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AL cresce na desaceleração da China

Angel Rubio, analista sênior da Urner Barry Consulting, considera que a América Latina já é um hub de pescado com preços competitivos em relação aos chineses

Onome de Angel Rubio é frequente em eventos internacionais de peso como Global Seafood Market Conference, Aqua India, Aqua Expo Equador e Global Protein Summit. Em breve, este especialista em proteínas animais, com ênfase em pescado, também estará no Brasil para a Seafood Show Latin America, em outubro. Durante as discussões para a apresentação, Rubio nos concedeu esta entrevista em que discute a ascensão da tilápia sul-americana no mercado norte-americano e a crescente competitividade dos produtos latinoamericanos em relação aos asiáticos.

Rubio destaca que a América Latina não está mais em desvantagem em termos de mão de obra e outros custos, tornando-se competitiva em algumas categorias. Um exemplo disso, segundo ele, é o aumento do fluxo de tilápia fresca e congelada da região para o mercado dos EUA, com a Colômbia e o Brasil liderando esse movimento. Embora a China e Taiwan ainda dominem o mercado devido ao baixo custo, o Brasil tem conseguido embarcar tilápias inteiras congeladas a preços competitivos.

Para ele, os brasileiros ainda são vistos pelos norte-americanos como um mercado muito mais dedicado ao consumo interno do que em relação à exportação. Enquanto isso, a Colômbia já se credenciou como um fornecedor constante de filés frescos de tilápia e o Equador incrementou muito os volumes de camarão vannamei. O desafio como bloco latino-americano, segundo Rubio, é que os produtores reajam na mesma velocidade à desaceleração do crescimento de produção na China e consigam rapidamente satisfazer o mercado dos EUA, cujo apetite por pescado é crescente.

1 Você é um especialista sênior em proteínas animais. Quais são os maiores desafios atuais que você enxerga no negócio global das proteínas, especialmente no contexto do pescado?

Cada mercado é diferente e cada espécie de pescado tem sua própria dinâmica. Portanto, responder a essa pergunta no contexto da categoria “pescado” pode se tornar complexo. Além disso, a dinâmica da ingestão de proteínas depende muito das mudanças nos hábitos do consumidor.

A pandemia causou perturbações significativas em todo o mundo. Por exemplo, devido ao estímulo do governo e setores contraídos como entretenimento, food service e turismo, entre outros fatores, a renda em muitos países cresceu rapidamente. Nesse contexto, se tomarmos o caso dos EUA, podemos supor com segurança que tais aumentos de renda foram um dos principais impulsionadores dos preços fortes de itens de “luxo” como lagosta e caranguejo. No entanto, como resultado de níveis de inflação persistentemente altos, notamos uma rápida correção de preços, já que os consumidores evitam esses itens. Tais tendências de preços podem não ter sido as mesmas para todos os mercados, onde o consumo de pescado é mais significativo do que o que existe nos EUA.

O desafio está na percepção do consumidor de pescado como uma categoria, em comparação com outras proteínas, dependendo da saúde da economia. Em outras palavras, se o sentimento geral for positivo, podemos esperar que o pescado tenha um bom desempenho. Se houver incerteza, juntamente com tempos de recessão, podemos esperar que o pescado não tenha um desempenho tão bom quanto outras proteínas de preço mais baixo, como frango ou ovos. Mais uma vez, é importante observar que é difícil analisar o pescado como uma categoria em função dos diferentes preços de diferentes espécies e a dinâmica de cada mercado.

2 Você poderia comparar o desempenho de diferentes proteínas animais nos últimos anos, incluindo pescado? Houve alguma tendência ou mudança notável nas preferências do consumidor ou na dinâmica do mercado?

Sim. A pandemia causou uma forte demanda por itens de preço mais alto em relação às proteínas de preço mais baixo. Nos EUA, por exemplo, vimos aumento de preços de carne bovina, lagosta e caranguejo. Enquanto isso, os preços dos ovos e do frango permaneceram estáveis. Avançando para o final de 2021 e ao longo de 2022, os consumidores se afastaram de muitos desses itens, principalmente lagosta e caranguejo; a demanda por carne bovina tem se mostrado mais resiliente. Durante 2023, continuamos a ver correções de preços para baixo em muitas proteínas, à medida que os consumidores se adaptam aos tempos econômicos em mudança; de níveis de inflação mais baixos e aumentos salariais moderados. Vemos alguns segmentos de consumidores voltando aos níveis pré-pandêmicos de consumo de proteínas, mas ainda não chegamos lá. Podemos ver mudanças estruturais causadas pela pandemia, como consumidores comendo mais em casa e aderindo a alguns dos novos itens de cozinha testados nos últimos anos.

3 O consumo de pescado tem aumentado nos Estados Unidos. A que fatores você atribui esse aumento e como você vê essa tendência evoluindo no futuro?

A percepção sobre o pescado em geral nos EUA é que tem valor médio a alto. Novamente, é difícil comparar um filé de salmão norueguês de preço mais alto com um filé de pangasius congelado. Ainda assim, esse aumento de consumo também é uma função de maior disponibilidade e acessibilidade. O camarão, por exemplo, tornou-se uma proteína acessível em valor real –ajustado pela inflação – e o suprimento tem sido prontamente disponível. Juntamente com o aumento da renda, alguma percepção “premium” atribuída ao pescado pode ter diminuído, o que pode ser positivo a longo prazo.

Por outro lado, a demanda por salmão continua forte, com os preços pairando em níveis recordes em meio ao aumento da oferta. Em outras palavras, o salmão é menos acessível e a oferta é maior, o que nos leva a acreditar que muitos consumidores estão dispostos a pagar um prêmio pelo que consideram mais valioso. Naturalmente, esses preços são em função de uma redução na produção fora do Canadá, mas muitos consumidores não se afastaram dessa espécie. Vemos, novamente, uma possível correção para níveis mais “normais” de consumo histórico de pescado, com algumas exceções, como o salmão, por exemplo.

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A América Latina é conhecida por suas diversas ofertas de peixe e frutos do mar. Qual é a importância da região como fornecedora de pescado no mercado internacional e quais são as vantagens ou desafios que ela enfrenta nesse papel?

A América Latina tem a vantagem de oferecer produtos de qualidade e se posiciona logisticamente entre os três maiores mercados, China, Estados Unidos e Europa. Duas das espécies mais importantes produzidas no mundo são o camarão e o salmão,

Importa Es De Til Pia Inteira Pelos Eua

onde o Equador e o Chile estão na vanguarda – ou em um segundo lugar muito próximo do primeiro – na produção e, portanto, no crescimento [destes itens]. Novamente, depende das espécies e da dinâmica envolvida em cada mercado. Ainda assim, por exemplo, no caso do Equador, os embarques de camarão para mercados como os EUA e a Europa podem chegar ao seu destino dentro de duas a três semanas. Essa é uma vantagem significativa em comparação com os embarques asiáticos para esses mercados.

PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES NA IMPORTAÇÃO DE TILÁPIA INTEIRA PELOS EUA (2023)

Um desafio que precisamos considerar é que o crescimento da China como mercado desacelerou consideravelmente. Tamanha desaceleração precisa corresponder às taxas de crescimento da produção, caso contrário, os preços tendem a cair. A América Latina gerou seu próprio mercado interno para muitas espécies, o que tem sido positivo para a indústria de pescado. Ainda assim, devemos reconhecer que, para os grandes produtores, os mercados de exportação têm sido cruciais para o crescimento de muitas dessas indústrias, como salmão, camarão e tilápia. O Brasil, no entanto, tem sido uma enorme exceção para a maioria das espécies.

5 Qual será o papel que o Brasil ocupará nesta expansão da América Latina como provedora global de pescado?

Do ponto de vista do comprador dos EUA, a visão é a de que, em geral, o Brasil tem sido muito mais focado em seu mercado interno - a lagosta e algumas espécies de peixes marinhos têm sido a exceção. O Brasil é grande produtor da maioria das espécies dominantes, mas relativamente falando, pouco é exportado; grande parte da produção atende à demanda interna. Isso diz muito [sobre o perfil do mercado] porque os produtores e indústrias vendem seus produtos em mercados onde os preços são mais atraentes, e o fato de grande parte da produção permanecer no mercado interno implica que não há necessidade de procurar em outro lugar se os preços domésticos forem atraentes.

Uma mudança significativa nos últimos anos é que, em termos de preço, os produtos latino-americanos, principalmente no caso do valor agregado, tornaram-se competitivos em relação aos de origem asiática. Essa diferença relativa de preço é verdadeira para algumas formas de valor agregado – não todas – nas quais a América Latina não está mais em desvantagem distante em termos de mão de obra e outros custos envolvidos.

Um exemplo foi o aumento do volume de camarão descascado congelado em mercados de exportação com preços competitivos em comparação com seus equivalentes asiáticos, como Índia ou Vietnã. A América Latina ainda está atrasada no caso de produtos cozidos ou outros de valor agregado extra, mas não me surpreenderia se houvesse crescimento nesse setor.

Outra mudança que notamos foi o aumento do fluxo da tilápia inteira fresca e congelada da América Latina para o mercado dos EUA. A produção de tilápia da Colômbia cresceu tremendamente nos últimos anos e seus embarques para os EUA dispararam - a maioria dos produtos embarcados são filés frescos e inteiros. O Brasil também tem se aprofundado nesse mercado e, surpreendentemente, embarcando tilápias inteiras congeladas. Esse mercado continua dominado pela China e Taiwan, principalmente devido ao baixo custo desses produtos. No entanto, o Brasil também tem conseguido embarcar a preços competitivos.

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