganhou as teclas sorvendo jornais A poesia agora só canta em teatro É a maestrina titular Que de olhos atentos Rege outras formas. A poesia que já reinventou o poema Agora só reinventa a vida.

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GERMANA ZANETTINI (1984)

Poeta gaúcha, é tradutora e jornalista. Já teve poemas colocados em ônibus e trens de Porto Alegre. Foi publicada em antologias e revistas literárias e selecionada em alguns concursos. Seu livro de estréia, Eletrocardiodrama (2017) conquistou o prêmio Academia Rio-Grandense de Letras. Mas antes disso, seu trabalho já aparecia por aí. Seus versos estavam em postes. Em paredes de ônibus e do metrô. Nas ruas, próximo às pessoas. “Acho importantíssimo que a arte vá até as pessoas”, reflete.

no meu fundo de poço a água vem até o pescoço pra garantir que eu volte sempre de alma lavada LEIA ANTES DE USAR não, aqui não há lugares reservados [de antemão já lhe adianto: nem adianta olhar para os lados] o ambiente não é climatizado os assentos não são flutuantes e máscaras de oxigênio não cairão sobre suas cabeças para sua segurança e conveniência informamos que a vida não vem equipada com saídas de emergência CORTE a faca em punho a alma em riste e uma só jura: nunca mais voltaria a ser aquela tola de hoje em diante choraria apenas pelas cebolas AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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JENYFFER NASCIMENTO (1984)

Poeta pernambucana, é feminista, produtora e apreciadora de arte, além de frequentadora de saraus da periferia da zona sul de São Paulo. Publicou poemas em duas antologias: Sarau do Binho, e Pretextos de Mulheres Negras. Seu primeiro trabalho autoral foi a obra poética Terra Fértil(2014).

ANTÍTESE Pediram um corpo escultural Eu não tinha. Quiseram uma mulher ignorante eu já tinha lido o suficiente pra me proteger. Sugeriram que não opinasse em assuntos de homem Eu nunca consenti em calar. Disseram que eu fosse esposa Eu não quis casar. Discursaram que as mulheres são frágeis Eu não tive tempo de exercitar fragilidades. Orientaram que não freqüentasse bares Eu não pude negar as esquinas. Quiseram controlar meu jeito de vestir e falar Eu não vi sentido em deixar de seguir minhas vontades. Apostaram que eu teria um subemprego Eu vislumbrei ir mais distante. Transaram comigo e depois fingiram não me conhecer Eu aprendi a ignorar os imbecis. Disseram que eu não amamentasse para o peito não cair Eu amamentei até cair. Submeteram meu corpo e meu psicológico à violência Eu me juntei a outras como eu para superar. Compraram vaidades para que eu me adequasse Eu envaideci aprendendo palavras de ordem na luta. Exigiram fidelidade e submissão Eu rompi por amor próprio. Cagaram mil e uma regras de conduta Eu mandei pra puta que pariu E sorri, feliz. 118

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JULIA DE CARVALHO HANSEN (1984)

Poeta paulistana, graduou-se em letras pela USP e é mestre em estudos portugueses pela Universidade nova de Lisboa. Seu primeiro livro , Cantos de Estima, (2009) teve duas edições de materiais, tamanhos e tiragens diferentes. Publicou também Alforria Blues ou Poemas do Destino do Mar,(2013 ) e O túnel e o acordeom (2013)

Estou sempre a espera de ver. Vou na frutaria de olhos muito abertos vez em quando meus ombros se fecham quando muito chama a ver. Temem o fogo que se alastra entre estalos nas estruturas. Preciso dissolver um pouco dos vigiantes olhos para encontrar todos os olhares que tenho por onde. É assim que vejo também a confusão. A confusão tem algumas coisas para me ensinar. Essa pouca relação é a nossa. Meu esteio é claro quando estou pisando meu chão diamantado de dentes de cada animal que comi para me tornar humana. E assim poder dizer. Mas eu sei sou tão pontual nasci para esperar os deuses não. Dia desses ganharei outra velocidade. Serei planta. E hei de continuar iluminada pela água.

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MARIANA BOTELHO (1984)

Poeta mineira, nasceu na pequena Padre Paraíso, Vale Jequitinhonha. Abandonou o curso de letras “por temer conhecer demais tudo aquilo que amava” e se formou em educação física. Escreve poesia desde os 12 anos e publica seus escritos no blog suave coisa. Estreou em livro em 2010, com O silêncio Tange o Sino, com apresentação do poeta Carlos Vogt.

NASCENTE córrego cachoeira ribeirão eu choro pra pertencer à paisagem CASARÃO no corredor o vai vem das saias onde eu me agarrei no quintal o fantasma da mangueira no canto da sala a cadeira da minha avó onde um dia a dor me esperará ESTAÇÃO tenho um outono no corpo de onde as coisas caem vejo doçura nas roupas espalhadas pelo chão AFINAÇÃO há que se aprender a tirar silêncio das coisas quando uma coisa produz silêncio ela está pronta

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MARIANA TEIXEIRA (1984)

Poeta goiana, morou em mais de uma dezena de cidades. Em 2014, participou do Festipoa declamando poemas. Publicou os livros Inversos Paralelos (2013), O que tirei da mala (2015) e Breves verdades e outras mentiras (2017) e tem poemas publicados nos dois volumes da antologia Hiperconexões: realidade expandida (2013 e 2014), a primeira antologia de poemas sobre o pós-humano da literatura brasileira, organizada pelo escritor Luiz Brás.Também é criadora do projeto ‘Gota a gota’, com a artista plástica Shirley Soares.

CRIME tenho tendências assassinas mato saudades com golpes de falta de ar DOAÇÃO tirou do armário o que não servia não queria e nem sabia que tinha tirou tudo e colocou de volta só o que usaria o par de asas ficaria ótimo com os pés descalços DESORDEM Passava uma mão nos cabelos domando os fios que brigavam com o vento Com a outra mão domava a saia que subia e descia causando vergonha nas coxas brancas Com menos mãos do que queria domava o que dava e seguia

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RITA BARROS

(1984)

Poeta paulista, é revisora, tradutora e produdora cultural. Tem poemas publicados em em revistas e jornais, impressos e digitais, e na coletânea do Prêmio SESC de Poesia 2014 (Brasília, DF). Seu primeiro livro foi lançado em 2015 pela editora Cozinha Experimental, do Rio de Janeiro (Coleção Kraft n.7: Rita Barros). É autora do blog Sede de Pedra e coautora do projeto Antares 21, realizado em Sevilha (Espanha), onde também publicou um libreto em espanhol.

1. ANDE movo-me. meus olhos temporais destroem tudo ao redor do umbigo do mundo [nas bocas rasgadas um retumbar de gemidos] cega a cordilheira me lambe morde mastiga engole o tempo a cólera e os cartões-postais ORQUESTRA PARA DANÇAS VIOLENTAS havia muito tempo numa noite [essa bandida essa bandida] e um drama estilhaçado no meio-fio between my dreams and the real things enquanto olhávamos nossos sapatos à cabeceira da pista havia nesse drama uma cenografia íntima um país estrangeiro um sussurro rompendo a névoa rasgando o quadro rasgando nosso contorno liquefeito pequenas dádivas havia um deus sitiado nesse som 122

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RITA ISADORA PESSOA (1984)

Poeta carioca, é graduada em psicologia. Estudou a poeta Sylvia Plath no mestrado em Teoria Psicanalítica e é atualmente doutoranda em Literatura Comparada (UFF), Trabalha como tradutora, revisora, astróloga, taróloga, figurinista. Seu primeiro livro de poesia, A vidanos vulcões, foi publicado em 2016.. Tem poemas publicados em revistas como Mallarmargens, Escamandro, Garupa, Germina. Seu segundo livro, Mulher sob a influência de um algoritmo, venceu a terceira edição do Prêmio Cepe Nacional de Literatura e será publicado em 2018. Seu próximo livro, Madame leviatã, encontra-se no prelo.

AUTOGEOGRAFIA INFAME há que se pagar um preço pela tentativa risível de erigir uma pessoa sobre uma falha sísmica. estátuas de sal não são realmente pessoas, percebe? dissolvem-se em nevoeiro marítimo antes do amanhecer: meu demônio-meridiano é uma mulher de corpo ampulheta [um duplo] e honestamente, não sei bem o que fazer com tantas curvas. a mim, sempre agradou o sul para onde escorregam [salvos do abate] todos os novilhos brancos e também os pardos; a verdade é que um pacto com o trópico de antes me mantém ainda por aqui, entre os comensais. mas tenho brotado oceanos [como uma boa menina - em segredo] para fugas e travessias. AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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ANA DOS SANTOS (1984)

Poeta gaúcha, é professora de Literatura Brasileira e escritora. Mestra em Estudos Literários Aplicados - Letras/UFRGS, ministra a oficina de escrita criativa “Mulher Negra, Meu Corpo, Minha Voz,”. Tem três livros publicados: “Flor” (2009), “Poerotisa” (2019) e “Pequenos grandes lábios negros” (2020). Faz parte do catálogo “Intelectuais Negras Visíveis” (UFRJ) e é acadêmica da Academia de Letras do Brasil/Rio Grande do Sul na cadeira 100 com a Patrona Lélia Gonzales.

RETORNO AO ATLÂNTICO NEGRO Quero escrever uma carta para colocar numa garrafa e lançar ao mar. O mar do Atlântico negro... o mar que na sua ressaca traz à beira da praia os corpos dos imigrantes,refugiados, expatriados, que junto de suas crianças correram em busca de uma vida melhor e encontraram a morte... Ah, esqueci! Esqueci que essa era uma carta de amor para a humanidade. Mas quem pode exigir amor, quando tem criança morrendo de fome, ou em meio a uma guerra? Como posso falar em amor, quando famílias inteiras morrem afogadas nesse mar de sangue, numa diáspora forçada, que refaz a rota do descobrimento numa rota de desespero e de cobrança de tudo que nos arrancaram, terra, língua, saberes, cultura, espiritualidade. Como é necessária a reeducação do homem branco! Esse homem que vive de privilégios,desde sempre, montado nas costas dos negros e brincando de cavalinho com as amas-de-leite negras... Como vamos educar o respeito ao diferente para o homem que objetifica os corpos das indígenas e das negras? Como vamos dar liberdade a tantos negros inocentes que lotam as prisões pagando por crimes que não cometeram pagando pelo crime de ser um corpo negro... Se meu coração falasse, ele sangrava... E eu escreveria essa carta com sangue e não jogaria mais ao mar, mas amarraria no corpo de um pássaro para enviar aos céus Socorro! 124

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ANA AMÁLIA ALVES (1984)

Poeta paulista, nasceu em Marília cidade do interior do estado de São Paulo nomeada a partir daquele famoso poema de Thomás Antônio Gonzaga. Já morou em São Carlos, Barcelona e Londres. É professora de Literatura e Orientadora do Programa de Residência Educacional da Faculdade SESI-SP de Educação. É mestre em Spanish Portuguese and Latin American Studies pela King’s College de Londres (2013) e pós-graduada em Arte, Crítica e Curadoria pela PUC-SP (2012).Foi professora visitante em Londres e há mais de uma década mora na paulicéia desvairada.Com seu Livro do Preenchimento (2020) Ana ficou em terceiro lugar no Festival de Poesia de Lisboa.

Porque é de poesia minha vida secreta e a pública também. Afinal como ser mãe sem ser poeta? Mães criam o outro e poetas também mães só existem quando têm o outro e poetas também mães amam o outro com tanta veemência querem saber como sentem sentir o mesmo e poetas também. Uma rosa é uma filha é o maior poema vem de nós origem mas

vive e só pode seguir existindo nos outros.

.......................................................................................... Dentre múltiplas capacidades deveres dores e gostosuras que temos mulheres pela vida uma delas quase corriqueira parir corpos masculinos e antes criar hormônios de homem testículos e pênis dentro de nós e por meio de nós permiti-los ao mundo.

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NATALY CAVALCANTTI (1984)

Poeta paulistana é filha de mãe paulista e pai paraibano. É atriz formada pelo Célia Helena em 2006 as custas do trabalho como vendedora no shopping. Seu primeiro contato com o teatro foi aos 10 anos após ligar escondida para um curso que achou nas páginas amarelas, do qual passou a ir todas as quintas-feiras, atravessando a cidade de ônibus com sua mãe, que a esperava durante toda a tarde num sofá preto na recepção. Rotina que continuou aos 12 anos num curso do Teatro Vento Forte, do lendário artista argentino radicado no Brasil, Ilo Krugli. Poeta sem pretensão. Vegetariana pela causa animal e pelo desejo de equilíbrio do nosso ecossistema tão comprometido pela exploração humana..

Fim de tarde chuvosa, logo desejo um bolo de fubá e um cheiro de café: Eu sou um clichê ALÉRGICOS pode conter traços de poesia SAIA JUSTA Pra casos como este, fingirei saber o que não sei; depois bebo um drink, solto uma gargalhada e, sorry, acho que exagerei, meu Uber já chegou. É como se eu estivesse em alto mar à deriva, no balanço das águas. Quanto mais eu me mexo, mais o balanço aumenta. Quanto mais eu nado em busca de uma direção, mais o mar me agita, me vira, me revira, me turva a visão, me enjoa. É como se eu me deitasse sobre o mar e deixasse meu corpo ser aquela água – imóvel em sua limitação/carne, porém móvel como o todo oceanírico, Deixando de ser gota para ser mar. É como se a sintonia da rádio dependesse do não esforço – e a música toca [dizem que toca]. Aqui ainda não tocou, mas tá quase um blues esse balanço-deriva 126 AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA sem destino-fim.


ANA GUADALUPE (1985)

Poeta paranaense, já foi professora de inglês, fez tradução e estágio em biblioteca pública. Atualmente trabalha como redatora de conteúdo para internet, em São Paulo. Publicou os livros O relógio de pulso (2011) e Não conheço ninguém que não seja artista(2015). Ganhou visibilidade ao traduzir Milk and Honey, de Rupi Kaur, indiana radicada no Canadá que virou febre mundial e fez um tremendo sucesso no Brasil com o título de Outros Jeitos de Usar a Boca.

VUPT só leu um livro na vida que falava sobre o vento com voz fina se lhe escrevo um verso e leio em voz alta não vê graça não sabe ouvir pausas como as minhas nossas idas e voltas agora não adivinha que carrego um poema pra entregar antes que vá embora junto com a ventania MAPA DO TESOURO menino vestido de pirata eu sei que os carnavais têm sua graça por isso eu respiro engraçado quanto te vejo sinto meus braços acenando para navios parados

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BRUNA MITRANO (1985)

Poeta carioca, nasceu e vive na periferia do Rio de Janeiro. É professora da rede pública e mestre em literatura portuguesa pela UERJ. Filha de camelôs, leu o primeiro livro de poesia aos dezessete anos. Em 2010, esteve entre os vencedores do prêmio Off-Flip. Publicou no Plástico Bolha, Mallarmargens, Germina, Flanzine (Portugal). Teve textos traduzidos para o inglês no projeto Contemporary Brazilian Short Stories (Califórnia). Participou das antologias Algum vazio nesta paz fajuta e Clube da Leitura Vol. III. Com a exposição itinerante Dor, percorre espaços estigmatizados da cidade. NÃO é seu livro de estreia(2016)

lembra quando eu subi na janela fiquei de pé e chovia eu quis que você tivesse medo e me pegasse por trás como fazem os policiais com os suicidas da golden gate mas você fez o santo de rabo de olho a boca caiu o cabelo cobriu a testa eu não entendo eu quis entender o pau duro na minha bunda criança o que era aquilo os pelos grossos e o hálito pesado do trabalho sujo agora é a fila do mercado e o celular despertando a parte que escapa à rotina: café com leite arroz tipo 1 sexo com o vizinho segredos cimentados nas calçadas dos subúrbios – o homem ainda estava com o rosto deitado nas minhas pernas feto de pele velha ossos largos pelos brancos quando eu disse eu não mais darei nomes aos meus filhos e eles não mais serão escravos. ..................................................................................... na estrada de terra da cidade vazia a criança preta empunha um pedaço de pau. ela está nua e vê-se um corpo tão prematuro quanto ruínas. a boca intumescida da criança preta gutura morte ao rei! e na aridez inalcançável dos pés descalços resiste a criança tão criança e velha, sozinha e livre – o sino da igreja abandonada toca todo dia na hora errada.

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MELL RENAULT

(1985)

Poeta mineira, é escritora e dramaturga. Manteve, dos 15 aos 25 anos, o blogue Pensamento Polaroid – que deixou de ser blogue para se tornar um fanzine de incentivo à leitura. Pensamento Polaroid é hoje conhecido no Brasil e no exterior como o único fanzine literário no mundo com um trabalho completamente manual – desde a capa até os textos. Já Publicou nas seguintes revistas: Caliban, Diversos Afins, Alagunas, Mallarmargens, Ruído Manifesto e Desvario, é também colaboradora da revista literária InComunidade (Portugal). Lançou em 2019, seu livro de poemas “Patuá” (Coralina). Próximo lançamento para 2020, o livro de poemas “Flor de Sal” (Penalux).

SÓLIDO Saber da pedra sua inscrição sua saliência. Da pedra saber sua ranhura sua mística. Saber da pedra sua crueza, sua concretude. Da pedra saber sua manifestação rocha moinho lama. Saber da pedra destino sua sina rupestre marcando o tempo do caminho .................................................................................. abalo e esquecimento carne de solidão fulgor este tempo última viagem vozes, memórias algum afago este tempo cruel e imenso em despedidas fixa em mim fundas águas - medo e susto oco nas palavras AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA 129 e corpo que não mais levita.


BIANCA LAFROY (1985)

Poeta curitibana, é também ficcionista, publicou Embrulho Líquido(2012) e participou da antologia Fantasma Civil (2013) organizada por Ricardo Corona para a Bienal Internacional de Curitiba. Segundo Corona, “o desconcertante poema Embrulho Líquido fala do que é vagar pelo mundo como um ser dividido, homem e mulher num só corpo. Também fala do sexo que não diz seu nome e que perambula pelas esquinas de Dalton Trevisan, pelas estações-tubos e pelos caminhos tortuosos de parques ecológicos. Um texto com efeito de tiro certeiro.e que tem “a força de um Jean Genet do século 21.”W

Na esquina, caça e caçadora se cruzam. ElaEle de quadris silíconados, ritmo SALTO ALTO, fiel ao que a mantém ob scena

: em frente à cena. No quarto, de quatro, a presa se livra do seu terno e gravata abrindo seu fractal (o cuspe escorre a canaleta das costas até o anel de couro) Minha língua-cunete o faz trair sua etimologia oco. Azulei-o e ele melou de nena minha neca. ....................................................................................... Entende o que estou dizendo? Dar é feminino de dor. O etimólogo que persegue palavras (dando proteína para a filosofia) dirá que não. DAR É VERBO. Verbo é masculino. Entende o que estou dizendo? É másculo dizer “no princípio era o verbo.”

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BIANKA DE ANDRADE (1985)

Poeta mineira, é graduada em letras e mestra em teoria da literatura pela UFMG. Já publicou poemas em algumas revistas digitais. Seu livro de estréia é Desejada Dor(2013)

BUMERANGUE As palavras, lancei-as ao mundo. O vento, agressivo, trouxe-os de volta. Me golpearam! AMOR IDEAL Convergimo-nos irresistivelmente um para o outro. Todo o resto é divergência insuperável. JOGO DE PREFIXOS Quero unir o inútil ao agradável. Os que desejam o útil fiquem também com o desagradável.

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LAURA LIUZZI

(1985)

Poeta carioca, participou da abertura da Flip DE 2016,, ocasião em que leu e ironizou um poema bem ruim de Michel Temer. Trabalhou com o documentarista Eduardo Coutinho, como assistente de direção, nos filmes Um Dia na Vida, As Canções e Últimas Conversas. Publicou os livros de poemas: Calcanhar(2010) e Desalinho(2015).

ORQUESTRA Não há cortina para esconder os músicos nem mesmo a música se esconde nos instrumentos. Está tudo aos olhos da platéia porque a sinfonia não se pode ver senão nos gestos do maestro. À minha frente, antes do primeiro comando, pode estar o violoncelista em terno preto, como muitos ouvintes. Quando se sentam os músicos cada um em seu tempo afina seu instrumento e acerta a folha da primeira sinfonia: confusa algaravia. Então vem o regente sob uma saraivada de palmas com sua vara de condão. Os músicos ajeitam a coluna alisam os traços do rosto e encaram o maestro que, com dois olhos apenas cruza com todos que têm nele a mira buscando a confirmação de que pode começar. Tão logo soerga a batuta e soe o primeiro acorde ouve-se, milagrosamente, o silêncio. 132

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LILIAN SAIS

(1985)

Poeta paulistana, é doutora em letras, pesquisadora e tradutora da área de grego antigo e coeditora da Revista Libertinagem, de arte e literatura erótica, e uma das fundadoras da plataforma de ensino e difusão cultural Literartéria. Participa da organização de diferentes saraus espalhados pela Pauliceia. Lançou seu primeiro livro de poemas, “Acúmulo” durante a FLIP 2018, na Casa do Desejo, em Paraty.

não é sina pouca percorrer no futuro passos passados: silencia sinos. peço, de trago em trago que entre potência e exaustão eu ainda seja possível PRAZOS digo sexta porque soa longe, digo sexta como quem diz outra vida, porque essa semana já é bastante, como a anterior, a outra, a próxima, a existência percorrida, esse correr inexorável de existir, ser gente e não criado-mudo, cômoda de três gavetas, capa de chuva, porta-níquel, - desenho na parede -, digo sexta porque não é hoje, e isso, se não me basta, já me serve um bom tanto: apenas hoje, não.

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PRISCILA MERIZZIO (1985)

Poeta curitibana, publicou três livros de poemas: Minimoabismo (ed. Patuá, 2014), semifinalista do Prêmio Oceanos 2015, Ardiduras (ed. 7Letras, 2016) e O amor embebedou as feras (ed. Kotter, 2019). É sócia-fundadora do projeto literário Pulmões Versos. No mestrado refletiu o primeiro livro de poemas de Herberto Helder nas lentes do surrealismo.

POEMA Somos uma torrente de sangue destruindo cidades escrevemos enquanto esta gente é traficada, temos à mão a luz do sol, e achamos que isso é pouco depredamos todo o tipo de vida quem nos deu esse direito? não somos escritores, não somos poetas fazemos parte do time das gárgulas hora a hora nosso canto é ouvido pelos corvos: que empáfia! Achamos que é por nós se as frutas pudessem, fugiriam de nossos dentes e as cidades só abraçariam animais e plantas mas o homem acha que é por ele que o espaço silencia e vê tudo como um mistério a ser decifrado se esquece do poder de Deus na hora da fome pendura amuletos e dança, dança tal qual uma galinha sem cabeça, à espera da própria sangria

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RYANA GABECH (1985)

Poeta paulista, morou em Itajaí e vive em Florianópolis. Artista visual, é formada em Artes Plásticas pela Udesc e mestra em literatura pela UFSC. Publicou seu primeiro livro aos 15 anos: Mar e Avelãs (2001) e o segundo aos 21 :A data invisível do poema(2006). Vieram depois: Trêmulo(livro-CD, 2008) e Álbum Vermelho (2010). Na performance trabalhou ao lado de Ricardo Corona e Ricardo Aleixo. É a escritora mais jovem nas áreas de literatura, artes visuais, música e poesia em Santa Catarina e na ala dos Poetas Singulares (grupo de poetas catarinenses).Percorreu mais de 22 municípios com a performance poético-musical “Zunido de Poema”

ONÍRICA Eu sonho tanto e quando perguntam que eu fiz na noite anterior penso que estou dormindo. AGUARDE Perto da roupa que mofou uma ausência pronta para vestir a incerteza da sua volta AMOR MODERNO Ele me ama na esquina, como se eu fosse comprável. Só nos comunicamos por mensagem. Às vezes é dia de escrever, as vezes é dia de perceber, anotar o mundo. Assim ele me ama: como se tivesse dia de não-amor, dia de a gente se olhar sozinhosó pra si mesmo. Me ama como se eu tivesse em outro país, como se eu não fosse trazer o pão. Ele sempre esquece quando fico doente.

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SUSY FREITAS

(1985)

Poeta manauara, é jornalista, professora, crítica de cinema e escritora. Publicou o livro de poesia Véu sem voz (2014), além de poemas em diversas revistas e jornais literários. Publicou também ensaios nos livros “Documentário brasileiro – 100 filmes essenciais” (2017) e “Animação brasileira – 100 filmes essenciais” (2018). Seu último livro de poemas, Alerta, Selvagem (2019) foi considerado o melhor livro inédito de poesia do Prêmio Literário Cidade de Manaus em

EU SOU O PERIGO Minha loucura é traiçoeira. Me deixa cambaleante mas funcional. Quando eu cair Vai ser pra valer. Fendas surgirão no solo de acordo com os vãos dos dedos dos pés. Quando eu chorar Vai ser pra valer. A chuva vai descer irregular Num raio em forma de lágrima. Quando eu cair Vai ser pra valer. Terapeutas se vestirão de arqueólogos Pra escavar os destroços. Que fique claro –respiro. Eu sou o perigo. CINEMA Sou o fantasma incolor que entra e sai – escreve e vai. eu parto. Sou o velho da bilheteria o moço do projetor o vulto no último assento. Mas todo fantasma tem uma história e todo vulto tem um rosto polido pelas luzes partidas na escuridão. Alguém conta meu passado e me dá um nome.

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ANNA APOLINÁRIO (1986)

Poeta paraibana, é licenciada em pedagogia pela Universidade Federal da Paraíba e participou de várias antologias nacionais. Foi premiada no VI Festival de Poesia Encenada do Sesc Paraíba, em 2010 . No mesmo ano publicou seu primeiro livro, Solfejo de Eros, Na sequência, vieram Mistrais(2014, prêmio Augusto dos Anjos), Zarabatana(2016) e Magmáticas Medusas(2018).

CORPOESIA Escrevo para derrubar paredes Cegar tua íris Apunhalar as veias Atear delírios Traduzir-me em sílabas Queimando dentro de ti O QUARTO Lúmen de livros Arena antiga As fábulas esfaqueadas pela chuva Aquoso pacto de corpos É líquido o amor SYLVIA QUEIMA Vênus da alcova, Sílfide messalina Viciada em adesivos de nicotina Insone & neurastênica, dopada e deprimida Permita-me lamber sua iconoclastia Mariposa de danças noturnas Fênix feérica, Noiva da Morte Godiva Camélia rubra, jorrando seu perfume que asfixia. Me põe nos lábios o vinho docemente nínfico Teus versos são belos crimes Sinfonia de gozos e guizos Teu punhal de palavras Fogo que dança pelo meu corpo.

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ISABELA PENOV (1986)

Poeta paulistana, é atriz e fotógrafa. Dedica-se à poesia falada e escrita. Seu trabalho em poesia falada pode ser visto na crescente cena paulista de slam (campeonatos de poesia autoral falada,) no seu canal no Youtube e também nos vídeos “Cuidado: Inflamável” e “Mal Menor”, ambos lançados no ano de 2015. Mantém o blog Semeaduras (isabelapenov.blogspot.com)

A CONCEPÇÃO Ela já tinha engolido sapos, risos, esperma e palavras. Gritaram-lhe: “Engole esse choro!” Engoliu e ele choveu dentro dela. De madrugada procurou um papel: tinha lhe brotado um poema. PRIMEIRA ELEGIA A poesia é uma velha amiga que mora muito longe de mim. De vez em quando fazemos contato, trocamos mensagens breves, marcamos encontros que nunca acontecem. A vida é difícil, estamos cansadas, não há tempo. Mas quando ela sabe que estou em desespero como hoje Se ela apenas desconfia do meu desespero cruza os céus e os oceanos me atravessa correndo em meu auxílio. Entra sem bater (ela tem a chave) e come comigo em silêncio. Vigilante me observa na madrugada insone (ela nunca dorme) Se move pela casa como se habitasse aqui dentro há muito tempo (ela sabe exatamente onde guardo as coisas) Lava meus pés doloridos sem fazer perguntas. Ela não tem pressa. Ela só vem cuida de mim e passa. (A vida é difícil, estamos 138 cansadas, AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA não há mais tempo.)


LARA AMARAL

(1986)

Poeta brasiliense, é jornalista e escreve poesia desde os 13 anos.. Publicou alguns poemas na coletânea Maria Clara: universos femininos. Inúmeros poemas de sua autoria têm circulado em espaços das redes sociais: Revista Zunái, Musa Rara, Mallarmargens, Ellenismos, Germina, entre outros. Seus textos podem ser encontrados em http:// laramaral-teatrodavida.blogspot.com/.

LETARGIA Amo como quem morre Não de tanta entrega Mas de deixar-se corroer Para restar o silêncio de um corpo E a falta do sentir Escrevo como quem vive Reencarnando personagens Possivelmente mais tristes Até que eu seja só partícula De algo que não me reconheça VERSO INTRAGÁVEL Numa hora dessas eu abriria a porta da rua sentaria ao sereno e fumaria um cigarro no entanto, sofro de outro vício acendo um poema mas ele não me traga nem me larga deixo-o queimar. AFIADA Dezenas de gumes des(a)fiando-me na lâmina, brilho do metal sem sangue centenas de direções cortando meu mundo é de pavio curto e quer me implodir

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LUBI PRATES

(1986)

Poeta paulistana, é graduada em psicologia com especialização em Reich. Finalista do 61º Prêmio Jabuti e do 4º Prêmio Rio de Literatura, com o livro “um corpo negro” (2018), selecionado para criação e publicação de poesia pelo (ProAC), da Secretaria de Cultura do governo do Estado de São Paulo. Tem publicado os livros Triz (2016), Coração na Boca (2012) e algumas participações em revistas e antologias nacionais e internacionais. Edita as revistas literárias Parênteses e Adelitas e dedica-se a ações que combatem a invisibilidade das mulheres no meio literário. Participou da organização da coletânea GOLPE: antologia-manifesto (2016), um grito de diversos artistas contra o golpe político-jurídico-midiático. É sócia-fundadora e editora da nosotros. Vive em Curitiba.

ATÉ SÓ RESTAR O DEPOIS sobre o dia 29 de abril de 2015, em Curitiba.

pudesse, recordaria se havia sol antes daquela tarde quando tudo se resumiu a cinza: fumaça, um quase

aquele estado de consciência frágil entre estar acordado & desmaiar. pudesse, recordaria o cheiro antes daquela tarde quando tudo se confundiu a gás pólvora sangue. recordaria quais eram minhas atividades inúteis antes de acessar a internet& navegar entre as notícias para descobrir o alvo dos helicópteros que sobrevoavam a cidade destruindo destruindo destruindo qualquer segundo de silêncio inibindo os gritos pudesse, eu recordaria o antes: 140

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MAR BECKER

(1986)

Poeta gaúcha, é formada em filosofia, cursa especialização em epistemologia e metafísica e trabalha como professora. Publicou poemas nas revistas Zunái, Germina, Pausa e Eutomia, no Portal Cronópios e em diversos blogs. Participou da Miniantologia Poética do Centro Cultural de São Paulo, organizada por Claudio Daniel e publicou Perséfone, plaquete da coleção Poesia Viva. Publicou seu primeiro livro ,A Mulher Submersa, em plena pandemia, começo de junho de 2020 e está sendo celebrada como uma grande revelação.

I penso na mulher que é inacessível como uma estrela de sal. as horas caem uma sobre a outra, apócrifas e eu sigo pensando na mulher que pensa na palavra sem dizê-la. mantendo-a na língua como uma hóstia II entre as meninas há aquelas que são especialmente silenciosas dormem junto com suas bonecas antes de apagarem a luz do abajur olham-nas longamente inclinam-se para beijá-las, cercando seus corpinhos de pano com relâmpagos são muitas, essas meninas; e cheiram a algodão e lágrima nos cabelos, um nevoeiro de teias de aranha. na pele, os sinais das luas, do eclipse. a sombra no púbis, no umbigo o sono nos lábios entreabertos. uma mesma noite atravessa os anos pela boca das mães até a boca das meninas e da boca das meninas até a boca das bonecas num ciclo de perpetuação da fome [COMEÇARIA DIZENDO...] começaria dizendo o que não posso que teus suores formam hieróglifos de sal na pele e que um rosário misterioso se enrola a teus pulsos quando me amas começaria dizendo que tua respiração tem vista para o mar e que à noite me debruço ali, silenciosamente meus cabelos de água-viva minha língua de virgem madrepérola e que à noite e que me debruço e morro em tua respiração

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ANA ESTAREGUI (1987)

Poeta paulista, nasceu em Sorocaba, e vive em São Paulo desde 2005. É formada em artes visuaispela FAAP e também estudou Design Editorial. Participou da Antologia Portapoema e produziu alguns livros independentes: Para desprender dores (2011) e Poemas de sofá - achados ordinários de uma caipira (2012). Publicou Chá de Jasmim (2014), premiado pelo ProAC em 2013, na categoria poesia.

GEOLOGIA essas minhas linhas da mão me dizem que nasci sem sorte pro amor a linha do coração: uma trilha entrecortada descontínua atravessada andarilha seguem até o meio da palma, aos buracos aos tropeços, ainda que sem pedra no caminho do médio ao indicador como se o abismo fosse apenas um vão entre os dedos QUEDA LIVRE a lógica de um poema às vezes não é clara mas ele segurando um chumaço de papoula em uma das mãos, me estende a outra e diz pula comigo?

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ANA KEHL DE MORAES (1987)

Poeta paulistana, fez curso de cinema na Universidade Federal Fluminense. Voltou pra São Paulo em 2010 e, no ano seguinte publicou seu livro de poemas NÃO FALO(2011). Atualmente se dedica à permacultura, música, comunicação não-violenta, meditação e outres aprendizados – além da poesia.

1 O mar: um fato, uma gota e já é mar. Amor: um fato, uma gota e já é mar. AMAR Matutando. Não sei o vento que me bate na cara. Se me levanta ou se me resiste, e não sei em que sentido: de cima pra baixo ou contra meu grito, não sei em qual abismo estou voando. CALEIDOSCÓPIO A presença é mais poderosa do que a simpatia, a fotografia - dizem as mulheres quêchua dribla as almas, os cometas nos espelham, a saudade é um artifício dos deuses pra nos lembrar quantos mundos somos.

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CAMILA VARDARAC (1987)

Poeta carioca, é formada em cinema e publicou poemas em sites e revistas eletrônicas como Cronópios, Triplov e Zunái. Já participou de vários festivais literários (entre eles o Artimanhas Poéticas, realizado em 2009 no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro) e esteve presente na Bienal Internacional de Curitiba, em 2013.

PIAZZOLA buenos aires hora zero piazzolla, o que faz aí? tá certo, têm algumas estrelas cadentes mas...o palco não combina melhor com os teus sapatos? diga-me, piazzolla quantas unhas são necessárias para arranhar o pescoço de um tango aflito? o teu bandoneon exala fervor e o fervor habita o céu e o inferno cabe nas preces e nas súplicas dos anjos barrocos em chamas piazzolla!? está rasgando tangos com os demônios celestes? está deflorando notas com os pupilos de lúcifer? ao menor indício do teu som libertinos viram seres alados e os providos de asas sucumbem ao centro da terra um brinde aos que te escutam com a alma pelo avesso. ........................................................................................... na casa ao lado espiritos inquietos sobem e descem escadas como se o melhor a fazer fosse subir e descer escadas são 3:47 o sono das 3:00 já foi perdido agora no ponto dos conscientes espero a dormência dos sentidos calem esses passos como calaram as almas dentro da casa escura amarrem esses pés como fizeram com as vozes na gaiola da mordaça tirem seus valiuns das gavetas e entrem nas sombras dos cobertores morfeu, acuda esta gente! dardos com soníferos no centro das testas AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA areia144 movediça ao redor das camas e uma injeção de sonhos mudos na espiral dos meus ouvidos.


BHETTY BRAZIL (1987)

Poeta fluminense, nascida em Nova Iguaçu, passou a infância entre os estados de Pernambuco e São Paulo. Na adolescência iniciou trabalhos que abriram portas para outros estados e cidades. Foi assim que morou três anos em João Pessoa como educadora.Voltou para São Paulo em 2011 e vive aqui atualmente. Publicou A poesia e o tempo em movimento (2018), participou de várias antologias e vários saraus.Seu último livro, Não me Calo, saiu em 2019.

Pela família: Fale Pela fome: Fale Pela injustiça: Fale Pelo doente: Fale Pelas mulheres que são mortas: Fale E se não te escutarem, Grite: NÃO ME CALO! FORA DA ESTANTE Eu não sou frágil embora te pareça porcelana moldada aos seus desejos a menina dos seus sonhos eu sou real nunca fui nem sombra do seu ideal sou natural a espontaneidade me foi tirada por suas ações hoje eu sou bibelô apenas a espera de ser retirada da estante da poeira ser real no seu mundo de fantasia.

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ELLEN MARIA DE VASCONCELLOS (1987)

Poeta santista, é formada em letras, fezmestrado em literatura contemporânea na USP e vive em São Paulo. Atua como revisora, preparadora e tradutora de textos. Já teve poemas publicados em varias antologias e marcou presença nas revistas Zunái e Mallarmargens. Seu livro bilíngue Chacharitas & Gambuzinos foi publicado em agosto de 2015.

BENEFÍCIOS DA ATIVIDADE FÍSICA Mostrei o meu pé E o cara tremeu 9 anos de balé - eu disse E o cara gemeu 4 de ginástica olímpica E o cara lambeu 3 de futebol Põe na minha cara - ele disse Mais 2 de judô E o cara gozou. DO CLAUSTRO A PIA Não dá pra por o filho de novo no ventre Não dá pra por o vômito de novo pra dentro Não dá pra expor o íntimo e sair isento Tinha que sair, saiu a tempo: o filho morto, o gosto fétido, o sentimento. LUGAR DE ESPERA Ser mãe e contar nos dedos quantos anos faltam para colocá-los pra fora. Mas não tenho pressa tenho tempo e dentro de mim todos os filhos do mundo.

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JULIANA AMATO (1987)

Poeta paulista, edita, traduz, revisa e escreve. Publicou Brevida (2011), diário aleatório – site/livro em parceria com Thany Sanches e Jezebel, ilustrado por Mariana Coan, integrando o projeto Boca Santa. Tem textos publicados em diversas coletâneas, como a Ávida Espingarda (2010), Modo de Usar (SP/RJ), Almanaque Lobisomem (SP), Minotauro (RJ), É Assim que o mundo acaba (RJ) e Granja (SP). Os poemas selecionados fazem parte de Correspondência, seu primeiro livro de poesia. Escreve há algum tempo no microclima, que está um pouco abandonado, mas pretende renascer dos escombros.

agradeço sem palavras sua aparição a lembrança do meu nome agradeço as gravatas as admiráveis gravatas e lamento a sua ausência aqui tudo vai intranquilo mas me acalma o instante ver sua alma disposta ao vento que passa (sua alma nebulosa) é verão na borda do atlântico faz sol e mar mas não podemos não, não podemos agora DEZANOTAÇÕES SOBRE A POESIA assim recomeço, me perdi vi Baudelaire milimétrico, construído pela primeira vez pois bem há os que ganham por pontos os de nocaute e os momentos amargos que já passei projetos poéticos passam a perna p-p-p-p o projeto poético, um enganador eu, um muito menor (debutante no auge da hysteria – saltinhos) um projétil, nenhum rimbaud nem meio rilke muita potência, pouca questão as solas dos pés ardem no chão os olhos não estão prontos para rever o resto desse que se vai fica e lança um abraço demasiado AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA 147 apertado


ANA SALEK

(1987)

Poeta carioca, foi bolsista na PUC-Rio e é mestre em literatura, cultura e contemporaneidade por essa mesma universidade. Em 2010, publicou seu primeiro livro de poemas, Dezembro. Não faz muito tempo se juntou ao time de educadores do Projeto Jovem Rocinha, onde deu aulas na Oficina da Palavra.

O ESTRANHO Desde que nasci Nunca tive outra suspeita: Tem alguém no telhado Que me espreita. Desde que nasci, nunca fui Ao contrário; sempre quis ser. Desde que eu fui, Quando vim a ser Fabriquei saudades, Desculpas para esse choro. Desde que nasci nunca duvidei: Tem alguém no telhado, eu sei. ORIGAMI com a mesma precisão que corto meus lábios faço origamis de ventania. dobro um boneco de neve, um barco, uma língua. seco meus cortes com origami e saliva CARROSSEL de manhã na praia eles combinam o que farão à noite de noite, na festa eles combinam de ir à praia amanhã. 148

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LAÍS ARARUNA DE AQUINO (1988)

Poeta pernambucana, é formada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Juventude, seu livro de estreia, ganhou o Prêmio Maraã de Poesia em 2017. Laís vive no Recife onde trabalha como procuradora do Município.

TEIA não há seguro contra o estar no mundo nem tua casa te previne contra o assalto da existência as janelas não impedem o vento e o cortejo de passos de te trazerem signos do nada o silêncio acusa que estás no centro de coisas que não oferecem consolo porque apenas remetem a teu exílio o expediente de levantar da poltrona e abrir a porta da geladeira mede o intervalo de tempo gasto e não sabes de que te serviria mais teu olhar interroga paredes e detém-se numa lamparina em vão um inseto debate-se contra o vidro não há senão esta só e única realidade à beira do Capiberibe ou do Nevá REITERAÇÕES SOBRE UM TEMA o vento no canavial as bandeirinhas de Volpi os leões que Hokusai desenhou todos os dias por 219 dias até morrer a forma não se atinge nunca na reiteração das coisas no tempo as coisas – elas mesmas são outras e tu outro és e o café as camisas brancas o assoalho da casa, o qual pisaste e tornarás a pisar, numa configuração nunca idêntica, porque a madeira desbota e teus cabelos vão a cinza viver – eis a fissura é estar inacabado até o fim

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ALICE SANTANA (1988)

Poeta carioca, estreou com o livro Dobradura, em 2008. Lançou também as plaquetes Pra não ficar na gaveta e Bichinhos de luz, em tiragens limitadas. Seu livro Pingue-Pongue, em parceria com Armando Freitas Filho, foi lançado em 2012. Seus poemas estão em várias antologias. Rabo de Baleia(2013) é seu último livro.

há na esquina da rua um piano que toca notas esparsas em lá menor nunca vi o rosto de quem se esconde por trás de acordes sustenidos e que desfila dedos no teclado com a leveza de quem sustenta passarinhos no ar COSTELAS DE ADÃO não serve de nada a janela a não ser para amparar do vidro do carro a estrada que escapa veloz e separar a montanha do céu noturno na linha que divide o escuro do ainda mais escuro você no banco um pouco mareado estar perto não quer dizer muito enquanto ainda não se chega lá olhar pela janela uma tontura a mesa que espera em casa firme em suas quatro pernas sustenta o vaso verde e nele duas costelas de adão as folhas estão prestes a irromper do vaso assim que a luz for acesa são fogos de artifício estourando na fotografia

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CLARISSA MACEDO (1988)

Poeta baiana, é mestre em literatura e diversidade cultural e doutoranda em literatura e cultura pela UFBA. Está presente em diversas coletâneas. É autora de O trem vermelho que partiu das cinzas (2014) e com os originais Na Pata Do Cavalo Há Sete Abismos conquistou o prêmio nacional de poesia da Academia de Letras da Bahia(2013). Este ano integra o Circuito de Escritores pelo Arte da Palavra, promovido pelo Sesc, percorrendo cidades brasileiras e propagando a literatura.

FENDA Há tempo o menino ficou lá fora. Espera, espreita a barra da porta, mas já não pode passar. Todos os longos anos de preparo – escola, dentista, boxe – e a busca pelos jogos de montar, pelo seio roído da mãe que já foi. Uma vida de busca e solidão, a passagem do peito fechada: só o túmulo aberto da infância. EXERCÍCIO Cerrar os olhos para que a última lágrima cresça. Cerrar os olhos para que o mundo seja memória. Abrir os olhos para que, afinal, tudo se perca. FICÇÃO A história é uma trégua sem memória uma rua que não se habita é um passado que se move uma eternidade de sete dias. E entre concubinas, napoleões e marias o que permanece é o ópio de cada molde.

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MARCELA MARIA AZEVEDO (1988)

Poeta pernambucana, já morou no Pará e vive atualmente no Rio de Janeiro , onde faz doutorado na UFRJ e estuda as relações entre Poesia e Psicanálise. É mestre em psicologia, e está finalmente preparando o material para publicação de seu primeiro livro: todas as mães são tiranossauras.

eu parti como se cada figura minha precisasse de abandono. saio de casa ao amanhecer de corpo mudo deixo minhas tralhas, lençóis, livros que há anos ardem em meu respirar e te renuncio cautelosa, além do horizonte matutino onde naturalmente as coisas se transformam e as memórias se desfiguram, ingênuas em nosso despertar. eu sinto muito, pai mas já não conseguia suportar minha outra mulher. O SEGREDO DA MULHER DE SUA VIDA não sobra nada de mim a não ser essa parte miúda que se chama liberdade 2 POEMAS DOS ESTRANGEIRISMOS EM MIM esta cidade envelhece meu vocabulário me perde em lados esquerdos de rotina em barulhos desérticos no meu corpo sem tempo hora e fome para mim ou qualquer coisa a me esperar quando chego em casa ............................................................................................ estou na metade do caminho e já não sei o que é memória dói a minha língua de tão não saber de tão não ter de quem ouvir essa renúncia sem palavras

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MEL DUARTE

(1988)

Poeta paulistana, foi uma das atrações mais provocadoras do sarau que marcou a abertura da 14ª festa literária de Paraty, em 2016. Ela apresentou 3 poemas que fizeram até o chão tremer. Um era dedicado às mulheres negras. O outro aos meninos da Fundação Casa. E, por último, sobre a cultura do estupro que vitimiza milhões de mulheres – no qual ela encontrou um espacinho para mandar aquele recado a Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha. Mel faz parte do coletivo Poetas Ambulantes e é uma das organizadoras do Slam das Minas-SP, batalha de poesia para o gênero feminino . Já publicou dois livros de poemas:Fragmentos Dispersos(2013) e Negra Nua Crua (2016).

Verdade seja dita Você que não mova sua pica pra impor respeito a mim. Seu discurso machista, machuca E a cada palavra falha Corta minhas iguais como navalha NINGUÉM MERECE SER ESTUPRADA! Violada, violentada Seja pelo abuso da farda Ou por trás de uma muralha Minha vagina não é lixão Pra dispensar as tuas tralhas Canalha! Tanta gente alienada Que reproduz seu discurso vazio E não adianta dizer que é só no Brasil Em todos os lugares do mundo, Mulheres sofrem com seres sujos Que utilizam da força quando não só, até em grupos! Praticando sessões de estupros que ficam sem justiça. Carniça! Os teus restos nem pros urubus jogaria Pq animal é bicho sensível, E é capaz de dar reboliço num estômago já acostumado com tanto lixo Até quando teremos que suportar? Mãos querendo nos apalpar? Olha bem pra mim? Pareço uma fruta? Onde na minha cara tá estampado: Me chupa?! Se seu músculo enrijece quando digo NÃO pra você Que vá procurar outro lugar onde o possa meter Filhos dessa pátria , Mãe gentil? Enquanto ainda existirem Bolsonaros Eu continuo afirmando: Sou filha da luta, da puta A mesma que aduba esse solo fértil AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA A mesma que te pariu!

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MICHELLE BUSS (1988)

Poeta gaúcha, nascida em Jaguari, interior do Rio Grande do Sul, vive em Porto Alegre desde 2007. É graduada em comunicação social pela PUCRS e atualmente faz o curso de letras na UFRGS. Começou a escrever poemas ainda quando criança. Publicou os livros Mosaicos (2014) e Sal, topázio e mercúrio ( 2015)

Há coisas que não cabem em um poema: a suave ondulação que se desenha na superfície da água quando a cigarra gentil se molha. BALADA DAS DUAS DA MANHÃ entre eu e você já nasci estragada estrela contrária madrepérola de sal havana capitalizada não importa o que eu faça o que mude ou a música que cante pra você algo sempre falta em mim cafe moído com açucar demais o certo na hora errada grão de milho extraviado na caatinga muito sono pra pouca noite a verdade que ainda não é verdade coração que não bate amor não importa o que eu faço o que eu sou nunca boa o suficiente suficientemente desamada desarmada entre sorrisos bobos amanhecendo longe... longe não 154 importa

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CAMILA ASSAD (1988)

Poeta paulista, nasceu em Presidente Prudente (SP) em 1988. É autora de Cumulonimbus (2017), eu não consigo parar de morrer (2019) e foi contemplada pelo ProAC/SP com a obra Desterro, lançada na FLIP.

Eu moro nos atrasos e por isso ninguém nunca me encontra Eu me exilo no bolso rasgado do teu terno azul – aquele reservado para os velórios dos parentes distantes Eu sou minúscula por vezes invisível Eu moro na poeira oculta dos idiomas extintos Eu submerjo das águas da fonte central da cidadela de três mil membros – dizimada há mais de meio século Quando fito o espelho nem me percebo sou maleável, sou um elástico de cabelo desses que se perde um por dia por aí ............................................................................... eu construo uma antessala com balões de gás hélio e reciprocidades fico apanhada ao seu dedo mindinho como se um furacão nos cingisse e você fosse a esperança derradeira as mesas estavam postas mas foi tudo derrubado

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CARINA CASTRO (1988)

Poeta paulista é pesquisadora e artivista cultural. É autora do livro de poesia Caravana (2013). Se dedica também aos textos para crianças e jovens. Ganhou o Prémio Lusofonia de Portugal (2012) na categoria conto infantojuvenil. De lá pra cá muitos textos engavetados, alguns publicados em revistas digitais e antologias diversas, entre elas as mais recentes ABCDelas (2022) e É agora como nunca (2017). Atualmente escreve seu próximo livro e ministra oficinas de criação literária para mulheres e crianças.

CRINAS

para Déborah Erê

no chão os pés dos meninos da rua 4 e a boca de um cavalo imaginário que come o lixo e flores daninhas sem sela, sem chinela um conto distante toma conta dos olhos: um vilarejo longínquo onde Tolstói contava histórias com menos talento que a babá aos moleques polianos em meio ao campo de bétulas aqui ao lado o terreno baldio, os velhos, os pregões e este cavalo parece encantado, o que faz ele assim solto, sem sela? sem ser possível montá-lo a caminhar unicamente tudo unicamente porque pode meninos pernambucanos éguas russas andando na beira da praia comendo os restos das coisas bebendo água salgada o cavalo de madeira da memória balangava cavalos de rua lentamente pastando e as crianças brincam a rua em volta e a crina ao vento a crina ao vento a crina ao vento 156

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JULIANA BERNARDO (1989)

Poeta paulistana, cursou filosofia na USP e já publicou dois livros: Carta Branca (2011) e Vitamina (2013). Colabora com o site Mix Brasil e com as revistas Germina, Zunái, Diversos Afins,Ventos do Sul, Cabeça Ativa e Originais Reprovados.

DEFESA DA POETISA palavra de mulher: homem nenhum morreu de parto. SE OLVIDANDO não é porque as paredes têm ouvidos que meus poemas vão ficar aí pregados se olvidando calados. – marque-os com orelhas use-os como moleques de recado sei que não são diplomas, mas quem sabe contratos? meta-os no bolso ou trate-os como ataduras pra machucado mas não os deixe por aí, enforcados. PRESA NA MEMÓRIA Eu celebro os vestígios, os fragmentos, as ruínas, a completude, que inventamos sendo apenas estilhaços. Eu celebro o amor, a impossibilidade.

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CARINA CARVALHO (1989)

Poeta paulistana, estudou letras e trabalha na área editorial. Participou da antologia poética É que os hussardos chegam hoje (2014) e da Revista DiVersos (editada e publicada em Portugal, 2014). Seus textos estão em algumas revistas digitais. Publicou seu primeiro livro de poemas, Marambaia, em 2013 e foi uma das selecionadas na categoria de poesia do II Prêmio Ufes de Literatura (Edufes, 2014).

diz o musgo: nunca, nunca se arrisque em trilhas isso de cutucar vespeiros vai empolar tua vida na volta ir falando (muito eloquente) de litorais, espantar moscas com as braçadas mais notáveis e cuidar para não chorar baixinho a ardência da pele quando cair a noite um minuto que fraquejei e me botaram num escafandro sem espaço pros braços O PORO A PELE antigo afeto que lhe ofereça toques moles, comedimento nas conversas, um afago cru mas não, jamais quis morar em peito tão vago e sem janelas abertas fazer barulho raspando o fundo levar do doce o que lhe é mais íntimo; degustá-lo nu OBJETIVO ESPECÍFICO tirar da calma o peso, tirá-lo dos nervos. não é que tudo venha em rio manso, no morno das estações: venha ainda sem aviso, tromba d’água. falar das pedras, ser a voz da pedra. fazer-se: depois fazer um silêncio impossível. atentar a coisas sem verbo, que façam perder a hora: o movimento das folhas de carambola, o ritmo das suas mãos na massa (sentido anti-horário).

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LÍVIA CORBELLARI (1989)

Poeta soteropolitana, mora em Vitória desde 1996. É jornalista, mantém o projeto literário Livros por Lívia e também faz parte do núcleo editorial da Revista Trino, sobre literatura brasileira contemporânea. Carne viva é seu primeiro livro de poemas..

veias enferrujadas sangue duro corações engarrafados tentamos negar nossas origens mas o ódio e a mágoa são hereditários ainda assim é irremediável amar e eu não sei fingir igual a minha mãe e a mãe dela mas você sabe machucar igual ao seu pai e o pai dele ....................................................................................... só é mudança se passar pelo corpo tem que dilatar os poros arranhar a pele embaraçar os cabelos sufocar o coração até ele querer pular para fora do peito para respirar porque a gente só entende do que é feito quando vê ....................................................................................... nem toda morte é sangue o fim pode ser limpo facas hesitam palavras não

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MARIANA BASÍLIO (1989)

Poeta paulista, é pedagoga e mestre em educação. Escritora, poeta e tradutora, dedica-se à área literária desde 2014. Traduziu diversos autores americanos e latino-americanos, entre eles, Alejandra Pizarnik, Denise Levertov, Emily Dickinson, May Swenson, Silvina OCampo e Williams Carlos Williams. É colaboradora de portais nacionais e internacionais, escrevendo também ensaios. Autora dos livros Nepente (2015) e Sombras & Luzes (2016), Seu ´último livro, Tríptico Vital ,(3º lugar ProAC 2016) dedicadoà Hilda Hilst, teve lançamento na Flip de 2018.Possui poemas e entrevistas publicadas em revistas e fanzines de Portugal e Brasil.

À memória de Allen Ginsberg

O peso do mundo é o peso do sonho. Sob o fardo do amor, Sob o feitio da ilusão. O peso do mundo é um fator irreal. Sob o feitiço do perverso, Sob a finura do convexo. Mas quem de nós poderá negá-lo? Se a leveza é invenção abstrata. Se a natureza é limite brutal. Paraísos movem-se mais adentro. Peregrinos progressos rarefeitos. Moléculas de uma frágil história. Em céus que desabam, petrificados. Pois nenhuma elucidação, América, Há de salvar-nos. Nenhuma religião, Kaddish, Será poesia. Nenhuma dor, atemporal.

III São hemisférios os meus olhos. Ainda que crepitem os séculos. Ainda que naufraguem no presente. E não posso adiar o amor que sinto. O amor suporta o peso corpóreo. Atravessa a pobreza, o ódio, o abandono. Abraça o que se renega. Conduz o que não se mede. À sombra de uma árvore, resistimos. O amor e eu. No coração que é vertigem. Em vias remotas e poeiras estelares. Tudo é afinal, indiferente. Porque não posso adiar a vida.

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RYANE LEÃO

(1989)

Poeta cuiabana, vive em São Paulo. É autora do projeto Onde jazz meu coração, criado em 2013 com o objetivo de expandir a voz da literatura feminina-- nas redes sociais e nas ruas através da publicação de poemas e fotografias. Mistura corpo com poesia e cola uns lambes por aí. Sua página no facebook é seguida por mais de 150 mil pessoas e ela conquistou uma comunidade de fãs que inclui famosas como Mariana Goldfarb, Giovanna Lancellotti, Yanna Lavigne. Seu livro de estreía, Tudo Nela Brilha E Queima - Poemas De Luta E Amor, foi publicado em 2017. A professora negra é abertamente lésbica e procura falar de amor sem distinção de gênero em seus textos.

um dia decidi ser eu e nunca mais voltei atrás SOBRE RECOMEÇOS é sempre assim boa parte da gente morre pra outra parte começar a se sentir viva novamente ................................................................................... saudade é foda escuto aquele som do seu riso mas nunca é você é sempre memória IDENTIDADE foi uma mulher negra e escritora de pele e alma como a minha que me ensinou sobre os vulcões e as rédeas e os freios sobre os tumultos dentro do peito e sobre a importância de ser protagonista nunca segundo plano se você encostar a mão entre os seios vai sentir os rastros de nossas ancestrais somos continuidade das que vieram antes de nós ...................................................................................... da vida eu quero poemas orgasmos almas entrelaçadas batimentos livres trocasASsinceras MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA 161 e revolução


BÁRBARA MANÇANARES (1989)

Poeta mineira, nasceu em Alfenas e cresceu nas ruralidades de Paraguaçu. Além de poeta é bordadeira e integrante da Academia Paraguaçuense de Letras. Graduada em História (UFOP) é mestra em Museologia e Patrimônio (UNIRIO), inscreve com as linhas e as letras o que suspeita no mundo. É autora do livro Maio (2018) e Cartografias do Corpo que Canta (2021). Possui poemas publicados em antologias e coletâneas – Antologia Ruínas (2020) e Tomar Corpo (2021). Seu último livro ,Cartografias do corpo que canta ,foi contemplado com Lei Aldir Blanc e tem apoio do Ministério do Turismo e do Governo do Estado de Minas Gerais.

a vida me quer atenta e conciliadora das minhas memórias. um beija-flor invade a casa e já não me lembro do sangue vulcânico que tinge os papéis sobre a mesa. costuro no meu braço as mulheres que já fui. ............................................................................................. escrever para apagar a letra para decompor as imagens arrancar as folhas rente à derme escrever para apagar traçar sete vezes sobre a página pequenas ondas que se avolumam conforme a existência das palavras apagar as palavras dissolver letras imagens os significados das palavras com sal com algas com os corais que mantêm a temperatura da terra estável enterrar as palavras entre duas palmeiras queimar cada palavra até que atinja a voz e não atinja mais nada. ................................................................................................. afundo meus dedos no tempo. encontro um potro recém-parido que se enrosca as patas dianteiras a pisotear pequenos destinos. como peixe entre tarrafas me debato para arrancar sua crina e fazer dela meada tecer as palavras que de tanto ditas se desfazem quando afundo meus dedos no tempo.

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LAISA KAOS

(1989)

Poeta paraense, formou-se em história ainda no Pará e estudou história da arte pela PUC em São Paulo, cidade onde reside atualmente. Além de poeta, é fotógrafa, trabalho que em sua cidade natal utilizou para fomentar a cultura paraense como o carimbó, em trabalhos como a exposição fotográfica Coisas de Carimbó, no ano de 2015. Produziu em parceria as duas primeiras edições do evento literário Poesia, Música e Outros Escritos, evento que deu origem a SubVersiva Produção Cultural Indepedente. No Teatro atuou como atriz e sonoplasta por 14 anos junto a Cia Theatro de Performances e Espetáculos. Hoje transita ativamente por diversas expressões artísticas e atualmente trabalha em seu próximo livro.

CÂIMBRA (Para ler ao som de Please Please Please Let Me Get What I Want,The Smiths)

Existe uma crueldade no teu silêncio Teu silêncio me faz gritar para dentro Meu grito para dentro apodrece as minhas palavras Minhas palavras são uma desesperança A desesperança dança segurando as mãos dos bichos Os bichos habitam debochadamente o meu estômago existe uma crueldade no teu silêncio (enquanto tua boca grita rancor por baixo do lábio cerrado) estômago. oco. âmago. amargo. Devia dizer-te o que penso em não dizer Devias estar ali sentado em cima do teu silêncio Com a imagem borrada pela fumaça do café Enquanto de palavras e saltos apavorados no coração eu me alimento Devias? Desvios? Ca-lei. A regra minha que não falha é falhar Falhei e não disse o que pensava em não dizer Meu coração tem câimbra A fumaça do café dança sozinha Há silêncio ensur-desce-dor E nada pode trazer mais azar do que deixar uma garrafa de vinho pela metade.

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RENATA FLÁVIA (1989)

Poeta nascida em Terezina, publicou poemas em zines, jornais, revistas, blogs e sites. É graduada em história e especialista em História Cultural, pela Universidade Estadual do Piauí e mestra em Educação, pela UNINOVE. É servidora pública federal e exerce o cargo de Auxiliar de Biblioteca, no Instituto Federal do Piauí. É escritora, autora da obra “Mar Grave” (2018) e escreve no blog Lustre de Carne. “A literatura é a forma de me conhecer e de existir. Existir quando eu escrevo e quando eu leio, porque é quando a gente se encontra e se perde também”, afirma Renata Flávia.

CHIFRE DE BOI E MADRE PÉROLA carrego entre os dedos os campos secos que atravessaste eu teria me arranhado em você facilmente poderia ter corrido mas fui caindo e do fundo coletei do mar o brilho mais difuso para ornar minhas mãos frias que deslizaram no vento até te tocar é teu pedaço aqui? esse aro que me cerca a pele lembrando seu nariz a sugar todo ar do meu pescoço é teu o que não queres mais? se esse não querer te pertence ainda é teu tudo que você se desfaz? um róseo doce cravejado no duro deserto de mim não tem você aqui é ilusão pensar que tem sou eu o boi e a pérola a que se desfaz e a desfeita o mar inteiro e o arranhado dolorido as mãos no vento buscando os limites de mim preciso atravessar minha vastidão para chegar até você dores madres pedaços campos inteiros devastados para achar essa que sou uma vívida luz deitada num escuro buraco.

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YASMIN NIGRI

(1990)

Poeta carioca, crítica de arte, bacharel em filosofia pela UFF, onde atualmente cursa o mestrado na linha de estética e filosofia da arte. Trabalha com mediação educativa, artes visuais, oficinas de criação poética e performance. Escreve muito, lê mais ainda e é obcecada por documentários de arte. Além disso, é colaboradora da revista caliban e co-fundadora e integrante da disk musa. Seu primeiro livro de poemas chama-se Bigornas (2017). Segundo diz Tarso de Melo, no prefácio, “seus poemas voam como bigornas e querem demolir o mundo sobre o qual desabam. É assim que ela chega: “fracassar eu fracassei/ mas antes arremessei/ poemas/ como bigornas”.

MANUAIS A gente sabe que está vencendo no capitalismo Quando nos procuram pra falar só de trabalho Você me diria ah, mas qual a necessidade disso tudo que fazemos vira poesia, tem eco Ao passo que eu ué, você fez uma panela enorme de lentilhas essa semana qual a necessidade de toda essa lentilha? Essa desistência é provisória Tudo será superado Domingos transgênicos tabagismo danças húngaras Talvez seja mesmo de aceitar Que a toda hora há alguém traduzindo — mal traduzido Uma obra do Nietzsche PARTIDA Já não somos mais as mesmas Desde que voltamos Lembro das vezes Que você lamentou Porque não como peixe E nada de origem animal Não posso te acompanhar No seu maior prazer Ontem mesmo estive Acuada feito animal Nas suas mãos Não sou capaz Muito menos você Explico de qualquer jeito Como fogem os animais Se você tenta machucá-los E uma alface não reage Quando você a corta Estou de partida

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JULIANA COSTA (1990)

Poeta mineira, de João Monlevade, publica anualmente na antologia paulista Cadernos Negros. É colunista do blog Ecos da Periferia. Cursou graduação em letras e literatura na Universidade Federal de Viçosa. Atualmente faz mestrado em estudos literários na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde reside.

DOSE NEGRA Uma dose negra na garganta só para começar o dia vamos parar de hipocrisia pois todo dia a resistência vem violenta como poesia SILÊNCIO Consigo ler os silêncios com a perspicácia de quem lê o percurso dos rios. A vida a brincar conosco fazendo de nós mesmos um profundo poço em que jogamos palavras em forma de desejo Pois o mundo inteiro roda em nosso peito E o silêncio é uma faísca que promove indizíveis incêndios de indiferença comodismo e absoluta descrença de que a vida só a nós pertence e o ego sempre vence quando não rompemos com todas as prisões manifestadas em oportunistas opiniões daqueles que inventam, mas não vivenciam a única oportunidade que temos de ser positivamente humanos Saibam que meu silêncio é diferente Ele arrancará todos os dentes Daqueles que falsamente sorriem.

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GÉSSICA BORGES (1990)

Poeta paulistana, é publicitária, redatora e apaixonada por cultura em geral. Escreve desde criança, pesquisa desde antes do Google e tem como hobbie a troca de ideias e palavras sobre literatura, cultura pop, periferia e negritude. Está fazendo mestrado em Estudos Africanos na Universidade do Porto, em Portugal. Tem dois minicontos publicados na edição de 2014 do Livro da Tribo e um poema publicado pela Editora Quelônio para a antologia Eu Escritor(a).

DIÁRIO DE UM GOLPE Aqui onde A mulher preta tampa O rosto, a cor, a alma Com base branca Onde são quatro Os filhos da moça Dois descalços Dois sem touca Na cinza manhã fria O orelhão ainda é Uma ponte pra Bahia Aqui onde Sente como uma mocinha! Preto não sai da linha Que a senhora tricota Com o cerne entristecido Aqui onde O homem vende espetinho Alheio aos direitos dos bichos E dos humanos O chicote estrala na viela O soco cala a boca dela Eles invadem Sem mandado, sem sequela E eu sou livre Para cobiçar o pulo Da plataforma de ferro acobreado Aqui onde todo dia é 64 E nada está nos trilhos.

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KARINA RIPOLI (1990)

É paulista de berço e brasiliense de coração. Formada em Letras pela Universidade de Brasília (UnB). é mestre em Estudos Literários pela Universidade Complutense de Madri, e professora de línguas e literatura. Lançou seu primeiro livro, Palavra de Copo Virado, em 2021. Publica poemas em revistas literárias e é colaboradora do portal fazia poesia. Tem medo do avião, mas não da viagem. Já morou em 9 cidades. Se entende muito bem com gatos.

VOCAÇÃO PARA NAUFRÁGIOS tenho vocação para naufrágios deixo o canto da sereia me guiar sou capitã de um navio fantasma ancorado no mais fundo do mar entre sal e algas marinhas um mau presságio eu tenho vocação para naufrágios navegar até a ilha de lesbos no intuito único de trocar carícias com a poeta mitológica fazer amor como se fosse poesia partindo um verso aqui lá, um afago eu tenho vocação para o estrago tomando rum, sem tomar rumo errante marinheira à deriva do destino brincar de sátira com ninfas libertinas eu tenho vocação para a ruína mas se a sirena chama eu largo tudo e enlouquecida me atiro em seus braços de mar morrer assim ninada é privilégio eu tenho vocação para naufrágios NAVEGAR é preciso disse o poeta maior naufragar é impreciso imprevisível imprescindível isso digo eu 168

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ANA PAULA SIMONACI (1990)

Poeta carioca, escritora, curadora, pesquisadora e agitadora cultural. Voo é seu primeiro livro. Concebido de forma inovadora, é apresentado como um livro-objeto; não existe nele elemento que não contenha voltagem poética. Inclusive a capa, elaborada pelo poeta Sergio Cohn.

SINOPSE todos os dias os pássaros. todos os dias voam. da janela vejo os que voam em bando. planando. os que voam sozinhos batem suas asas muito mais vezes. da alvorada ao crepúsculo. onde os pássaros pousam é onde eu queria estar. ........................................................................................ sou os dias sem chão dos pássaros eu grito pelas montanhas e ninguém ouve eu uivo pela selva e nada se move o agora entre o sim e o não que deriva no vento de quatro sou ele sou ela sou falo sou fenda

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AMANDA BRUNO (1991)

Poeta mineira, é graduada em letras pela UFMG, com um semestre de intercâmbio na Université Charles-de-Gaulle - Lille 3. Publicou no jornal Letras, Desfaces e zines como o Amendoim e o Barkaça. É autora do livro Por Aqui (2013) premiado com o primeiro lugar no concurso “Só Para Poetas”, da Edith (encabeçada por Vanderley Mendonça e Marcelino Freire). Foi incluída na coleção Leve um Livro, com a seleção de poemas Pó de Asfalto(2016).

a menina ve TV e repete a palavra até perder sentido em breve irá repetir o mundo e esperar que faça sentido TOMEI CORAGEM tomei coragem me chamei para sair comi pizza à luz de velas bebi vinho e relaxei comprei um doce no café ao lado dei uma volta na lagoa me fudi a noite toda PRO LEOPARDI parece: melhor que viajar é arrumar a mala melhor que o fato é a imaginação melhor que a data é a véspera melhor que o orgasmo é o tesão seja como for, a poesia é melhor que o amor 170

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JARID ARRAES

(1991)

Poeta cearense, nasceu em Juazeiro do Norte, na região do Cariri. É escritora, cordelista e autora dos livros As Lendas de Dandara e Heroínas Negras Brasileiras. Atualmente vive em São Paulo, onde criou o Clube da Escrita Para Mulheres. Até o momento, tem mais de 60 títulos publicados em Literatura de Cordel, incluindo a coleção Heroínas Negras na História do Brasil. Redemoinho em dia quente ganhou o prêmio APCA de Literatura na Categoria Contos/Crônicas.

saí para a varanda aos 14 graus da tarde sem blusas viria a primavera as roupas leves — mas meu peito é pesado e quente dentro de mim não faz brisa é sempre mormaço . FÁBULA desistir é coragem difícil somos programados para tentar deslizando aos barrancos a pele das pernas esfolada os pulsos marcados pelos rosários é preferível morrer sorrateiramente em gorduras açúcares refluxos pedras nos órgãos no peito mas desistir essa é uma coragem que todos não temos

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THALITA COELHO (1991)

Poeta catarinense,é doutoranda em teoria literária pela UFSC, que estuda a crítica feminista e gênero. Seu primeiro livro, Terra Molhada(2018) celebra o amor entre mulheres e se encaixa no segmento de literatura lésbica. Ela mesma diz:” é uma literatura de resistência. Principalmente lésbica, mas também feminista.”

traduzi seu nome pra língua do meu corpo de hoje em diante te chamarei umidade ....................................................................... eu plantei meus pés na terra por sete dias por sete tardes eu reguei observei o sol chegar em 7 manhãs em sete noites eu senti as raízes que começavam lentamente a construir caminhos no chão fértil no 8º dia eu virei flor aí você chegou para me colher e eu não queria morar mais ali eu queria fincar raízes no seu peito terra adubada com dor ........................................................................ nos seus dedos mora sempre um pouco de mim

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LUIZA MUSSNICH (1991)

Poeta carioca é eswcritora e jornalista. É autora dos livros Microscópio (2017), Lágrimas Não Caem no Espaço (2018) e o recém-lançado Tudo Coisa da Nossa Cabeça, todos editados pela 7Letras.

SINAIS o nervosismo mastiga as unhas o frio eriça os pelos do braço a vergonha tem bochechas vermelhas o tesão faz despencarem cataratas, ergue monumentos a fome devora o bom humor a tristeza mingua o prazer aperta os olhos a sedução mordisca os lábios a felicidade inventa dentes pelo rosto a ansiedade umedece mãos o sono escancara a boca a raiva dói nos nós dos dedos COMEÇOS sabonetes filhotes relacionamentos: coisas que não deveriam ficar expostas ao tempo o tabuleiro de xadrez da mesa da praça continua FINS terminar um livro um casamento onde estaria daqui a alguns anos o personagem o marido sobreviverá ele à estante às memórias o livro: podemos reler.

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SAMANTA ESTEVES (1992)

Poeta paulista, é formada em Letras na USP. Arrisca versos desde criança, tendo publicado Estilhaço, em 2017, pela editora Patuá (disponível para venda no site da editora). Participa também da antologia Sangue (2019), da Urutau. Tem experiência na área de Letras Modernas com ênfase em teoria e crítica literária francesa, tendo estudado a produção ensaística de Barthes e sua relação com a escritura literária de Ana Cristina César. Atualmente, aprofunda a reflexão sobre Barthes em iniciação científica contemplada pelo CNPq. Mantém a página Estilhaços, onde divulga seus trabalhos no Facebook.

BARRO presença disforme que dá vida ao que não tem nome argila amorfa que dá forma a todo espanto: o adorável adorante helianto VITRAIS outro dia lancei um livro de poemas isso dizem fazem os poetas não sei se acredito acato visto a carapuça que me serve só de brincadeira ou digo da melancolia que me custa fazer poemas do azul fúcsia das pupilas dilatadas guardando segredos impossíveis da íris feita de espelhos coloridos ou trincados meus olhos inventando narrativas sagradas que eu não pude ver ANUNCIAÇÃO não espere que inaugure um universo repleto de galáxias-possibilidade por que o faria? nem que as musas tenham sussurrado nos meus frios e surdos ouvidos (tão cansados dos ritmos fáceis) não espere que eu acenda a palavra aqui não há luz só uma espera profunda e grave profunda e grave espera

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LUNA VITROLIRA (1992)

Poeta pernambucana, é formada em letras pela universidade Federal de Pernambuco (UFPE), declamadora, atriz e performer. Com seus espetáculos de récita performática, Não Os Queríamos Sagrados e Sala de Estar, Luna tem participado de importantes eventos literários (Balada Literária/ SP; Festipoa Literária/RS; Festival Internacional de Poesia do Recife/ PE; Jornada Literária Portal do Sertão/ PE; Bienal do Livro de Pernambuco/PE e outros). Seu livro de estréia, Aquenda, o amor às vezes é isso foi lançado em julho de 2018, foi finalista do prêmioJabuti e tem recebido destaque da crítica local e nacional.

MARTELO O amor bate seu martelo sempre no mesmo prego até acertar o dedo HÁ DIAS Há dias em que necessito silêncio e não quero me mexer e não quero falar e não quero abrir os olhos nem sair de dentro de mim Há dias em que sou paz e guerra tumulto condensado em meu tumulo alguém que tenta ler o futuro no lodo das horas procurando sonhos dentro de um balde Há dias tenho sono vivo exausta da ignorância alheia E sinto saudade do pé de manga da minha rua onde eu empinava pedras e não pensava na morte

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POLLYANA QUINTELLA (1992)

Poeta carioca, é historiadora de arte e co-editora da revista Usina. Cursou a PPGArtes da UERJ e a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Trabalhou em diversos museus: Dom João VI, Museu de Arte e na Chácara do Céu. Não tem nenhum livro publicado.

4. encontrava-me baldia terra salgada de fronteiras estéreis buscava em par de olhos os sonhos desabrigados a pele vestida de miudezas frescas nua do profundo e de repente o garoto rondava meus cantos ermos minhas quinas pontudíssimas minha janela dura defeituosa sem que eu pudesse casar as mãos nas suas mechas negras violentas de vida estive então a cuspir tudo a enquadrar o mundo e arredondar as ruas estive a dançar nas bordas do risco pra fecundar meu cultivo de ramagens inexplicáveis e é a entrega uma selva que sacode o horizonte.

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BARBARA BENTO (1993)

Poeta alagoana, é formada em magistério e é bacharel em serviço social pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente publica periodicamente na revista Alagunas e em sua página do facebook que tem por título Doce Intuição de Vênus. Vive em União dos Palmares, terra natal de Jorge de Lima e de Zumbi.

PALAVRÃO A palavra é uma dor no nervo ciático, É um tiro de raspão, Que fere, mas não mata A palavra é hepática, Causa pena e comoção, É um pensamento ricocheteado, Que cai na boca do mundo Ora como riso, ora como choro A palavra é dona do próprio nariz E sai agalopada de um coração venenoso Mas no último suspiro é só ela que salva, Ainda bem que os mudos também falam. Palavra é um desejo despercebido, um sentimento desavisado, É um cisto que precisa ser retirado, senão incomoda, que nem cisco em lente de contato. INVERNO Na vida, o risco Na boca o grito No olho, um cisco No quarto, suspiro A noite, chuvisco.

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ISABELLA INGRA (1993)

Poeta brasiliense, vive em Macaé. É professora de literatura, atriz, contadora de histórias e uma das organizadoras do projeto Língua do P, para incentivo da leitura, produção e fruição da poesia. Escreve poesias desde que leu seu primeiro poema (quadrilha, Drummond) na escola. Publicou dois livros infantis e agora se prepara para publicar seu primeiro livro de prosa e poesia. Acredita que poesia é pura bruxaria e não há inquisição que a pare!-

BALANÇA DEVAGAR Me assaltaram a alma Numa esquina entre o que eu acho e entre o que eu penso. Coloco na balança tudo olhares, cartas, enigmas, chuva, cabelo bagunçado sorrisos, bom dias, cuspe, beijo, penetração, fracasso desejo coloco na balança tudo espera: balança tudo. Balança o mundo e a gente não supera coloco na balança a falência do estado a falência do meu estado o socorro cochichado um pé estalado corrida medo coragem vontade colidimos no tempo, quando olhei pra tudo já era 64 de novo a balança quebrou dividimos os ombros pra pesar dividimos os ombros em pesar. Meu coração agora tem pressa. Sem metáforas é pressa de balançar pra demolir. CONTOS DE FADA PARTE DOIS Nada foi real, mas doeu como se fosse. E aí o silêncio. Eu não quero silenciar Mas o primeiro grito Sempre sai de mim Na torre da gente Na serpente que diz Que178 o fruto do conhecimento AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA É atrevimento sem volta.


LIA MACRUZ

(1993)

Poeta paulista, nasceu e reside em Assis, interior de SP. Alma de caipira cósmica e essência azul estelar com terra vermelha. Seu primeiro livro, Andromeda sob os pés, foi publicado em 2017 depois de ela vencer o concurso promovido pela Editora PRIMATA. Antes disso, ela já havia participado de um outro concurso, Mapa Cultural Paulista, onde teve um poema classificado e publicado numa antologia.

[ ] eu esse lugar de passagem essa via transitória de quem chega e de quem vai eu uma bifurcação que habito num lapso de tempo meu limite acrônico meu concomitante desvanecer eu a derreter o meu próprio espectador eu, um não-lugar. [ ] todo dia atingimos a magnitude absoluta em algum lugar um núcleo galáctico colide com a via láctea rastreamos os objetos astronômicos mais brilhantes do nosso céu profundo encontramos astros dentro de nós localizados a 2,4 milhões de anos-luz o livro das estrelas fixas foi impresso com a tinta celular de nosso plasma algum astrônomo persa escreveu nosso nome em uma carta estelar alguma constelação ancestral sonhou com o corpo humano e fundiu pacientemente o projeto primata da nossa vida Andrômeda está sob os nossos pés.

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ÁDYLA MACIEL

(1994)

Poeta brasiliense, é microcroempresaria, produtora cultural e autora de dois livros: Amin e os livros mágicos e Andar de passarinho (2017). Tem participação em uma das antologias do projeto Palavra é Arte, da Cultura Editorial de Barris, Salvador (BA). Recitou seus poemas em saraus do Poemação, no Beijódromo da Universidade de Brasília (UnB); do Contra-in-Versos, em Planaltina (DF); da Cultura de Classe; do Coletivo de Poetas, com o qual é coautora de um livro inédito; na Feira do Livro de Brasília; da Academia Taguatinguense de Letras, na II Bienal do Livro de Brasília. Também organizou a coletânea VOZ -poesia falada, livro com a participação de 15 escritores de Brasília.

VENTO DE AGOSTO A bruxa improvável que sou. Voa na fé de mim mesma Dirigindo numa vassoura A 200 kilometros por hora Se eu disser que vai chover A chuva cai. Se eu disse que vai nevar Se prepare para congelar Eu conheço bem o céu. E as minhas turbulências E antes de lutar com os inimigos Me primavero inteira Dou uma surra de pétalas Em quem não tiver perfume. Não sou anjo nem barata E vou voar assim mesmo Fora da asa. ANAL – FÉ - BATISMO Tem dias que eu não escrevo Tem dias que eu escravo. Encaro as palavras Encravo um livro. Eu não quero um ISBN. Eu quero algo que risque. Uma folha de papel Higiênico... Um graveto e um pedaço de praia. Eu quero fazer tinta de vaidade. E preencher uma pena. Eu quero um vidro embaçado E um dedo afiado. Eu quero autografar meu verso Com a minha digital. E que o analfabetismo Nunca perca o lirismo. Eu não sei escrever. Mas eu sei fazê meu nomi. 180

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KARINE KELLY PEREIRA (1994)

Poeta paulista, é artista e pesquisadora do corpo em artes circenses, dança e poesia. É terapeuta corporal formada em massagem ancestral tailandesa pela International Training Massage School. Publicou o livro de poemas Anotações sobre o azul (2016).

INSÔNIA Meu corpo não tem cor, idade, sexo ou pátria restaram os pés ansiando pela dança a mão trêmula que não cessa de escrever enquanto a poesia me berra por todos os poros e não deixa dormir : eu obedeço. POEMA XVI Para transitar de um corpo ao outro, Bebi Pedro Comi Pedro Dentro e fora Fora e dentro Dentre verbos Dentre versos Tão im-próprios. Inda assim, Todo dia Toda a pele Me ardia, Feito bruxa na fogueira. XII Caminho pelas ruas pedindo licença por ser mulher Caminho pela casa da mãe pedindo licença por ser triste Caminho entre os amigos pedindo licença por ser criança Caminho entre os amores pedindo desculpa por ser simples E no arrebol, quando o coração em claroescuro desdobra e acelera em trottoir Coloco meu casaco ocre, busco na noite pés pra caminhar.

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PÂMELA FILIPINI (1994)

Poeta nascida na cidade de Rolim de Moura , em Rondônia, começou a escrever na infância. Tem formação universitária em Pedagogia, e atualmente dedica-se exclusivamente à escrita. Cultiva solidão e se planta ao silêncio para sobreviver. Escreve. E nas horas vagas, existe.,O lançamento de seu primeiro livro, Folhas dos Ossos ou o tratado das coisas insignificantes aconteceu em 2017.

Haverá um dia que serei apenas letra e no meu epitáfio será gravado […] “ela, de tanto ser nada, tornou-se palavra.” ........................................................................................... Nalgum momento da vida é preciso desmoronar [todo início já foi um entulho] […] Recriar-se é uma contínua desconstrução de escombros. ............................................................................................ Sou uma metáfora no mundo. [quero ser real] Uma canção cantada pelas folhas que caem das árvores. A celebração da fruta que amadurece.

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ZAINNE LIMA DA SILVA (1994)

Poeta, prosadora e bonequeira, é filha de retirantes nordestinos e vive em Taboão da Serra, zona metropolitana de São Paulo. Bacharel e licencianda em letras pela USP, é autora, leitora, pesquisadora e professora do ensino básico. Autora de Pequenas ficções de memória, (2018), da publicação virtual independente Canções para desacordar os homens (2020) e de Pedra sobre pedra, (2020).

REENTRÂNCIAS amar as mãos e os pés do homem negro saber quantas de suas canelas fugiram de polícias milícias quantas vezes seus ombros caíram em mãos atrás da cabeça amar suas impressões digitais debaixo dos calos de trabalho e música amar suas cicatrizes de skate cerol e bala perdida amar seu sobrenome sem pai amar seu corpo estirado no chão vivo ou morto (sempre morto) amar seus traumas suas neuroses amar suas contradições amar sua ejaculação precoce sua ejaculação retardada sua impotência diante dos absurdos da vida amar as canções que ele ama amar os poemas que ele odeia escrever sobre sua percepção de mundo respeitar seu silêncio exercitar sua paciência despertar sua delicadeza perceber a minúcia atrás da couraça protetora saber arrancá-lo à força de seu pesadelo pôr-se à beira do precipício que é amar um homem negro ser gentil na queda esquecer a colisão.

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LUANA CLARO

(1994)

Poeta paulistana, cursa letras na Universidade de São Paulo, desde sempre escreveu prosa e agora se arrisca a escrever poesia. Não é ilustradora profissional, mas exibe seus rabiscos com certo orgulho de autodidata. Gosta do número 487.

veja só que desperdício só deixar o dia passar na intenção de apagar qualquer indício teu DIADORIM amo a forma como seus cílios escuros se mexem quando descortinam seus olhos curiosos que vagam – de certa forma atentamente – enquanto você tenta encontrar as palavras certas. elas não existem em verdade eu já procurei em todos os lugares que você pode imaginar amo te olhar enquanto você olha as coisas pensando em não sei mais o que e por fim você diz e diz e diz e tudo soa como poesia pra mim ................................................................................... me falta a capacidade de me encaixar não pertenço daqui da margem vendo de longe talvez seja melhor, apesar de tudo .................................................................................... todos os dias alguém perde o último trem ou quase alguém sempre chega num dia diferente do que saiu alguém sempre sai ao encontro de ninguém findo o dia 184

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AMANDA VITAL (1995)

Poeta mineira, cursa letras na Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa, cidade onde reside desde 2014.. Participa do grupo Aedos de declamação, apresentando-se em saraus, lançamentos de livros e outros eventos. “Lux” (2015) é seu livro de estreia, que conta com a apresentação de três importantes poetas: Lau Siqueira, Marcelo Adifa e Sérgio de Castro Pinto.

não dá pra notar que ando sempre virada ao avesso sou sem costura, sem etiqueta, sem fim nem começo. ................................................. meu trevo tem três folhas meu olho grego está míope minha figa tem mão aberta toda sorte desse mundo nunca é certa. ...................................................... à noite todos os homens são pardos todos os drinques são dardos e todos os bêbados são bardos.

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BRUNA KALIL OTHERO (1995)

Poeta mineira, é escritora, performer e pesquisadora. Mestra em literatura brasileira pela UFMG, é autora das obras de poesia Oswald pede a Tarsila que lave suas cuecas (2019, premiado pelo Ministério da Cultura), Anticorpo (2017), Poétiquase (2015), e do livro-objeto de ficção Carne (2019). Organizou as coletâneas A Porca Revolucionária: ensaios literários sobre a obra de Hilda Hilst (2018) e Poéticas do devir-mulher: ensaios sobre escritoras brasileiras (com Constância Lima Duarte e André Magri, 2019). Seu livro inédito Tinha um Pedro no meio do caminho foi premiado pela Secretaria Especial de Cultura (2019).

CONFUSÃO MIMÉTICA eu não sou eu Sebastião Uchôa Leite este eu que está aí pomposo cheio de si se querendo todo achando que é o rei da cocada preta este eu não sou eu não viu? juro que eu – eu de verdade – eu sou ótima conversada despojada e no máximo princesa dessa cocada NA CONTRAMÃO DA GRAVATA célebre imortal maravilhoso branco me bate uma vontade de ser sujeito lírico neutro infectado por aquela visão tão objetiva & masculina porque se eu fosse raimundo mas antes sequer de terminar o raciocínio meu útero bate na porta: esse mês não 186

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CAROLINE POLICARPO VELOSO (1996)

Poeta paulistana, é graduada em letras pela Universidade de São Paulo. Em 2019 publicou Cartografia do Silêncio , contemplado com o edital Proac poesia, em 2018. Tem poemas e contos publicados em algumas revistas, como a Garupa e a Raimundo.

ANOTAÇÕES PARA UM AUTORRETRATO I 57 quilos 206 ossos braços/dedos/seios/ombros/dentes um tanto de grito e garra guelra e asa &pelos&cauda&trompa II me dói tanto esse corpo de dentro III eu checo esse rosto no espelho todos os dias com esperança de que tenha se tornado meu .................................................................................. bicho mar que me chama me puxa me [tenta me tira o chão de debaixo dos pés molha os papéis que esqueço nos bolsos traz peixe concha caranguejo caramujo traz e leva os cacos de outros dias largados pela areia bicho mar que ruge tão forte que enfeitiça como se o marulho fosse o canto [das sereias bicho mar vim te pedir pra receber meu corpo e me ensinar a força a concentração [a coragem necessárias para todos os mergulhos AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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SABRINNA ALENTO MOURÃO (1997)

Poeta nascida em Parnaíba, Piauí, é autora do livro de contos In Vivo (2017) e do livro de poemas Ponto Crítico da Noite (2020) Colaborou em revistas como Ler&cia, Vacatussa e Mallarmargens. Ela espera que em outros multiversos seja também baixista de alguma banda, cultivadora de cogumelos, padeira, vendedora de plantas e escritora de novo, só que dessa vez uma escritora famosa.

O MAIS COMPLETO DOS SERES os homens sabem trocar pneus, tocar mais de um instrumento, mexer em fiação, acender fogo para assar carne. os homens são catedráticos, cultos, diversos, varonis, magistrais: eles fazem a boa literatura, as maravilhas arquitetônicas, os aeroplanos para as aeromoças desfilarem. os homens sabem, inclusive, que eu só sou lésbica porque ainda não encontrei o homem certo: quem, afinal, sabe o que eu quero, se não um homem? eles são excelentes em corte costura cama mesa & banho: os bons motoristas, pais, esportistas, investidores, cabeleireiros, críticos de arte. os homens sabem fazer tudo, exceto uma coisa irrelevante demais para pertencer à vastidão masculina: ouvir de uma mulher que eles não sabem o que estão fazendo.

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LUIZA MIDLEJ

(2000)

Poeta brasiliense, começou a escrever com 13 anos, usando cadernos com capa simples, para não chamar atenção. Gosta de fotografar, catar conchinhas na praia e curtir poemas de Juliana Motter, Leminski e Fernando Pessoa. Em outras áreas suas predileções recaem sobre Frida Kahlo, Picasso, Van Gogh, Sebastião Salgado, Mick Jagger e Djavan. Publicou o livro Circunscisfláutica (2015).É a mais nova integrante de As Mulheres Poetas.

injusta essa saia justa em que você nos colocou não sei se saio se ensaio se fico não sei se você ficou essa história não tem verbo não tem concordância não sei se é conto ou prosa mas sei que ainda é criança ........................................................ sou fruto da fruta que se descasca se despedaça se decompõe quando alguém ameaça me tirar do pé até que eu cresça amadureça e aí seja o que deus quiser ........................................... a garoa aqui também é pranto em são paulo só morre são quem nasce santo

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LAURA NAVARRO (2000)

Poeta paulistana, é fascinada pelos celtas, pelas bonecas russas e, principalmente, pela linguagem, que ela define como “exercício criativo, social e, sobretudo, corporal”. Descobriu a poesia aos 12 anos e a prosa aos 16 - e, desde então, nunca mais as largou. Em 2016, publicou o livro Clair de Lune, e participou da Antologia Senhoras Obscenas.

AMÉRICA LATINA Me faça mujer Como las putas de Colombia Como a carne dos açougues argentinos Ou as mulatas do Brasil Ah Me faça révolucion Como as cubanas Que dançam em volta do fogo Me faça Madura Como as crianças da Venezuela E me faça fria como as brancas neves descendo as montanhas chilenas Mas me faça caliente Como as niñas Cheias de vigor Do México Porém, lhe peço Não me faça triste Miserável; Descartável Como os prédios caídos As veias abertas As putas não pagas E o choro não escutado Da América Latina

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REGINA AZEVEDO (2000)

Poeta potiguar, já foi chamada de pequena notável e poeta prodígio. Afinal não e qualquer um que publica um livro de poemas com 12 anos de idade, né não? Pois foi o que ela fez. Depois vieram Por isso eu amo em azul intenso(2015) e finalmentee Piruetas (2017).Com 17 anos Regina traz na bagagem três livros de poemas.E foi incluída por Heloisa Buarque de Hollanda no livro As 29 Poetas Hoje. Importante lembrar que a escritora e crítica literária, Heloísa Buarque de Hollanda foi autora de uma antologia histórica, 26 Poetas Hoje, que se tornou um clássico.

NÃO EXISTEM PORTAS NESSA CASA Um dia estive na estrada esperando o futuro E descobri que o amor se acaba aos poucos como o derradeiro farelo da Terra na boca de um jacaré E isso dói como dói uma cascata direto nas costas castigadas de um povo Mas é assim que caminha o mundo: numa corrida Em uma hora alguém chega e há uma reviravolta de 360 graus e sua pele 40, 50, mais que o Rio de Janeiro E nunca se sabe de onde vem aquela pessoa com quem nunca você sonhou mas estará ao seu lado daqui a 5, 10 ou mil anos num túmulo de pedra Também não se sabe a porcentagem de tempo em que caminharão juntos Nem se você estará ao lado de um assassino, poeta ou vendedor de salgado desses que ficam horas na cozinha e quando se deitam na rede têm cheiro de empada de camarão e você cheira e que delícia Mas o amor se acaba aos poucos E é preciso sempre esquecer isso para que haja amor, para que haja começo

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JADE LUÍSA

(2001)

É potiguar de nascença, paulista de criação e brasiliense de passagem. Nascida no primeiro ano do milênio, quando o sol passava pela constelação de peixes. Cursa Letras na Universidade de Brasília, onde reencontrou-se com o teatro, atuou nas produções “Um não sei o que, que nasce não sei onde” e “Quando eu quero eu viro bicho” (2019), de dramaturgia coletiva estreado no festival Cometa Cenas. Atualmente aventura-se como dramaturga para o Coletivo de Teatro Enleio. Seu primeiro livro, O Olho Esquerdo da Lua, foi lançado em novembro de 2021.O poeta e crítico Claudio Daniel considera um dos melhores livros de poeia publicados nos últimos anos.

GEMA Banhar a sede da relva com o beijo primeiro tornar-se pétala, lágrima Brilho início cega, cria o findar da fonte tateia: raízes na boca Viver como se acabasse de nascer Nascer como se acabasse de morrer. ECO DE LUSCO-FUSCO Escuto a água arranhando o vidro Suas unhas rascunham calmaria e flores Esqueço como a água sente a pele Esqueço como a água rasga a pele Os dias arranham o vidro Esfolam as flores que a água rascunhou Dissipam a face que a noite tingiu O fogo a guerra os mortos, já não os sinto Eles ainda vivem sob os sulcos do asfalto Mas eu, tingida de noite, esqueço. QUANDO A MARESIA COCHICHA VELHAS ANGÚSTIAS Perdoe o medo do mar, meu bem, mas grave o vestígio da saudade, do vinho esquecido no fundo da taça. Crave os dentes sadios naquela coragem ínfima que repousa como alga no âmbar da epiderme, quando a maré enche e lhe umedece o vazio do esôfago. O desejo enrosca sua lã em meus nervos e salpica sobre a pele esporos corpulentos, insaciáveis, como se proferisse cantigas enrijecidas de mel e sal nos meus poros.

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AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA


Após um longo trabalho garimpando vozes femininas dentro da poesia brasileira, realizamos em dezembro de 2017 o primeiro Sarau das Mulheres Poetas, no auditório do IAMSPE (Hospital do Servidor). Naquela ocasião, reunimos 15 poetas e uma atriz que apresentou a performance-esquizofrênica Sou ela ou serei eu? No segundo Sarau das Mulheres Poetas, realizado em maio de 2018, na Casa das Rosas, resolvemos ultrapassar os limites do efêmero e conferir maior durabilidade e capilaridade ao evento. Esse é o sentido desse livrinho*, de pequena tiragem, mas feito com esmero e cuidado profissional. Espero que ele possa contribuir na direção desse projeto. Ou seja: que o ótimo trabalho que as mulheres poetas estão realizando mereça a atenção e o interesse

de leitores e críticos. França e Inglaterra ocorFoi por essa razão que reu o mesmo boicote com iniciei esse trabalho de escritoras do século 19. pesquisa em meados de Hoje essas questões estão 2011. Após um tremendo sendo revistas e resgadesabafo em meu site, tadas. Algo que é bom criticando esse boicote, re- para todos nós. E posso solvi correr atrás das vozes adiantar que a transformapoéticas das mulheres. E ção dessa série, que reúne para que isso não ficasse mais de 400 poetas e mais circunscrito a mim mesmo, de 1600 poemas, em livros meu site virou o site das digitais está concluída.São mulheres poetas. Nesses 6 3 volumes, todos já pronanos e meio deixei de putos e disponíveis gratuiblicar qualquer outra coisa. tamente aos interessados E usei os dois espaços que na plataforma Issuu. O tenho no facebook para di- primeiro obteve a assivulgar cada poeta incluída natura de Maria Valeria na série. Rezende na apresentaPosso garantir que não me ção.O segundo de Wanda arrependi. Garimpando em Monteiro e o terceiro de diversas regiões do Brasil Mirian de Carvalho. encontrei muito ouro e Vencida essa primeira muita pedra preciosa. etapa, agora vou batalhar Lamentavelmente, grande para que alguma editora parte dessa riqueza estava transforme esse trabalho escondida através do em livro impresso.Conto legado remanescente do com a colaboração e ajuda machismo e da educação de todos. patriarcal. Mas é bom que rubens jardim (* fizemos um livrinho com minise esclareça: em POETAS Portugal, AS MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA 193 bio e poemas das participantes.)


Belo, importante e imprescindível trabalho. Amador Ribeiro Neto Rubens, uma alegria imensa poder partilhar o vosso trabalho em Portugal Jorge Vicente Rubens, ficou muito bom o livro! Muito útil num universo cultural em que a poesia masculina parece sempre ter mais peso.Tomara que consiga transformá-lo em livro impresso! Marina Colasanti Rubens Jardim, grande divulgador da poesia, acaba de dar mais uma notável contribuição, reunindo no livro As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira muitos dos seus principais nomes. Valdir Rocha Minha homenagem para o seu trabalho pioneiro: As Mulheres Poetas. Por sua contribuição ficará para sempre na História da Literatura Brasileira. Sonia Sales Teu trabalho de pesquisa tem a densidade de um Alfredo Bosi...na hst da Literatura Brasileira, além de poeta exímio.um grande pesquisador com um feeling inovador à produção da poesia feita por mulheres no país. Carmen L. Fossari Este maravilhoso projeto de Rubens Jardim é um grande e especial presente deste poeta tão generoso com a arte, a poesia, a cultura e a literatura - para nós. Um presente para nós, poetas mulheres brasileiras. Um presente para leitores, professores e pesquisadores. E, sem dúvida, para a própria Poesia. É uma honra fazer parte. Rubens merece todos os aplausos, pois, mantendo ativa sua vibrante produção individual, também organiza e coordena muitos projetos sempre voltados à divulgação da literatura, ao congraçamento, ao encontro e aos diálogos. Parabéns, Rubens, por fertilizar de arte o nosso cotidiano e o nosso universo. Beatriz Helena Ramos Amaral Belo trabalho, meu caro poeta! Ronaldo Werneck Gratidão a você por seu trabalho de pesquisa e divulgação da poesia feminina brasileira. Esta edição está primorosa, detalhada! Eliane Accyoli Fonseca Forte e linda antologia “As Mulheres Poetas”... fruto da dedicação, esplêndida pesquisa do querido poeta Rubens Jardim!!! Imperdível leitura! Patrícia Claudine Hoffmann 194

AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA


Essa obra, idealizada, organizada e editada, com primor e abnegação, pelo talentoso escritor Rubens Jardim, mapeia e revela ao leitor a intensa topografia da lavoura poética formada pela fecunda e rica lavra de nossas Poetas. Uma colheita que contribui imensamente para a memória da produção poética na literatura brasileira. Wanda Monteiro Rubens Jardim, que há anos estuda e divulga nossas mulheres poetas, lança um livro - gratuito - sobre elas. Recomendo. Renato Janine Ribeiro Parabéns pelo excelente trabalho. Antonio Carlos Secchin Livro digital organizado por Rubens Jardim faz um rico mapeamento da poesia brasileira contemporânea de autoria feminina. Claudio Daniel Quanta dedicação e determinação. Que honra fazer parte. Que orgulho tenho de você, poeta, que tanto valoriza as mulheres poetas! Uma grande obra. Das mais importantes para a história da poesia neste país! Leila Ferraz Admiro seu trabalho. E como poeta mulher reconheço o bem que fazes para tornar visível o trabalho de uma massa de escritoras que embora de qualidade não têm praticamente nenhum reconhecimento. Solange Padilha O trabalho de Rubens em prol da Poesia é precioso. Somos privilegiados por sermos poetas contemporâneos dele. Betty Vidigal Esta pesquisa de Rubens Jardim é histórica , merece estar dentro e fora dos muros acadêmicos. Ser prestigiada pelo MEC, MInC.... Rosana Banharoli não tenho palavras para expressar o quanto admiro e sou grata por esse seu trabalho, Impecável!! Cássia Janeiro Sua série é incrível, pioneira, necessária! Nina Rizzi Projeto da maior importância para a poesia brasileira escrita por mulheres. Karen Debertolis Trabalho fantástico do Rubens Jardim, descobrindo e coletando poemas escritos por mulheres brasileiras. Achou e divulgou verdadeiras jóias raras Leda Beck AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA

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