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Segundo Cassirer, «a moral de Rousseau não é uma ética do sentimento, mas a forma mais radical da ética pura da lei que foi elaborada antes de Kant». Rousseau criticava o ideal da «bela alma» proclamada pelos moralistas do século XVIII. O único princípio capaz de fundar filosoficamente a moral era a liberdade da vontade. Rousseau procurou um tal princípio, não no sentimento mas na sublimidade da vontade. A liberdade é o começo na ordem da causalidade e o fundamento da responsabilidade. Rousseau proclamou a tese da autonomia e elevou-a ao cume do pensamento no século XVIII. Kant afirmou que Rousseau, na Profissão de fé do Vigário saboiano, foi o primeiro filósofo que mediu, em toda a extensão filosófica, o problema da liberdade. A Ordem Moral em Rousseau analisa os aspectos fundamentais da moral de Rousseau que é um dos maiores expoentes e o primeiro teórico da autonomia moral antes de Kant.

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MANUEL JOÃO MATOS

A ORDEM MORAL EM ROUSSEAU

Manuel João Matos é professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa desde 1984. As suas áreas de especialização são Ética e Política na Filosofia Moderna e Contemporânea. Estuda, actualmente, as fontes da autonomia moral e os conceitos de justiça e democracia, nomeadamente em autores como Rousseau, Kant, Rawls e Habermas, entre outros. Leccionou as cadeiras de Filosofia Política, Filosofia Moderna, Ética Aplicada, História da Filosofia Política e Temas de Filosofia Moderna. Publicou Rousseau e a Lógica da Democracia (Lisboa, Colibri, 2008), Ensaio sobre o Mal em Rousseau (Lisboa, Ex-Libris, 2016), Moral e Direito em Kant e Habermas (Lisboa, Ex-Libris, 2017), A Doutrina do Direito de Kant (Lisboa, Ex-Libris, 2020), Direito e Democracia em Rousseau (Lisboa, Ex-Libris, 2020) e A Ordem Moral em Rousseau (Lisboa, Ex-Libris, 2022).

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FICHA TÉCNICA

1.a Edição Lisboa, junho 2022

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revisão: Patrícia Espinha capa: Ângela Espinha paginação: Alda Teixeira

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título:  A Ordem Moral em Rousseau autor: Manuel João Matos edição: edições Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro)

isbn: 978-989-9028-59-3 depósito legal: 497966/22

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© Manuel João Matos

Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.

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Índice

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Edições das Obras de Rousseau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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capítulo i

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Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A LIBERDADE E OS FUNDAMENTOS DA ORDEM

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MORAL EM ROUSSEAU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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capítulo ii

ROUSSEAU E A FUNDAMENTAÇÃO DA MORAL . . . . . . . . .

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capítulo iii

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O PROBLEMA DA MENTIRA EM ROUSSEAU . . . . . . . . . . . .

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Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 Índice Onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

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Agradecimentos

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Os meus agradecimentos ao Professor Doutor Michel Renaud, Professor Catedrático aposentado da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, à Professora Isabel Renaud, Professora Catedrática aposentada da FCSH da Universidade Nova de Lisboa e ao Director da FCSH da Universidade Nova de Lisboa Professor Dr. Luís Baptista. Os meus agradecimentos à minha mulher Sílvia, ao meu filho João e à minha irmã Ana Matos.

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Edições das Obras de Rousseau

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Œuvres complètes, edição de Bernard Gagnebin e Marcel Raymond. Paris, Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, 1959, 5 vols. Lettres philosophiques, edição estabelecida e anotada J.-F. Perrin. Paris, Librairie Générale Française, 2003. Lettres philosophiques, edição H. Gouhier. Paris, Vrin, 1974. Les Rêveries du promeneur solitaire, edição e notas M. Crogier. Paris, Librairie Générale Française, 2002.

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INTRODUÇÃO

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Segundo Cassirer, «a moral de Rousseau não é uma ética do sentimento, mas a forma mais radical da ética pura da lei que foi elaborada antes de Kant»1. Rousseau desconfiava do ideal da «bela alma» (die schöne Seele) proclamada pelos moralistas do século XVIII. O único princípio capaz de fundar filosoficamente a moral era a liberdade da vontade. Rousseau, por seu lado, procurou um tal princípio, não no sentimento mas na sublimidade da vontade. Esta era a opinião de Kant que, segundo Herder, encontrou em Emílio um tratado moral sobre a autonomia da vontade: «No mesmo espírito com que tinha examinado Leibniz, Wolff, Baumgarten, Crusius, Hume, escreve Herder a propósito de Kant, a partir de 1760, estudava os escritos de Rousseau que acabavam de aparecer, o seu Emílio e a sua Heloísa, […] obras que admirava e às quais voltava sem cessar para encontrar uma clara compreensão da natureza e do valor do homem»2. Segundo Kant, Rousseau inaugura uma nova era na história do pensamento humano, que é «uma bela descoberta do nosso 1

Cassirer, E., Le problème Jean-Jacques Rousseau, trad. M. B. Launay. Paris, Fayard, 1990, pp. 81-82. 2 Herder, J., Briefe zur Beförderung der Humanität, 79.ª Carta, in Werke, ed. Suphan, XVII, p. 404. 13

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tempo»3, totalmente desconhecida dos Antigos e dos Modernos até então. O homem não deve procurar a verdadeira lei da sua existência e da sua conduta nem abaixo nem acima dele: ele deve determiná-la a partir de si próprio e agir segundo as decisões da sua liberdade. Ele estará bem no seu lugar, porque será exactamente o que deve ser. Tal significa que a liberdade e a contingência são inseparáveis e que o poder (puissance) humano, ordenado à vontade, sai do campo da natureza e liga-se à história da contingência. O princípio da absoluta liberdade é eleito como o fundamento de toda a acção humana. A vontade é um poder desnaturalizado e posto como o fundamento da liberdade. A livre iniciativa do poder é a de querer e, quando quer, deve agir segundo a sua vontade. O homem deve querer guiar o abismo insondável do seu poder (potentia). O dispositivo da lei ou do fim moral adquire o seu sentido e a sua função na criação do sujeito orientado para a acção humana. A arqueologia da subjectividade não é somente gnoseológica: ela é, em primeiro lugar, prática. Com Descartes, o sujeito do conhecimento é posto como o vértice da condição humana, mas a partir de Rousseau o sujeito é produzido na esfera da praxis, tendo o Eu como centro de imputação da acção voluntária. Rousseau e Kant colocam a dimensão moral no centro da religião. A moralidade e não a natureza, a consciência e não o conhecimento da ordem objectiva das coisas podem dar-nos acesso a Deus. O verdadeiro milagre, que é ponto capital para Rousseau, é o da liberdade humana e da consciência moral como prova efectiva 3

Kant, I., Kants Werke. Berlin, Bruno Cassirer Verlag, 1912-1923, t. II, p. 326 [Ak I, p. 551]. 14

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desta liberdade. A única verdadeira teologia que um e outro podem admitir e reconhecer é uma teologia ética. Concluindo a sua Profissão de fé, o Vigário declara: «mantende a vossa alma em estado de desejar sempre que haja Deus. […] Pensai que os verdadeiros deveres da religião são independentes da instituição dos homens; que um coração justo é o verdadeiro templo da Divindade, que não há de modo nenhum religião que dispense os deveres da moral, que não os há verdadeiramente essenciais senão esses; que o culto interior é o primeiro destes deveres, e que sem fé nenhuma virtude existe»4. Rousseau inaugura o princípio da liberdade como a essência da subjectividade humana. A ordem ética é a suprema realização da liberdade que se define como a possibilidade do homem ultrapassar a esfera do determinismo, de inflectir os acontecimentos e os acidentes da vida e de recusar os constrangimentos exteriores; pelo combate às paixões que, do interior, se manifestam como os mais poderosos inimigos. A liberdade moral é a faculdade de suspender o consentimento do espírito ao desejo e às paixões. A definição de Rousseau revela-se exemplar: a sua formulação da liberdade é ao mesmo tempo a prova da sua efectividade. A liberdade é o começo na ordem da causalidade e o fundamento da responsabilidade. A primeira obrigação do pensamento e, portanto, a sua própria essência é a de ser moralmente recto. O pensamento pertence à liberdade e não pode realizar-se senão pela suserania da liberdade. Rousseau proclamou a tese da autonomia e elevou-a ao cume do pensamento no século XVIII. Kant afirmou que Rousseau, na Profissão de fé do Vigário saboiano, tinha sido o primeiro filó-

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Rousseau, J.-J., Émile, IV, O. C., IV, pp. 631-632. 15

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sofo que mediu, em toda a sua extensão filosófica, o problema da liberdade. A liberdade é a condição de possibilidade de uma justa prática do pensamento e da vida e criadora do sentimento da existência como pessoa. A liberdade, no seu fundo, é uma vontade de liberdade e, como tal, é a fonte de uma felicidade incomparável; com efeito, a rectidão moral é, em primeiro lugar, uma vontade de rectidão e só o facto de o homem pôr a questão da liberdade enuncia a sua realidade. Emílio constitui a tentativa de pensar a genealogia integral de um homem livre, do homem em toda a verdade da sua natureza. Esta genealogia da ordem de um sujeito finito, que é livre, implica um conceito de ordem que é incognoscível pela intuição, mas é um dogma da vontade prática do sujeito que aspira à imortalidade: a ordem moral do mundo é a articulação da finitude humana e a da finalidade do destino humano, e tem um valor absolutamente supremo. A liberdade não é um signo de «imperfeição», como em Montesquieu, na tradição de Hobbes e Locke, dos utilitaristas e dos empiristas em geral, que representam o modelo da «liberdade negativa» e a posição filosófica comum do seu tempo. Pelo contrário, a moral rousseauista é, antes de Kant, a mais pura moral do dever, enraizando-se nas «profundidades da natureza humana»: «Eu devo fazer sempre o que devo, porque o devo, mas não por nenhuma esperança de sucesso»5. Para Rousseau, a liberdade é a essência da condição humana, e não é o signo de uma imperfeição, mas a incarnação perfeita da autonomia. Se o homem é livre, tem um princípio activo que reside na faculdade de julgar e, como tal, está 5

Rousseau, J-J., Textes des Cartes à Jouer (10. [V.º]), in Les Rêveries du promeneur solitaire, edição apresentada e anotada por Michèle Crogiez. Paris, Librairie Générale Française, 2001, p. 205. 16

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animado de uma substância imaterial; se tem uma substância imaterial, a alma é imortal; se a alma é imortal, a providência é justificada – eis a tríade fundamental da Profissão de fé. Enfim, o mote desta obra é a afirmação de Cassirer de que Rousseau foi, a par de Kant, «o ético absoluto que o século XVIII produziu»6. Foi necessário escrever esta obra para mostrar como é bem fundada tal afirmação.

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Cassirer, E., A Questão Jean-Jaques Rousseau, tradução E. J. Paschoal. São Paulo, Editora UNESP, 1989, p. 69. 17

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capítulo i

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A LIBERDADE E OS FUNDAMENTOS DA ORDEM MORAL EM ROUSSEAU

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Hegel considerou as Luzes francesas o momento culminante em que «o pensamento é idêntico ao objectivo» e acrescenta: «a objectividade do pensar, a razão como una e absoluta. É o que os franceses têm em vista»7. Ora, a identidade do pensar e do objectivo, em que o espírito alcança uma absoluta consciência de si, é a característica da modernidade. «O interesse principal é menos o de pensar os objectos na sua verdade do que o de pensar o pensamento e a concepção dos objectos, de passar a esta unidade que é a tomada de consciência de um objecto pressuposto»8. Não é somente a passagem da filosofia do conceito à filosofia do juízo: a promoção da consciência de si toma a forma da exaltação da finitude que é a própria forma da liberdade. Esta liberdade é a descoberta das Luzes francesas: o princípio da liberdade não está somente no pensamento, mas na raiz do pensar; o princípio da liberdade é

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Hegel, G.W.F., Leçons sur la philosophie de l’histoire, trad. P. Garniron. Paris, Vrin, 1971-1985, t.VI, p. 1756. 8 Hegel, G.W.F., Leçons sur la philosophie de l’histoire, t. VI, p. 1248. 19

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também absolutamente concreto. O pensamento livre é o princípio absoluto da filosofia, o conceito é a objectivação do princípio, e o finito é a forma de objectivação da liberdade. Rousseau foi o herói desta filosofia da liberdade, um herói que anuncia Kant. Com Rousseau, «ergueu-se o princípio da liberdade e o homem alcança-se a si próprio como infinito, ele deu-lhe esta força infinita. Alcança-se assim a transição à filosofia kantiana, que se deu este princípio por fundamento do ponto de vista teórico. O conhecer tomou interesse na sua liberdade e num conteúdo concreto, ao conteúdo que ele tem na sua consciência»9. Rousseau terá, pela liberdade da vontade, acabado por fazer entrar o pensamento na objectividade. Se o regime desta liberdade diz respeito tanto à política como à moral, Rousseau defendeu nas coordenadas das Luzes que não há subjectividade sem liberdade: «renunciar à sua liberdade, é renunciar à sua qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até mesmo aos seus deveres. Uma tal renúncia é incompatível com a natureza do homem, e é retirar toda a moralidade às suas acções, bem como toda a liberdade à sua vontade»10. Mas o trajecto da filosofia moderna não foi percorrido senão pela metade e para a dialéctica hegeliana restaria fazer coincidir este movimento pelo qual o pensamento entra na objectividade com aquele pela qual a objectividade entra no pensamento para que a dialéctica seja acabada. Quando a subjectividade se compreender como concreta, é necessário que, uma vez desenvolvida, ela se supere como objectividade abstracta em que, enfim, o «pen-

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Hegel, G.W.F., Leçons sur la philosophie de l’histoire, t. VI, p. 1748. Rousseau, J-J., Contrat social, O. C., III, I, 4, p. 356. 20

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sar se torna de novo Deus»11. Tal é a crítica hegeliana das Luzes – a sua abstracção; as Luzes seriam uma filosofia do puro Einsicht, da pura intelecção e, mesmo que se admire uma filosofia da claridade, resta determinar se não é inútil e vã sem um mundo para a receber: a pura intelecção perde-se num entendimento fragmentado. Será que em toda a tarefa moral de fazer entrar a liberdade no pensar e o pensar no sujeito, Rousseau negligenciou a objectividade, numa palavra, a prosa do mundo e a essência do espírito? Hegel mostra que Rousseau, contra toda a epistemologia materialista do século, lançou os fundamentos da liberdade do sujeito, garantindo a sua actividade epistemológica e a sua liberdade moral. É este o objectivo declarado da Profissão de fé do Vigário saboiano inserto em Emílio. Hegel defende que Rousseau acabou com as Luzes francesas, levando-as ao seu ponto culminante que é o seu ponto final. Rousseau recusa a génese empírica das faculdades humanas como em Locke e Condillac, e salvou a espontaneidade do sujeito livre, de tal modo que Rousseau pensa a liberdade do sujeito como sujeito de liberdade. Mas deve pensar-se que o trabalho ficou incompleto e que à filosofia das Luzes falta o mundo do qual a Fenomenologia do espírito desvendou as entranhas do espírito? Ou supor ao contrário, que o conceito de ordem é o outro plano da doutrina rousseauista que articula a doutrina da subjectividade e conjuga o movimento pelo qual o conceito entra no pensar e o pensar entra no conceito. Se o conceito de ordem tem uma importância capital no pensamento de Rousseau, é porque possibilita a coincidência que Hegel quer realizar racionalmente e que reprova a Rousseau ter falhado.

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Hegel, G.W.F., Leçons sur la philosophie de l’histoire, t. VI, p. 1756. 21

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