Revista Universidade & Sociedade n. 25

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Fazer Política Hoje

Bernardo Kucinski

Notas sobre política, jornalismo e corrupção “Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei.” 1 Introdução: o lugar da corrupção na sociedade brasileira A corrupção está no cerne de nossa estrutura política, na qual o Estado se coloca a serviço de interesses privados e não públicos. Daí seu caráter fundador, a começar pela formulação das leis, sempre restritivas e, principalmente, dos regulamentos. No Brasil, as leis não são feitas para regular relações entre cidadãos iguais em seus direitos e, sim, para regular a corrupção: são feitas para criar dificuldades, de modo que o poder possa vender facilidades. Aos amigos, as facilidades a um preço mutuamente aceitável; aos inimigos, a lei.. Nesse sistema, as comissões e propinas fazem a arbitragem da alocação dos favores do Estado entre os diversos grupos privados que disputam os mesmos recursos com base no favoritismo e na corrupção. A corrupção também é intrínseca às relações de dominação entre a nossa economia e os grandes capitais internacionais; de início, a metrópole portuguesa, depois, os sucessivos impérios econômicos: Inglaterra e Estados Unidos. Nessas relações, a burguesia nacional, conhecedora profunda dos caminhos 64 Universidade e Sociedade

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ao poder, funciona como “testa-deferro” dos grandes grupos internacionais , fazendo para eles a corretagem dos favores do Estado, em troca de uma participação, em geral minoritária, nos grandes projetos empresariais. Antes, eram as concessões de mineração ou ferrovias. Hoje, são os lances pelas privatizações ou concessões de serviços públicos.2 Por isso, a corrupção permaneceu como parte essencial de nossa forma de fazer as coisas; um traço demarcador de nossa cultura política, atravessando as diversas fases da história desta economia dependente. A corrupção também está presente na repressão fundada no terror, necessária primeiro à manutenção da escravidão e do monopólio da terra pelas grandes famílias, depois à supressão das revoltas camponesas e separatistas e, finalmente, à exclusão social aguda dos dias atuais, sucedânea da escravatura. Somente policiais embrutecidos e corruptos podem exercer o terror. Por isso, são selecionados às avessas, entre os mais ignorantes e mal pagos. As policias têm sido historicamente os núcleos mais permanentes da corrupção cotidiana, média e pequena, as primeiras máquinas completas de extorsão de co-

merciantes, motoristas autônomos e bandidos que deveriam prender mas preferem extorquir. Finalmente, o clientelismo político, associado ao populismo, forma tipicamente latino-americana de fazer política, vive da corrupção. O político favorece o eleitor em troca de seu voto, e financia sua campanha com dinheiro de construtoras e fornecedoras, que, por sua vez, repassam esse custo nos contratos com o poder público. Assim se fecha o circuito da corrupção política, fazendo dela um sistema completo que atravessa todas as dimensões da vida em sociedade. Essa é a corrupção que chamamos sistêmica, em contraste com episódios isolados de corrupção. Ela é estrutural, permanente e constitutiva de nossa matriz cultural.3 Dado o papel central e permanente da corrupção na vida política brasileira, não é de se admirar que o tema do combate à corrupção também tenha se tornado recorrente no nosso discurso político brasileiro. A União Democrática Nacional (UDN), partido político da oligarquia conservadora e classes médias urbanas, desenvolveu, nos anos 50, uma doutrina fundada principalmente na moralidade política. Jânio Quadros, eleito presidente da Re-


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