10 minute read
Influenciando mentes e pratos
from Seafood Brasil #49
Influenciadores, chefs e restaurantes dedicados a falar sobre pescado na internet têm atuação importante para levar essa proteína ao conhecimento - e prato - de um número crescente de pessoas
Há muito tempo caiu em desuso recorrer aos bons e velhos livros de receitas para descobrir o melhor pescado e receita para uma refeição em família. Hoje basta um celular na mão e qualquer um tem acesso às informações sobre o produto, da origem da espécie aos cortes, ingredientes que harmonizam melhor com o preparo.
Esse movimento nasce com a expansão tecnológica, o acesso à internet, a popularização das redes sociais pelo mundo e o número cada vez mais crescente de influenciadores digitais que possuem um significativo impacto nas pessoas e na sociedade. Neste cenário, esses influenciadores como chefs, restaurantes dedicados e pessoas que gostam de falar sobre o segmento de pescado também têm desempenhado um papel crucial na popularização e no consumo de pescado no Brasil.
Uma Pesquisa Global do Consumidor, disponível no site Statista, mostrou que o Brasil é o País onde as pessoas mais realizaram compras após um influenciador digital anunciar o produto. O estudo, inicialmente realizado em 2019 e posteriormente em 2022, indica como essa influência segue ganhando força no País. Em 2019, cerca de 36% dos entrevistados afirmaram de forma categórica que compraram algum produto após ter sido indicado por um influencer. Já em 2022, esse número subiu para cerca de 44%.
Rafael Moraes, chef de cozinha e idealizador do Peixe No Prato, é um destes exemplos e produz conteúdo diário há mais de cinco anos sobre pescado. Com uma extensa trajetória em restaurantes e grande amor por pescado, o chef viu nas redes sociais a possibilidade de desenvolver um novo trabalho. “Eu queria trazer toda a minha experiência e conhecimento para as pessoas, só que não era fácil quebrar essa barreira da comunicação técnica para falar com o consumidor final”, conta.
Das necessidades feitas a partir da compreensão dos seus seguidores, Moraes começou a elaborar um conteúdo mais direcionado que possibilitou o crescimento do perfil que, atualmente, tem cerca de 135 mil seguidores interessados nas dicas e receitas sobre pescado. Em paralelo ao seu trabalho nas redes sociais, Moraes continua atuando em cozinha profissional. Atualmente ele é quem comanda os festivais da Ceagesp. ”Além da minha atuação na internet, também estou trabalhando com pessoas reais interessadas em peixes e frutos do mar. E vou trazendo tudo isso para o meu dia a dia e para a minha produção de conteúdo”, relata.
Levando o barco do pescado longe com o mar da internet
Também consciente da grande influência das redes sociais nas vidas das pessoas e vendo a possibilidade
Com Rafael Moraes, o perfil Peixe no Prato já apresentou mais de 50 espécies diferentes de pescado. Agora, além de receitas no dia a dia, ele criou a Escola Peixe no Prato, para capacitar outros talentos peixeiros na gastronomia
Brasil, um país influenciável
Sabia que nosso País é campeão mundial em número de influenciadores digitais na categoria Instagram? Uma pesquisa realizada pela Ninlsen que contabilizou postagens feitas entre novembro de 2021 e abril de 2022 nas plataformas Instagram, TikTok e YouTube constatou que ao todo, o Brasil possui 10,5 milhões de influenciadores com ao menos 1 mil seguidores.
Conforme a mesma pesquisa, consideradas as três redes, o Brasil fica em segundo lugar no ranking, atrás apenas dos EUA, que conta com 13,5 milhões de influenciadores. A China, com outras plataformas, não entrou no estudo.
A crescente influência da internet na vida das pessoas levou o médico veterinário André Medeiros a iniciar uma trajetória de influenciador na internet, buscando, conforme ele, difundir a informação técnica de confiança acerca da cadeia produtiva do pescado e um maior entendimento do grande público sobre seu funcionamento adequado. Assim, o consumidor pode obter um produto com qualidade e segurança. “A ideia é promover de modo facilitado a extensão aquícola e pesqueira e alavancar o consumo consciente dessa proteína animal, que traz inúmeros benefícios à saúde humana”, diz.
Conforme o Influencer Marketing Hub, o mercado global de influenciadores digitais movimentou cerca de US$ 16,4 bilhões (R$ 87,36 bilhões) em 2022, em um crescimento de 19% em relação ao ano anterior de ajudá-las a comerem melhor, o chef Thiago Sodré também dedica boa parte do seu tempo diário à produção de conteúdos para o Instagram, Youtube, TikTok e Facebook. “O meu maior objetivo nas redes sociais é incentivar as pessoas a cozinharem mais. Quero tirar o medo que muita gente tem da cozinha e mostrar que as coisas podem ser muito mais simples e fáceis de fazer do que elas imaginam”, diz. Com essa missão, Sodré faz todos os tipos de receitas nas redes sociais, das mais simples às mais elaboradas. Já o pescado começou a aparecer com mais frequência em suas redes após fechar parceria com a Frescatto. “Já usava muito os produtos deles em casa e nos restaurantes que trabalhei, justamente por serem uma das melhores empresas do segmento”, explica.
Ele estabeleceu uma parceria entre sua empresa de consultoria Food Consultancy com o Restaurante Ocyá para criar a série Do Mar, disponibilizada no seu Instagram @soyandremedeiros. A série retrata informações técnicas sobre anatomia, captura e suas restrições, sustentabilidade e características nutritivas de espécies de peixes utilizados nos pratos de alta gastronomia no Ocyá. “Já falamos do Olho de Cão e da Tainha, e vem mais por aí”, revela empolgado. Além da série com o restaurante de pescado, Medeiros atua junto à Coordenação de Mídias da Campanha Semana do Pescado no auxílio à construção das postagens da Campanha.
Com um caminho mais longo nas redes sociais, o também médicoveterinário César Calzavara da Nóbrega é mestre em recursos pesqueiros e aquicultura e atua nas redes sociais para a pesca ser mais valorizada. “Mostro que fazendo a manipulação correta do pescado, teremos um valor agregado maior, melhor aproveitamento e diminuição de desperdícios. Dessa forma, o consumidor final recebe em sua mesa um produto com sabor mais agradável, interferindo positivamente em toda cadeia e melhorando receita sem necessariamente ter que pescar volumes maiores de peixes”. É isso que ele vem fazendo através do seu perfil no Instagram e seu canal no Youtube: mostrando aos pescadores, peixeiros, restaurantes e consumidores como trabalhar melhor o peixe.
Influenciando (mas com responsabilidade)
Foi usando toda sua experiência de chef e conhecimento que Thiago Sodré, em 2014, estreou no YouTube o canal Cookfork, no qual ensina receitas do dia a dia, de forma didática e descomplicada. Em sua conta no Instagram, durante a pandemia, o chef também começou a criar short videos para ajudar a nova geração de cozinheiros caseiros com receitas rápidas, dicas e muito mais. Hoje, a conta do chef já tem mais de 150 mil seguidores e diversos vídeos que ultrapassaram a marca de 1.000.000 de visualizações. “Nós, criadores de conteúdo, temos essa responsabilidade de passar informações verdadeiras e difundir o conhecimento de ingredientes que muitas vezes, as pessoas não conhecem ou não têm acesso. Tenho usado muito o reels do Instagram para ter um bom alcance de novas pessoas e poder passar para elas ideias e formas de preparo dos ingredientes”, fala.
Sodré tem experiências com eventos, jantares particulares, consultorias e aulas de gastronomia –atualmente, assumiu a chefia executiva do grupo Turn The Table, que conta com as marcas Pasquim, Vero, Ventana e Saideira, somando oito casas sob sua gestão diária. Agora, ele está de mudança para São Paulo, onde fica a sede do grupo, para construir sua nova cozinha estúdio, mirando num crescimento ainda maior de suas redes nessa nova fase.
Moraes, do Peixe no Prato, lembra que no início do canal, diante de muitos desafios impostos pela comunicação, a criação do perfil no Instagram obrigou o chef a adquirir novos conhecimentos. “Fui estudar marketing para aplicar em tudo o que eu sei”, lembra. Assim, a trajetória nas redes sociais do Peixe no Prato começou com a preocupação de entregar um conteúdo responsável e que de fato, auxiliasse as pessoas. “Comecei a conversar um por um com todos eles. Fazia diversas perguntas e investigava tudo, como a pessoa que adora peixe, mas que não faz em casa porque o marido ou esposa não gostam”, completa.
O chef continua a levar conteúdo sobre espécies não convencionais inúmeras formas de preparo, mas agora o Peixe no Prato dá um novo passo: está virando uma escola. “Através de tudo isso, comecei a desenvolver meus cursos porque havia pessoas que queriam dar o passo a mais, sair da mesmice e ter um conhecimento maior e técnico.”
Diante da identificação de uma nova mudança de necessidade de seus seguidores, o primeiro passo de Moraes foi a criação de um livro de receitas focado na variação de espécies de pescado e preparo. Na sequência, veio a criação dos minicursos e,
Para entender as principais dificuldades em torno do pescado, o chef Rafael Moraes começou na internet “entrevistando” os seguidores em um processo que durou os dois primeiros anos do perfil Peixe no Prato recentemente, um curso oficial com mais de 30 horas de conteúdo.
Além de influenciador e chef, Moraes, que agora acumula o papel de professor, destaca que foi necessário mudar um pouco a sua abordagem. “Para que eu possa aprofundar mais o conteúdo, entregar e trazer muito mais informações, a gente viu que o melhor caminho era criar a escolas”, explica. Para ele, receitas são muito legais e, de fato, as pessoas adoram. Só que Moraes destaca que o trabalho proposto por ele vai além. “Nosso trabalho é para que as pessoas tenham um nível de consciência e consumo melhores, tudo para que possam aplicar comprar com segurança e fazer do pescado o alimento principal de suas casas”, diz.
Já César Calzavara também explica que produzir conteúdo sobre pescado de qualidade e com responsabilidade não é uma tarefa tão simples como parece. “Muitas vezes, tenho que estudar horas para responder uma única pergunta em uma caixinha de perguntas do Instagram, por exemplo”, revela. Logo, para ele, a produção de conteúdo necessita ver as coisas com uma visão mais ampla. “Procuro informações mais técnicas, em livros e em artigos científicos. Mas também converso bastante com pescadores e peixeiros que têm um conhecimento empírico muito grande. Normalmente, procuro em fontes diferentes e repasso através de postagens com uma linguagem mais fácil e às vezes, até divertida”, pontua. As referências técnico-científicas para um conteúdo de qualidade e confiança, além da linguagem acessível e didática, também são fundamentais para Medeiros. “Trato a temática de forma divertida e orientativa. Busco sempre em minhas redes abordar variados tópicos relevantes sobre os organismos aquáticos. Posto curiosidades, oportunidades de eventos e trabalhos, textos de relevância… é necessária a popularização da ciência!”, enaltece.
Influenciando nos pratos
Se o número crescente de influenciadores, chefs e restaurantes dedicados a falar sobre o segmento de pescado na internet tem gerado sucesso e retornos pessoais, para a promoção do consumo de pescado no Brasil essas iniciativas também passam a ser fundamentais. “Como qualquer outro assunto, quanto mais gente fala dele, melhor ele vai ser difundido e conhecido. A costa brasileira é muito rica e temos uma diversidade muito grande de peixes e frutos do mar. Peixes de que muitos nunca nem ouviram falar. Dependendo do tipo de carne, você tem diferentes métodos de preparo”, comenta o chef Thiago Sodré.
“Costumo falar que não se pode dizer que não se gosta de uma coisa sem antes provar pelo menos 10 vezes. E vemos muito isso em pescado”, contextualiza. Ele comenta que nesse contexto, se pode ter diferentes sabores da mesma espécie de peixe, dependendo se ele foi pescado em época ou locais distintos. “Porém, quando se tem várias pessoas falando sobre, ensinando receitas ou mesmo comendo, estimula o consumo e gera a dúvida: ‘Será que fazendo dessa forma eu vou gostar?’ E é nessa dúvida que temos uma nova oportunidade de colocar mais pescado na mesa do brasileiro”, diz Calzavara.
Concorrência, qualidade do conteúdo e combate às fake news
Se o aumento de concorrência em muitas áreas é visto como algo ruim, nas redes sociais parece ter espaço para todos. “Cada um contribuindo com suas expertises e vivências. Juntos, o cardume é mais forte, e a cadeia produtiva só agradece”, fala André Medeiros.
ressalta que, aliás, é ótimo ter muita gente falando sobre pescado. “Vejo como colegas que fazem o mesmo que faço, cada um a sua forma e com seu ponto de vista, o que gera boas discussões, e uma série de ideias para novas postagens”, defende.
Já Moraes também argumenta que esse número crescente de pessoas “influenciando” nas redes não pode ser visto como concorrência. “Falo com toda propriedade que não tenho concorrência. A internet tem espaço para todo mundo e o que vai definir a sua trajetória é você ter consistência.” bibliográfica, trazendo a informação com boa qualidade, e não acabar lançando uma fake news”, defende o médico-veterinário.
Logo, se a “concorrência” não é problema, os influenciadores digitais, os chefs e restaurantes dedicados a falar sobre o segmento de pescado na internet têm muitas outras coisas com o que se preocupar. “Passar falando todo dia sobre a minha rotina real tem suas dificuldades. Afinal, preciso conciliar com a realidade da minha vida pessoal. Ou seja, o que é material e o que é a minha vida para fazer de conteúdo?”, reflete Moraes.
Por outro lado, a falta de informações sobre o pescado no Brasil também é um desafio para eles. “Temos produtos de alta qualidade, peixes super frescos, mas às vezes, por conta de valor ou falta de conhecimento de como preparar, as pessoas acabam ficando com medo de comprar”, conta o chef Sodré.
Neste contexto, Calzavara lembra que algumas pessoas “replicam” coisas que leem na internet sem ao menos checar as informações. “Nesse mundo digital uma informação negativa viraliza muito mais fácil do que uma positiva. Por isso, passar uma informação de forma incorreta pode prejudicar um setor inteiro. É ótimo falar sobre pescado, mas com responsabilidade do que se está falando.”
Outro ponto de destaque nos tempos atuais são os famosos haters, que prejudicam das mais variadas formas. E nessas horas, é preciso
Siga os influenciadores dessa matéria nas redes sociais
está acabando com o mundo se consumir. O que mais me deixa triste é quando vejo esses ataques vindos do próprio setor”, desabafa.
Já para Medeiros combater essa série de inverdades que são ditas ao longo dos anos e reverter essas informações é um dos maiores desafios de quem é influenciador. “Muitas vezes, elas [as informações] já estão incrustadas na cabeça dos consumidores. Por isso, a oratória precisa ser de fácil compreensão e o conteúdo divulgado, de confiança e qualidade”, pontua. Além disso, ele lembra que ainda é importante pensar em direcionar a informação para todas as idades. “Até porque a criança de hoje, é o consumidor de amanhã”, finaliza.