Revista Universidade & Sociedade n. 25

Page 175

ANDES-SN Um Sindicato de intelectuais Ignez Pinto Navarro. ADUFMAT. Cuiabá-MT. 2001 Por Roberto Leher Os sujeitos que constroem a universidade como instituição pública, democrática, produtora de conhecimento novo e socialmente referenciado e, na condição de intelectuais, assumem a função de “organizadores” da hegemonia dos subalternos são o fio condutor desta obra magnífica. A construção hegemônica não nos é apresentada como um a priori da luta dos professores que se organizaram nas então Associações de Docentes, no final dos anos 1970, ou como uma característica imanente do novo sindicalismo - ele mesmo, anos mais tarde, reconfigurado pelas políticas neoliberais como sindicalismo propositivo. Através de entrevistas e de minucioso trabalho documental, as vozes dos sujeitos adquirem a vibração da vida: os impasses da luta econômica, as tensões e divergências internas, as formas singulares de organização são cuidadosamente recuperadas e, com isso, a história da (então) Andes e da própria universidade brasileira - no período que compreende o outono da ditadura militar até o neoliberalismo da primeira metade da década de 1990 - vão sendo construídas. A crítica aos estudos da sociologia do trabalho e da história da educação que se restringem aos “fatos”, apresentados como fenômenos da realidade, como quer a tradição empirista, é empreendida por uma consistente discussão teórica. Temos uma análise da “crise do trabalho” discutida como manifestação fenomênica da crise estrutural do

capital, rejeitando o determinismo tecnológico, evocado, por importantes setores do sindicalismo, para justificar o abandono da perspectiva “classista” e a adesão ao propositivismo que leva a CUT a “negociar” os termos da implementação das políticas neoliberais, como se estas políticas fossem inevitáveis em razão das transformações tecnológicas e organizacionais do capitalismo de hoje. Uma fecunda discussão dos limites e potencialidades do sindicalismo classista, a partir de uma perspectiva gramsciana, desenvolvida com desvelo, ilumina a complexa questão da relação dos intelectuais com o poder e as classes sociais. Esta análise encontra-se no núcleo sólido desta obra, que defende, com rigor, a concepção de que os militantes e dirigentes do movimento docente são intelectuais orgânicos das classes subalternas. Estes militantes são caracterizados como intelectuais orgânicos mediante a investigação do Andes-SN como sindicato de intelectuais, a partir do surgimento das Associações de Docentes, ocasião em que os próprios intelectuais assumiram, como “coletivo organizado, a identidade de trabalhadores assalariados sem abandonar as marcas distintivas da natureza do seu trabalho e da valorização social da sua profissão, que conferem especificidades à própria ação sindical que desenvolvem”. A defesa intransigente da autonomia e da democracia como princípios fundantes da Asso-

ciação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior inseriu-a no grupo pioneiro de novo sindicalismo e criou condições excepcionais para a construção da identidade classista do futuro Sindicato Nacional. A autora, ela mesma sujeito da história aqui discutida, não abandona sua condição de pesquisadora rigorosa, captando com precisão as tensões e disputas internas decorrentes da opção classista defendida por uns, mas não por outros. A investigação dos embates sobre a transformação ou não da Andes em Sindicato tem como resultado passagens de excepcional brilho, contribuindo para tornar pensáveis os momentos em que chapas se confrontaram nas eleições para a Direção Nacional da entidade. O leitor tem em mãos não somente uma obra sobre a trajetória recente do sindicalismo brasileiro ou a propósito dos intelectuais em uma sociedade de classes, o que já não seria pouco, mas, além disso, uma história da política educacional nos anos 1980 e 1990. Ao examinar as especificidades do trabalho docente traduzidas na criação dos Grupos de Trabalho da entidade, em especial o de Política Educacional, a autora sustenta que o Andes-SN torna-se “intelectual coletivo”, lendo os acontecimentos políticos e educacionais do período e interferindo neles ativamente. Os períodos conjunturais que foram decisivos para a construção e afirmação Ano XI, Nº 25, dezembro de 2001 175


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

Domenico Losurdo, Fuga della storia? Il movimento comunista tra autocritica e autofobia. La Città Del Sole. Napoli. 1999. José Mário Angeli, João Carlos Soares Zuin

25min
pages 177-182

Ensaio Fotográfico

8min
pages 185-192

Gramsci, globalização e pós-moderno. José Mário Angeli. Editora da UEL. Londrina-PR. 1998 Osmani Ferreira da Costa

6min
pages 183-184

ANDES-SN Um sindicato de intelectuais. Ignez Pinto Navarro. ADUFMAT. Cuiabá-MT. 2001. Roberto Leher

7min
pages 175-176

Pessimismo da inteligência e otimismo da vontade: um balanço da greve de 2000 das universidades estaduais baianas

20min
pages 169-174

A falta de Previdência no tempo da aposentadoria docente

21min
pages 162-168

Formação profissional e diretrizes curriculares: do arranhão à gangrena

45min
pages 144-156

A universidade pública no olho do furacão

15min
pages 157-161

Políticas públicas atuais para a formação de profissionais em educação no Brasil

33min
pages 134-143

Projeto de Emprego Público e a reforma neoliberal das IFES-Instituições Federais de Ensino Superior

45min
pages 119-133

Desenvolvimento e crises do padrão fordista-taylorista e os desafios contemporâneos

42min
pages 106-118

Construção do império na América Latina: a estratégia militar do EUA

21min
pages 99-105

A mistificação como “virtude”, a virtude como necessidade

27min
pages 91-98

Entrevista: Aziz Ab’Sáber

23min
pages 81-90

Assistência social e conquista dos direitos sociais

33min
pages 70-80

Notas sobre política, jornalismo e corrupção

18min
pages 64-69

Eleições e (idade) mídia no Brasil

29min
pages 55-63

Fazer política hoje: a arte de superar obstáculos

32min
pages 19-28

UNESCO, Banco Mundial e a educação dos países periféricos

33min
pages 45-54

Plano Nacional de Educação: muito discurso, nenhum recurso

36min
pages 29-39

Fazer política hoje

14min
pages 15-18

Política de transporte, sociedade e espaço urbano

14min
pages 40-44

Justiça infinita: um strangelove

8min
pages 7-9

Emprego público: sua face real

13min
pages 10-14
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.