ORIGEM | Soberana Magazine #2

Page 1

Uma Verdade Histórica A Grande Loja Soberana de Portugal percorreu dois anos de caminho árduo e hoje é reconhecidamente a nova Obediência portuguesa.

Tempos de Crise

As ações solidárias da Soberana aos que mais precisam.


www.primerasopticas.com



Editorial

Comunicar para Liderar, Liderar para Mudar Até hoje tenho-me abstido de escrever sobra a situação de exceção que vivemos motivada pela pandemia da Covid 19. Apenas há alguns meses atrás deixei publicamente expresso um alerta sobre aquilo que considerei ser o maior perigo real desta ameaça pandémica: não um perigo sanitário ou de qualquer outra natureza, mas sim um perigo que reside na ténue fronteira que nos coloca entre uma saída para um futuro que enquadre os nossos valores de uma sociedade justa ou na derrapagem para a exacerbação de um qualquer modelo de uma democracia musculada que esconda um propósito totalitário ou ditatorial, explorando as duas maiores fraquezas humanas: o medo e a ignorância. E confesso que confrangedor tem também sido a constatação da enorme incapacidade dos poderes instituídos neste país (sejam eles quais forem e por isso não se faça aqui uma leitura meramente política, mas envolvendo privados, associações, ordens, especialistas, etc.) de lidarem com a gestão desta crise do ponto de vista da comunicação e da sua relação com todos nós, os verdadeiramente afetados, os cidadãos deste país. É claramente necessário separar os papéis entre a Gestão da Crise pandémica (sobre a qual não me quero aqui pronunciar) e a Gestão da Comunicação de Crise, desta mesma crise, que tem sido inexistente. E porquê? Porque parecem não compreender qual é o princípio doutrinal: A comunicação de crise é distinta da crise e trata, sim, da perceção dessa mesma crise. E é esta realidade que parece escapar, sobretudo aos poderes públicos, nesta pandemia. Se acrescermos aqui dois fatores determinantes sobre a nova construção mediática do indivíduo, do Eu, a quem de repente se abriu uma janela tecnológica (caso das redes sociais) que lhe permite interferir ativamente na realidade que o rodeia, mas que o conduz a um processo de desagregação social e onde a construção do real no imediato, a sua hipermediatização, o afastam progressivamente da análise e capacidade crítica, da mediação, tudo isto imerso numa sociedade dominada pela voragem comunicacional, exacerbada por uma compulsiva necessidade de comunicar – independente do que se comunica ou mesmo da pertinente necessidade de o fazer – percebemos como chegámos aqui e o perigo real que enfrentamos. Porque, mais que não seja, em última análise, esta incapacidade de gestão de comunicação de crise pode esconder uma vulnerabilidade muito mais preocupante, a incapacidade de Comunicar para Liderar, a incapacidade de Liderar para Mudar. José Manuel Caria

.4.



Ficha Técnica Origem - Soberana Magazine Edição Janeiro de 2021 Nº de Registo na ERC: 127460 www.glsp.com.pt

Estatuto Editorial Origem | Soberana Magazine (glsp.pt) Diretor José Manuel Caria (CPTE-554) Diretor Adjunto Fernando Correia (CPTE-809) Editores Fotográficos Bruno Melão Tomás Arantes Direcção de Arte, Design e Paginação Catarina Redol . Creative Thinking Wrahiguer Rodriguez . Miau Digital Agency Redação Av. João Crisóstomo, 77 B 1050-126 Lisboa Edição impressa Janeiro de 2021 Tiragem: 600 Exemplares Impressão: Imprimir com Arte - Cascais Villa Loja 2.08 2750-786 Cascais Depósito legal: 474660/20 Distribuição nacional e internacional

Editor e Proprietário João Pestana Dias Grande Loja Soberana de Portugal – Associação Av. João Crisóstomo, 77 B 1050-126 Lisboa NIF: 514 991 437

.6.


ÍNDICE Comunicar para Liderar, Liderar para Mudar | José Manuel Caria

- 04

Podcast da Soberana. Muito mais do que um “Assunto Sério”

- 08

Apresentação da Revista Origem

- 11

Uma Verdade Histórica | Fernando Correia

- 14

A Festa da Mudança | Fernando Correia

- 18

Carta do Grão Mestre | Abílio Alagôa da Silva

- 22

O Valor Global da Língua Portuguesa | Paulo Pisco

- 24

2021 Agora nós! | Frei Fernando Ventura

- 26

Entrevista – Grão Mestre da Grande Loja Soberana de Portugal

- 30

Os Sem Abraço - Ajuda em Tempos de Crise | João Gonçalves

- 36

Solidariedade em Tempos de Crise | Orlando Dias Gomes

- 38

O Apoio à Venezuela em Terras Lusas | Christian Höhn

- 44

Salve, Heróis! Obrigado, Gigantes! | Bruno Melão

- 48

Maçom: Homem Livre e de Bons Costumes | Nuno Henrique

- 50

Currahee ou uma Lição de Liderança | José Manuel Caria

- 52

Curiosidades Maçónicas - Desmistificando algumas Fakenews | Luciano J. Urpia

- 58

Festival Internacional Seixal Jazz 2020 | Bruno Melão

- 65

Música e Liberdade | Vasco Lima

- 68

Os Manifestos Rosacruzes | Rui Lomelino de Freitas

- 72

When People Know Your People | Inês Valle

- 74

Cruzeiro Seixas | Fernando Correia

- 80

.7.


Podcast da Soberana

Muito mais do que um “Assunto Sério” Este PODCAST é uma excelente forma de comunicar não só a Maçonaria e em especial a SOBERANA, mas também os valores maçónicos. Tem uma particularidade única, que faz parte do ADN da SOBERANA ou seja é produzido para Maçons e Não Maçons, permitindo uma transversalidade de conteúdos que nos aproxima da sociedade profana.

Em conversa informal com João Pestana Dias, fazemos um retrato de uma das ferramentas de comunicação mais importantes na estratégia digital da Soberana nestes dois últimos anos e naquilo que tem sido a sua forma inovadora de comunicar a Maçonaria. A Soberana, a Nova Maçonaria Portuguesa, reconhecendo a importância das novas ferramentas de comunicação e alinhada pela imperativa necessidade duma constante educação maçónica lançou, em Setembro de 2019, o seu 1º podcast maçónico com emissões semanais. Porquê um PODCAST? Nós somos o que comemos, as pessoas com quem convivemos, os filmes que vemos, os livros que lemos e, digo eu, os Podcasts que ouvimos. A resposta não deve ser dada ao PORQUÊ mas sim ao PARA QUÊ? Ou seja, o mundo em que vivemos é um mundo em que a comunicação é um pilar fundamental. A Soberana não é melhor ou pior que qualquer outra obediência maçónica mas é a única Maçonaria em Portugal estruturada para viver no Século XXI e tem dado uma atenção especial às novas tecnologias, porque elas permitem-nos partilhar a essência dos valores maçónicos, esses sim intemporais.

.8.

No mundo de hoje, em que a internet está em todo o lado, já não há segredos e por isso é de superlativa importância comunicar com seriedade e rigor, para que não possamos cair na vulgaridade. Nesse sentido a Soberana integrou uma Política de Comunicação e Redes Sociais no seu Regulamento Geral. Só amamos o que conhecemos. Este PODCAST é uma excelente forma de comunicar não só a Maçonaria e em especial a SOBERANA, mas também os valores maçónicos. Tem uma particularidade única, que faz parte do ADN da SOBERANA ou seja é produzido para Maçons e Não Maçons, permitindo uma transversalidade de conteúdos que nos aproxima da sociedade profana. Qual a importância dos Podcasts na estratégia de marketing digital da Soberana? É de extrema importância porque é uma ferramenta que consegue fidelizar os ouvintes. A relevância destas novas ferramentas de comunicação é realmente grande porque têm um enorme alcance e servem, não só para ouvirmos o que os nossos convidados têm para dizer, mas também para debater os temas que no entender do Grão Mestrado são significativos para a Maçonaria Universal.


Uma das marcas distintivas fortes do “Assunto Sério” é o seu apresentador. Temos á frente do Podcast um dos jornalistas mais respeitados da televisão e rádio portuguesas, o Fernando Correia. O estilo próprio que imprime ao programa é crucial para aproximar os podcasts dos usuários comuns e atrair um público mais amplo.

Porquê a preocupação com a sociedade profana? Porque não um Podcast só para Maçons? No Século XXI, uma Maçonaria que não esteja ligada à comunidade onde está inserida, perde, no nosso entender, parte da sua razão de existir. É esse o exemplo que vemos dado pelas maçonarias mais avançadas como a Inglesa, a Francesa ou a Americana. A Maçonaria é uma instituição de Liderança, que tem a obrigação de inspirar os outros a serem também a melhor versão de si mesmos e sempre esteve ligada a áreas Educacionais e Sociais. É essa uma das razões pelas quais são respeitadas nesses países. Qual o segredo por detrás do “Assunto Sério”? A Excelência! Talvez essa seja uma das razões do enormíssimo sucesso que o PODCAST “Assunto Sério” tem conquistado. É o único Podcast Maçónico da península ibérica. O segredo está também nos diferentes “Assuntos Sérios” que são preparados, gravados e transmitidos. A atualidade dos temas, a diversidade e excelência dos convidados, a transmissão de conteúdos em Português, Castelhano, Francês e Inglês, o formato que permite não só uma entrevista mas também o debate. A adaptação às mais novas tecnologias existentes neste momento no planeta é também um desafio constante.

Como é feita a gravação do “Assunto Sério”? Muito interessante essa pergunta porque muitos podem achar que é algo tipo “pudim instantâneo” e que é feito na hora, mas não. Existe uma preparação aturada e por vezes longa, dependendo de vários fatores. Temos uma equipe de 6 pessoas, desde produtores, apresentadores, técnicos de som e pós-produção áudio, designers gráficos, copyrighters e especialistas em redes sociais. Existem reuniões semanais para debater quais os temas a serem abordados. Depois são pesquisados quais os oradores mais indicados para falar sobre os diversos assuntos e finalmente é feito um convite formal. A emissão é depois preparada ao detalhe com fichas técnicas e condicionalismo, temporais e pode ser gravada no nosso estúdio em Lisboa, onde temos todas as condições técnicas para o fazer ou, por vezes dada a distância, a gravação é feita por zoom e é depois alvo de um trabalho de pós-produção áudio. Há ainda Podcasts que são gravados com a presença de público ao vivo ou por zoom, onde há sempre a possibilidade de se colocarem perguntas aos convidados. Onde se podem ouvir os Podcasts “Assunto Sério” Pode não só ouvir-se mas também escutar-se ou seja dar sentido ao que ouvimos. Eles podem ser ouvidos em qualquer lugar a qualquer momento. No computador, Ipad ou telemóvel, em casa, no emprego ou no carro, aliás onde muitos dos ouvintes o fazem. É uma excelente companhia de viagem. Mas estes Podcasts têm a particularidade de serem colecionáveis. Há temas que merecem ser ouvidos várias vezes e isso é perfeitamente possível.

.9.


Os podcasts permitem que o público ouça passivamente o conteúdo enquanto realiza outras atividades. O “Assunto Sério” é transmitido nas mais importantes plataformas digitais, como Apple Podcast, Apple Watch, I Tunes, Google Podcast, Spotify, Soundcloud, Podtail, Buzzsprout, Android entre outras outros. Quantos Podcasts já foram emitidos? Já vamos na 3ª Temporada. Já emitimos mais de 60 “Assuntos Sérios”. Mesmo qualquer ouvinte que oiça o “Assunto Sério” pela primeira vez, pode ouvir toda a coleção desde o início.

“Assunto Sério” em mais de 50 países O Poadcast da Soberana é atualmente ouvido em mais de 50 países e nos 5 Continentes. A maior parte dos ouvintes está na Europa e na América do Sul. Depois surge o continente Africano, América do Norte, Ásia e finalmente Oceânia. É escutado não só por quem fala português e castelhano e está espalhado por todo o mundo, mas também por muitos falantes da língua Francesa e Inglesa, uma vez que também já emitimos Podcasts nessas línguas. Os locais onde estão os principais ouvintes são: 1º Lisboa / 2º São Paulo / 3º Rio de Janeiro / 4º Porto / 5º Paraná / 6º Maputo / 7º Luanda / 8ºMinas Gerais / 9º Ceará / 10º Santa Catarina

. 10 .

Em que parte do Mundo é ouvido o “Assunto Sério”? Atualmente é ouvido em mais de 50 países e nos 5 Continentes, o que nos dá um enorme orgulho. É o reconhecimento do trabalho feito. A maior parte dos ouvintes está na Europa e na América do Sul. Depois estão em África, América do Norte, Ásia e finalmente Oceania. É escutado não só por quem fala Português e Castelhano e está espalhado por todo o mundo, mas também pelos falantes da língua Francesa e Inglesa, uma vez que também já emitimos Podcasts nessas línguas. Há alguma área geográfica que o oiça mais? Sim e de acordo com os dados que dispomos os locais onde estão os principais ouvintes são : 1º Lisboa 2º São Paulo 3º Rio de Janeiro 4º Porto 5º Paraná 6º Maputo 7º Luanda 8º Minas Gerais 9º Ceará 10º Santa Catarina É possível sugerir temas ou assistir ao Podcast? Sim. Qualquer ouvinte pode sugerir um tema que lhe pareça interessante ou assistir ao vivo ao Podcast. Pode fazê-lo através do email podcast@glsp.pt


Apresentação da Revista Origem O Hotel Turim Boulevard, em Lisboa, foi o palco escolhido para a apresentação oficial da Revista Origem, da Grande Loja Soberana de Portugal. Num evento discreto que teve lugar no final do mês de outubro, mais ainda motivado pelas razões de contingência sanitária que todos vivemos, o projeto foi publicamente apresentado a um número restrito de amigos e convidados. A Revista Origem é mais um passo para a consolidação de uma forma distinta de comunicarmos com a nossa sociedade, desta forma retribuindo e partilhando o nosso trabalho quotidiano de homens livres e íntegros.

. 11 .


. 12 .


. 13 .


entre colunas

O grupo de maçons que fundou a GLSP – Grande Loja Soberana de Portugal - percorreu dois anos de caminho árduo, mas vitorioso, e deixou bem clara a sua intenção de ter ao serviço da fraternidade uma Obediência nova, portuguesa, firme, expansiva nos seus ideais de fazer bem, lúcida nas intenções, transparente na forma de agir.

. 14 .


Grande Loja Soberana de Portugal

Uma Verdade Histórica por Fernando Correia

Passaram dois anos entre lutas e barreiras, muros e ribanceiras, artes e armadilhas, mentiras e acusações infundadas, tentativas de dizer o que não era e de desvirtuar o que se queria. Nada se atinge sem esforço. Nada se consegue sem uma entrega total. Mas também, nada se atinge sem esperança e sem a convicção de que se está no caminho certo. O Rito Português foi o grande motivo, mas igualmente a adulteração constante da verdade maçónica e o desleixar das esperanças em promessas não cumpridas. A cisão era inevitável. E é preciso ter a consciência dos factos e perceber que ninguém queria ter lugares especiais na Obediência. O que se queria era lealdade e transparência. Sonhar com a prática de um rito português configurava alguma anormalidade? Conflituava com o poder instituído? Era uma anomalia de conceção, tanto mais que todos sabíamos que a nossa Pátria era a Língua Portuguesa? Não. Apenas inovava. Apenas era justo perante tantos milhões de pessoas em todo o Mundo a falar a língua portuguesa. Apenas dizia respeito a uma questão de afirmação e respeito diante de Camões e Pessoa, do Quinto Império da Esperança!

. 15 .


entre colunas «Sonhar com a prática de um rito português configurava alguma anormalidade? Conflituava com o poder instituído? Era uma anomalia de conceção, tanto mais que todos sabíamos que a nossa Pátria era a Língua Portuguesa?»

. 16 .

E dessa vontade coletiva de afirmação nasceu a Soberana, com os seus fundadores unidos pelo ideal da virtude de, finalmente, conseguirem dar expressão às vozes que clamavam por essa justiça primária de sentir a Pátria antes de todas as coisas. O grupo de maçons que fundou a GLSP – Grande Loja Soberana de Portugal - percorreu dois anos de caminho árduo, mas vitorioso, e deixou bem clara a sua intenção de ter ao serviço da fraternidade uma Obediência nova, portuguesa, firme, expansiva nos seus ideais de fazer bem, lúcida nas intenções, transparente na forma de agir, cumprindo à risca os Landmarks, e alargando de forma substantiva o seu raio de ação, servindo o Homem, o Espírito e o Grande Arquiteto do Universo. Não havia Templo próprio. Mas havia força de vontade e determinação. Salas de hotel. Casas particulares. Capela Verónica. Espaços de reflexão. E, logo a seguir, o Templo


Portugal que é hoje sede da Soberana e está considerado o melhor Templo da Maçonaria Portuguesa, desde o espaço sagrado aos passos perdidos, passando pela câmara de reflexão, biblioteca, sala de ágapes, bar, gabinetes de trabalho, sala do Grão Mestre, salão de convívio, num envolvimento que já permitiu também a realização de exposições de pintura, seminários, conferências, apresentações e palestras. Na Soberana cumpre -se. O Grão Mestre fundador, João Pestana Dias, ao fim do segundo ano de mandato, cedeu o lugar a Abílio Alagoa da Silva que cumpre agora os seus dois anos de Grão Mestrado, acompanhado por dois Vice Grão Mestres que estarão na linha de sucessão. As Lojas estão a crescer e já há ramificações no Brasil, esperando–se que noutros países de língua portuguesa seja possível também criar interesse pela prática do Rito Português. Para além deste, também é praticado na Soberana o RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITE.

Os podcast já se tornaram num assunto sério, devido à sua grande qualidade, que muitos maçons ou não maçons seguem em todo o Mundo. As Conversas da Soberana e as Visitas de Estudo são, igualmente, uma constante na programação da Grande Loja, bem como a criação de uma revista trimestral –ORIGEM– que é, neste momento, uma das peças fundamentais na ligação entre os obreiros da Grande Loja e todos aqueles que têm dado a conhecer o seu interesse em fazer parte da família Soberana. Os pedreiros livres procuram transformar, a pouco e pouco, a pedra bruta em pedra cúbica. E mesmo sendo o Homem uma complexidade, percebe–se que ele não consegue ter o poder suficiente para ultrapassar a história de uma pedra e ainda que utilize os instrumentos capazes de a desbastar e moldar chegará à conclusão que ela pode ser alterada na sua forma, mas nunca no seu significado. Soberana: terceiro ano de História viva! Esta é a nova maçonaria portuguesa.

. 17 .


entre colunas

Soberana no terceiro ano de vida

A Festa da Mudança por Fernando Correia

As gotas perfumadas do orvalho da manhã acordavam a vida que se erguia em soluços de mistério nos olhos marejados de esperança de todos os que iam beber os segredos da Serra de Sintra no cálice renovado do equinócio do tempo, naquela fonte inesgotável de espírito aberto dos Penedos de São Pedro. Era o dia de inscrever História na História da Soberana que, por artes da razão que lhe deu origem, chegava à celebração do seu segundo aniversário e fazia a transmutação do Grão Mestrado, cumprindo as regras, obedecendo às leis, afirmando a coerência e dando ao mundo maçónico evidentes sinais de que os homens só se sobrepõem ao instituído quando não são capazes de perceber o lugar que ocupam na diáspora do destino. Tudo começou em Sintra. Tudo continuava em Sintra naquela manhã de Setembro, ao despontar do verde salpicado do Sol da transição do tempo, no início de mais um ano maçónico, o terceiro para a GLSP, “Soberana” de coração, com a Grande Loja a reunir motivações e egrégora para as fases adiante que os sonhos transformam, progressivamente, em estátuas de pedra, colunas do novo Templo, onde se vão albergar a fé, o ideal e o caminho seguro para o Oriente eterno da nova vida.

. 18 .

E ainda que o simbolismo carregue as palavras e as desafie a percorrer o caminho do novo Sol, da nova Luz, da nova Montanha onde se projeta o Olho Divino disposto a iluminar o Homem e a dar–lhe a nova claridade do futuro, fica para cada um deles a necessidade imperiosa de entender que tudo é novo, tudo é diferente, tudo se projeta na conceção diferente que existe sobre a fraternidade, neste novo espaço de entendimento espiritual. A Casa do Penedo, em Sintra, ficou como marca, albergando durante todo aquele dia de Setembro a Soberana e os seus convidados de Obediências estrangeiras que, com ela, percorrem este espaço de entendimento e de comunhão de ideais. Estavam lá os fundadores. Estavam lá os seguidores. Estavam lá os novos. Estavam presentes os amigos da fraternidade. O Grão Mestre cessante, João Pestana Dias, passou o testemunho, com voz embargada mas firme nas convicções, ao eleito Abílio Alagoa da Silva, mas antes ainda teve espaço para protagonizar a entrega de Diplomas referentes às Ordens Honoríficas criadas pela Soberana e que foram marcas da celebração do aniversário. Ficaram-se tais méritos por boas mãos de Irmãos que as mereceram e as emolduraram em espaços eleitos pelos seus corações ansiosos.



A Sessão da Grande Loja ocupou toda a tarde daquele dia de Setembro, celebrando o Equinócio, enquanto a manhã foi preenchida com sessões de trabalho de aperfeiçoamento maçónico. Ao fim do dia e mantendo Sintra como refúgio espiritual e motivação sensorial, a Soberana deixou a Casa dos Penedos a caminho do Hotel da Penha Longa, onde se realizaram a receção de confraternização com amigos e convidados especiais e o jantar em honra das Senhoras. Houve um elevado número de inscrições, mas não foi possível dar seguimento a tantos pedidos, para que se pudessem cumprir as regras determinadas pela Direção Geral de Saúde, tendo em vista o perigo de contágio pelo Covid – 19. Todas as normas foram cumpridas, de forma exemplar, não só pela “Soberana”, como pela direção do Hotel, não dando azo a especulações, nem a visitas de inspeção ou de vigilância, no caso de todo infundadas. O jantar teve a enfeitá-lo a generosidade das boas intenções e da pacificação espiritual

. 20 .

de quem se sente de bem com a vida, com a sociedade e com o Mundo. Houve emoção. Houve entrega. Houve destaques. Houve verdade. Houve compreensão e entendimento. Tudo acaba quando tem de ser e quando deve ser, mas daquele dia de aniversário ficou a certeza que tinha chegado ao fim naquele dia, mas para continuar, sublinhando a diferença, estabelecendo parâmetros de atuação e inovando o que é possível inovar, sempre pela arte da construção que é símbolo e apanágio dos pedreiros livres. E Sintra a ficar distante, mas nunca pela geografia da Alma e dos Sentidos…


www.hubvolt.com


Carta do Grão Mestre Por Abílio Alagôa da Silva

Eis-nos a iniciar o ano de transição para uma nova ordem Mundial. O ano de 2020 não foi fácil para a humanidade, mas temos de ser gratos por termos superado os dias difíceis com muita resiliência, fé e serenidade. Na Soberana, o isolamento, a tristeza, o cansaço, a aprendizagem, a doença e até o luto profundo de termos perdido um de nós serviu para nos fortalecer e para lapidarmos a nossa pedra, aprimorando a nossa sabedoria e vincando a nossa humildade e tenacidade. Estou muito grato a todos que comigo, de alguma forma, fizeram e fazem esta jornada ao meu lado. Tenho a convicção de que os grandes desafios que nos esperam serão ultrapassados com distinção! Nesta passagem de ano inédita em recolhimento forçado foi hora de descansar as mentes exaustas, de nos reequilibrarmos, de nos deixarmos invadir pela calma, respirar fundo e descansar. A Soberana não parou durante toda a crise pandémica em 2020, não deixando, no entanto, de cumprir escrupulosamente todas as diretrizes do SNS em todas as atividades dentro e fora do seu templo.

. 22 .

«A Soberana não parou durante toda a crise pandémica em 2020, não deixando, no entanto, de cumprir escrupulosamente todas as diretrizes do SNS em todas as atividades dentro e fora do seu templo.»

Aparecemos neste novo Ano revigorados e de Alma regenerada. Apostados no futuro, desligados do passado, mas sempre fiéis á essência da nossa Maçonaria. Com a nossa ordem, a Soberana, na liderança, inspirando os outros e cada um de nós e com nossa revista Origem, neste segundo número, a ser mais uma prova viva disso mesmo. Seguro que 2021 será um ano de muitas incógnitas, certifiquemo-nos de que “SER FELIZ” fará parte de todas as respostas. Um Feliz Ano para Todos NÓS.


. 23 .


O Valor Global da Língua Portuguesa por Paulo Pisco Deputado do PS

imagem

palavras ditas . 24 .

A Língua Portuguesa é a mais bela de todas as línguas, porque nenhuma pode ser tão bela como aquela que conhecemos melhor. É a língua em que nos exprimimos, compreendemos o que nos dizem e entendemos os nossos irmãos lusófonos. É a única de que conhecemos todos os segredos, subtilezas e segundos sentidos. É uma língua que une vários povos e é falada em três dezenas de organizações internacionais. E por isso é um ativo estratégico da maior importância, falado por vários milhões de portugueses, lusodescendentes e lusófonos espalhados por dezenas de países pelo mundo. E, finalmente, pela primeira vez foi celebrado o Dia Mundial da Língua Portuguesa, reconhecido pela UNESCO. Houve tempos em que não se valorizou esta imensa riqueza por causa do complexo associado ao estigma da emigração, o que a remetia para um gueto. Quando finalmente se começou a valorizar o seu peso económico e cultural, tudo mudou e passámos a exibir, orgulhosos, o quinto lugar entre as línguas mais faladas do mundo, com perspetivas sólidas de expansão no futuro, passando dos atuais 260 milhões para cerca 350 milhões já em 2050, em virtude das dinâmicas demográficas, sobretudo em África. O Ensino de Português no Estrangeiro, essencialmente dirigido aos jovens portugueses e lusodescendentes, mas também muito frequentado por alunos lusófonos, é uma peça chave nesta arquitetura de defesa e promoção da língua, não obstante a diversidade própria da estrutura das nossas comunidades e daquilo que é permitido pelos governos e administrações escolares de cada um dos países de acolhimento.


«Língua Portuguesa é muito mais do que uma mera ferramenta de afirmação de uma identidade. É uma língua universal e pluricontinental, que veicula culturas e identidades diversas, história e fraternidade.»

Isto não impede, no entanto, que esteja bem integrado numa lógica coerente que percorre vários graus de ensino, do pré-escolar ao superior, precisamente sob a tutela do Instituto Camões, que é quem tem a experiência mais sólida e competências reconhecidas neste domínio. E devemos acrescentar ainda, neste contexto de afirmação e valorização da Língua portuguesa, o prestígio que lhes é conferido pelo ensino nas Escolas Portuguesas nos países lusófonos e os cursos em cátedras, leitorados e protocolos com universidades em mais de 70 países. A Língua Portuguesa é, indiscutivelmente, uma riqueza imensa para todos os povos que a falam, porque os une, dá-lhes projeção global e é um fator económico relevante. Daí que seja da maior importância que todos os países da CPLP valorizem muito mais o peso e importância das suas diásporas. Através da Língua Portuguesa, cada um dos povos que a utiliza torna-se mais global como parte de uma rede planetária que dá para cada uma das culturas em que se exprime. É, por isso, uma Língua que tem capacidade de afirmação fora das fronteiras de cada um dos países onde é falada. Aquilo que poderia ser visto como uma desvantagem, que é a descontinuidade geográfica dos países lusófonos, tem também o seu lado positivo, uma vez que garante uma inserção da Língua em todos os continentes. A aprendizagem crescente do Português é hoje um dado adquirido em muitos dos países vizinhos dos que falam a Língua, essencialmente por motivos de natureza económica. É inegável o grande potencial económico que a língua representa em termos de trocas comerciais e de utilização no espaço digital e, cada vez mais, no domínio científico. Mas é importante sublinhar também o seu imenso poder de afirmação cultural,

por Marco Silva através de uma riquíssima e criativa diversidade na música, na literatura, nas artes. Do fado à Bossa Nova, do samba às mornas, de Jorge Amado a Fernando Pessoa, de Germano de Almeida a Mia Couto, de Pepetela a Drummond de Andrade, de José Craveirinha a Luandino Vieira e tantos outros expoentes culturais em vários domínios. É uma língua falada em mais de 30 organizações multilaterais em todos os continentes. Nas organizações internacionais, a Língua portuguesa é fator de força e coesão: protegemo-nos e defendemo-nos uns aos outros. O facto de haver cidadãos lusófonos em posições de destaque nas organizações multilaterais, como António Guterres nas Nações Unidas ou o brasileiro Roberto de Azevedo até há pouco tempo diretor-geral da OMC, é um orgulho para toda a lusofonia. Língua Portuguesa é muito mais do que uma mera ferramenta de afirmação de uma identidade. É uma língua universal e pluricontinental, que veicula culturas e identidades diversas, história e fraternidade. É uma Língua para todos os que a queiram aprender. E é esta a sua maior riqueza e a sua imensa força. Cabe-nos a todos saber defendê-la e projetá-la como uma grande Língua global, ainda por cima porque todos percebemos, isto é todos os Lusófonos percebem, que há ainda muita coisa que podemos fazer por ela.

. 25 .


2021 Agora nós! por Frei Fernando Ventura

imagem

palavras ditas . 26 .

O ano novo que nos preparamos para começar a viver traz mais do que nenhum outro a novidade do desconhecido, uma novidade marcada pelo desconfinamento mas também pelo “desconfiamento”; desconfiamos do desconfinamento, vamos desconfinando o confinamento…, mas o que sobra, o que temos para gerir, a bagagem emocional que transportamos neste viagem temporal que agora começa é muito da memória do ontem vivida no hoje fugaz em direção ao novum ainda por revelar ainda por desconfinar. O mundo de onde viemos, sobretudo o mundo ocidental chamado “desenvolvido”, foi-se constituindo e construindo sobre uma série de certezas apodíticas, a mais perigosa das quais era a de, justamente, sentirmos e pensarmos que tínhamos respostas para tudo. Tínhamos ou pelo menos íamos sentindo “cada vez mais” que tínhamos encontrado e iriamos sempre encontrar as respostas capazes de responder a todas as interrogações com que nos íamos deparando. Os enigmas da ciência iam caindo paulatinamente um atrás do outro, numa inexorabilidade de descobertas que nos asseguravam todas as respostas para todas as perguntas consolidadoras das seguranças do Ser… Só que, de repente, quando cada vez mais sentíamos que tínhamos todas as respostas, veio a vida e mudou todas as perguntas… De repente, o Ser, vertido em todas as suas declinações, viu-se ameaçado por um não ser, uma amálgama de RNA - um vírus de RNA, com fita simples de sentido positivo, e que usa uma enzima de replicase de DNA (ou uma polimerase de RNA dependente de RNA) na sua replicação - para nós,


simples mortais, esta é simplesmente uma linguagem hermética que mais do que revelar, esconde numa espécie de apocalipse/revelação, que mais não faz do que infetar; infetar desde logo o ser e com ele a vida, a segurança e as seguranças, a existência como a concebíamos, o nosso ser relacional, agora obrigado ao confinamento, à separação, ao escondimento, à inexorabilidade de uma solidão forçada, chorada, sofrida, sem fim à vista e sem horizonte de esperança. De repente, a palavra de ordem era: “Deixa de ser”. No mundo, agora, manda um não ser. Foi com esta certeza que esbarrámos de frente. O “não bicho”, a “não vida” infeta e afeta. Infeta o Ser e os seres, infeta a vida e a existência e toca, toca a essencialidade essencial que nos define e determina como pessoas - o ser de relação – persona do latim per sonum, o “soar através de”, a comunicação no seu sentido pleno e abrangente de construção do próprio eu diante de si próprio e dos outros, no seu ser com, no seu comunicar. A palavra pessoa, no teatro clássico, designava a máscara usada pelo ator no desempenho da sua personagem… É impressionante como tudo isto de repente se tornou realidade aos nossos olhos. Ao longo da história foram vários os momentos nos quais a humanidade se viu confrontada com situações deste género. São ainda memória viva, pessoas que atravessaram 3 e 4 épocas destas nos últimos decénios. Entretanto, esta época que é a nossa, globalizada e tele informada como nenhuma outra viveu a universalização do medo, da precariedade e da globalização na sua realidade mais crua, de uma forma que nunca tinha sido experimentada antes. De repente, demo-nos conta que o palácio e a barraca sofriam do mesmo mal. A essencialidade essencial da animalidade que a todos nos acomuna apareceu despudoradamente nua aos nossos olhos numa epifania de horizontalização niveladora da existência, que nunca pensámos que fosse possível. Era a pandemia. Nunca a etimologia da palavra tivera um significado tão abrangente e universal. Pan (o todo, a totalidade) Demos (povo). Literalmente, todo o povo, de repente, se sentiu tocado por uma universalização de humanidade ferida, uma abrupta chamada

por Marco Silva de atenção para a inutilidade das fronteiras, das barreiras, dos muros, dos castelos dourados. O palácio e a barraca estavam em risco. De repente, a pirâmide das prioridades estava invertida. De repente, um acessório de limpeza tornava-se tão importante como um aparelho sofisticado de suporte de vida. Ambos eram fundamentais na luta pela sobrevivência. Ao “lixeiro”, finalmente era reconhecida a mesma dignidade do profissional de saúde mais bem preparado. Ambos se tornaram fundamentais para a luta a travar. E o mundo “parou”. Era urgente responder, era urgente reconfigurar as prioridades. As estrelas do brilho mediático começaram a deixar de brilhar; a euforia tribal do estádio desapareceu no encolhimento apertado das enfermarias que faltavam… faltava muito, faltava quase tudo; porque o tudo era quase só fachada e vil cenário… faltava o essencial. O mundo viu que o “povo pequeno” dos ordenados precariamente mínimos era muito mais importante do que as “estrelas” dos contratos e ordenados pornograficamente milionários dos mundos de outras luzes, de outros estádios e de outras futilidades com que os impérios se enfeitam, para dar ao povo o pão (pouco) e o circo em abundância. As “estrelas” do mediatismo televisivo, futebolístico, do socialite bacoco, da política do faz de conta, dos afetos inconsequentes, da propaganda ideoló-

. 27 .


«De repente, demo-nos conta que o palácio e a barraca sofriam do mesmo mal. A essencialidade essencial da animalidade que a todos nos acomuna apareceu despudoradamente nua aos nossos olhos numa epifania de horizontalização niveladora da existência, que nunca pensámos que fosse possível. Era a pandemia.»

gica estupidificante, do “impingimento martelante” do chamado main stream, não estavam destinadas a ser mais do que isso mesmo… um main stream, uma corrente de um rio fétido, cujo destino, - nunca melhor significado pelo “papel higiénico” que povoou a primeira onda de histerismo -, era esse mesmo, era o de ser o coletor capaz de levar toda essa enxurrada de inutilidades à ETAR purificadora dos “eus”. Infelizmente, não sinto que a ETAR esteja a cumprir o seu papel… E agora? É esta a pergunta que nos “sobra”. A resposta só pode ser uma. - Agora nós! Nunca a verdade de uma resposta se tornou tão verdadeira! Agora nós, agora eu, cada um dos eus que somos na construção do nós. Importa sair da pandemia da indiferença e do onanismo solipsista, do me, myself and I, que nos caracterizava e que nos permitia, quando muito, atingir orgasmos místicos incapazes de gerar vida, porque acontecidos na ausência de um qualquer outro parceiro de relação. Importa sair em direção ao novum inexorável que nos toca afrontar, com uma consciência acrescida de incremento da consciência do coletivo, como

. 28 .

condição sine qua non para vencermos a pandemia do medo, da indiferença e dos afetos solteiros, histericamente à procura da salvação no açambarcamento do papel higiénico do nosso contentamento e do nosso confinamento, qual panaceia para garantir um futuro cada vez mais incerto, porque o importante sou eu… Ironicamente, o papel que nos toca desempenhar é justamente esse, um papel higiénico, um papel de higienização dos nossos modos de ser e de estar, de higienização das relações desfeitas, capazes de unir o palácio e a barraca não por um abismo intransponível, mas pela descoberta e criação de formas novas, para que o palácio não viva no luxo e do luxo enquanto que a barraca tem que viver no lixo e do lixo. Se daqui sairmos mais capazes de construir a consciência universal no sentido Teilhardiano do processo de hominização como espiral ascensional de complexidade consciência, terá valido a pena o esfoço e as penas por que passámos; veremos florescer o novum como continuidade e evolução, como memória que se faz história, como história que se faz vida, vida em abundância, para todos, sem excluídos, a não ser os filhos da autoexclusão. Esta é a missão do Agora, a ser proclamada e vida na nova agorá do tempo novo, que é o mundo todo e todo o mundo, solidamente ancorado no presente, fazendo memória do ontem, para que o amanhã possa ter sentido PARA TODOS. “Somos todos pontos de chegada e pontos de partida; pontos de chegada de todas as experiências de vida e de fé que nos precederam e pontos de partida para novas experiências de vida e novas experiências de fé”. Esta é uma das heranças dos meus antepassados judeus, que trago comigo. Somos um povo que há três mil anos vive e cultiva o sentido, os porquês e os “para quês” da memória e da história; por isso sobrevivemos… Agora, nós…! Sobrevivemos… Sobreviveremos, se nos atrevermos a VIVER! Para todos, um bom ano de 2021!


www.miaudigitalagency.com

www.miauwall.com

www.miaufineart.com

www.miauhosting.com

www.miaushop.eu

www.miaudigitalagency.com . 29 .


Destaque

. 30 .


Abílio Alagôa da Silva Grão Mestre da Grande Loja Soberana de Portugal

«A Maçonaria tem de ser um eixo isento e orientador, acima de qualquer suspeita» Em Setembro de 2020, na cerimónia solene que assinalou o Equinócio de Outono, Abílio Alagôa da Silva foi instalado como Grão Mestre da Grande Loja Soberana de Portugal, dia em que a Soberana comemorou também o seu 2º aniversário. Agora é tempo para um primeiro balanço e para apontar as prioridades do futuro próximo, mais ainda face aos tempos excecionais que todos vivemos.

. 31 .


A primeira pergunta é imperativa. Portugal vive hoje uma situação de exceção e de incerteza sem histórico e precedentes. Que desafios nos coloca o futuro próximo? Estamos, de facto, a viver momentos únicos e de incerteza, não só em Portugal mas em todo o planeta. Nunca nenhuma crise teve semelhante expressão, em simultâneo e à escala global. Mais de metade da população mundial esteve em confinamento simultâneo, um fenómeno jamais visto na humanidade. A pandemia gerou uma constelação de emoções novas em todos nós e veio pôr a nu as nossas maiores virtudes mas também a predisposição à exaltação à compulsão e ao vício. Estamos a iniciar uma nova era, em que muito do mundo que vivenciávamos até há um ano atrás não mais existirá. Refiro-me à forma como nos relacionamos social e profissionalmente; à abordagem á saúde como era vista até hoje; ao digital e à nova mobilidade urbana que vão mudar radicalmente as nossas vidas nas cidades; à educação de forma virtual; ao teletrabalho; à imperatividade de uma consciência sustentável coletiva na defesa da preservação ambiental, mas principalmente da nossa espécie, essa sim em risco, o planeta cá continuará por muitos milhões de anos com ou sem nós. Gostaria face a tudo isto, de acreditar que pós-pandemia, as pessoas serão mais solidárias em prol de uma sociedade mais justa, integra e humanitária e menos egoístas e gananciosas, mas essa perceção por conta de um ano tão disruptivo e difícil como este último pode “ainda assim” ser uma ilusão. Dependerá de cada um de nós e da força coletiva que daí imanar. Partilha da opinião que também enfrentamos hoje graves problemas por não termos tido capacidade de antecipar as rápidas mudanças sociológicas que as democracias ocidentais começaram a sofrer, principalmente nesta última década? Acredito que vivemos há muito num sistema sociopolítico esgotado, onde a meritocracia, a honestidade e a integridade, deixaram de ser o critério. Onde as falsas promessast o silencio condenatório e a mentira convivem imponentemente ente as elites

e a classe política, passando esse péssimo legado aos mais jovens. A palavra e a lealdade deixaram de ser símbolos importantes da nossa honra! Ora sem estas premissas nenhuma sociedade pode ter bases sólidas e sustentáveis para se perpetuar. Observo um profundo descontentamento com as práticas generalizadas das instituições públicas. As democracias têm de ser dinâmicas, assim como os sistemas políticos que as sustentam. A minha geração vivenciou as maiores transformações que a humanidade alguma vez assistiu. A geração dos nossos filhos nasceu num mundo diferente, numa era digital com tudo o que ela encerra. Gostemos ou não, são seres humanos diferentes de nós e esta diferença irá acentuar-se na era que agora iniciamos. Como podemos ter democracias assentes em doutrinas ultrapassadas? Como podemos continuar a mandatar fracas lideranças para nos governarem e a afastar os melhores da vida política? Como permitimos que ter um Estado prepotente e que há muito deixou de ser pessoa de bem? As mudanças sociológicas são, quanto a mim, fruto desta má governança e não da falta de capacidade de antecipação das rápidas mudanças, pois como já vimos o homem adapta-se rapidamente a desafios bem mais difíceis e disruptivos e as próximas décadas vão ser prova disso mesmo. Olhando para o futuro que papel caberá à Maçonaria em todos estes contextos, concretamente no nosso país? A Maçonaría é a maior e mais antiga irmandade fraternal e filantrópica do nosso planeta. Sendo guardiã dos valores da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, tem de passar a sua luz e a sua sabedoria à sociedade e estar cada vez mais perto dos nossos concidadãos. Deverá por tudo isto ter, cada vez mais, um papel único no equilíbrio moral das sociedades modernas. É preciso ter coragem de dizer que não pode entrar para a nossa Augusta Ordem quem quer, mas sim quem seja íntegro e se reja por elevados padrões morais. Mais ainda no nosso país onde a Maçonaria é olhada com muita desconfiança fruto de uma imagem assente na obscuridade excessiva

“Acho de uma enorme importância o reforço do espaço Lusófono através da nossa língua e nós temo-lo feito de forma consistente e apaixonada. A universalidade e riqueza do nosso Rito, que é Português, assim como a divulgação internacional dos nossos conteúdos maçónicos e não maçónicos, tem recebido rasgados elogios dos 4 cantos do mundo”.

. 32 .


e do mau trabalho de alguns obreiros que não dignificam a instituição e que têm uma amplitude mediática excessiva. A Maçonaria tem de ser um eixo vertical, isento e orientador, acima de qualquer suspeita, trabalhando em prol da excelência e da meritocracia. A Soberana está na linha da frente, por as suas raízes serem assentes nestas premissas e disso não abdicaremos. São essas que nos farão exercer a verdadeira maçonaria, de forma moderna mas sempre com a verticalidade que os nossos landmarks, que integralmente cumprimos, a isso nos obrigam. Foi recentemente eleito Grão Mestre da Grande Loja Soberana de Portugal. O que podem maçons e profanos esperar de si? Quais os superiores desígnios que irão determinar o seu mandato? É uma enorme honra ser Grão Mestre da Soberana. Enche-me de orgulho mas também me confere uma enormíssima responsabilidade de conduzir os meus irmãos no caminho da luz, da verdade, da integridade, da meritocracia, sem nunca esquecer que

somos uma fraternidade e que temos um sentido de missão espiritual, moral e filantrópica. A lealdade e a gratidão devem acompanhar a transversalidade dos nossos atos fraternos e solidários. A prática diária deste espirito, dentro e fora do “templo”, alimenta a nossa alma e solidifica a nossa união. Estes são os meus superiores desígnios. Contudo, sabemos todos que estamos numa grave crise pandémica e sanitária com implicações disruptivas numa era de grande desenvolvimento tecnológico e de uma pertença liberalização económica. Esta também terá de ser inevitavelmente a era da liberalização maçónica. A Maçonaria tem de acompanhar a sociedade e evoluir sem se afastar e muito menos desvirtuar os fundamentos da Arte Real, que é confiada aos nossos cuidados. Como Grão Mestre da Soberana tudo farei para colocar a luz da Maçonaria num patamar elevado para que todos a vejam, especialmente as novas gerações, que procuram o que temos para oferecer, num mundo cada vez mais ofuscado pela escuridão e promiscuidade de valores e princípios e consumido pelo egoísmo e a indiferença para com o nosso semelhante.

. 33 .


Acha importante que se contribua para o reforço do espaço da Lusofonia, tendo por base a Língua como instrumento fundamental da afirmação da Portugalidade? Acho de uma enorme importância o reforço do espaço Lusófono através da nossa língua e nós na Soberana temo-lo feito de forma consistente e apaixonada. Temo-lo feito através de uma equipa multifacetada e comprometida que semanalmente dá vida e alma à nossa Portugalidade. A universalidade e riqueza do nosso Rito, que é Português, assim como a produção e divulgação internacional dos nossos conteúdos Maçónicos e não Maçónicos, têm recebido rasgados elogios dos 4 cantos do mundo pela sua elevada qualidade e originalidade, o que nos tem dado cada vez mais força e alimentado a nossa convicção de estarmos no caminho certo. Sem ser de forma premeditada, sentimos que iniciámos para os Maçons e não Maçons, espalhados pelo mundo e que falam a língua de Camões mas que se interessam pelas temáticas debatidas, um processo agregador e até evangelizador, deste espírito que não se explica mas que é tão nosso, o que muito nos orgulha. Parafraseando Pessoa, “a minha Pátria é a língua Portuguesa”.

A Grande Loja Soberana de Portugal tem também pautado a sua ação no plano internacional. Qual é o retrato que se pode fazer hoje? Nós somos do tamanho dos nossos sonhos, trabalhamos por isso todos os dias para os conseguir materializar e é isso que fazemos todos dias com muito empenho, dedicação e comprometimento. Como referi no ponto anterior, o trabalho da internacionalização está em curso e não vai parar. Quero ainda no decorrer do meu mandato, que são 2 anos - o mais curto em toda a Maçonaria Portuguesa porque assim o quisemos - consolidar o nosso processo de internacionalização, entrando em vários estados brasileiros e em países da Lusofonia, mas não só. Também no início da 2021, à semelhança do que já aconteceu com a United Grand Lodge of England, vamos apadrinhar a consagração de uma Grande Loja Feminina, em que o Rito Português será o rito oficial. Esta loja trabalhará o Rito Português que aí está, vigoroso e belo, com um ritual majestoso e único, carregado de simbologia e conteúdo lusófono, pronto para ter o seu lugar na história maçónica mundial.

“As Democracias têm de ser dinâmicas, assim como, os sistemas políticos que as sustentam. A minha geração vivenciou as maiores transformações que a humanidade alguma vez assistiu. A geração dos nossos filhos nasceu num mundo diferente, numa era digital com tudo o que ela encerra. Gostemos ou não, são seres humanos diferentes de nós e esta diferença irá acentuar-se na era que agora iniciamos. Como podemos ter democracias assentes em doutrinas ultrapassadas?”

. 34 .


www.xico-fran.com

. 35 .


Sagrado e Profano

Os Sem Abraço Ajuda em tempos de crise por João Gonçalves

Solidariedade é dividir. Só o Amor Fraterno pode ser dividido e mesmo assim multiplicado. Não somos uma instituição de Caridade. O nosso desejo é ajudar os outros a ajudarem-se a si próprios. Como diz o ditado popular, preferimos “ensinar a pescar do que dar o peixe”. Durante todo este último ano muito difícil para todos e que agora terminou, a Soberana tem praticado a Solidariedade de forma ativa e esclarecida. As duas últimas ações que colocou em prática, aliás integrante parte do seu Plano Programático Solidário foram desenvolvidas pelas suas lojas Correia Barreto e Marechal Teixeira Rebelo. Uma, foi a da Respeitável Loja Correia Barreto que acudindo a um apelo desesperado duma família em dificuldades – cuja reportagem mais alargada publicamos nas páginas seguintes - com um caso extremo de violência doméstica e com 3 filhos menores, uniu a Loja com um objetivo em mente: ajudar a família com

. 36 .

urgência máxima. Tudo funcionou bem e dentro das normas maçónicas, tendo sido solicitada ajuda à Grande Loja que, através do Grande Hospitaleiro, passou a mensagem aos obreiros de toda a obediência. O resultado deixou todos orgulhosos de puderem contribuir para o bem-estar desta família. Após contacto com a assistente social da câmara e depois de verificar que a família ainda não poderia ter uma casa nova cedida pelo município, devido ter rendas em atraso, conseguiu-se angariar a verba em falta e ainda a tempo do Natal, a família pode alojar-se numa casa nova com todas as condições. Ajudámos posteriormente a mobilar a casa, levámos vestuário diverso, bens alimentares de primeira necessidade e comida frugal para que as crianças pudessem levar algo para a escola. Foi ainda oferecida a Ceia de Natal. Por sua vez, a Respeitável Loja Marechal Teixeira Rebelo, decidiu juntar os seus esforços aos do Grande Esmoler e promo-


veu mais um “Pop Up Solidário” junto dos sem-abrigo. A resposta de toda a Grande Loja foi imediata e, numa noite particularmente fria, mais de 20 irmãos provenientes de todas as Lojas fizeram um périplo por Lisboa, falando, conversando e ouvindo os “Sem Abraço”. Levámos um pouco de calor humano mas também vestuário quente, artigos de primeira higiene e entregámos 150 bolos rei. A Soberana, através do seu Grande Esmoler, tem estado todo o ano junto dos sem-abrigo, numa ação ininterrupta desde Setembro de 2019. Já conseguimos retirar da rua e ajudado a ter casa cerca de 14 cidadãos. Conseguimos ainda entregar muitas peças de vestuário ao Instituto de Apoio à Criança. Praticar a Solidariedade nos tempos que vivemos não é apenas um ato de Caridade, mas sim de Liderança, porque inspira os outros a serem melhores. Desperta o que de melhor há dentro de nós e que por vezes está adormecido, face

às enormes dificuldades duma era em profunda mudança. Esta é a essência da Maçonaria. Ela não existe para levar o Homem ao Paraíso mas sim para o salvar de cair no Inferno.

. 37 .


Sagrado e Profano

Solidariedade em Tempos de Crise por Orlando Dias Gomes

«No início do mês de novembro, através das redes sociais, mais especificamente numa página de um grupo de moradores de uma localidade específica, fomos alertados para uma mensagem que pedia comida em troca de alguma roupa de criança, uma mensagem que mais parecia um grito de ajuda.»

. 38 .

A Tolerância e a Solidariedade são vínculos Maçónicos que constituem, sem sombra de dúvida, um dos princípios mais característicos com que se reconhece a Ordem e um dos seus pilares fundamentais. Podemos dizer que a Solidariedade é, entre outras coisas, a base de outros valores como o respeito e a tolerância. As crises são amplas e mesmo que sejam sociais, económicas ou de saúde, põem em evidência a iniquidade que existe entre os que têm menos capacidade para superá-las e os que têm mais recursos para enfrentá-las. A Solidariedade nasce do ser humano e dirige-se essencialmente ao ser humano. A verdadeira solidariedade é aquela que é chamada a dar impulso aos ventos de mudança que favoreçam o desenvolvimento dos indivíduos e está principalmente fundada na igualdade universal que une todos os homens. Esta igualdade é uma derivação direta e inegável da verdadeira dignidade do ser humano, que pertence à realidade intrínseca da pessoa, sem que importe a sua etnia, idade, credo, sexo ou partido. A Solidariedade implica Compaixão, é um sentimento que determina e orienta o modo de ver a realidade humana e


social, pressupõe ver as coisas e os outros com os olhos do coração, um sentimento fraterno de empatia pela dor dos outros. Fraternidade, Solidariedade e Caridade! Por vezes é fácil confundir estes três conceitos, no entanto, há importantes diferenças entre os mesmos e nós, enquanto maçons, devemos praticar os dois primeiros e colocarmos para trás o terceiro por entendermos que se trata de um modo de praticar solidariedade e nunca a fraternidade, pois leva implícito um certo sentimento de superioridade sobre quem recebe o nosso óbolo. Fraternidade e Solidariedade podem chegar a confundir-se mas, existe um ponto que os distingue com alguma clareza: a Fraternidade pratica-se de forma exclusiva com aqueles que pertencem ao mesmo grupo ao “ Clã”, à “Irmandade”, é algo que é inerente àqueles que estão unidos por algum vínculo que vá mais além que pertencer simplesmente à espécie humana. É algo que temos pre-

sente por sermos maçons e que nos obriga de certa forma a ser irmãos daqueles que compartilham esta condição. Ainda que os efeitos práticos da Fraternidade e Solidariedade possam ser similares - a ajuda desinteressada àqueles nossos congéneres em situação de necessidade é fundamental - é evidente que os sentimentos que produzem uma e outra são diferentes. Podemos e devemos ser solidários com todos aqueles que se encontrem numa situação de desamparo físico ou emocional, mas dificilmente poderemos sentir-nos chegados como de um nosso irmão. Por outro lado, a Fraternidade leva colada uma característica que dificilmente se pode dar em solidariedade, a sua prática pode ser tão simples como dedicar uns poucos minutos a escutar as angústias de um irmão num momento pessoal difícil, só isso às vezes resulta mais valoroso que deitar mão à carteira.

. 39 .


«A Cristina, após questionar a senhora das suas necessidades mais prementes, informou que precisavam de cobertores e mantas para o frio que se avizinha, roupa, calçado e comida, essencialmente frescos, carne, peixe, fruta e verduras.»

. 40 .

O Projeto Solidário No início do mês de novembro, através das redes sociais, mais especificamente numa página de um grupo de moradores de uma localidade específica, fomos alertados para uma mensagem que pedia comida em troca de alguma roupa de criança, uma mensagem que mais parecia um grito de ajuda. Prontamente através do grupo WhatsApp da nossa Respeitável Loja foi amplificado este pedido e todos os irmãos se mobilizaram no apoio, uns com depósitos em dinheiro, outros com comida, outros com a sua presença física para perceber o que era necessário. Após reunirmos a comida, contactamos a senhora que prontamente veio até nós para receber o solicitado. Vinha acompanhada de uma filha ainda pequena

de cinco anos. E pela forma física de extrema delgadez e pela indumentária logo percebemos que havia ali um problema sério. A criança quando viu um cacho de bananas ficou tão feliz que pedia encarecidamente à mãe se podia comer já uma, ao que a mãe respondia que comeria em casa com os seus irmãos. Ficámos até emocionados com o cenário que nos era apresentado e não quisemos fazer mais perguntas naquele momento, para a senhora não ficar desconfortável, mas aproveitámos para trocar contactos e prometemos proporcionar mais alimentos assim que os conseguíssemos reunir. Combinámos que seria a Cristina (minha mulher) a ser a interlocutora deste processo de forma que a senhora não ficasse constrangida, pois era importante


saber quais as carências desta família e de que forma podíamos ajudar. Uma noite, estávamos reunidos em sessão de Loja e recebo uma mensagem da Cristina que perguntava se alguém tinha uma televisão que pudesse ceder, pois esta família não tinha sequer televisão. Era constituída por uma mãe jovem e três filhos, uma menina de 13, outra de 5 e um menino de 8 em que os seus serões eram passados a ver o pequeno ecrã de telemóvel da mãe com ligação a uma rede internet cuja password era gentilmente cedida por uma vizinha. Quando tive a oportunidade de ter a palavra em Loja, entre outros assuntos a bem da Ordem, introduzi este tema, ao qual os irmãos se mostraram muito sensibilizados e dispostos a ajudar. Depois do anúncio ficou acordado entre todos que daríamos início ao projeto solidário indicado no plano de atividades da Loja, com o foco inicial nesta mesma família, e tínhamos agora de perceber quais eram as carências que tinham de ser suprimidas com maior urgência. À saída da nossa sessão um irmão veio ter comigo e prontificou-se a doar uma televisão e todos sem exceção se

mostraram muito empenhados em ajudar. Mesmos os que eram de longe e aqueles cuja atividade profissional lhes rouba mais tempo, decidiram fazer depósitos na nossa conta de Loja para que pudéssemos utilizar no que fosse necessário. A Cristina, após questionar a senhora das suas necessidades mais prementes, informou que precisavam de cobertores e mantas para o frio que se avizinha, roupa, calçado e comida, essencialmente frescos, carne, peixe, fruta e verduras e ainda algo que os meninos pudessem levar para a escola como lanche. Foi informado ainda o Grande Hospitaleiro que passou a mensagem a todos os irmãos da Obediência que quisessem participar, o resultado foi uma enorme quantidade de produtos variados que nos prontificámos a levar a pessoalmente a casa da senhora e desta forma identificar as condições em que os mesmos viviam. A Cristina ligou para ela e foi connosco para desbloquear algum desconforto que pudesse existir. Fomos muito bem recebidos e a senhora muito simpática contou a sua triste história de vida: de como foi maltratada

. 41 .


«Um Maçom só tem o direito de olhar de cima para baixo para alguém, se for para o ajudar a levantar.»

pelo marido, de como fez várias queixas de violência doméstica e ninguém quis saber até ao dia que foi internada de urgência quase morta. Só ai tocaram todos os alarmes e conseguiram uma casa da Câmara para viverem, onde ainda estavam, mas em condições deploráveis. A casa tinha dois quartos que escorriam água das paredes, não estavam habitáveis e assim dormiam todos numa sala com pouco mais de 20 metros quadrados, onde se acumulava roupa, comida e calçado. Na verdade, tinham a promessa de uma nova casa há mais de um ano e a única pessoa com quem se conseguia falar era a assistente social da Câmara de quem nós pedimos o contacto. Após telefonema para a assistente social e em nome da Soberana, a mesma confirmou a história e disse que a senhora tinha uma dívida da prestação da casa com mais de um ano e que se fosse liquidada se poderia desbloquear a entrega da nova casa. Assim intervenção da Soberana foi fundamental. Pagámos todas as rendas em atraso e foi concedida uma nova casa a esta família. Uma casa toda arranjada, com 3 quartos, duas casas de banho, sala grande com muita luz direta, mas faltava agora mobilá-la. Mais uma vez o inexcedível empenho de todos os nossos irmãos proporcionou a esta família uma casa

. 42 .

muito digna e com todo o conforto necessário. As mobílias a pouco a pouco foram chegando e com a vontade e colaboração de todos foi possível que ainda antes do Natal esta família tivesse a sua casa toda mobilada e equipada para o recomeço de uma nova vida. Foi ainda oferecido pelas Primeiras Óticas uma consulta oftalmológica, bem como a oferta de um par de óculos à senhora e há ainda a possibilidade de emprego num restaurante de um nosso irmão que vai inaugurar em janeiro. O rapaz de 8 anos a certa altura confessou que a mãe costuma dizer que nós eramos “uns anjos enviados por Deus” e que ele agora acredita nisso. A Respeitável Loja General Correia Barreto está de parabéns, assim como a Grande Loja Soberana de Portugal, porque sem ajuda e trabalho de todos nada disto teria acontecia, era impossível. A Solidariedade é para a Maçonaria o elo condutor e pedra angular do trabalho a realizar como contribuição para o melhoramento da sociedade e, assim sendo, entendamos que a temos de desenvolver tanto nas nossas Lojas como fora delas. Para a praticar não precisamos ser iniciados mas, se for o caso, temos esse dever e essa responsabilidade social. Nos dias que correm, a Solidariedade está doente mas, para todos os males há uma cura e os responsáveis por isso teremos de ser nós mesmos, para que nunca desapareça das nossas vidas e que a pratiquemos sempre sem olhar a meios. Não pensem que estou a criticar ou a julgar terceiros, não. Somente estou a olhar para dentro e a elogiar os feitos e as coisas que a Soberana tem como prioridade, que transmite aos seus obreiros o que é ser Livre e de Bons Costumes e que em tempos de dificuldade continuemos a trabalhar com realismo, vontade e persistência.


www.faduspecialevents.com


Sagrado e Profano

O apoio à Venezuela em Terras Lusas por Christian Höhn

«A Venexos nasceu com o objetivo de apoiar, ajudar, assessorar e prestar assistência aos venezuelanos residentes em Portugal, principalmente no âmbito social, jurídico, cultural e humanitário.»

. 44 .

A Associação Venexos é uma instituição de direito privado sem fins lucrativos que nasceu da vontade comum de um grupo de venezuelanos e luso-venezuelanos, perfeitamente integrados na sociedade portuguesa (nas mais diversas áreas do saber, desde a medicina, design, novas tecnologias da informação e comunicação, restauração, entre outros) e que nunca perderam a ligação à pátria-mãe. Atualmente, a associação é dirigida por Christian Höhn, tendo como vice-presidente Francisco da Silva Gonçalves. A Venexos nasceu com o objetivo de apoiar, ajudar, assessorar e prestar assistência aos venezuelanos residentes em Portugal, principalmente no âmbito social, jurídico, cultural e humanitário, assentando a sua atividade em três pilares


fundamentais: a luta pelos Direitos Humanos, a defesa da liberdade de expressão e o apoio aos imigrantes venezuelanos no seu processo de integração em Portugal. Atualmente, a associação representa uma comunidade que se estima em cerca de 10 mil luso-venezuelanos no nosso país e mantém ligação com diversas ONG europeias, como a ALI Itália e a UCVE Espanha, entre outras. A Associação Venexos não tem qualquer apoio do Estado português nem de qualquer entidade venezuelana, seja pública ou privada. Todos os seus projetos resultam do empenho e motivação dos seus sócios, dos mais de 90 voluntários que a apoiam – uma rede de voluntários constituída em todo Portugal continental e Madeira - e de pequenos donativos particulares. Atualmente existem também vários núcleos de trabalho espalhados por muitos pontos do continente, mais

especificamente nas cidades de Albufeira, Lisboa, Aveiro, Porto e Braga, assim como na Região Autónoma da Madeira. Dada a grave situação política, económica e social que vive atualmente a Venezuela, onde se verifica uma clara degradação dos Direitos Humanos resultado das políticas praticadas, a associação Venexos tem vindo a denunciar junto de organismos internacionais as constantes violações aos Direitos Humanos e à Liberdade de Expressão. Paralelamente, desenvolveu um projeto de apoio aos reclusos venezuelanos em Portugal, que se iniciou no Estabelecimento Prisional de Tires e rapidamente se expandiu a outros estabelecimentos prisionais, casos de Sintra, Caxias e Lisboa (Polícia Judiciária). Mais recentemente desenvolveu o projeto “Medicamentos para a Venezuela”, juntando-se ao PAHPV - Programa

. 45 .


de Ayuda Humanitaria para Venezuela, através do qual enviou mais de 4,3 toneladas de medicamentos e material médico que foram entregues a diversas fundações e ONG’s naquele país, todas elas devidamente protocoladas com o PAHPV (800kg em 2016, 1.700kg em 2017 e 2.600kg em 2018, 3.174 kg em 2019 e 2.740kg até Outubro de 2020). O PAHPV - Programa de Ayuda Humanitaria para Venezuela foi criado em 12 de fevereiro de 2014 nos Estados Unidos e, em janeiro de 2017, o Internal Revenue Service of E.E.U.U. (IRS, pelo seu acrónimo em inglês) concedeu o status 501 (c) (3), que credenciou o Programa como uma Organização de Caridade nos Estados Unidos da América. Mais informações sobre este programa podem ser consultadas em: www.venexos.org www.ayudahumanitariavenezuela.org www.facebook.com/ayudahumanitariavzla/

. 46 .


. 47 .


templo interior

Salve, Heróis! Obrigado, Gigantes! por Bruno Melão

Partilho um inédito de Agostinho da Silva: “Ide, portugueses, ide! Afrontai as tempestades, os ventos sibilantes. Segue-vos num olhar de ansiedade e de ternura a Alma Portuguesa; assim Ela outrora olhava os seus nautas destemidos que cortando o mar descobriram a Índia e o Brasil. Tombastes, águias lusitanas! É o Adamastor do ar, fremente de raiva e de desespero que vos corta a passagem. Mas as caravelas do Gama não temeram os rugidos do gigante que se torcia em paroxismos de furor, não recearam as suas profecias horrendas, porque sabiam que a Cruz de Cristo que lhe esmaltava as velas e lutava com temporais no tope dos mastros os protegia. Heróis, avante! que Nun’Álvares ergue-se do seu tumulto e vai orar por vós na magnificência rendilhada da Batalha; avante! que D. Henrique no cimo dos rochedos de Sagres olha-vos, como dantes, para procurar nas curvas do horizonte as asas brancas da nau de Gil Eanes. Duarte Pacheco e Afonso de Albuquerque, Bartolomeu Dias e Gonçalo Velho vêm vibrar em vós a Alma de Portugal, a Alma que palpitou em

“Portugal é poço de heróis e aventureiros que dignificaram a alma lusa.” . 48 .

Cochim, em Ormuz, no Cabo da Boa Esperança. Camões apara a pena, a velha pena das iluminuras dos Lusíadas - o livro de Horas da Pátria Portuguesa; e em letras de ouro escreve a Epopeia do Ar. Das campinas verdes do Minho aos campos quentes do Algarve, das serranias da Beira aos fios de água da Veneza lusitana, um frémito de patriotismo percorre o povo português e eleva-se aos ares azuis, os ares que agora sulcais, a voz de Portugal - Salve, Heróis! Obrigado, gigantes!” 2 Junho 1922 [datação manuscrita], “Águias”, O Comércio do Porto, Porto, Ano LXVIII, n.º 129, 2 de Junho de 1922, p. 1 (Victor Alberto, pseudónimo de Agostinho da Silva). Portugal é poço de heróis e aventureiros que dignificaram a alma lusa. Da sua génese e umbilicalmente retiram-se o espirito aventureiro e profundamente precursor das guerras maiores, da difusão religiosa e do ideário cavaleiro, aos desafios contemporâneos da unidade europeia e ao objectivo global da homogeneidade da “good governance” e à resposta humanista das políticas nacionais e para além da Europa.


Esta atmosfera pacifista enche o peito de cada português de uma ambição mais do que da sobrevivência pura e da resistência com muito de espírito empreendedor de D. Afonso Henriques a Dom Henrique, excelência de um romantismo passado que tanto faltam no momento do descobrimento presente, ao nível dos instrumentos políticos e jurídicos na aposta de uma unidade mundial a começar pelos PALOP’s e passando pelos territórios que ainda ostentam vestígios linguísticos e culturais. A sobrevivência da língua e da história são instrumentos de um monopólio de vontade patriota que passa dos Lusíadas até Sagres outrora até à difusão actual do português. O espírito navegador explora hoje caminhos imateriais como o fortalecimento e o “empowerment” dos agentes políticos e diplomáticos. Ao desafio da lembrança nacionalista das caravelas ao vento de cruz vermelha existe agora o desafio da unidade mundial, do direito à saúde ao direito do ambiente, do direito internacional ao direito à igualdade, sem esquecer esse abraço aglutinador dos direitos à igualdade e do honroso bem maior da solidariedade humana, como mastro branco de coragem e valentia, hoje apanágio das democracias e do Estado de Direito. São estes os desafios da solidariedade fraterna que une os povos entre si invocando a bandeira nacional ao lado da europeia e recusando visões catastróficas do destino europeu já que somos país

de ideário pacifista sempre emoldurado pelo espírito do futuro próximo a desenhar mapas de novos sulcos culturais. De encontro ao passado em mira do futuro urge dar as mãos e vestir corações valendo-nos da coragem passada com os mentores da unidade nacionalista de carácter mais global. Trata-se de passar os feitos dos portadores do oceano marítimo para o alcance da bandeira vermelha e verde, mantos de vontade, de esperança e de sangue. Atendamos meus irmãos à glória do Portugal enorme de que somos homens de boa vontade. Salve, Heróis! Obrigado, gigantes!

Bruno Melão Mestre Maçom R:. L:. Almada Negreiros

. 49 .


templo interior

Maçom: Homem Livre e de Bons Costumes

por Nuno Henrique

Foi-me incumbida a missão de vos apresentar uma reflexão sobre o que seria para mim ser Maçom, Homem Livre e de Bons Costumes… Sendo uma reflexão ou pensamento de um aprendiz, “que é alguém que aprende ou aspira a aprender alguma arte ou oficio”, deve este aprendiz sublinhar que acredita que o mais importante é desenvolver e ter a capacidade de aprender sendo de todo fundamental o silêncio e o saber ouvir. Perante o desafio e oportunidade concedida para vos expressar a minha opinião permitam-me primeiramente manifestar gratidão pelo momento.Os dias de hoje são mais que nunca escarpas difíceis de escalar, trilhos sinuosos por percorrer, ambientes agrestes de sobrevivência. Vivemos tempos de intolerância, desigualdade, descrença, desconfiança, individualismo primário alimentado por interesses vários e, por vezes, uma apenas aparente liberdade pensamento ou expressão que não sendo condizente com o instituído é conotada como desviante. Isto acontece porque se perderam os princípios, valores e convicções nas mais variadas áreas da sociedade e da vida. Perderam-se os princípios,

valores e convicções na política, na religião, na educação, nas empresas, no desporto, na comunidade e um pilar fundamental que é a instituição família desmorona-se. O mundo cedeu aos princípios do materialismo selvagem em detrimento da espiritualidade, da cultura e do conhecimento. Em séculos idos o conhecimento era um privilégio, mas alguns ansiavam e lutavam por aprender e ir mais além… nos dias de hoje existe muita informação e inúmeros meios de acesso a toda essa informação, mas a maioria não quer aprender nem luta por adquirir o conhecimento… Para quem é crente... São tempos à nossa medida. Tempos para pessoas de Bem, com Coração do tamanho do Mundo e Alma sem limites temporais.Tempos para honrar as nossas Origens e os nossos Antepassados. Tempos para fazer justiça às nossas tradições, usos e costumes. Tempos de coerência com os princípios, valores e convicções que nos norteiam. É indubitavelmente uma altura para de forma especulativa e mesmo operativa, esculpir a pedra com a energia do Maço e a precisão do Cinzel e construir os templos de hoje.

“O mundo cedeu aos princípios do materialismo selvagem em detrimento da espiritualidade, da cultura e do conhecimento” . 50 .


Maçom: Homem livre e de bons costumes? Sim Homem que prima a sua vida pela pura essência da verdade e pela sua palavra. Homem intransigentemente coerente, consigo próprio e seus valores. Homem que respeita os outros na sua diversidade e nas mais simples relações interpessoais do dia-a-dia. Homem Responsável na vida em sociedade pela procura da justiça e igualdade em qualquer sítio ou fórum onde se encontre. Homem de Honestidade inegociável, para consigo ou para com os outros nas palavras, nos pensamentos e nos atos. Homem Justo nas opiniões e decisões que podem determinar muitas vezes a vida de outros. Homem Sincero, mas afável e sem medo do que digam ou pensem. Homem Leal e constante que não desiste quando o objetivo é um bem maior. Homem Solidário que dá o melhor de si em prol do bem de outros. Homem Humilde para reconhecer que não sabe tudo, que comete erros e que procura incessantemente em si mesmo um caminho mais sabedor. Homem da tolerância e abertura de pensamento que aceita a diferença, que não é prepotente e arrogante.

Este é o Maçom, Homem Livre e de bons costumes, homem que alia a todos estes predicados a alegria tranquila, que acredita e sonha. Poderia ter feito alusões a figuras de enorme relevo, a frases de enorme significado e pensadores de enorme dimensão intelectual; Julgo que não teria o mesmo significado…

Nuno Henrique Duarte Aprendiz Maçom R:. L:. Almada Negreiros

. 51 .


Este ano, talvez mais do que nunca, quando assinalarmos mais um aniversário do Dia D - 6 de junho de 1944 – dia em que os Aliados desembarcaram nas praias da Normandia para a grande ofensiva contra as tropas nazis, valerá a pena relembrar Band of Brothers. A série televisiva é, não só uma soberba lição de história e talvez um dos mais marcantes documentos fílmicos sobre a II Guerra Mundial, mas simultaneamente um magistral tratado doutrinário sobre Liderança. Sete décadas volvidas valeria a pena que muitas empresas portuguesas oferecessem a série produzida por Steven Spileberg e Tom Hanks aos seus executivos, em vez de andarem a desperdiçar dinheiro em coachings ou outras acções dispersas.

. 52 .


Currahee ou uma Lição de Liderança por José Manuel Caria

«Um bom líder tem de compreender os seus subordinados, tem de compreender as suas necessidades, os seus anseios e a sua forma de pensar… ele saltava para o desconhecido. Nunca punha a hipótese de não ir à frente ou mandar alguém no lugar dele. Não sei como sobreviveu, mas sobreviveu». Este é o relato verdadeiro de um dos sobreviventes da Companhia Easy, da 101ª Divisão Aerotransportada dos Estados Unidos, que foi largada atrás das linhas inimigas a 6 de Junho de 1944, o dia D, ao falar sobre o seu comandante Richard Winters. A Easy tornou-se uma mítica força de combate na II Guerra Mundial, desde que abandonou a sua base em Camp Toccoa com destino a Normandia, até à tomada do Ninho da Águia de Hitler, em Berchtes-

gaden, nos Alpes. A tale of ordinary men who did extraordinary things foi o mote de Spilberg e Hanks para produzirem a série televisiva Band of Brothers que relata a história da Companhia Easy e dos seus homens, baseada no livro de Stephen Ambrose e nos testemunhos dos seus sobreviventes, que aparecem retratados na série em entrevistas e depoimentos. Mas Band of Brothers não é só talvez um dos mais marcantes documentos fílmicos sobre a II Guerra Mundial. Analisado noutra perspetiva, oferece-nos um magistral tratado doutrinário sobre A LIDERANÇA e não sobre liderança. Mais curioso quando percebemos que passaram mais de 60 anos e o paradigma retratado não mudou. Mais preocupante quando percebemos que esta ainda é uma realidade distante em Portugal.

. 53 .


Nessa mesma perspetiva, Currahee, a tortuosa colina adjacente à base de treino dos pára-quedistas, em Camp Toccoa – three miles up, three miles down – encerra uma dupla carga simbólica: construiu e cimentou o sentimento de pertença do grupo e tornou-se, em simultâneo, o símbolo dos homens do Regimento e da Companhia Easy. Porquê? Porque fica muito claro da lição que se retira da Easy que a sua eficácia em combate resultou de uma poderosa combinação de fortes lideranças a todos os níveis na escala da organização. Uma liderança afirmada em condições limite, quando se definem patamares de objetivos, mas cujo limite inferior desses mesmos objetivos significa sempre perdas e, neste caso, de vidas humanas. É curioso de observar como a teia de progressão psicológica de todos os soldados da companhia reflete sempre nas suas ações a preservação da boa liderança ou a aniquilação daquela que não lhes servia. E tudo isto estruturado numa complexa relação com a morte e a sua inevitabilidade naquele extremo contexto de guerra. O alcance psicológico do objectivo supremo para os que combatem só se começa a desenhar, no decurso da narrativa, quando a companhia chega finalmente à Alemanha e

descobre o primeiro campo de concentração. Why we figth desempenha aí claramente um papel de reforço na motivação dos soldados. No entanto, nos mais de 400 dias que ficaram para trás, vividos em situações limites e com baixas humanas diárias, os objectivos só foram atingidos porque a LIDERANÇA claramente cimentou os fios da teia. A arte de bem conduzir Homens… negócios, destinos ou Nações Currahee reflete, assim, todos os patamares dessa liderança e representa igualmente um dos símbolos mais marcantes da arte de bem conduzir Homens… negócios, destinos ou Nações. Na sucessão dos personagens que vamos encontrando ao longo da série conseguimos tipificar todos os tipos de líder, mesmo aqueles que, em dada altura, ultrapassam um nível de exigência e redundam em fracasso quando confrontados com novos contextos ou realidades. Do exemplo de oficiais como Sobel, por um lado, e Winters, Buck Compton, Speirs ou Lewis Nixon, por outro, definimos um conjunto de características intrínsecas de liderança das quais resulta logo uma primeira evidência inabalável: o líder não se fabrica. A liderança é uma aptidão humana que pode emergir em resultado de um ciclo de oportunidades, mas está ou sempre esteve na esfera do indivíduo (leia-se líder). Ela evolui, matura-se, trabalha-se, mas não pode ser imputada como um corpo estranho a quem não nasceu para liderar.

. 54 .


Aliás, um dos casos mais emblemáticos de liderança retratados em Band of Brothers é o percurso de Carwood Lipton, que serviu na companhia desde soldado até à sua promoção a oficial e se tornou num dos pilares fundamentais de coesão do grupo, principalmente quando o seu superior hierárquico falhou. Lipton acabou precisamente por ver reconhecido o seu mérito nessa promoção a oficial, já praticamente no fim do conflito, e revela-nos um quadro de análise profundo da evolução dos princípios fundamentais de liderança consoante as necessidades contextuais, quer a nível de enquadramento social, quer a nível de enquadramento hierárquico na organização, quer na forte adaptabilidade da sua acção psicológica no evoluir do quadro das operações em que com os seus homens estava envolvido.

Retomando as características intrínsecas da liderança, que na teia de relações complexas desenvolvida nos dez episódios da série nos é apresentada, resultam então três pilares fundamentais na arquitectura do líder: Experiência – O líder não se assume como uma autoridade na matéria, mas absorve essa experiência na esfera de lhe permitir lidar com as situações, em ambientes de maior ou menos pressão, transmitindo um sentimento de segurança. Diminui o factor risco nas equipas, optimizando a sua acção na orientação do objectivo que está definido; (Exemplo de Major Winters) Humildade; A liderança é implicitamente reconhecida sem necessidade de ser apregoada. A perca de sinergias no exercício de autoridade ou demonstrações de Poder é anulada (Ver a conduta do Tenente Buck Compton) Retorno; A liderança retorna ao líder ou o líder encontra sempre uma forma de liderança, independentemente das conjunturas, dos actores, dos contextos (Caso de Carwood Lipton). O mito dos falsos líderes Quando, num dos testemunhos vivos apresentados, um dos homens da Companhia Easy relata

“É curioso de observar como a teia de progressão psicológica de todos os soldados da companhia reflete sempre nas suas ações a preservação da boa liderança ou a aniquilação daquela que não lhes servia (...)”

. 55 .


o conteúdo de uma carta que tinha recentemente recebido de um dos seus companheiros, em que este descrevia o diálogo curioso que tinha com o seu neto quando este lhe perguntou «Avó fostes um herói na guerra?», ao que o Avó respondeu «não não fui, mas servi numa companhia de heróis», cai finalmente por terra o mito dos falsos líderes que povoam este mundo, na política, na economia, nas empresas, onde quer que seja. O líder não é um herói. Não encerra carga simbólica. A carga simbólica está no grupo. As acções do líder, as histórias que correm à sua volta não são percebidos como traços de coragem ou actos bravura, no sentido mais lato do termo, embora possam assumir essa dimensão na sua projecção para a esfera exterior (ao grupo, à organização). São sempre interpretadas na lógica da eficácia para a prossecução dos objectivos que estão destinados. O líder, como o Tenente Speirs em Band of Brothers, é o primeiro elo na base desse fundamental sentimento de pertença. Para os homens da Companhia Easy, Currahee foi o símbolo alicerçado nessa presença mantida coesa por uma Liderança forte e bem estruturada. Para nós, Currahee poderá certamente ser um grande compêndio sobre “essa arte de gerir homens no seio das organizações”. Não temos a colina, mas pudemos aprender muito a ver a série televisiva.

“O líder não se fabrica. A liderança é uma aptidão humana que pode emergir em resultado de um ciclo de oportunidades, mas está ou sempre esteve na esfera do indivíduo (leia-se líder). Ela evolui, matura-se, trabalha-se, mas não pode ser imputada como um corpo estranho a quem não nasceu para liderar (...)”

. 56 .


. 57 .


O nome Baphomet veio do julgamento dos Templários durante o início do século XIV, quando foram acusados de adorar essa criatura demoníaca. Levi encontrou gárgulas nos edifícios templários nas quais baseou seu desenho, porém não considerava Baphomet como Satanás. Infelizmente para Levi, muitas pessoas olham a imagem e dizem: “Satanás”! Graças ao desenho, as cartas de Tarô que apresentam o Diabo mostram uma figura muito parecida com Baphomet. E qual a conexão disso com a Maçonaria? Na realidade, absolutamente nenhuma, mas isso nunca impediu uma boa lenda urbana.

. 58 .


Curiosidades Maçónicas

Desmistificando algumas Fakenews Por Luciano J. Urpia

O mundo maçónico está repleto de informações, internas e externas, que verdadeiramente acabam por se tornarem um desafio para qualquer um que resolva mergulhar em pesquisas desta temática. Tanto a história como a simbologia ou ainda a liturgia maçónica são assuntos que se construíram ao longo dos séculos, com características muitas vezes distintas, a depender da região e da época, e possuem origens que se perdem na poeira do tempo. É muito difícil situar a origem exata da Maçonaria e é muito complexo determinar os conceitos exatos de toda a simbólica ou ritualística utilizadas, pois, algumas regiões do mundo criaram, modificaram, excluíram ou inventaram elementos que compõem a Maçonaria atual. Basta lembrarmos da Letra G,

que começou a aparecer nas representações maçónicas americanas do Esquadro e do Compasso em 1850, embora existam registros isolados antes dessa data. Diante da velocidade da informação no mundo atual e a preocupação, cada vez menor, de verificar a veracidade dos factos, as informações erradas envolvendo a Ordem Maçónica multiplicam-se de forma absurda, inclusive pelos próprios irmãos maçônicos, que repassam e espalham informações inverosímeis, envolvendo inclusive personalidades que nunca entraram num Templo e, mesmo assim, são apontadas como iniciados. Separamos então algumas das clássicas fakenews mais comuns nos tempos que correm.

. 59 .


Hoje circula entre os Irmãos que a Flor de Miosótis (també chamada de “Forget-me-not” ou “Não me esqueça”) foi o símbolo perfeito que os maçons encontraram para se reconhecerem nos locais de ocupação nazi, já que a Maçonaria supostamente foi proibida, assim como seria um perigo usar os seus símbolos: tudo não passa de uma lenda! O uso da Flor de Miosótis já era prática dos maçons muitos anos antes da guerra e não se sustenta a ideia de sua utilização como provável símbolo durante a mesma.

O CASO LUTHER KING: ERA MAÇOM OU NÃO? Em 1968 e apenas com 39 anos de idade, Martin Luther King Jr. foi assassinado a tiro. Nesse ano, ele próprio já tinha passado por todas as sindicâncias para a sua entrada na Ordem, inclusive com data de iniciação marcada, mas foi surpreendido pela morte antes que isso acontecesse. O curioso é que o Grão Mestre da Grande Loja Prince Hall da Geórgia, o Ir. Benjamin P. Barksdale, tentou dar o título de Maçom a Luther King Jr., postumamente, por comunicação (quando um Grão Mestre torna uma pessoa maçom sem cerimónia de Iniciação), já com a aprovação da viúva. Essa história criou uma grande controvérsia, críticas e confusão, o que fez o Grão Mestre (que era amigo pessoal de Luther King) sabiamente recuar na sua decisão. Em 1999, o nome de Martin Luther King Jr. finalmente ganhou o título “Membro Honorário” na Galeria de Honra da Maçonaria Prince Hall - Geórgia, o que, porém, NÃO lhe confere o título de Iniciado ou Maçom por Comunicação.

. 60 .


OS TEMPLÁRIOS DERAM ORIGEM À BAPHOMET, UMA DIVINDADE MAÇÔNICA MAÇONARIA? Tudo não passa de uma lenda. Depois de o Rei Felipe, o Belo, da França, ter convencido o Papa Clemente V a excomungar os Templários, estes foram perseguidos e exterminados. O Rei Roberto I da Escócia, que já havia sido excomungado (bem como toda a Escócia), não se importou com as ameaças do Papa de excomungar qualquer país que desse abrigo a Templários fugitivos e a Escócia tornou-se, assim, um destino de refúgio dos cavaleiros perseguidos. É ai que a lenda dos Templários e dos Maçons se cruza. O autor John Robinson, no seu livro “Born in Blood” defende que esses Templários que se escondiam na Escócia foram, na verdade, criadores da Maçonaria Especulativa. Além dele, também o popular escritor Chevalier de Ramsay, no século XVIII, na França, foi um defensor dessa teoria. O raciocínio de Robinson era de que esses templários, fugidos e se escondendo dos católicos fiéis capazes de traí-los, criaram senhas secretas e métodos de reconhecimento. Os Templários usavam um “cinto” de pele de carneiro em torno de suas cinturas como um símbolo de castidade e talvez essa prática possa ter dado origem aos aventais que os maçons usam durante as reuniões. Como os Templários eram uma ordem francesa que falava francês em suas atividades diárias, Robinson também atribuiu possíveis origens francesas para muitas das palavras em comum associadas à Maçonaria. No entanto, a maioria dos historiadores maçônicos desconsidera a teoria de Robinson e até mesmo a atual ordem de maçons Cavaleiros Templários não reivindica uma ligação direta com os cavaleiros originais. Mas Robinson não deixou de levantar umas questões interessantes e algumas coincidências sem respostas.

O escritor e ocultista francês Eliphas Levi, no seu livro Dogma e Ritual de Alta Magia, datado de 1855, discutia o personagem Baphomet. O agora clássico desenho de Levi mostra uma criatura com a cabeça de um bode com barba e chifres, seios femininos, cascos fendidos, asas e um pentagrama sobre sua testa. Uma mão feminina aponta para o sol e a masculina para baixo, para a lua escura, uma ilustração do dito hermético «o que está em cima é como o que está em baixo» e um símbolo do bem e do mal. O bastão empertigado com duas cobras enroladas subindo no seu colo é símbolo da vida eterna. Baphomet também contém antigos elementos alquímicos da Terra (ele está sobre um globo), como fogo (chama da inteligência arde sobre a sua cabeça), ar (tem asas) e água (escamas cobrem o corpo). O nome Baphomet veio do julgamento dos Templários durante o início do século XIV, quando foram acusados de adorar essa criatura demoníaca. Levi encontrou gárgulas nos edifícios templários nas quais baseou seu desenho, porém não considerava Baphomet como Satanás. Ele descreveu esta entidade peculiar como a personificação ilustrada de todas as forças do Universo pois, como pode se ver, é uma figura conceptualmente carregada. Infelizmente para Levi, muitas pessoas olham a imagem e dizem: “Satanás”! Graças ao desenho, as cartas de Tarô que apresentam o Diabo mostram uma figura muito parecida com Baphomet. E qual a conexão disso com a Maçonaria? Na realidade, ABSOLUTAMENTE NENHUMA, mas isso nunca impediu uma boa lenda urbana.

. 61 .


FORGET-ME-NOT: UMA FLOR QUE SERVIA DE IDENTIFICAÇÃO ENTRE MAÇONS Hoje circula entre os Irmãos que a Flor de Miosótis (também chamada de “Forget-me-not” ou “Não me esqueça”) foi o símbolo perfeito que os maçons encontraram para se reconhecerem nos locais de ocupação nazi, já que a Maçonaria supostamente foi proibida, assim como seria um perigo usar os seus símbolos: tudo não passa de uma lenda! Para começar, em 1926 (13 anos antes do início da guerra), os maçons produziram, em larga escala, pins com a Flor de Miosótis, numa convenção anual em Bremen, Alemanha. A florzinha foi entregue aos participantes com o objetivo de mobilizar todos em torno da necessidade de ajuda aos desempregados, já que o país enfrentava uma grave crise econômica na época. Em 1938 (um ano antes da guerra), os próprios nazistas produziram os mesmos pins como forma de premiação e atos de caridade (em geral, auxílio ao exército). Já depois do início do conflito, os nazistas enviaram muitos maçons para campos de concentração, mas não há qualquer registro de uso do pin

da Flor de Miosótis, nem dentro, nem fora dos campos e muito menos entre cidadãos alemães maçons. Com o ressurgimento da Maçonaria no pós-guerra, os maçons encontraram a vasta produção de 1926 e passaram a utilizar a Flor de Miosótis como símbolo de renascimento (este é o sentido de seu verdadeiro uso). Na Inglaterra, por exemplo, em momentos atuais ela é presenteada a mestres maçons. Portanto, o uso da Flor de Miosótis já era prática dos maçons muitos anos antes de guerra e não se sustenta a ideia de sua utilização como provável símbolo durante a mesma. A LETRA G: SIGNIFICA “GOD” OU “GEOMETRIA”? Em algumas partes do mundo, o símbolo universal da Maçonaria (o Esquadro e o Compasso) aparece com a letra G no meio. No entanto, na maioria dos países europeus a letra G não aparece entre as ferramentas. Na própria simbologia maçônica, o Esquadro e o Compasso nunca são associados à letra G. A letra começou a aparecer nas representações

. 62 .


maçônicas americanas do Esquadro e do Compasso em 1850, embora existam registros isolados de antes desta data. Não se sabe onde esta prática teve origem, mas desde a Guerra Civil tornou-se a forma aceite do símbolo na América do Norte. O “G” pode estar associado a Deus (God) ou Geometria, mas diferentes línguas não usam a letra G para escrever Deus ou Geometria, portanto a prática não faria qualquer sentido em todos esses diferentes lugares. OS ILLUMINATI: UMA ORDEM QUE SE INFILTROU NA MAÇONARIA E HOJE DOMINA O MUNDO Foi na Baviera que um professor de direito canônico chamado Adam Weishaupt teve uma grande ideia. Em 1776, formou um grupo chamado “Ordem dos Perfectibilistas” (perfeccionistas), com a noção de que, por meio de ajuda mútua, de discussões filosóficas e de cuidadoso aconselhamento, ele aperfeiçoaria a moralidade e a virtude, opor-se-ia ao mal, melhoraria a sociedade e, assim, reformaria o mundo. Weishaupt era um intelectual. Nasceu judeu, foi batizado como católico e educado por jesuítas. À procura de novos recrutas para o seu grupo associou-se a uma Loja Maçônica, em 1777. Por intermédio de sua Loja, cativou vários colegas maçons que se imaginavam intelectuais e rapidamente mudaram o nome da nova ordem para “Illuminati” (que significa “inspirado intelectualmen-

te”). Passaram a adotar nomes e códigos secretos (o dele era Spartacus) para comunicarem uns com os outros e delinearam um plano para se infiltrar entre os maçons, derrubar os governos das nações e igrejas, dominar o mundo e criar uma Nova Ordem Mundial de tolerância e igualdade. Os Illuminati chegaram a ter 2 mil membros entre alguns países europeus mas tudo começou a declinar quando os jesuítas descobriram quem era seu criador e convenceram o governo da Baviera a persegui-lo. A trama foi amplamente divulgada na Europa e os Illuminati, que nunca foram populares e, na realidade, representavam sim um grupo insignificante e sem efeito algum sobre qualquer sociedade, desapareceram por completo no final do século XVIII. Mas, mesmo assim, teóricos da conspiração ainda insistem que eles sobreviveram como uma força secreta e que hoje controlam a Maçonaria e o mundo.

Luciano José Antunes Urpia é Mestre Maçom da R.L. General Correia Barreto - GLSP. Bacharel em Direito, professor, historiador, pesquisador maçónico, escritor e criador do canal @curiosidadesdamaconaria e do site www.famososmacons.blogspot.com

“A trama foi amplamente divulgada na Europa e os Illuminati, que nunca foram populares e, na realidade, representavam sim um grupo insignificante e sem efeito algum sobre qualquer sociedade, desapareceram por completo no final do século XVIII.”

. 63 .


Conhecido artisticamente como XicoFran, Francisco Fernandes é apelidado de “pintor do jazz”. . 64 .


Festival Internacional Seixal Jazz 2020 Por Bruno Melão

Foi sob o lema “voltar em segurança” que, no passado mês de Outubro e neste contexto de pandemia mundial, decorreu a 21.ª edição do Festival Internacional SeixalJazz. Num ambiente eclético e intimista, respeitando todas as normas de segurança da DGS e numa edição dedicada totalmente ao melhor que o jazz nacional tem para oferecer, passaram pelo palco do Auditório Municipal do Fórum Cultural do Seixal projetos e nomes de uma qualidade indiscutível, de referir entre outros, o Sexteto de Jazz de Lisboa -André Rosinha Trio, TGB, o projeto de Eduardo Raon, Luís Figueiredo e João Hasselberg, o LAB de Ricardo Pinheiro e Miguel Amado, o Quinteto de Isabel Rato e por fim, Eduardo Cardinho Quarteto. Um contributo fundamental para as artes e para os artistas que continuam à data em dificuldades de exercer a sua atividade e de fazer aquilo que amam! Em meu nome e em nome de todos estes, um forte agradecimento a toda a organização do evento. Bem hajam! “No jazz, cada instante é uma crise, disse Sato, citando Wynton Marsalis, e cada um coloca toda a sua habilidade para suportar essa crise. Como o espadachim, o arqueiro, o poeta e o pintor: tudo está ali. Não há futuro, nem passado. Somente esse

. 65 .


instante e como o enfrentamos. A arte acontece.” Christopher Moore. Ainda no âmbito desta 21.ª edição do Festival Internacional SeixalJazz, a Galeria de Exposições Augusto Cabrita recebeu a exposição de pintura Jazz à Vista, de XicoFran, que é reconhecido no mundo artístico como um dos grandes talentos da sua geração. Conhecido artisticamente como XicoFran, Francisco Fernandes é apelidado de “pintor do jazz”. Ficam aqui alguns apontamentos visuais da primeira noite do Festival a cargo do Sexteto de Jazz de Lisboa, ao mais alto nível como só esses mestres do Jazz sabem fazer. Mário Laginha - piano Francisco Brito - contrabaixo Mário Barreiros - bateria Edgar Caramelo saxofone tenor Ricardo Toscano - saxofone alto Tomás Pimentel - trompete, fliscorne

. 66 .


. 67 .


“Os atos de rutura criativa e social, como as revoluções e as lutas pela liberdade, também são quase sempre simbolizados pela música.”

Jimi Hendrix

Música e Liberdadepor Vasco Lima Antes de começar a escrever pensei que nada que vos pudesse dizer aqui seria suficientemente relevante para ser lido depois de um ano como este de 2020 terminar. Depois de nos despedirmos de um Natal e um Fim de Ano confinados, sem abraços, sem a família reunida, sem amigos, todos privados da alegria da Liberdade. Se o passado dos nossos avós e dos nossos pais foi pautado por tantas histórias de dificuldades e de resiliência, para vencer a privação de Liberdade e o desenvolvimento cultural e social, o nosso presente é, por outras questões, tudo isto e muito mais.

Vivemos tempos onde cada dia é uma luta, onde ainda nos debatemos com regras impostas pela sociedade, embora com uma liberdade de sabor, textura e robustez diferente que permite que alguns consigam romper com a apatia criando um universo artístico autêntico real e livre. Quando um músico, um escritor, um pintor ou um filósofo nos abrem a cabeça com a sua arte vale a pena chamar-lhes Mestres.

. 68 .


turas do mundo e passaram para primeiro plano no interesse de muitos compositores e grupos de música contemporâneos. Músicas com melodias longamente sustentadas com ritmos suspensos, que herdam fórmulas melódicas antigas e que nos trazem estados de consciência que ocasionam uma libertação de personalidade subjetiva e possibilitam experiências com o consciente coletivo da psique humana.

Zeca Afonso

O significado da música na antiguidade estava estreitamente ligado às noções míticas da Harmonia das Esferas. A música era tida como parte do plano universal, como parte íntima do mundo, sim, como a própria alma do mundo. Como explica o musicólogo Gerhard Nestler na obra Geschite der Musik: “Esta música era inaudível, podia-se ouvir somente o seu símbolo. Mas o símbolo eram sons ou também ruídos que o homem escolhia a partir da totalidade daqueles que o cosmo punha à sua disposição. A música foi gerada pelas tensões polares entre o som e o silêncio”. Já Mozart refere que a “música não está nas notas e sim no silêncio entre elas”. Desde Pitágoras que o conceito de “Harmonia das Esferas” como símbolo de uma ordem cósmica mundial atravessa toda a história de uma conceção esotérica da música. O pesquisador Fritz Stege refere no seu livro Musik, Magie, Mystik que a “Ideia” musical é o símbolo cósmico da harmonia das esferas, que se apresenta aos nosso ouvidos como a ordem numérica das proporções sonoras e acústicas. As regras destas proporções estão fixadas, não só na natureza, mas também na audição humana e na forma como ouvimos, como se pode comprovar cientificamente hoje em dia. Os conhecimentos da energia mágica da música há milénios que é parte integrante de todas as cul-

. 69 .


Bolden desenvolve a sua música revolucionária contrariando um contexto político e social vigente na história dos Estados Unidos da América. O nascimento do Jazz foi o nascimento da Cultura Popular Americana, influenciando tudo o que se seguiu - de Louis Amstrong a Jimi Hendrix, dos Stones aos Fugees e ao próprio Hip Hop representado por Dr. Dre. Na música clássica temos nomes como Schonberg, Bartók, Orff e John Cage, entre outros, que desenvolvem uma Música Nova, ainda não definida, espiritual, que ultrapassa o conceito da música experimental e traduz o resultado e consequência

Acredito que aqui reside a fórmula universal da Liberdade que a Musica nos transmite, a “Ideia” como processo criativo que envolve o emocional do compositor na intimidade do Eu, captando e descodificando o conjunto melódico e harmónico de comunicação livre para quem escuta. A música e o som são a parte emocional do que observamos e, nesse sentido, é um processo indissociável do ser humano e da natureza. A liberdade na música nasce também na música popular criada pelo emocional de cada cultura: são exemplo: os “Blues” - que nascem como canto de Liberdade em campos de escravos - e mais tarde o Jazz, com “Buddy” Bolden, trompetista afro-americano que desenvolve um estilo musical misturando os estilos “Rag Time” e “Blues”, criando uma versão flexível e livre da improvisação musical. Em vez de imitar outros trompetistas criou um som autêntico e uma nova forma de tocar, libertando-se dos conceitos tradicionais. Bolden oferece-nos a invenção do “Big Four”, um novo ritmo que deu ao Jazz embrionário mais espaço de liberdade de improvisação. O “Big Four” é o padrão rítmico conhecido como o ritmo “hambone”, desenvolvido a partir de tradições musicais da África Subsariana.

Rolling Stones

. 70 .


da grande revolução que se instaurou no início do século XX, ligada também a nomes como Einstein, Planck, Freud e Jung. Em conclusão, a música ou a “Ideia” musical permite-nos sensações de liberdade, criando-nos emoções intimas, só nossas, que nos tornam verdadeiramente livres. Os atos de rutura criativa e social, como as revoluções e as lutas pela liberdade, também são quase sempre simbolizados pela música. As músicas de Abril foram símbolos da revolução da liberdade, “Depois Do Adeus” ou “Grândola Vila Morena” sinais para a Revolução e temas como “Liberdade” de Sérgio Godinho, “Tourada” de Fernando Tordo ou “Tanto Mar” de Chico Buarque são exemplos de músicas e liberdade. Escutar música é o princípio da Ideia de Liberdade do livre pensamento e das emoções. Como escreveu Virgílio Ferreira no poema ”Por entre os sons da Musica”: “Por entre os sons da música, ao ouvido como uma porta que ficou entreaberta o que se me revela em ter sentido é o que por essa música encoberta acena em vão do outro lado dela e eu sinto como a voz que respondesse ao que em mim não chamou nem está nela porque é só o desejar que aí batesse”

. 71 .


Reconhecidos como de uma enorme riqueza literária e simbólica, onde a iniciação e a transmutação alquímicos são propostos e ensinados com profundidade, detalhe e beleza, este conjunto de textos apresenta-se hoje como um daqueles tesouros incontornáveis da cultura e património espiritual da Humanidade.

Os Manifestos Rosacruzes

Uma Tradição Secreta com 400 Anos de História Por Rui Lomelino de Freitas

A «Fama Fraternitatis R. C.» (1614), a «Confessio Fraternitatis R. C.» (1615) e «As Núpcias Alquímicas de Cristão Rosacruz» (1616) propunham uma completa renovação do mundo, com propostas e ideais, que nos confrontam com uma atualidade surpreendente. O nome Rosacruz emerge na História há 400 anos, no início do século XVII, com a publicação anónima destes textos, fruto da reflexão espiritual de um círculo de eruditos, teósofos e místicos, que se reuniam em Tübingen, uma pequena cidade da Floresta Negra, na Alemanha. Agora pela primeira vez publicados em Portugal, a tradução, integral dos originais vem acompanhada de uma investigação esclarecedora sobre o movimento e os ideais rosacruzes clássicos (com as mais recentes descobertas sobre os textos e contextos da época), assim como de um levantamento simbólico e filosófico.

Considerados por muitos investigadores (e.g. Frances Yates) como precursores do Pensamento Moderno e de muitas das suas conquistas no âmbito da Ciência, da Filosofia Humanista e das dos Direitos Humanos, estes textos no seu conjunto trazem uma proposta de Renovação do Mundo e a indicação de um Caminho Espiritual, necessário para que se realizasse essa Renovação. Neles é lançado um apelo à «Restauração do Templo que é o Homem» nos campos da ciência, da religião e da sociedade. Para que isso eram necessários o conhecimento e a aplicação das leis naturais e das leis divinas, através de um processo simultaneamente individual e social conduzido pelo espírito liberto no ser humano. A esse respeito o investigador Frans Smit (2001) afirma que estes textos “contêm a chave que faz com que a proposta se eleve acima das ideias reformis-

. 72 .


tas conhecidas e adquira um caráter universal”. Essa chave, segundo Smit, encontra-se na figura de “Christian Rosenkreutz” - ou Cristão Rosacruz – considerado o “pai”, fundador da Fraternidade Rosacruz, e conhecido pelas iniciais C.R.C. – a personagem central das suas narrativas, que assume uma dimensão de protótipo do iniciado. A expectativa central, principalmente na Fama, é a de que a humanidade se encontra no limiar de um salto qualitativo de consciência. Tudo depende da consciência individual e da vontade em ir em direção a uma consciência centrada na comunidade humana como um todo, para uma entrega à luz da Unidade. Pensadores como Jacob Böhme, Robert Fludd, René Descartes, Jan A. Comenius, Isaac Newton, Robert Boyle, Gottfried W. Leibniz, Karl von Eckarthausen o Johan W. Goethe, testemunharam dessa orientação humanista Rosacruz. E vários movimentos contemporâneos como a Franco-Maçonaria, o Martinismo, a Teosofia contemporânea ou a Antroposofia, consideram-se herdeiros do seu legado. Para muitos, desde Frances Yates (1972: 35) a Godwin (2016,:6), é muito evidente que existia uma rede espalhada pela Europa, de pessoas profundamente implicadas com os objetivos e ideário rosacruzes, que se reviam na tarefa e nos ideais de uma “Renovação Geral” Rosacruz. Para Yates, o termo Rosacruz deve ser usado para descrever um movimento cultural e espiritual, sem que necessariamente implique uma pertença a uma organização. Nesse sentido poderíamos talvez

afirmar que a ordem dos rosacruzes (independentemente das manifestações históricas) existiu de forma “não-localizada”, enquanto movimento de ideais e ideias, mas também de ações humanas. O projeto dos textos dos Manifestos R.C. – pensados pelos autores para serem traduzidos e chegarem a todos os que se identificavam com este impulso – acabou por ser em grande parte adiado, por causa da intolerância, conflitos e guerra religiosa em que a Europa se viu afogada nos inícios do século XVII. Ocultadas, esquecidas, reencontradas e traduzidas, quatrocentos anos depois, finalmente estas propostas chegam agora às suas mãos neste livro. Sobre o autor: Rui Lomelino de Freitas. Professor e investigador em Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, onde coordena a Linha de Investigação em Gnose e Esoterismo Ocidental, assim como a pós-graduação em Estudos Maçónicos. Os seus interesses de investigação abrangem a Filosofia Hermética Antiga e Renascentista, os movimentos gnósticos da Antiguidade, a Rosacruz Moderna e Contemporânea e a Alquimia. É autor de dezenas de trabalhos científicos, entre publicações e comunicações. Tem colaborado com múltiplas instituições académicas e culturais, entre as quais se contam a Universidade de Lisboa, o Museu Calouste Gulbenkian ou a ESSWE – European Society for the Study of Western Esotericism – da qual é membro.

“A expectativa central, principalmente na Fama, é a de que a humanidade se encontra no limiar de um salto qualitativo de consciência. Tudo depende da consciência individual e da vontade em ir em direção a uma consciência centrada na comunidade humana como um todo, para uma entrega à luz da Unidade.”

. 73 .


When People Know Your People Echoes from deeper connections por Inês Valle

Inês Valle is a Portuguese curator, who has spent the last eight years working in Europe and West Africa. She produces socio-political art projects that emphasise oral and traditional knowledge whilst also drawing on written sources. In this essay, she reflects on her personal experience of visiting Nigeria for the first time and the impact this had on both her professional work and her understanding of the shared history of Portugal and Nigeria.

Figure 1: Saltcellar: Portuguese Figures (ca. 1525– 1600) by the Edo peoples, Nigeria. Ivory. 19.1×7.6×8.3cm. The Metropolitan Museum of Art Collection.

“The artworks I saw in Lagos and in the UK bear witness to the long relationship between the Edo People (Benin Kingdom) and the Portuguese, which dates back to the 15th century.”

. 74 .


Figure 6: Inês Valle and Andrew Esiebo, Spaces of Memory (Benin city,2014). Photograph courtesy of the artists.

My first experience in West Africa was traveling across Nigeria — by car, bus, Keke, taxi and Okada. Over 200 million people live in this vast country, and as a young woman journeying alone, I struggled to convince my family that I would be safe. Our compromise came through Instagram: each day I would post a photograph, wherever I was. Knowing my whereabouts kept the peace at home and allowed me to share some of the amazing places and people I was meeting. I vividly remember dodging the crazy Lagos traffic in Emmanuel’s vintage Mercedes-Benz “taxi”, as he gave me my first “guided-art-tours”. He would pick me up very early in the morning from Dolphin Estate, the still-in-refurbishment Boy’s Quarter accommodation where I was staying. He asked me, what do you want to see, what do you want to know? My answer was simple: everything! We visited many extraordinary places, including the National Museum Lagos, National Gallery of Modern Art, Nike Art Gallery, Centre for Black and African Arts and Civilization, the Universal Studios of Arts at the National Theatre, the Arts & Crafts Markets and the famous cultural hub, Freedom Park. The days were intense, and we drove with our windows wound down, to cope with the humid breeze and the unrelenting heat, while the urban symphony of traffic, gens and street sellers’ voices fused with the Afrobeat from the radio.

The modernist public sculptures were astonishing. I was thrilled to come face to face with artworks made by Ben Enwonwu, who was named by Time Magazine in 1949 as Africa’s greatest contemporary artist. He was also the first artist African to travel to London by invitation of Queen Elizabeth II, in order to make her portrait in bronze. Today his works are sold for millions of dollars. When Emmanuel realized I was Portuguese, he decided to show me some hidden gems of Lagos. In warehouses, set amongst the self-built homes of the megacity’s low-income neighbourhoods, we handled historical sculptures and masks. The features of some clearly represented Portuguese sailors and traders from the fifteenth to seventeenth centuries. My disbelief that these objects were not on public display only deepened when I later learnt from a specialist the rarity of these pieces.

“When Emmanuel realized I was Portuguese, he decided to show me some hidden gems of Lagos.”

. 75 .


Figure 2: Seated Portuguese Male. Nigeria, Court of Benin. Brass.12.7x5.1x6cm. 18th century. Gift of Mrs. and Mr. Klaus G. Perls, 1991. The Metropolitan Museum of Art Collection.

At that time, I was living in Cambridge, which meant I had easy access to museum and archive collections of Nigerian artifacts held in Britain. I was able to explore deeper my interest in the presence of the Portuguese in Nigeria and how we were represented in their culture. This research ended up leading to both a collaborative art project with the Nigerian photographer Andrew Esiebo and later an invite to curate an exhibition in Benin City. The artworks I saw in Lagos and in the UK bear witness to the long relationship between the Edo People (Benin Kingdom) and the Portuguese, which dates back to the 15th century. The period between 1415 and 1543 is known as the Descobrimentos (discoveries) — during this time the Portuguese rulers invested heavily in the exploration of maritime trade routes. The Portuguese sailor Rui de Sequeira first reached the powerful Kingdom of Benin during his search for the East sea-route. On arrival in 1472 to Nigerian coast, he named the region Lago de Curamo, most probably as a homage to the Algarve city of Lagos. Today, Lagos is the largest city in Nigeria and its economic capital. Official trade relations between the two nations began fourteen years later, during the reign of Oba Ozolua, when João Afonso de Aveiro’s expedition landed at the seaport of Ughoton. The obas of Benin had a strong international vision and ambition, which led them to establish one of the most powerful and wealthy kingdoms in West Africa. The commercial trade was mostly of human slaves, brass, copper, cotton, pepper, animal skins, palm oil, shells (Coris), ivory, red wood and weapons. As trade relations 1-J.U. Egharevba, ‘A Short History of Benin’, Benin City, fortune Publisher, 2005. 2-R.E. Bradbury, ‘Benin Studies ‘(1973), Routledge, 2020. 3-‘Talbot Peoples of Southern Nigeria’, Oxford, vol.1, 1926.

between the countries developed over the centuries, the Portuguese established weapons factories and warehouses at the seaport, and Edo ambassadors travelled to Portugal to learn about our culture, costumes and language. As a key purpose of the Descobrimentos was to expand the Christian faith, the Portuguese attempted to Christianize every people that they encountered; the Benin kingdom was no exception. We advised the ruler Oba Esigie - a fluent speaker of Portuguese - to become a Christian1. This suggestion was considered seriously by the Oba, who allowed churches to be built in the kingdom, sent the Olokun priest Ohen-Okun to Lisbon and later had his son, Oba Orhogbua2, baptized and educated in Portugal3. The social and economic life of both the Benin Kingdom and Portugal flourished as a result of the amicable relationship between the two countries. Lamentably, the wealth generated was increasingly due to the European demand for human slaves. The canals in the Delta region that connected Ughoton to Benin City were called the Slave River due to this

Figure 3: Plaque: Two Portuguese with Manillas. Nigeria, Court of Benin. Brass. 45.7×19.7×2.5 cm. 16th–17th century. Gift of Mrs. and Mr. Klaus G. Perls, 1991. The Metropolitan Museum of Art Collection.

. 76 .


Figure 4: Queen Mother Hip Pendant Mask (Iyoba), worn by the king during commemorative rites.16th century, Edo peoples, Court of Benin, Nigeria, ivory, iron, copper, 23.8 x 12.7 x 8.3 cm. The Metropolitan Museum of Art Collection. Michael C. Rockefeller Memorial Collection of Primitive Art, Gift of Nelson A. Rockefeller, 1972.

trade. The men and women sold or gifted as slaves were recorded as criminals or outcasts, however history teaches us, many were in fact kidnapped. Their lives were priced low — in 1522, female slaves at the prime age of 17-18 years old were sold for the rate of just two ivory tusks 4. Shockingly, this was considered expensive compared to other slave markets, and so the Portuguese started to reorient their navigation compass towards other African nations. During my research, I also found out that the Portuguese introduced new crops to Nigeria during this period, such as rice, maize, cassava, sugarcane and even pineapples. Today, some of these products are crucial to the local cuisine and vital for the country’s economy. A good example is cassava, which can be found in any market, or by the roadside, and is eaten in thousands of delicious ways — like codfish in Portugal. Nigeria is the biggest producer of cassava in the world; 34 million tonnes of this tuberous root are grown in the country per year, generating a revenue of $427.3 million in the domestic market and $2.98 billion through exports 5.

Visitor observing some of the Benin Bronze Plaques, stolen by the Oba’s Palace and in exhibition at the British Museum, London, UK. (2016). Photograph by Inês Valle.

Portuguese traders also represented a new revenue opportunity for Benin artists. By depicting Portuguese figures and references, the artisans internationalized their wares and therefore expanded their clientele. An example of this is the salt cellar (container for salt and pepper) in figure 1. This object was likely commissioned by a Portuguese sailor to offer as a gift back home. The incredible detail in the representation of the four Portuguese men on the piece shows the mastery the Benin artists had in ivory carving. Some experts believe that one of the men may be Afonso de Albuquerque (1460–1515), who had a key role in the Portuguese Descobrimentos. I saw a similar piece at the British Museum, with a lid in the shape of a caravel (ship). Other pieces depicting Portuguese traders could be found inside the Oba’s palace, such as the small cast brass sculpture of a healthy man (figure 2), which may have been placed in a small royal ancestral altar, and the cast brass plaques (figure 3) that historically were hung on the wooden pillars of the palace. In this last example two Portuguese traders are depicted holding brass manillas. The artwork that I am most excited to share is an ivory pendant mask (figure 4). Not only is it a rare example of a female figure in Benin’s courtly art tradition, it also contains depictions of Portuguese people. The mask represents Oba Esigie’s mother, who is famous as the only woman who went to war and it is believed that the piece was used in rites to commemorate her, although today such hip pendants are worn at ceremonies of spiritual renewal and purification. On close inspection, the tiara and the necklace reveal carved mudfish and 4-Preston Blier, Suzanne. ‘Imaging Otherness in Ivory: African Portrayals of the Portuguese ca. 1492’, The Art Bulletin, 1993. 5-Harnessing the economic potential of cassava production in Nigeria. https://www.pwc.com/ng/en/assets/pdf/cassava-production-nigeria-report-2020.pdf

. 77 .


More than 500 museum and collections hold Benin stolen artworks. Below is a short selection: Chicago –Art Institute of Chicago and Field Museum. Cologne – Rautenstrauch-Joest-Museum. Hamburg – Museum für Völkerkunde, Museum fur Kunst und Gewerbe. Dresden – Staatliches Museum für Völkerkunde. Leipzig – Museum für Völkerkunde. Leiden – Rijksmuseum voor Volkenkunde. London – British Museum. New York – Metropolitan Museum of Fine Art. Oxford – Pitt-Rivers Museum, Rushmore. Stuttgart – Linden Museum-Staatliches Museum für Völkerkunde. Vienna – Museum für Völkerkunde . Many reports speculate that incomparable collections where removed from former British colonies, only 8,800 files where admitted to be kept, but in reality more than 20,000 files are held in just one building in London. As we know archives can be a seam of evidence of how colonies were really administered, but more importantly they represent a huge gap of documentary heritage of a country. Spaces of Memory (figure 6) developed in collaboration between myself and Andrew Esiebo, is a visual travel to memories, where non-spaces are disclosed through the acute eyes of Benin people about places that were lost or forgotten by time. Stories where myths and facts are superimposed. A kind of a visual palimpsest, a “multi-layered record” in which individual stories are overlaid to historical colonial facts accessible on several State archives both in the United Kingdom, Portugal, USA and in Nigeria.

Figure 5: Interior of Oba’s compound burnt during siege of Benin City, with bronze plaques in the foreground and three British soldiers of the Benin Punitive Expedition 9-18 February 1897. Photograph by Reginald Granville.

bearded Portuguese faces. The mudfish were included because they are creatures of both water and land, and so they represent the dual nature of the Oba (human and divine). Similarly, the Portuguese — who travel across the sea — were considered denizens of the divine realm (land of death) whose presence brought power and richness to the Kingdom of Benin. These are just a few of the thousands of objects that were looted in 1897 from the Oba’s Palace, during the punitive British invasion of the Kingdom of Benin. After burning and ransacking the region, the British sold riches from Benin in a public auction in London (figure 5). These treasures are now spread over more than 500 collections and museums worldwide. A year after my first visit to Nigeria, I returned at the invitation of the University of Lagos, to curate a public art exhibition in the city of Benin — at the world heritage site The Igun Street. This project commemorated the centenary of the Nigerian amalgamation of the Northern and Southern Protectorates (1914) and featured several Nigeria-based artists, including Benin’s princess, Mrs Elizabeth Olowu — the first women to be given permission by Oba Akenzua II to do bronze casting. The exhibition critically considered the

. 78 .


Inês Valle, interviewing a family in Nigeria for her project Idilé (2016 - ongoing). Photograph by Andrew Esiebo / courtesy of the artist.

commemoration of the amalgamation and the various forms memorializations can take in general. I also continued to collaborate with Andrew on our project that merged memories of Benin’s bronze casting families with Nigerian and Western archival documentation (figure 6). Of everything, what stuck with me the most was the extraordinary reception I received from the people I interviewed. On hearing that I was not British, but Portuguese, they would tell me stories that had been passed from generation to generation. I was also taught the local street language, Nigerian Pidgin English, which contains various words and expressions derived from Portuguese, like “you sabi do am?” (do you know how to do it?), from the Portuguese verb saber or “pikin” (small) from pequenino. The relationship between Nigeria and Portugal is a complex subject and one that I hope I will have the opportunity to research further. Undoubtedly, Nigerian culture, old and new, is extraordinarily rich and perhaps now is the time to regenerate stronger cultural relationships with Portugal.

Mrs Elizabeth Olowu’s Living Room (Benin city, 2014), despicting her personal photo archive and live at the Palace during Oba Akenzua II ruler — research field. Photograph by Inês Valle.

. 79 .



IN

MEMORIAM

Cruzeiro Seixas

por Fernando Correia

Relembra o epitáfio da história que Cruzeiro Seixas morreu aos 99 anos de idade, na Casa do Artista, só como sempre, firme como sempre, resoluto como sempre, a tempo, como sempre, de gritar aos ventos da arte que “nunca se chega atrasado ao surrealismo!...” E ele não chegou. O Artur Manuel Rodrigues do Cruzeiro Seixas não queria ser um pintor, mas intitulava – se, com a modéstia dos grandes, apenas um homem que pinta, deixando pelo presente a perenidade da sua arte, sem temer confrontos, nem se preocupar com abjectas comparações. Os artistas não se comparam. São. E ele sabia dizer isso da forma mais correcta, talvez mesmo da única capaz de ficar para a história dos únicos, como Cesariny, Pomar, Vespeira ou Leiria, ao afirmar: “A minha obra não é genial. É, apenas, um depoimento.”

Pois é desse depoimento que o Mundo falará sempre, ao reconhecer no Cruzeiro Seixas uma expressão histórica do surrealismo internacional, colocando–o na galeria dos intocáveis e respeitando a sua opinião, de resto expressa igualmente na sua poesia, que o surrealismo é único e revolucionário. Morreu o homem. Ficou o artista plástico. E deixou a admiração que os homens bons justificam, quando se libertam, por seus méritos, da lei da morte e se projectam espiritualmente no Universo das virtudes.

. 81 .


CARTOON

“Ascensão ao Oriente Eterno” por XicoFran

Em memória do nosso querido irmão João Vieira. Um de nós, que ascendeu abruptamente à loja de cima e nos deixa eterna saudade. . 82 .


www.microsegur.pt



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.