Revista Universidade & Sociedade n. 25

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Carlos Zacarias F. de Sena Júnior* Eurelino Coelho Neto**

Pessimismo da inteligência e otimismo da vontade: um balanço da greve de 2000 das universidades estaduais baianas Entre os meses de junho e agosto de 2000, o cotidiano das maiores cidades da Bahia foi alterado por algo novo. Algo agitou as praças e avenidas de Salvador, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Ilhéus, Itabuna e muitas outras cidades, algo chamou a atenção da (diminuta) imprensa que não é chapabranca, interferiu no cotidiano das esferas do poder, despertou a ira de alguns e a solidariedade de muitos. Meses antes da greve da polícia, que ganhou as manchetes dos jornais de todo o país, em 2001, a Bahia assistiu ao conflito público entre um poderoso governo e o movimento docente das Universidades Estaduais Baianas (IEESBA)1. O que havia de realmente novo era o fato de que, por 75 dias, uma greve de professores travou abertamente um duro enfrentamento contra um grande bloco político conservador que era tido como impossível de enfrentar. Os professores tinham

como antagonistas não apenas um governo forte e seus longos tentáculos no Estado e na sociedade civil, mas também o mito da invencibilidade daqueles supostos donos do poder. Daqueles que diziam que o espaço da política, do conflito e da negociação era vedado aos movimentos sociais organizados. Este balanço da greve começa por esclarecer contra quem foi travado o conflito. Façamos uma caracterização, ainda que sumária, do temido inimigo dos movimentos sociais na Bahia: o carlismo. Triste Bahia... (Pessimismo da Inteligência) Em 1991, quatro anos após ter sofrido uma acachapante derrota eleitoral e beneficiado pelo fracasso do governo Waldir Pires/Nilo Coelho, Antonio Carlos Magalhães ocupou, pela terceira vez (a primeira através do voto), o posto de Governador da Bahia. Sob sua liderança articula-se então um arco político que, fato inédito na história baiana,

dá certo grau de unidade política a quase todas as principais oligarquias do interior do Estado. O grande cacife político de ACM não é eleitoral (excetuando-se a última eleição para o Senado, seus resultados sempre oscilaram em torno de 30% dos votos), mas sim o de ter conseguido construir, no carlismo, o espaço dentro do qual quase todos os grupos sociais e políticos conservadores conseguem exprimir de modo satisfatório seus interesses. Além dos latifundiários e oligarcas do interior, o carlismo abriga também representantes de importantes setores industriais modernos como os da petroquímica, banqueiros, empreiteiros, empresas de hotelaria e turismo, empresas de comunicação. Com o carlismo, a Bahia dá mais uma prova de que não há incompatibilidade entre o velho coronelismo e a modernidade burguesa, desde que seja possível construir a hegemonia: esta foi a obra prima de ACM. Claro que a soldagem deste bloco só pôde ser feita às expensas do Ano XI, Nº 25, dezembro de 2001 169


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