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Aquicultura oxigenada

Articulação do setor torna 12ª Aquishow palco para diversas reivindicações ao poder público, mas clima entre os expositores é de pragmatismo, retomada de investimentos na modernização e cuidados extras com os desafios sanitários

Oprotocolo foi seguido: as autoridades estavam lá, elogiaram-se mutuamente, sublinharam a importância e o potencial da atividade aquícola no Brasil e reconheceram os méritos dos organizadores da 12ª Aquishow, que ocorreu pela segunda vez nas dependências do Centro Avançado de Pesquisa e Desenvolvimento do Pescado Continental, em São José do

Rio Preto (SP), pertencente ao IP-APTA (Instituto de Pesca) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do governo paulista.

A cerimônia institucional do primeiro dia do evento, 23/05, transcorria em um clima de amena cordialidade, até que Marilsa Fernandes, presidente da Aquishow e presidente executiva da Associação de Piscicultores em Águas Paulistas e da União (PeixeSP), resolveu trazer ao palco as principais reivindicações dos aquicultores. Dirigindo-se ao ministro da pesca e aquicultura, André de Paula, disse, respeitosamente: “O senhor precisa mostrar a que veio, ministro. Espero que o senhor volte no ano que vem para anunciar novidades importantes que nos beneficiem.”

Dois pontos principais marcaram as reivindicações de Fernandes: a contrariedade do segmento aquícola com a gestão compartilhada do MPA com o Ibama e a isonomia tributária com outras proteínas. “A falta de licenciamento ambiental é o que mais atrapalha a atividade hoje. Na questão tributária, até o ovo de codorna não paga PIS/Cofins na ração; a produção de organismos aquáticos não pode ficar de fora disso.”

O ministro não comentou sobre a gestão compartilhada, mas defendeu ainda na Aquishow a condução do tema via Congresso Nacional, por meio do projeto apresentado pelo deputado Luiz Nishimori (PSD-PR), presidente da Frente Parlamentar Mista da Pesca e Aquicultura. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde terá relatoria da

Delegada Katarina (PSD-SE). Ambos são do mesmo partido do ministro, o PSD. Em estudo recente apresentado diretamente a André de Paula e Nishimori em audiência convocada pela Associação Brasileira da Piscicultura (PeixeBR), o pesquisador Manoel Pedroza, da Embrapa Pesca e Aquicultura, apresentou cálculos sobre o tema. Com a isenção do PIS e Cofins na ração brasileira, o preço do pescado cairá quase 5% ao consumidor final e estimulará uma produção extra de mais 16 mil toneladas, segundo a Embrapa.

Para um acompanhamento mais estrito destas e outras questões, Marilsa Fernandes liderou durante a feira a criação da Frente Nacional de Aquicultura (Fenaqua). O grupo é composto por representantes das cadeias produtivas de piscicultura continental, piscicultura marinha, aquariofilia, ranicultura, jacaricultura, algicultura, malacocultura, aquaponia e carcinicultura. “Resolvemos unir essas entidades para fortalecer ainda mais a nossa aquicultura nacional”, reforça Fernandes.

Foco no que o produtor pode controlar

Se a feira foi fundamental para vocalizar as demandas dos produtores, ao mesmo tempo funcionou como uma vitrine do atual momento mais otimista da cadeia, passada a crise hídrica e a baixa remuneração dos produtores. A busca por maior representatividade aos pleitos setoriais é vista com bons olhos por especialistas, mas esta é apenas uma das frentes que farão o setor avançar de forma efetiva.

O pesquisador Thiago Bernardino, do Cepea/USP defende que os produtores de tilápia têm de priorizar o controle do que está sob sua responsabilidade. “A economia, o nível de consumo, os preços. Não controlamos nenhum desses itens. Mas podemos melhorar a gestão do negócio, a qualidade dos serviços, a administração das despesas, o nível de tecnologia que utilizamos.” Bernardino foi um dos palestrantes de um seminário organizado paralelamente à Aquishow pela Phibro.

No mesmo evento, o consultor Osler Desouzart estabeleceu um comparativo com a cadeia do frango, principalmente no que diz respeito às instabilidades de preço, oferta e demanda - que tanto prejudicam a cadeia aquícola. “Um grande mérito da indústria avícola foi a organização da atividade, administrando bem a oferta mesmo em momentos de instabilidade de preços.”

Tais dificuldades são inerentes ao crescimento da atividade, que segue impressionante. Se considerarmos apenas a tilápia, a produção brasileira aumentou 83% entre 2014 e 2022, saltando de 300 mil toneladas para 550 mil toneladas - a previsão para 2023 é superar 575 mil toneladas. O reflexo na feira foi flagrante, com mais de R$ 160 milhões em negócios estimados, cálculo esse de Emerson Esteves, presidente do Conselho Deliberativo da Associação de Piscicultores em Águas Paulistas e da União (PeixeSP) e um dos organizadores do evento. “No ano passado, geramos R$ 130 milhões em negociações e, desta vez, superamos a expectativa inicial, que era de R$ 150 milhões.” Esteves acredita que 2023 será um ano de oferta reduzida, mas ressalta que em 2024 deve ser um ano mais estável.

Em torno de 7 mil visitantes participaram desta, que foi a maior edição da Aquishow - ao todo, o evento contou com 93 empresas expositoras. Confira a seguir as principais tendências apresentadas em diferentes áreas do aquanegócio.

Processamento modernizado: filés, porcionados e controle de dados

Depois de quatro anos com a máquina de evisceração e corte para a produção da tilápia H/ON (head-on, na sigla em inglês), a Brusinox incrementou a velocidade de trabalho. “Fazíamos 40 peixes por minuto e agora, podemos chegar a 60 com rendimento”, diz Marcelo Serpa, gerente de negócios Latam da Brusinox, acrescentando que a linha foi desenvolvida em parceria com a Copacol para atender exatamente à necessidade deles.

Serpa avalia que a mecanização com automação continua a ser o foco dos fabricantes de maquinário para processamento de tilápia. As vantagens são claras no próprio processo mecânico da filetagem, com ganho de tempo, mas posteriormente no controle dos parâmetros. É a mesma linha de trabalho da MQ Pack, que também esteve na feira com estande ao lado da Brusinox. De acordo com o diretor, Marcos Queiroz, um dos focos da empresa é a implementação de sistemas de inspeção produtiva nas máquinas existentes. “Assim, além de trabalhar automaticamente, o equipamento já inspeciona o que sai no final da linha de produção.”

Na Aquishow, a novidade foi a nova funcionalidade da máquina inspecionadora de peso: o novo sistema já vincula o produto ao código de barra da caixa e, caso tenha os parâmetros produtivos aprovados, já efetiva a caixa no sistema. Na Seafood Show Latin America, o objetivo é apresentar equipamentos 100% automáticos com robôs alimentando pescado.

Nutrição: foco no aumento da imunidade

A feira marcou a tendência de fazer a nutrição e a sanidade caminharem juntos para potencializar o crescimento dos animais aquáticos. Elisandro Bauer, coordenador técnico comercial de aquacultura na Guabi, destacou o movimento de enriquecer as rações com aditivos nutricionais para aumentar a imunidade. “Assim, conseguimos lotes com maior resistência e sobrevivência, com digestibilidade potencializada pelo maior aproveitamento dos nutrientes da ração.”

Para contemplar a necessidade de aumentar os índices de sobrevivência, a solução tem sido incorporar à ração minerais orgânicos e enzimas digestivas. “Com base na nutrição, ajudamos toda a cadeia aumentando essa imunidade dos animais.” A ADM e seus lançamentos também se inserem neste contexto, como sublinham Ricardo Khatchadourian, diretor de nutrição animal, e Eduardo Urbinati, gerente de produtos aquícolas no Brasil da empresa. “Recentemente, lançamos um blend de nove aditivos para reduzir o uso de antibióticos. Algumas grandes empresas estão tirando certificação para exportar e um dos pré-requisitos é a redução do uso do antibiótico, utilizando-o somente como curativo”, ressalta Urbinati. A ideia é aproveitar de forma efetiva as sinergias entre cada um dos aditivos para substituir o uso de antibiótico prémanejo e pré-estresse.

Outro produto já em linha com foco similar, mas para formas jovens, são as rações com micropellets de 1 mm da Supra. De acordo com Sérgio Malavazi, gerente técnico de aquicultura da empresa, o objetivo é concentrar na parte interna da ração o maior percentual de proteína e gordura energética. “Assim, o peixe come o alimento equilibrado e os nutrientes não se perdem.”

O segmento das rações para fases iniciais é muito promissor no Brasil, segundo Malavazi, mas na piscicultura superintensiva. “Hoje, o camarão tem um custo muito alto para se trabalhar como superintensivo, e vemos que se partiu para o lado extensivo, porque o camarão não está remunerando.” Por isso, a empresa tem focado mais nos produtos para a estruturação de alevinos para incremento de resultados no crescimento e terminação. O principal lançamento foi a expansão da linha para alevinos com a ração 0.6-0.8 mm.

No mesmo segmento, esta foi a aposta da Fosfish, que apresentou a linha Acqua Start, com a mesma gramatura da Supra. Na visão de Marina Valdo, vendedora técnica da empresa, o objetivo de operar com a ração “enriquecida” é gerar economias ao produtor sobre o quilo de peixe produzido. “Os subprodutos digestíveis para alevinos e juvenis melhoram o resultado do produtor. Por isso, só trabalhamos com ações de alta performance, além de proteínas menores, que melhoram a qualidade de água e oferecem um produto mais barato.”

O desafio para entregar resultados aos produtores com preços mais baixos é o alto custo das matérias-primas destas indústrias, agravado pela guerra na Ucrânia. A Adisseo, uma gigante europeia líder no segmento de metionina, enzimas, vitaminas e especialidades, sofre o impacto direto. “Tem sido um ano muito difícil por conta do alto custo de matérias-primas. Como uma empresa europeia, sofremos mais ainda - alguns dos insumos vêm do leste europeu, região muito afetada pela guerra”, indica o gerente do negócio aquacultura para a América Latina, Thiago Ushizima.

No entanto, a empresa continua colecionando recordes. A divisão de aquacultura na Adisseo cresce duas casas todos os anos desde que a empresa entrou no negócio, com a compra da Nutriad, então parte da Inve, em 2018. “A América Latina teve o maior faturamento do mundo em aquacultura, especialmente por conta da tilápia no Brasil, o camarão no Equador e no México e a tilápia na Colômbia”, conta Ushizima. “Quando mostramos máquinas de vacinação e fish pump sendo utilizados, padrão de corte e frescor, nossos gerentes de área de outros países ficam boquiabertos”, completa.

Equipamentos e serviços para cultivo

Na beira dos viveiros, o foco dos fabricantes também é na otimização dos equipamentos para redução de custos e aumento da produtividade. O engenheiro de aquicultura na Trevisan João Bordignon anunciou como lançamento da empresa na feira um sistema de automação cuja finalidade é fazer o controle e o monitoramento dos aeradores, alimentadores, sistemas de alarme e qualquer tipo de equipamento que possa ser automatizado.

“O sistema tem a capacidade de controlar até 32 tanques por meio de integração via rádio. Pelo estudo das especificações dadas pelo produtor ou pelo técnico da propriedade, a gente consegue estipular e fazer com que o sistema entenda qual é o momento ótimo de acionar ou desacionar os equipamentos”, conta o especialista.

Dentro do competitivo mercado dos equipamentos, aos poucos vão surgindo novos players. Foi o caso da novata Nuter, que chegou à Aquishow com a proposta de apresentar o primeiro um alimentador automático de animais. “Decidimos que iríamos imprimir em 3D a parte principal do equipamento, mas para isso tivemos de desenvolver a impressora e um plástico adequado ao contato alimentício e resistência aos raios UV”, descreve o CEO, João Benetti. O desenvolvimento da inovação determinou a criação de um método de produção que exigiu a certificação do equipamento no Inmetro.

Alimentar os animais de forma automático pode gerar como benefício uma homogeneidade do lote. “Quando se arraçoa manualmente o grande come e fica cada vez maior, enquanto pequeno não consegue comer. Se eu solto várias vezes por dia a ração, o grande comeu primeiro e já está satisfeito e o pequeno tem mais oportunidades de comer.” A flexibilidade do sistema ajuda: “Esse é o único alimentador automático animal a soltar rações desde pó até 25 mm”, defende o CEO.

Alfredo Freire, diretor da distribuidora IAqua, também tem notado a busca crescente por sistemas automáticos. “Automatização das despescas, da alimentação, da medição de parâmetros etc. Há uma busca por redução de mão de obra e na melhoria nos controles dos processos.” A empresa também tem visto um crescente interesse por produtos para correção, monitoramento e melhoramento da qualidade de água com controle de matéria orgânica, controle de dejeto, de sólidos e correção de parâmetros.

Outra preocupação latente dos produtores é em cuidar melhor do produto final da aquicultura: o alimento aquático. Para o gerente de vendas da Engepesca, Marcelo Conolly, a demanda crescente por redes anti-pássaros é um bom exemplo. “O produtor tem procurado produtos que não agridam muito o peixe para ter depois também um produto mais bonito para a venda”, diz.

Além do peixe, produtos como microalgas também despontam, que começou há pouco tempo no Brasil, mas está tendo um crescimento forte à medida que os Estados vão liberando o cultivo. As encomendas vêm de Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente, mas Conolly estima para breve a entrada de outros Estados. “Tem muita gente procurando na fase de projeto, na expectativa de iniciar ou esperando liberação.”

Com a forte movimentação dos tanques-rede nos reservatórios, cresce também a demanda por tecnologias de estabilização. Leandro Dourado, sócio-diretor da Fesma, apresentou na Aquishow um bracket (abraçadeira) para sustentar flutuadores de tanques-redes. “É uma estrutura para atender de média a alta produção - mas para o pequeno produtor, o produto é acima daquilo que eles necessitam hoje. Então, já pensamos em retornar para o ano que vem com um produto de preço muito mais inferior e reduzido para atender a essa demanda.”

Sanidade: problemas intensificados

Há muito a se fazer sobre a sanidade na produção brasileira, como resultado da própria expansão da atividade. “A produção de tilápia tem se intensificado, assim como os problemas sanitários”, menciona Thiago Ushizima, da Adisseo. “Se compararmos com o camarão do Equador e o salmão no Chile, ainda pecamos na biosseguridade, embora nosso sistema produtivo já tenha sustentabilidade. Falta agregar mais valor aos nossos produtos e ao nosso resíduo.” No caso dos peixes nativos, os sistemas são mais extensivos, o que diminui a incidência de problemas bacterianos.

Se por um lado os desafios sanitários aumentam, do outro, isso pode ser visto como oportunidade de negócio. É o caso da Zoetis, que atua desde 2015 no segmento a partir da aquisição da gigante norueguesa de vacinação Pharmaq. Depois de se aprofundar na salmonicultura, a empresa passou a desenvolver soluções específicas para a tilapicultura. “Entendemos que essa proteína vai explodir e dentro de muito pouco tempo, o Brasil estará em uma posição de protagonismo ainda maior”, projeta Renato Verdi, diretor da unidade de avicultura, suínos e aquicultura da Zoetis.

Ainda com portfólio reduzido, a empresa lançou uma primeira vacina autógena contra Streptococcus agalactiae 1b e uma máquina de vacinação semiautomática, que mede, conta e classifica os animais. “Nosso modelo de automação não é só uma máquina de vacinar peixe, mas é a garantia de um sistema confiável que entrega produtividade”, defende Verdi.

Da mesma forma como a Zoetis, a Vaxxinova aproveitou a feira para incrementar a divulgação das vacinas contra a lactococose desenvolvida a partir de uma pesquisa conjunta de Santiago Pádua, gerente de produtos aqua da empresa, com a Universidade Federal de Minas Gerais.

“Disponibilizamos essa vacina no final de maio do ano passado e completamos um ano de mercado com mais de 25 milhões de animais imunizados com o produto”, comemora Pádua.

O médico-veterinário ressalta a capacidade técnica e agilidade da empresa em desenvolver produtos e inovações para a tilapicultura brasileira, que vive um momento de crises sanitárias. “A sanidade é um ponto fundamental para o sucesso da piscicultura brasileira.” Pádua afirma que o Brasil é referência em controle sanitário para todas as espécies animais e com peixe, não deve ser diferente. “Tanto é que hoje, o mercado brasileiro é o que mais vacina tilápia no mundo.”

No campo da ambiência, a Superbac aposta no adubo orgânico mineral bioestimulante. Segundo Jorge Alab, analista técnico da Superbac, o diferencial é estimular a produção de fitoplâncton no início da produção dos peixes, inoculando bactérias benéficas no tanque. Depois de encher o viveiro, é hora de cuidar da biodegradação da matéria orgânica. “Melhorando a ambiência das pisciculturas, se tem melhor controle da qualidade de água, prevenção de doenças, desempenho zootécnico, diminuição do ciclo de produção e lucratividade.” Alab insiste que a regeneração do solo e da água de ambientes aquáticos é essencial para o sucesso da piscicultura.

Com a preocupação cada vez maior do consumidor quanto aos sistemas de cultivo, soluções alternativas e produtos orgânicos ganham terreno. Daniel Fuziki, gestor de negócios aqua da Phibro, deposita as fichas nos medicamentos terapêuticos, aditivos nutricionais, probióticos e biorremediadores. “Nossos produtos vêm ganhando cada vez mais espaço, não somente com fábricas de ração, mas também através da geração de demanda fazemos no campo.”

As cooperativas e grandes produtores são os que mais estão se beneficiando, diz ele, porque mensuram os resultados. “Os produtores com maior nível de gestão são mais tecnificados e já vem fazendo a adoção do uso desses produtos, o que faz toda a diferença aos negócios deles através da redução de custo e melhor performance, rentabilidade, competitividade e acabamento.”

Além do acompanhamento estrito, nota-se uma necessidade maior do produtor de fazer acompanhamentos de desafios sanitários em tempo real, para evitar maior contaminação ou problemas mais sérios. José Dias Neto, gerente da Prevet, percebeu que os produtores pediam o diagnóstico de eventuais enfermidades e depois engavetavam o laudo, sem tomar providências. “Hoje, temos uma plataforma onde é possível fazer essa avaliação online e ter informações sobre as possíveis enfermidades para entrar com o tratamento precoce.”

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