Universidade, Educação e Trabalho
Edmundo Fernandes Dias
A mistificação como “virtude”, a virtude como necessidade O embate de projetos hegemônicos, mais do que nunca, está colocado na ordem do dia. Para os dominantes, a mistificação é uma necessidade real para a sua existência e das relações sociais que os sustentam, é, portanto, uma virtude. Para os antagonistas do Capital, a construção do seu projeto classista requer, necessariamente, o combate à mistificação e coloca-se como uma virtude, no sentido definido por Maquiavel. É uma necessidade. Sobre o uso político da noção de corrupção Esta é uma das noções mais ambíguas do momento político e, por isso mesmo, tem sido uma das chaves na prática e na linguagem atual. Da violação do painel do Senado aos grandes escândalos dos órgãos governamentais, passando pelas chamadas políticas públicas (verdadeiro paraíso do saque ao erário nacional pelos grupos privados), tudo tem sido alvo da corrupção. Chega-se mesmo a falar na necessidade de votar um “pacote ético” para que o Congresso, minimamente, se liberte da monótona repetição dos escândalos. Um sociólogo, eventualmente presidente e grande promotor da liquidação do patrimônio nacional, frauda até mesmo a inteli-
gência nacional, ao afirmar que o responsável pela crise energética é São Pedro! A corrupção é um elemento fundante da política brasileira ainda que aparentemente isso possa parecer paradoxal, pois corrupção é quase sempre vista como desvio de normas éticas. Quando de desvio passa a ser padrão, normalidade, isso indica que a corrupção é decisiva na construção do capitalismo no Brasil, definidor de práticas usuais na política e na sociedade. Uma ampla gama de posições reivindicam a ética como modo de fazer política hoje. Normalmente para negar a corrupção abstratamente. Falamos em negação abstrata porque não se constroem, concretamente, formas de superação dessa prática. A corrupção e sua negação discursivas, colocadas no centro do debate, permitem reduzir a política à ética na política. Isso é muito significativo. Desliza-se, passo a passo, do campo da luta social, do conflito, para o das almas boas e da busca do diálogo, do consenso. O problema, dizem, não é a forma social dominante, o modo de produção capitalista, mas a forma pelo qual esse modo é implementado. Esse deslocamento de campo requer um outro. A cidadania entendida como manifestação da
virtude política, e negação, por definição da corrupção - passa a ser, automaticamente, o elemento central de intervenção. Vários exemplos demonstram os alcances e os limites dessa formulação. O mais gritante foi, sem dúvida alguma, o do impeachment de Collor. Todo o campo político nacional viveu intensamente essa questão. Da maioria dos partidos de esquerda, passando pelas centrais sindicais, igrejas, ONGs, sociedades científicas até os éticos de resultados (malufistas e pefelistas, entre outros), quase todos combateram a corrupção deixando intocado o modelo econômico que levava o país a uma das suas mais espetaculares crises. Para os capitalistas, a solução de sua crise exigia que a sociedade fosse inteiramente reestruturada. De cima a baixo. Para tal era, e é, necessário tornar clandestinos os direitos sociais, como afirmou Negri, em relação ao trabalho, retirálos do campo do Direito e não apenas desconstitucionalizá-los. Os partidos e as organizações da classe dominante buscaram reduzir a corrupção à sua forma liberal, como desonestidade pessoal. O problema não radicava, pensavam, insisto, no padrão capitalista de acumulação e nas relações sociais daí decorrentes. Os responsáveis eram os corruptos. Logo, bastaria Ano XI, Nº 25, dezembro de 2001 91