ORIGEM | Soberana Magazine #7

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N 7 Edição Especial Março
2023. Periocidade Trimestral. PVP 7€

“LET’S START FROM THE BEGINNING”

Este é o meu primeiro editorial como editor da Origem Soberana Magazine e, sem sombra de dúvida, uma enorme responsabilidade realizar esta edição com uma mistura de emoções, entre a noção do esforço extra necessário entre noites mal dormidas depois de dias intensos de trabalho.

Sabemos que há sempre imprevistos que são invariavelmente previsíveis, mas há um sentimento maior que acaba por vencer, vale a pena.

Vale a pena pelo especial que esta revista é, e representa para a Grande Loja Soberana de Portugal.

Esta é a sua Sétima edição, sim chegamos ao numero Sete. Em todas as edições houve momentos intensos de emoção de humor e de fraternidade, com a boa vontade de todos os que colaboram directa ou indirectamente com a revista.

Devo salientar o papel de enorme importância de José Caria editor da revista Origem, que felicito pela dedicação e resiliência que colocou na elaboração das edições anteriores, com um resultado brilhante.

Chegámos ao número 7.

O número 7 é considerado como divino e perfeito e relaciona-se com a sabedoria, a reflexão, a meditação e a paz interior e principalmente, como o número da criação, é a soma de 3 (trindade divina) mais 4 (os quatro elementos do mundo físico).

Somos a árvore seca que precisa de ser regada para novamente florescer.

Quando somos fiéis à Verdade e à sabedoria que

sentimos dentro de nós, trazendo a nossa autenticidade aos outros e a tudo o que fazemos sem qualquer envolvimento do ego, prestamos um legado de grande magnitude, construindo pedra sobre pedra os alicerces da realidade espiritual. Devemos entender que todos somos perfeita imagem e semelhança de Deus. É nosso dever ajudarmo-nos uns aos outros a recordar a nossa natureza interior e abarcar tudo nessa memória. Expressar auto-compaixão significa seguir orientações internas em vez de poderes externos ou as nossas próprias crenças e opiniões, quando se trata de orientar as nossas vidas. Assim se define a humildade: desistir de dar muita importância a si mesmo.

Somos os pedreiros da escada que nos permite estar acima da experiência material.

Somos nós que cultivamos as Sete Rosas que devem desabrochar no nosso jardim.

Somos os artífices da nossa própria vida.

Chegámos à edição numero 7.

Ter um número que significa a criação do Universo já é um motivo suficiente para gostarmos tanto da Soberana Magazine.

Como sabemos, não há coincidências.

Finalizo este editorial a agradecer a toda a equipa, colaboradores da Origem e a todos os que contribuíram, pelo esforço feito para que esta edição de cumprisse.

A si, caro leitor desejo-lhe um excelente 2023 e boas leituras.

Vasco Lima

EDITO RIAL
“Sabemos que há sempre imprevistos que são invariavelmente previsíveis, mas há um sentimento maior que acaba por vencer, vale a pena. Vale a pena pelo especial que esta revista é, e representa para a Grande Loja Soberana de Portugal.”

Ficha Técnica

Origem - Soberana Magazine

Edição Março de 2023

Nº de Registo na ERC: 127460

www.glsp.pt

Estatuto Editorial

Origem | Soberana Magazine (glsp.pt)

Diretor

Fernando Correia (CPTE-809)

Diretor Adjunto

Vasco Lima

Editores Fotográficos

Tomás Arantes

Direcção de Arte, Design e Paginação

Wrahiguer Rodríguez Miau Digital Agency

Christian Höhn Miau Digital Agency

Departamento Comercial e Publicidade

José Luis Teixeira

+351 917 331 292

Redação

Av. João Crisóstomo, 77 B

1050-126 Lisboa

Edição impressa

Março de 2023

Tiragem: 150 Exemplares

Impressão: Imprimir com Arte Avenida Valbom Numero 9 loja 2 2750-598 Cascais www.imprimircomarte.com

Depósito legal: 474660/20

Distribuição nacional e internacional

Editor e Proprietário

João Pestana Dias

Grande Loja Soberana de Portugal – Associação

Av. João Crisóstomo, 77 B

1050-126 Lisboa

NIF: 514 991 437

“LET’S START FROM THE BEGINNING” SCILLA, UMA VIAGEM MAÇÓNICA

A FESTA DA SOBERANA

A CASA DO SABER

PORTUGAL TERRA SAGRADA

O MITO DE DEUS ÁRVORE SECA

Vasco Lima

Miguel Arantes

Vasco Lima

Fernando Correia

Vasco Lima

Fernando Correia

João Pestana Dias

Fernando Casqueira

Heitor Fox

A NOSSA BARCA ÚNICA - A TERRA?

GENERAL GOMES FREIRE DE ANDRADE “MORREI LIVRES!”

O DUQUE DE FERRO

Joffre Justino

João Reis

Paulo Refega

Miguel Arantes

Vasco Lima

Christian Höhn

LUSIADA, DECADENTISMO
FERNANDO PESSOA
MAÇONISMO
E
EMOÇÕES, ESPIRITUALIDADE E UMA FORMA DE VIDA
AMADEO DE SOUZA-CARDOSO A PASSAGEM PARA
FUTURO VIVENZA A MAÇONARIA E O METAVERSO 04 08 10 14 16 18 20 24 32 34 40 49 54 58 62
O
NOVAS DO ORIENTE

SCILLA, UMA VIAGEM MAÇÓNICA por

A Loja Porto do Graal, a primeira Loja do Rito Escocês Rectificado (R.E.R.) na Soberana, foi convidada a participar na Sessão do 1º Grande Capítulo do Grande Priorado Rectificado de Itália e no Grande Convento Nacional da Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa - IVª Província da Santa Ordem.

Estiveram presentes o Venerável Mestre Rui Teixeira, acompanhado do 1º Vigilante Daniel Chambel, o Secretário Miguel Arantes e o Elimosinário Christian Höhn.

Em representação da Grande Loja Soberana de Portugal estiveram presentes os Past Grão Mestres João Pestana Dias e Abílio Alagoa da Silva.

Todas estas cerimónias tiveram lugar no Castelo Ruffo di Scilla, na Calábria, e o Gran Priorato D’Italia Regime Scozzese Rettificato publicou nas paginas das suas redes sociais, a seguinte notícia para registo e memória futura:

“O prazer e a harmonia de um dia tão importante e agradável, faz entender o quão importante é compartilhar momentos de união sob o mesmo tecto. Uma força que é transmitida por cada Irmão a cada Irmão, e de cada País representado a outro, para que cada Obediência transmita a sua força a outra de modo a que sejam uma só. Momentos de partilha de pensamentos, intenções e projectos entre os países representados pelos Grão-Mestres de cada Obediência presente.

Dias maravilhosos.”

“Et tenebrae eam non comprehenderunt”

O Reverendíssimo Grão-Prior Domenico Chindamo, Grão Mestre e Grão Prior do Grande Priorado Rectificado de Itália teve a gentileza de dirigir palavras amáveis de acolhimento a todos os convidados, tratando cada um pelo seu nome próprio.

Das alocuções dos altos dignitários, a do Sereníssimo Grão-Mestre e Grão-Prior do Directório Nacional Rectificado de França – Grande Directório das Gálias Jean-Marc Vivenza, uma lenda viva da Maçonaria francesa e do Rito Escocês Rectificado, distinguiu-se pelo importância do tema que versou sobre a origem templária da natureza doutrinal da Ordem.

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O MOMENTO DE RENASCER

A FESTA DA SOBERANA

Em Dezembro passado na espiritual Serra de Sintra, a Grande Loja Soberana de Portugal realizou mais uma comemoração do Solstício de Inverno, com a Cerimónia de Grande Loja.

Um dia intenso que começou de manhã com sessões de trabalho e de aperfeiçoamento maçónico e ainda uma palestra com o Professor José Manuel Gandara que muito nos honrou com a sua presença.

A Sessão de Grande Loja ocupou toda a tarde daquele sábado de Dezembro, salpicando de Sol os corações de todos e fomos muitos.

Todos juntos somos mais fortes e foi essa a força que mostramos na celebração desta cerimonia do Solstício de Inverno.

Parafraseando o Grão Mestre Fernando Correia, estiveram presentes; Os Fundadores, os Seguidores, os Novos e os amigos da Fraternidade.

A cerimónia foi presidida pelo novo Grão Mestre da Grande Loja Soberana de Portugal Fernando Correia, que nomeou e ajuramentou os novos Grandes Oficiais da Grande Loja, e procedeu à entrega de Diplomas referentes às Ordens Honoríficas criadas pela Soberana como exaltação do mérito de todos os que as receberam.

Escreveu-se mais um pouco de História neste tempo de Soberana, cujo crescimento significa consolidação e afirmação da Nova Maçonaria Portuguesa.

O final do dia, mantendo Sintra como tradição espiritual na hora mágica em que o Sol se põe, foi destinado à confraternização com amigos e convidados

especiais e ao jantar em honra das Senhoras. Houve um elevado numero de inscrições e uma recepção mágica antes do magnifico jantar, cheio de alegria e emoção como é apanágio da Grande Loja Soberana de Portugal

Tudo tem o seu tempo e tudo acaba, agora é um tempo novo, tempo de renascer, de olhar com esperança para o nascimento da Luz nos nossos corações. Em nós tudo tem um principio mas não um fim, pois toda a obra realizada fica em memoria futura, tornado-nos imortais.

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por Vasco Lima

ENTRE COLUNAS

A CASA DO SABER

A PALAVRA DO GRÃO MESTRE por Fernando Correia

Desde tempos de pouca memória para alguns, mas de muita história para muitos, que a Maçonaria se afirma como o maior ponto de luz do Universo, numa concessão única do Grande Arquitecto de Todos os Mundos que entendeu delegar na Maçonaria a sua representação espiritual.

Isto significa que a representação religiosa tem fundamentos próprios, não comparáveis com a fundamentação espiritual, vista, lida e apreciada à luz da Verdade Maçónica, consubstanciada na CASA DO SABER que a Maçonaria representa.

Não há preceitos religiosos nas Sessões Maçónicas, mas há preceitos espirituais. Não há orações pré- concebidas, ou padronizadas, mas há orações vertidas pelo conforto da egrégora. Não há bênçãos imaginadas pelo homem e transformadas em mensagens divinas, mas sim impulsos de vontade que é a única coisa séria que o Homem pode dar ao seu semelhante, quando faz valer a sua Verdade, surgida do nada, numa encomenda criativa que apenas se explica pela força estranha que temos dentro de nós e que representa a vontade do Criador Universal. Não há juras de bater com a mão no peito, mas há sentimentos íntimos, profundos, transformados em palavras sagradas que vêm do mais íntimo de nós, do local onde se formam as ideias e os pensamentos e onde o coração bate compassado ao ritmo do amor fraterno. Não há promessas que não se possam cumprir, nem caminhadas a pé até ao fim da nossa capacidade, mas sim promessas de lealdade, de fraternidade, de compreensão e de ajuda.

Ser Maçom é descobrir o caminho novo, onde o Homem procura a sua tranquilidade, o seu bem – estar espiritual, onde se reencontra com as origens e volta a crescer para seu confronto moral.

A Maçonaria existe pela necessidade que o Homem teve de se reencontrar, de se redescobrir, de perceber os valores que transporta dentro de si, de entender o verdadeiro significado do nascimento e do renascimento, de se reavaliar enquanto Ser pensante e como habitante do planeta Terra, da mãe Gaia, que lhe dá abrigo e proteção e que ele maltrata

como muitas vezes os filhos também o fazem. Nada acontece por acaso. Por isso, os Maçons sabem que o acaso não existe. Tudo acontece porque tem que acontecer e as razões explicativas dos actos estão todas à vista. Apenas têm de ser descodificadas. As nossas Sessões quinzenais no Templo são um encontro com a história, com os valores humanos, com os sentimentos mais profundos, com o amor, com a fraternidade, com a sabedoria, com o rigor da mão que se estende para apertar outra mão, numa atitude de ajuda permanente que só nos valoriza interiormente. No intervalo dos dias, ou da quinzena, ajudamos quem precisa, organizamos visitas de estudo e passeios de descoberta maçónica, escrevemos, publicamos uma revista, fazemos podcast educativos, saímos juntos, tomamos refeições em conjunto, descobrimos a vida.

Temos vários Lojas que são pequenos ministérios que trabalham os seus rituais independentemente umas das outras, praticando o rito português, o rito escocês antigo e aceite, o rito escocês retificado, o rito de York. Temos uma Loja de investigação e de estudo e somos parte da OMI, ao mesmo tempo que mantemos e assinamos tratados de amizade com diversas Obediências Estrangeiras.

Reunimos a Grande Loja quatro vezes por ano, nos Sosltícios e nos Equinócios. A Grande Loja é onde está o Primeiro Ministro (O Grão Mestre) que coordena todos os Ministros (os Veneráveis Mestres das Lojas).

Os mistérios são nossos, são do interior, são do coração, são de entrega e dádiva. São aqueles que o Grande Arquitecto do Universo encomendou ao Ser Humano e que ele tantas vezes esquece.

Existimos para os recordar e, tantas vezes, para os vivenciar.

Damos muito mais do que recebemos, mas damos não querendo nada em troca.

Esta atitude significa sabedoria. Por isso, a Maçonaria existe para ser a “Casa do Saber”.

Que se junte a nós quem vier por bem e sinta ter chegado a hora do Espírito!

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TERRA SAGRADA

ENTRE COLUNAS PORTUGAL TERRA SAGRADA

Começo com as palavras de Álvaro Ribeiro; A cada povo é proposto um ideal diferente de realização da humanidade… o homem é um espírito, uma razão animada, mas uma razão impura, que tende a unir-se com a razão pura.

A purificação da razão humana é feita através da desmaterialização do divino espírito santo através do fogo ígneo, pela trilogia do Pai, do Filho e do Espírito Santo, teologicamente referida ao mistério da santíssima trindade.

Fernando Pessoa na sua obra “Mensagem” diz que; As nações todas são mistérios. Cada uma é todo o mundo a sós…

Bandarra nas suas profecias disse: NESTA NAÇÃO NASCERÁ O QUINTO IMPÉRIO DO MUNDO

“Se Portugal foi grande, muito maior há-de ser, quando um Divino poder, vier de longe e o mande.”

“As nações olham de lado para Portugal pequeno, sabem que para este reino, muito bem está reservado.

“Os homens não querem ler, livros de história sagrada, por isso não sabem nada, do que podiam saber.

“Romances e fantochadas, e cantigas de perdidas, são as histórias mais lidas, por gentes mal-educadas.

“O homem sem instrução, não vê a terra que pisa, se a consciência o avisa, não lhe quer dar atenção.

“Quem olhar com atenção, para os tempos actuais, vê subir cada vez mais, o preço da carne e pão.

“As mais precisões da vida, vão pelo mesmo caminho, só há fartura de vinho, e de semente falida.

“Está a aproximar-se a hora, e o dia da formação, de uma tão grande nação, que todo o mundo ignora.”

“Nesta nação nascerá, o Quinto Império do mundo, quando vier o Segundo, do lugar onde ele está.”

A Razão de Portugal, tal como António Quadros escreveu na sua obra “Portugal Razão e Mistério”

(…) A razão de ser deste país antigo, encontra-se envolta na mais densa bruma.

A emergência da nação Lusíada, seu destino inesperadamente fulgurante, o seu projeto áureo, sua persistência a adversidade, a sua longa e relutante decadência, os seus mitos de regeneração, as suas obras de génio, as suas estrelas cintilantes e proféticas no crepúsculo, tudo é hoje interpretado casualmente, a partir de teorias da historia opacas, diminutivas, reducionistas, que no fundo espelham o dominante espírito empedernecido da época em que vivemos, positivista, materialista e utilitarista.

A razão de Portugal é antes de tudo, uma razão aberta com um fim, que é a justificação ultima do seu movimento no tempo e no destino.

A sua relação com a natureza e o mundo, no enigma da sua psicologia, arte, literatura, nos símbolos que representam o mistério da sua cifra divina, realizam dentro de si a sua relação com o macro cosmos universal, a união com a unidade primordial. Fernando Pessoa refere “ Portugal é o que imprevisto Deus falou.

O destino misterioso de uma pátria que se move no tempo e nos espaço, por uma Ordem vinda do alto ao ritmo da fidelidade a uma razão teológica superior que sendo vivida pela Liberdade e virtualidade dos Homens, exige ser Cultivada, Pensada e Cumprida.

“Deus quer, o Homem Sonha e a Obra Nasce” o primeiro verso de Pessoa sobre o Infante D. Henrique. Mas no ultimo verso Diz: “Senhor, falta cumprir-se Portugal”

O povo português, formando no seu conjunto e na hierarquia intelectual dos seus estratos a Portuguesia tal como refere o Professor Manuel Gândara, guarda nos seus arcanos, no seu inconsciente arcaico, na cifra da sua língua e cultura, na sua memoria inconsciente, no seu imaginário, no seu pensamento implícito e muitas vezes explicito, um projecto que podemos chamar um “Projecto áureo de realização da Humanidade.

Aqui reside a razão do Rito Português, um

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TERRA SAGRADA
PORTUGAL

sacrifício espiritual que nos remete para o gradual conhecimento e aprendizagem através do que está escrito para podermos compreender o que está escondido(…)

”A Doutrina das Três Idades”: Joaquim de Flora

Idade do Pai, iniciada com Adão, que corresponde ao Antigo Testamento, com sede em Jerusalém;

Idade do Filho, iniciada por Jesus Cristo, a que corresponde o Novo Testamento, com sede em Roma;

Idade do Espírito Santo, a que corresponde o “Evangelho Eterno”, onde a inteligência permitirá aceder à Felicidade e à Terra Prometida, com sede na Vila da Meca (Centro Mítico), perto de Alenquer, onde se fará a união das três religiões

Estamos aqui porque sentimos que a nossa compreensão do mundo não é completa, porque sentimos que a nossa missão no mundo é muito maior do que a realidade nos dá porque vivemos com uma espécie de insatisfação incompreendida e com o nosso coração sempre em sobressalto por algo que nos falta e nos completa.

Temos uma Saudade que só nós compreendemos, a Saudade de um Futuro que no nosso inconsciente nos faz olhar a vastidão do oceano com vontade de abraçar o mundo.

O que foi dito sobre o caminho não está completo, mas o suficiente para iniciar esta peregrinação.

Nós somos a matéria prima que deverá ser trabalhada. Os ensinamentos dos mestres são as ferramentas que permitirão fazê-lo. A Vontade é a energia de Transmutação que pelo verde da Emoção, nos permitirá atingir o Graal.

“Nesta nação nascerá o quinto império do mundo”

Perante a profusão de conceitos existente e diante das dúvidas levantadas constantemente pelo próprio Ser Humano é natural que nos interroguemos sobre o significado do mito de Deus que é o primeiro a surgir na vida de cada um de nós, na qual se projecta das mais variadas formas e através dos conceitos mais complexos e variados.

Os mesmos que me levam, afinal, a trazer estas dúvidas à tona das ideias e a interpretá -las.

O Homem só acredita naquilo que vê; naquilo que percebe; naquilo que sente; no que para ele tem explicação plausível.

E Deus não tem uma explicação fácil.

Não sendo uma imposição filosófica, e não tendo bases reais de entendimento, o que é então o mito de Deus?

Os niilistas não o concebem nem o discutem. Simplesmente, para eles, não existe.

São capazes de discutir a razão de viver e não entender porque vivem e, por isso, desejam a morte como solução para todas as dúvidas. Exactamente porque se negam a si próprios.

Os ateus, os budistas e os hinduistas não percebem o Deus – virtude, o Deus -exemplo, o Deus – explicação, o Deus – Universo ou o Deus – inteligência infinita. E não percebem porque não o admitem.

Os agnósticos ficam pela incerteza. Não negam Deus, mas também não o afirmam.

Mas há outros credos, começando no católico e continuando nos protestantes, anglicanos, ortodoxos, judeus, samaritanos e mais alguns onde Deus surge como Entidade Suprema.

Mais ideias, religiões, seitas, grupos, pensamentos, correntes, opiniões, filósofos, metafísicos, fazem ou desfazem o conceito de Deus conforme lhes apetece e ninguém lhes pode levar a mal por isso, porque se o fizessem estariam a contrariar o espírito da criação e o próprio mito de Deus.

Aliás, Deus é inatingível e inimaginável, logo não tem definição.

É Deus!

Chega a nós como uma abstração, mas também como uma esperança e como uma solução em resposta a muitas dúvidas levantadas pela existência humana.

É um dos polos da dúvida permanente e, para muitos, é o sim, é o bem, é o positivo, é o bom, é o amor, é o Céu, é o absoluto, é o certo…

E é neste aspecto que vale a pena discutir a existência filosófica de Deus, na imaginação do Ser Humano, como parte reflexiva, como teoria convencional do certo, como caminho, como objectivo e, até, como finalidade.

Deus é impessoal. Não é, nem pode ser, antropomórfico. Não tem género. Nem cor de pele. Não tem nacionalidade.

Expressa – se de forma eloquente, mas não através da fala ou da linguagem gestual.

Está muito para além disso. Está muito para além da compreensão humana.

Alguns ensinam que Deus criou o Homem à sua imagem, quando deveriam admitir que o foi o Homem que inventou Deus à sua imagem e que o destruiu dentro de si.

E esta é a verdade angustiante, aquela que causa mais problemas ao Mundo que conhecemos ou, eventualmente, também aos Mundos que desconhecemos.

O mais razoável é admitir que acreditar em Deus é acreditar em si próprio e que aperfeiçoar a sua personalidade é edificar o seu templo interior, reconstruindo e purificando a sua alma.

Acreditando, ou não, num Ser sobrenatural, numa inteligência superior, num padrão inatingível de capacidade, vale a pena acreditar no caminho certo, nas virtudes, na ajuda, na fraternidade, no amor, nas noções de bom e de bem, na família, nos amigos e perceber que aparte a teoria da criação, o Homem vive em comunidade, é um ser gregário e tem à sua volta espaços repartidos onde deveriam caber todos.

A maldade e o ódio foram e são gerados pelo Ser Humano e pelo seu permanente sentido de posse,

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ENTRE COLUNAS O MITO DE DEUS O MITO DE DEUS O MITO DE DEUS O MITO DE DEUS

pelo seu egoísmo, porque se julga superior ao outro, pela sua ânsia de poder e riqueza, pela pobreza dos seus sentimentos, pelo facto de pagar erros graves com orações a divindades imaginárias.

Deus é uma variante filosófica. É um mito.

Mas deve ser aproveitado naquilo que o mito tem de bom, de construtivo para o Homem.

Por outras palavras: as religiões deveriam conter formas de despertar o Ser Humano para o conhecimento, para a abertura dos seus horizontes, para a fé entendida como instrumento construtivo, aperfeiçoando e descobrindo a sua identidade.

Porquê?

Porque a única resposta plausível do Homem perante o Mundo e os Mundos, diante das teorias da criação e da inteligência superior entendida como sinónimo de Deus, é “SÓ SEI QUE NADA SEI”, como afirmou Sócrates.

E esta verdade é tão limitativa que pior será se não aproveitarmos os horizontes da fé, em nós próprios e na bondade da vida, para descobrirmos novos caminhos. E os horizontes da fé estão com a inteligência superior. Não estão com os Homens.

É por isso que nos encontramos neste plano da vida. Para nos redescobrirmos e nos aperfeiçoarmos. Para adquirirmos uma nova consciência. Para construirmos um templo interior onde caibamos todos.

O ano de 2023 é um novo desafio. Implica transformação. Necessidade absoluta de estabelecer a diferença. Renovação. Reajuste. Oportunidade. Descobrir o Homem actual.

É isso o que temos de fazer e aproveitar a circunstância para nos tornarmos melhores.

A Soberana precisa de nós. Temos um Templo novo para construir. Temos o Crescimento da nossa Obediência como objectivo maior. Temos uma egrégora para solidificar. Temos Seres Humanos para ajudar, para apoiar, para distribuir amor. Temos de honrar a memória dos nossos irmãos que partiram para o Oriente Eterno, chamados por Deus.

“O mito está presente, porque está em cada um de nós.”

ENTRE COLUNAS ÁRVORE SECA ÁRVORE SECA ÁRVORE SECA ÁRVORE SECA

I. A NOVA ERA. A MAÇONARIA. A SOBERANA

O mundo está a mudar mais rapidamente do que muitos de nós pensávamos.

A Maçonaria para ser relevante tem de estar presente no cerne das discussões éticas que mudam a humanidade. Tem de ser Líder.

Os Maçons de hoje são bastante diferentes dos que foram Iniciados há 30 ou 50 anos atrás. Vivem numa sociedade diferente e por isso a Maçonaria ou se renova ou irá morrendo lentamente.

A SOBERANA nasceu virada para o Futuro, que nos interessa bastante, porque é lá que vamos passar o resto da nossa vida.

Parafraseando Sócrates : “ O segredo da mudança é focar toda a nossa energia não em lutar com o antigo, mas em contruir o novo”.

O antigo aqui, é o passado recente. O futuro, são os primórdios da Maçonaria. É voltar atrás mantendo a essência mas actualizando-a com os ideais desta nova Era.

A Maçonaria da Nova Era (não só do novo Século) tem de perceber estas mudanças e estar alinhada com ela com o risco de se não o fizer estar a perder uma oportunidade única. Tem de voltar a focar-se na sua missão inicial e por isso fazer o seu caminho de volta ao início.

II.A SOBERANA e o RITO PORTUGUÊS

A SOBERANA e o Rito Português nasceram para esta nova era.

Como dizia Pessoa, primeiro por Castigo, agora por Missão.

O Rito Português, capaz de traduzir de forma condensada, a especificidade do ser português, a sua espiritualidade, e o seu contributo para uma eventual harmonização de um processo de globalização, que se vem revelando, iníquo e desajustado, é um contributo inestimável para a Maçonaria Universal.

Advoga um despertar de consciência através da evolução nos diferentes graus maçónicos do Rito, ancorados nos mitemas da história de Portugal que de forma análoga a outros mitos de outros Ritos é Universal mas no nosso caso também escatológica e salvívica.

O Rito Português pretende o Despertar para dentro. É o caminho da Espiritualidade que é a base de toda a Maçonaria. Todos os símbolos, alegorias, sinais e rituais são espelhos de uma Espiritualidade que está presente do Templo ou Temenos, que promove a diferenciação das energias , Tempo e Espaço (de Profanos para Sagrado) e que depois permite a convocação do sagrado, a partir do qual a Loja é aberta de forma regular.

Por isso como dizia Pierre Teilhard de Chardin, “A religião não é apenas uma, são centenas. A espiritualidade é apenas uma. As religiões são “portagens” para a Espiritualidade. A religião é causa de divisões. A espiritualidade é causa de União. A religião procura-te para que acredites. A espiritualidade tu tens que procurá-la. A religião segue os preceitos de um livro sagrado. A espiritualidade busca o sagrado em todos os livros. A religião sonha com a glória e com o paraíso. A espiritualidade faz-nos viver a glória e o paraíso aqui e agora”.

Não somos seres humanos passando por uma experiência espiritual. Somos seres espirituais passando por uma experiência humana. Por isso esta Nova Era convida a trazer a Espiritualidade para a Materialidade.

Este ano de 2023 ( 2+0+2+3=7) é um ano de grandes mudanças.

Estamos numa fase de mudança e de diferenciação de energia, onde o Mal é mais Mal e o Bem mais Bem, porque é nas noites mais escuras que as estrelas brilham mais.

Estamos no INTERREGNO o espaço entre reinos ou seja o Nevoeiro. Um momento de inversão e treva.

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De acordo com a profética portuguesa, Portugal vai ter um papel fundamental na salvaguarda da Europa.

O Rito Português interessa-se mais pela enigmática verticalidade do Homem cósmico, do que pela popular horizontalidade da parte humana.

A imperiosa necessidade de auto- conhecimento é o fundamento da auto-realização ou auto-redenção.

Tudo visa unicamente o despertamento do poder espiritual no homem. O processo evolutivo do Ego que é mortal, para o Eu que é Imortal.

O Ego é o pior inimigo do Eu, embora o Eu seja o melhor amigo do ego.

De acordo com todos os livros sacros, sobretudo do Evangelho do Cristo, o homem-Eu não deve mandar embora o homem-Ego, mas sim colocá-lo na retaguarda da sua vida (vade retro) . O São Jorge não mata o

Dragão porque precisa dele. O homem espiritual deve servir-se do homem físico-mental-emocional para espiritualizar-se cada vez mais; deve integrar o ego no Eu, o humano no divino, o seu Jesus no seu Cristo.

III. A ÁRVORE SECA E PORTUGAL.

A divulgação além fronteiras do gibelino da coroa Portuguesa na transição do sec 15 para o sec 16, pode depreender-se duma gravura alusiva a Portugal (ou Portugalia) que ocorre na Liber Chronicarum de Hartmann Schedell (Nuremberga / 1493) na qual uma Árvore Seca é exibida em primeiro plano, como se ela fosse o distintivo próprio do reino, que reconhecera que todo o poder vem do Céu e não do Bispo de Roma.

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ENTRE COLUNAS

“A Maçonaria para ser relevante e tem de estar presente no cerne das discussões éticas que mudam a humanidade. Tem de ser Líder. Os Maçons de hoje são bastante diferentes dos que foram Iniciados há 30 ou 50 anos atrás. Vivem numa sociedade diferente”

Segundo a Lenda de Marco Polo, existiu uma Árvore Solar ou da Vida, que ocupara há muito o centro do Paraíso terreal. Aquando da expulsão de Adão e Eva do Éden, Set, o 3º filho dos progenitores primordiais, teria logrado apoderar-se dum rebento da Árvore que transplantara para o Vale de Ebron na Palestina onde frutificou, tendo no entanto murchado no dia em que Jesus foi crucificado, dando início a um período de decadência da Humanidade.

Nas diferentes versões da história de Alexandre, a Árvore Seca seria associada ás Árvores do Sol e da Lua, da Vida e da Morte o que nos remete para Tomar. No ciclo da Távola Redonda, a Árvore Seca tornar-se-ia o símbolo do próprio Graal.

A Serpente de Bronze (Salus Vitae) enroscada na Árvore Seca, a Árvore Lunar da Cavalaria Espiritual, no brasão de armas português e na Igreja Manuelina, tem um carácter profilático e apotropaico.

O Cristianismo de São João considerava-a como figura mística do Redentor : a Serpente crucificada. A Árvore do Paraíso era seca e o santo lenho (linhum vitaem) prenúncio profético da revelação do Filho do Homem. Mediante determinados acontecimentos, seria restituída à Árvore o tão desejado viço e asseguraria a consequente reconquista do estado paradisíaco perdido. O Homem caído revestir-se-ia então, das vestes de Luz do Homem novo.

Dante acha-se implicado nesta reflexão. A adesão do florentino aos ideais gibelinos permite dizer que a visão da Árvore que reverdesce, teve-a ele de acordo com o texto do purgatório, na Divina Comédia, onde a planta antes seca ganha vida, apresentando agora flores de uma cor entre rosa e violeta.

É Hora de começar a regar a Árvore.

É hora de passar de Pedreiros a Agricultores.

A árvore tornar-se-á verde outra vez e dará frutos.

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MAÇONISMO LUSIADA, DECADENTISMO E FERNANDO PESSOA

O ponto de convergência conceptual (subjacente), que une a tripla referência supra, releva, como traço de união, da ideia de PÁTRIA, referida em António Quadros (A Ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos Últimos 100 Anos, Fundação Lusíada, Lisboa, 1989), como “entidade colectiva transcendental, dinâmica, poliédrica e duradoira, possuidora de um espírito, que não se confina a um espaço tempo social, nem se reduz (ou justifica) a factores alectórios, económicos, sociais ou políticos”.

Aquele autor convida-nos, então, a conceber a PÀTRIA, como um SER, uma mónada (substância

indivisível, indissolúvel e indestrutível), na sua unidade primordial e assim sendo, entender-se-á, porque os seres pátrios resistem e subsistem, contrariando factores de degenerescência de decadência, em função de uma permanente força vital, que os anima, e de um instinto de renovação, presente, desde os primórdios.

Esta asserção, configura uma constante, expressa no pensamento de Fernando Pessoa (como em muitos outros), implícita num maçonismo Lusíada, nos seus fundamentos filosófico – literários, mitológicos e práticas ritualísticas. Nesta conformidade, a variada

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referência explicitada na obra do poeta, indiciando uma perspectiva ontológica do pensamento maçónico e integrando uma ideia de Pátria Lusitana, bem como a concepção de uma maçonaria nacionalista cosmopolita, permitirá ou justificará, o termo “maçonismo lusíada”, o qual, foi vertido, igualmente, no designado, Rito Português.

Tudo isso, chamará á colação, a referencia a um imaginário, expresso metaforicamente, na nossa literatura, na poesia e na arte, tornando evidente, a insólita pujança mitogenética, característica identificadora primordial, de uma Paidéia Lusíada, cuja urgência de ressurgimento e dinamização, se fazia (ou faz ainda) pesadamente sentir, em ordem a contrariar nos finais do séc. XIX (com especial incidência a partir das Conferencias do Casino Lisbonense e do Ultimatum britânico), um sentimento de crise e decadência, que se prolongará, nas

primeiras décadas do séc. XX.

Foi justamente no âmbito de um sentimento de decadência ou degenerescência, que atingirá o país, sobretudo no decorrer daquele período, (mas com raízes, no mínimo, desde o seculo XVI), que Portugal, se iria questionar a si próprio, como sociedade, nação e pátria. As diversas posições e correntes de pensamento em conflito, notadamente, desde o iluminismo e os estrangeirados, no liberalismo, no europeísmo da geração de 70, e mais tarde com a Renascença Portuguesa no campo cultural, filosófico e artístico, até tempos posteriores, prolongando-se mesmo, até ao nosso século, todos eles enfim, pensando a ruptura, a alternativa, a transformação de toda uma sociedade débil e atrasada (uma “Pátria doente”), cujo disgnóstico colhia alguma unanimidade, diferenciando-se contudo, no remédio a adoptar.

-Lembremos apenas em “voo de pássaro”, as designações de algumas das correntes filosóficas e ideológicas, por vezes contraditórias, então em debate, perspectivando e modo diverso, o país, a sua cultura, as estruturas sociais: positivismo e cientismo, evolucionismo e materialismo, existencialismo nietzscheano e agnosticismo kantiano, idealismo anteriano e pessimismo simbolista, humanitarismo e anarquismo, republicanismo e laicismo, anticlericalismo e anticatolicismo, socialismo proudhoniano e marxismo e outras mais.

Esses conflitos ou oposições entre correntes de pensamento estético-filosófico e sociais divergentes, articulavam-se como é sabido, no questionamento de uma vasta temática mais geral, sobre o progresso civilizacional europeu (e sua descrença) e a questão social du fin de siécle, mas também, numa problemática, aplicada á situação portuguesa, sobre os modelos em que se deveriam inscrever, o progresso civilizacional e cultural, a liberdade, a urgente superação do nosso crónico atraso, nas suas diversas dimensões histórico-sociais e culturais, a superação das causas de regressão ou decadência do social, as críticas ou apologias, do pragmatismo e o utilitarismo anglo-saxónico, perante uma tradição e uma matriz histórico-cultural lusa.

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Nesta amálgama de ideias, Fernando Pessoa inscreve-se como um dos protagonistas de um pensamento e de uma geração, que problematiza a regeneração (reflorescimento) de um espírito português e que ficou conhecido por “Movimento da Renascença Portuguesa” (1912-1918), concretizando-se numa plêiade de pensadores, em torno da revista “Àguia” (de espírito renovador e ecléctico) e do núcleo doutrinário, constituído por Teixeira de Pascoaes (saudosismo), Leonardo Coimbra (criacionismo) e Jaime Cortesão (cristianismo paraclético) e seus posteriores seguidores, sobretudo agrupados no “Movimento da Filosofia Portuguesa”(Álvaro Ribeiro em 1943) com António Braz Teixeira, Orlando Vitorino, Pinharanda Gomes, António Telmo, António Quadros, Dalila Parreira da Costa e no Movimento 57 (fundado por António Quadros em 1957). Em todos eles, ressalta a ideia de que o espírito português, ou o “ser português”, exprime uma originalidade inconfundível, na sua dimensão ontológica, ligada á procura metafísica da universalidade do homem. Esse pensamento, é constatável no Sebastianismo Gnóstico de Pessoa (antes da ruptura de 1914, atraído pelo Modernismo e do aparecimento da revista Orfeu, juntamente com Mário de Sá Carneiro, Santa Rita Pintor, Almada Negreiros, António Ferro, entre outros.

Embora não sendo certa, a sua inserção em qualquer organização maçónica, Fernando Pessoa demonstrava possuir um amplo conhecimento sobre esta temática, sendo possível o facto de ter sido iniciado.

Em termos gerais, o que nos deixou escrito, deixa surpreender, uma complementaridade ou conexão, entre Rosa Crucianismo, Templarismo e Maçonaria, bem como, algum tipo de relação pessoal, por vezes algo nebulosa, com personalidades marcantes, na época, como Aleister Crowley (também denominado “Besta 666), adepto telemático e ligado a correntes esotéricas. Este, para além de poeta, astrólogo, mago e ocultista, teve presença notável, em várias organizações, como fundador da Hermetic Order of de Golden Dawn, na Ordem Templária do Oriente, ou na Ordem Argenteum Astrum.

Fernando Pessoa, tal como diversas notáveis personagens do tempo, foi certamente influenciado, por aquela complexa e algo nebulosa personagem, nomeadamente quando do episódio da Boca do Inferno em Cascais. A criação na sua perspectiva, assemelhava-se a um acto Alquímico-Mágico (magia intelectual), ao modo de um Henry Corbin.

Em complemento, o poeta, intermediário entre

o mundo sensível e o mundo inteligível e eterno, onticamente peregrino de si mesmo, também discorreu sobre complexas temáticas especificas, ligadas à maçonaria, nomeadamente as importantes reflexões sobre INICIAÇÃO, bem como sobre as correntes “martinistas” e Estrita Observância, a Ars Quatuor Coronatum, o Arco Real (e outras mais).

Em toda a sua obra, não se detectam, contudo, esclarecimentos insofismáveis (intencionalmente?), sobre a sua pertença a qualquer Augusta Ordem (ele classificava-se como “um Irregular do Transepto?”), embora, segundo alguns estudiosos, com alguma probabilidade, pertenceria a algum Capítulo Templário, ou a algum círculo iniciático, ou loja maçónica dita “selvagem” (isto, é fora de qualquer Obediência), ou ainda, Rosa Cruz. Num texto inédito de 1935, Fernando Pessoa, informa que” é á luz dos conheci-

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mentos que recebi pêlos três Graus Menores da Ordem Templária (provavelmente, e ainda segundo o poeta, no contexto de uma hipotética Ordem Templária de Portugal), que pude ler com entendimento, livros e rituais maçónicos ”, mostrando ter sido beneficiado de uma qualquer iniciação prévia, muito embora igualmente, afirme, talvez defensivamente, de seguida, que, “Não sou Maçon, nem pertenço a qualquer Ordem semelhante ou diferente”…uma Ordem iniciática, só o é verdadeiramente, quando está em actividade…no estado de dormência, não é propriamente uma Ordem mas apenas, um “sistema de iniciação”. A referida iniciação ter-se-ia efectivado, não por intermédio da leitura de livros, mas por meio de uma preparação especial centrada na comunicação directa de Mestre a Discípulo.

Não se estranhará a negação da sua pertença

(ou não), á Maçonaria. Efectivamente, estando a Maçonaria Portuguesa interditada de operar (Dec. Lei 1901, de 21 Maio de de1935), a eventual ameaça de punição, levaria à negação, de pertença a uma Ordem iniciática, do tipo da Maçonaria, embora tal, nunca constituiria motivo para não vir a público defender corajosamente, a nossa Augusta Ordem.

Na verdade foi com frontalidade, que o poeta publicou, no Diário de Lisboa no ano de 1935, um corajoso artigo, no qual defende a Maçonaria, num período particularmente difícil de perseguição e proibição de “associações secretas”, mas sobre as quais Pessoa diria que não eram tanto secretas, mas INICIÁTICAS. “A Ordem Maçónica é secreta por uma razão indirecta e derivada – a mesma razão porque eram secretos os Mistérios Antigos, incluindo os dos cristãos, que se reuniam em segredo para louvar a Deus, em o que hoje chamaríamos Lojas e Capítulos, e que para se distinguir dos profanos tinham fórmulas de reconhecimento- toques ou palavras de passe (…)”, sendo, sobretudo, do seu elemento fraternal e humano, que a Maçonaria retira o seu cunho universalista.

Seja como for, realmente, os seus textos, revelam um profundo conhecimento, da história, da complexidade, natureza e fins da maçonaria, ritos, rituais e simbolismo iniciático, bem como, da grandeza da sua espiritualidade. Essa vertente espiritual, inscreve-se numa matriz cristã gnóstica e por isso, compreende-se, a referência de que, o Evangelho seria afinal, um tratado de iniciação maçónica e a Bíblia, como que um tratado de Alquimia, escrita em cifra transcendental. Esse gnosticismo crístico, cuja ritualística alguém sugeriu, ter sido eventualmente praticado na Quinta da Regaleira, concorda em certa medida com a asserção atribuída ao poeta de que “…então a maçonaria é, ou tem de ser católica, pois que os pedreiros livres, tinham por compromisso respeito e temor a Deus, a fé em Jesus Cristo e na Trindade Divina, o Culto da Virgem Maria e a obediência «a Santa Madre Igreja”.

Mas, para além disso ou apesar disso, Fernando Pessoa defende, toda a Maçonaria, ou seja, a Ordem Maçónica em geral, compreendendo todos os ritos, de todas as Obediências, em todos os países: “a Maçonaria embora materialmente dividida, pode considerar-se como unida espiritualmente”, independentemente de fragilidades doutrinais, aqui e além: “O espírito dos rituais sobretudo o dos graus simbólicos, é o mesmo em toda a parte…quem tiver chaves herméticas, em qualquer forma de um ritual,

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numa visão actual, com as justificações espúrias que tem presidido ao fenómeno divisionista e fragmentário, que se assistiu desde a modernidade, até á Maçonaria contemporanea, nomeadamente em Portugal, mais parece ser imperativo, proceder a uma reflexão e ao questionamento actualizado, da problemática levantada pelo poeta.

Com efeito, ele apresenta uma concepção, que subscrevemos, daquilo que também aqui se poderia designar, por um Nacionalismo Cosmopolita, ou seja, uma perspectiva englobante, não exclusiva, de toda a Maçonaria, não excludente (também) das trajectórias e especificidades de cada Obediência e de cada maçon (por respeito á cultura especifica de onde emerge).

È possível admitir a hipótese de que, a exclusão explicita, ou recusa, de um monolitismo normativo, poderia constituir, eventualmente, um incentivo, quer á crítica judiciosa das fontes e sua descrição factual, quer á emergência da criatividade necessária, em ordem a um processo adaptativo, urgente, das diversas correntes maçónicas, em contexto mutacional rápido, difuso e imprevisível, como o que actualmente atravessamos.

Todavia, aquele posicionamento inclusivo, que o poeta advoga, não exclui a formulação de juízos de valor, ou justo criticismo, na comparação com as diversas correntes ritualísticas e institucionais. Sabe-se da desvalorização relativa, por ele atribuída, ao REAA (“baseado numa complexa sobreposição de fraudes”) perante os méritos do Arco Real, da Maçonaria da Estrita Observância Templária ou RER, das diversas doutrinas do Martinismo, etc.

encontrará sob mais ou menos véus, as mesmas fechaduras”. Todas elas, evidenciam uma unanimidade iniciática inscrita nos três primeiros graus, inscrevem igualmente, os grandes temas da ética maçónica, bem como, os grandes valores proclamados para a Sociedade e ainda, uma pedagogia, incitando a uma constante aprendizagem de Si, da relação com os outros e com o Cosmos.

“Resulta desta comunidade de espírito profundo, deste íntimo e secreto laço fraternal, que ninguém quebrou nem pode, ou fundo comum de iniciação quebrar, que uma Obediência, ainda que tenha poucas ou nenhumas relações com outra, não vê, todavia, com indiferença, o ser esta atacada por profanos” (Matos, Jorge, O Pensamento Maçónico de Fernando Pessoa, Lisboa, 2006. Ed Sete Caminhos).

Se compararmos estas observações, inseridas

Dos diversos aspectos e dimensões esotéricas em que um Rito Português (Lusíada) se poderia inspirar, considerando as obras de Fernando Pessoa, talvez o “Caminho da Serpente” (Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética- Fragmentos do Espólio - Introdução e Organização de Yvette Centeno, Lisboa, Presença, 1985), incidirá com mais profundidade, sobre a identificação de alguns eixos de reflexão, relativamente ao pensamento esotérico do poeta:

Em primeiro lugar o decisivo papel da iniciação, perante uma vida que não é mais que sonho, ilusão, mundo de sombras projectadas na parede da caverna, onde estamos prisioneiros. Assim a INICIAÇÃO ao dissipar, parcial e gradualmente a ilusão, constitui a via de acesso em ordem a permitir ao caminhante libertar-se desse reino das sombras e das ilusões, e ganhar consciência da sua transmutação interior, do seu SER/SENDO, da sua parcela de identidade

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partilhada com o Divino.

Em segundo lugar, um percurso serpentino: para o poeta, esse processo de transmutação, implicaria percorrer um caminho, integrando diversas etapas, ou fases, da vida (partindo da mais inferior à superior, ou seja, da serpente instintiva, ctónica, diabólica, até chegar a Deus), de acordo com o esquema serpentino, e que têm necessariamente de serem vividas, sem o que, correr-se-ia o risco de não alcançar a identidade final com Deus.

Pressupõe-se que qualquer, das fases desta procura espiritual, desta demanda, reiteradamente aludida nas diversas expressões artísticas, vem conexa com o estado de conhecimento do SER. Assim a partir da Serpente, representando o MAL, ou o Diabo que existe em nós, será preciso obrigatoriamente, passar por SATAN, até chegar a Deus. Ou seja, será necessário ao sujeito, passar pela experiência do mal, que de resto, a concepção cristã parece expeditamente resolver, ao admitir a imanência do pecado original (o MAL) e imperativo da sua superação, como condição prévia, na atribuição de sentido, significado e vivencia do BEM, numa virtuosa existência.

De resto esta dimensão espiritual em Pessoa adquire contornos dificilmente explicáveis, para a sensibilidade perceptiva da pessoa comum, equivalendo à tentativa infrutífera de tentar explicar o inexplicável, porque presos do positivismo que enforma a nossa experiência empírica e vivencial.

O individuo não será nunca um ser imaculado a priori, pois que, é necessário admitir a presença do “Diabo” em nós, cuja força terá de ser dominada, sem o qual será impossível, passar para os graus superiores do caminho. Neste passo, Fernando Pessoa introduz um pensamento curioso, ao afirmar a hipótese de, se por acaso, um individuo que nunca tivesse cometido qualquer acto condenável, ou censurável, não possuiria qualidade exigida, para subir os degraus sucessivos da escada da vida (alcançando finalmente as alturas do espírito), porque faltaram “degraus” no caminho percorrido, ou faltou mesmo, a própria “escada”.

As concepções precedentes, parecem-nos consentâneas com diversas interpretações alegóricas, presentes em diversas narrativas mitológicas (Escada de Jacob? Tábua de Cebes?), convergindo na expressão comum, do arquétipo da descida, regeneração e ascensão, naturalmente presente, de resto, nos mitologemas propostos por Durand, ou no complexo mítico, inspiradores do Rito Português.

A nossa insistência em Fernando Pessoa como autor paradigmático de uma POESIS (ou seja, o seu espírito criacionista e de descoberta, de uma poesia virada ao futuro, impulsionada com base na imaginação dinâmica e no sentimento saudoso), é compatível com um constante questionamento de si, do seu SER, dos seus fantasmas.

Provavelmente, também em Fernando Pessoa emergiriam fenómenos que o complexo conceito de “anima “e “despersonalização” (Jung) permitiriam identificar, mas que aqui não explanaremos.

Mas em verdade, em muitas obras do poeta, ressalta um espírito inquieto, desassossegado, sofrendo e tentando descrever episódios psíquicos que mal compreendia e que o assustavam:

“…é uma sensação horrível…estes sentimentos estão a tornar-se correntes; parecem preparar o

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“A poesia, a pintura, a literatura, a música, em suma, a arte em geral, em conexão com as suas origens míticas, mágicas e sagradas, permite a ultrapassagem, para além das barreiras da razão e da consciência, equacionando a ruptura total e irredutível com o universo do pensamento positivo, lógico, cartesiano, prevalente ainda no mundo redutor e utilitarista da actualidade.”

meu caminho para uma nova vida mental, que será evidentemente a loucura. Na minha família não há compreensão acerca do meu estado mental… não tenho ninguém a quem confiar…sinto-me sozinho como um naufrago no mar…” (carta a Armando Teixeira Rebelo, 1907).

Manuel Gandra, sugere que, tal estado mental permitirá a analogia com idêntica situação (?) ocorrida comem Mário de Sá Carneiro, e que o teria levado ao suicídio.

Ainda numa conferencia sobre Fernando Pessoa, realizada em 1940, por Carlos Queiroz, este admitia “…todos os poetas, são acompanhados ou mesmo perseguidos, por entes invisíveis que se exprimem numa linguagem desconhecida de natureza mais musical que idiomática, ouvir essas falas numa total concentração anímica, num estado de pura inconsciência lúcida, e interpretá-las, eis o que chamo, acto de criação poética…”.

No seu soneto Abdicação, faz referência aquele fenómeno curioso, como algo que frequentemente o invadia, neste caso, com um grau de intensidade nunca anteriormente sentido; fenómeno determinante no estabelecimento dos seus heterónimos.

Do mesmo modo podem ser considerados textos carregados de hermetismo, expressando episódios metapsíquicos e espirituais (projecção do duplo etérico) ou como Pessoa dizia, Experiências de Ultra Sensação

A poesia, a pintura, a literatura, a música, em suma, a arte em geral, em conexão com as suas origens míticas, mágicas e sagradas, permite a ultrapassagem, para além das barreiras da razão e da consciência, equacionando a ruptura total e irredutível com o universo do pensamento positivo, lógico, cartesiano, prevalente ainda no mundo redutor e utilitarista da

actualidade. È nesse contexto que o sonho, a lenda, o mito e a inteligência imaginal ganham toda a pertinência ma expectativa saudosa de outro tempo, tal como Vieira quis transmitir.

É na admissão das considerações pessoanas precedentes, que se torna possível equacionar emergência de um “maçonismo Lusíada” (até há pouco tempo inédito) apelando para as raízes de uma “paideia” que embora específica, possui aquele cunho universalista, inerente á missão ecuménica, que, quer Pessoa, quer Gilbert Durand (entre muitos outros), tão bem identificaram.

Com efeito, ao longo da nossa história cultural e do pensamento literário e filosófico, constata-se, uma perspectiva visionária, profética, messiânica heterodoxa, transcendental e mística, que teria enformado um conhecimento subjacente e codificado (lembremos os Jerónimos, ou os painéis de São Vicente, por exemplo) e que se encontra reflectido nas variadíssimas expressões do nosso património artístico e cultural. Tal reflexo pode ser identificado desde remotas eras (desse eras pré-cristãs, até ás actuais teses espiritualistas) configurando uma visão cósmica de uma unidade Deus/Natureza/Homem.

Pese embora, tais conhecimentos se revestirem então, de relevância decisiva, até para completamento de sentidos existenciais de que nos encontramos carentes, em verdade, sofrem, ainda hoje, de omissões, desvalorizações, que urge limitar e superar.

Um maçonismo Lusíada, inspirado em criadores (como Pessoa)de que acima se fez alusão, parece pois constituir, não apenas um valor intelectual e instrumental, em ordem á tal superação, mas igualmente um desafio á nossa assertividade e resiliência,na persecução dos nosso desígnios.

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EMOÇÕES, ESPIRITUALIDADE E UMA FORMA DE VIDA

Diariamente somos confrontados com inúmeros casos de conflito que facilmente se poderiam resolver se as pessoas estivessem emocionalmente estáveis e mais seguras de si mesmas. Na realidade, é o medo o principal fator de desequilíbrio do ser humano, é a incapacidade de gerir a sua própria ansiedade motivada pelos estímulos internos e externos, e interpretados pela sua própria mente, condicionada pelas suas perceções, história/experiência de vida, valores e motivações.

Já reparou que o grande défice de equilíbrio emocional tem a sua origem em situações do passado? Como poderíamos resolver este problema tão básico e tão importante para o equilíbrio pessoal? Uma das respostas passa pela tomada de consciência do que desconhecemos e da necessidade de nos fortalecermos através da formação e da educação para a melhoria contínua ao longo da vida.

A resposta a estas questões passa também por compreender melhor os mecanismos de funcionamento do cérebro e da mente humana. É preciso entender que o ser humano toma decisões baseadas em preconceitos e vieses cognitivos que interferem muitas vezes com a sua racionalidade.

Saber que os pensamentos positivos ou negativos influenciam o estado emocional de qualquer ser humano e que este por sua vez influencia o seu comportamento é um passo fundamental e de enorme importância para desenvolver relações mais positivas e mais saudáveis.

Descobrir a dor do outro através da escuta profunda e da capacidade de observação e manifestar empatia acaba por ser também uma das condições que nos torna mais sensíveis e humanos e mais capazes de ser solidários porque a espiritualidade do ser, passa por compreender,

interiorizar e pela prática de uma atitude de busca contínua de soluções para a sociedade no seu todo.

E aqui, mais do que nunca, é fundamental a consciência crítica que torna o maçon um ser especial, um livre pensador, capaz de definir o seu percurso de vida, na busca da sua espiritualidade e da sua relação com o divino. É na comunicação que reside a essência da espiritualidade, pois é através dela que nos orientamos e nos posicionamos enquanto influenciadores do comportamento humano.

Investir no desenvolvimento pessoal, na formação contínua ao longo da vida é fator crítico para os maçons conscientes do seu papel enquanto líderes, enquanto pais e enquanto educadores. É desta forma de vida que importa encontrar o propósito que nos guia.

Por isso que os maçõns têm sobre si essa enorme responsabilidade, a de criar as melhores condições para o desenvolvimento das lojas, das obediências e dos seus obreiros.

É assim que comunicação, emoções e uma forma de vida se interligam, criando um espaço e um tempo em que o ser maçõn significa essa busca constante da perfeição, de ser cada dia melhor do que no dia anterior e por via da espiritualidade, alcançar o seu equilíbrio na natureza e no universo de uma forma sustentável.

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“Você nunca sabe que resultados virão da sua ação. Mas se você não fizer nada, não existirão resultados.”
Mahatma Gandhi
TEMPLO INTERIOR

A NOSSA BARCA ÚNICA - A TERRA?

Ser Maçon, acreditar que estamos em permanente e mútua aprendizagem, não pode resumir-se ao estrito campo do debate de ideias, tem de ser olhar para essa aprendizagem no contexto da vida que nos envolve.

Muitos crentes e entre eles nós, os Maçons, acreditamos que uma das nossas funções é a preservação, e melhoria até, desta nossa barca que flutua no Universo.

Aliás por cinco vezes na história do nosso planeta, surgiram circunstâncias negativas que geraram a extinção de uma grande parte da vida na Terra e, agora, dizem os cientistas, a vida na Terra pode viver novos problemas dizendo alguns deles que podemos estar prestes a entrar num sexto momento de extinção massiva de espécies vivas!

Desde as mudanças climáticas causadas pela atividade do ser humano, a exagerada industrialização, o abuso de combustíveis fósseis, até às mudanças no uso da terra no processo de industrialização e massificação da agricultura via o abuso dos produtos geneticamente modificados e à poluição das águas, tudo parece transformar rapidamente o planeta, o que dificulta a adaptação e a sobrevivência de muitas das espécies e por tal, numa cimeira descrita como a “última Oportunidade” para a natureza, no Canadá, os cientistas e líderes políticos e de opinião tentaram, em desespero de causa divulgar a escala da crise.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, disse na Cimeira que um milhão de espécies agora “balançam à beira” do aterrador desaparecimento, “Em todo o mundo, por centenas de anos, conduzimos uma cacofonia de caos, tocada com instrumentos de destruição”, disse ele.

Esclareçamos que cientificamente extinções em massa são episódios da história da Terra em que o planeta perde rapidamente três quartos ou mais de suas espécies e os cientistas que estudam o registro fóssil referem-se a “Cinco Grandes” extinções em massa que ocorreram ao longo de 540 milhões de anos.

Assim, é possível que o impacto de um asteróide tenha levado à morte dos dinossauros há 66

milhões de anos, e mais recente também, a possível queda de um asteróide no que hoje é o México há 66 milhões de anos, tenha incendiado o hemisfério ocidental e eliminado os dinossauros.

Sem se saber exatamente o que causou todas as extinções em massa, a verdade é que, elas envolveram mudanças rápidas e dramáticas no clima, oceanos e na terra.

Estamos então a causar uma sexta extinção em massa?

Antes do mais quais foram as cinco anteriores extinções em massa registradas,

1. Extinção do Ordoviciano

Quando: há 445 milhões de anos.

Desaparecimento das espécies: 60-70%

Causa provável: período glacial curto, mas intenso. Nessa altura a vida encontrar-se-ia sobretudo nos oceanos e estima-se que uma rápida glaciação congelou a maior parte da água do planeta, provocando a queda do nível do mar fazendo com que os organismos marinhos como as esponjas e as algas fossem os principais afetados, assim como os moluscos, cefalópodos primitivos e peixes sem mandíbula chamados ostracodermes.

2. Extinção do Devoniano

Quando: há entre 360 e 375 milhões de anos.

Desaparecimento das espécies: até 75%

Causa provável: esgotamento do oxigênio nos oceanos.

E de novo os organismos marinhos terão sido os

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TEMPLO INTERIOR

mais afetados com a variação do nível dos oceanos, a mudança climática, ou o impacto de um asteroide a terem sido considerados como possíveis fatores responsáveis.

Uma das teorias aponta para a hipótese da proliferação de vegetais terrestres a gerarem uma anoxia (falta de oxigênio) nas águas de superfície fazendo com que trilobitas, ou artrópodes do fundo dos oceanos, fossem as principais vítimas.

3. Extinção do Permiano

Quando: há 252 milhões de anos.

Desaparecimento das espécies: 95%

Causas prováveis: impactos de asteroides, atividade vulcânica.

É classificada como a “mãe de todas as extinções”, sendo uma crise biológica que devastou os oceanos e os eslavos terrestres. É também a única em que praticamente todos os insetos desapareceram.

Terá ocorrido segundo uns durante um período de milhões de anos, segundo outros em apenas 200.000 anos.

As trilobitas que sobreviveram às duas primeiras extinções desapareceram então completamente, assim como alguns tubarões e peixes com ossos. Na terra, os moschops, répteis herbívoros de vários metros de comprimento, também desapareceram.

4. Extinção do Triássico

Quando: há 200 milhões de anos.

Desaparecimento das espécies: 70-80%

Causas prováveis: múltiplas, num debate ainda em aberto.

A misteriosa extinção do Triássico eliminou muitas grandes espécies terrestres, a maioria delas arcossauros, ancestrais dos dinossauros e dos quais descendem os pássaros e crocodilos modernos. A maioria dos grandes anfíbios também desapareceu.

Diz uma teoria que, erupções maciças de lava durante a fragmentação da Pangea, o último supercontinente, com erupções acompanhadas por enormes volumes de dióxido de carbono causaram um aquecimento climático galopante.

Outra teoria defende que terão sido asteroides, no entanto, nenhuma cratera correspondente foi identificada até o momento.

5. Extinção do Cetácio

Quando: há 66 milhões de anos.

Desaparecimentos de espécies: 75%

Causa provável: impacto de um asteroide.

A descoberta de uma imensa cratera onde hoje é a península mexicana de Yucatán s alimenta esta hipótese, a de que o impacto de um asteroide foi responsável pelo desaparecimento dos dinossauros não-aviários como o T-Rex e o triceratopes.

Mas a maioria dos mamíferos, tartarugas, crocodilos, sapos e pássaros sobreviveu, bem como a vida marinha. Sem os dinossauros, os mamíferos proliferaram, ajudando ao nascimento do homo sapiens, uma espécie que surge agora como potencial responsável por uma provável sexta extinção.

Estaremos pois, e mais uma vez, a perder espécies muito mais rapidamente do que a evolução as cria e por isso não poucos cientistas dizem que tal pode colocar-nos no caminho de uma nova extinção em massa onde a espécie humana se arrisca a desaparecer.

E, vale dizer, como refere o Dr. Gerardo Cenallos, “Mesmo que não estejamos em extinção em massa, o que estamos fazendo é colocar em risco o sistema que nos possibilitou sobreviver.”, um ecologista da Universidade UNAM, da Cidade do México.

Teremos entretanto perdido menos de 1% das espécies nos últimos 500 anos, mas ha cientistas que acreditam que o número real pode ser muito maior, já que a maioria das espécies que conhecemos não foi descrita até meados do século XIX.

Em 2015, cientistas estudaram coleções de museus, registros e relatos de especialistas de 200 espécies conhecidas de caracóis terrestres, e descobriram que muitos não são vistos na natureza desde que foram originalmente classificados como uma espécie, e que um décimo provavelmente já estava extinto, o que leva a estimar-se que tal pode significar que já perdemos entre 7,5-13% de todas as espécies estudadas.

Embora não se saiba quantas espécies foram perdidas nos últimos anos, a verdade é que o número de animais selvagens está a diminuir rapidamente, levando a estimativas que as populações globais de vida selvagem tenham diminuído em média 69% em apenas 50 anos.

Os cientistas estimaram a rapidez com que se perdem espécies através da observação do registro fóssil e usando-o para calcular uma “taxa de fundo”, média de extinções durante períodos em que não ocorreram extinções em massa, e comparam essa taxa de fundo com taxas modernas de extinção reunidas através de registros para ver como as duas se alinham.

Ora, a média das estimativas diz-nos que as taxas de extinção são significativamente maiores

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hoje - entre 100 e 1.000 vezes maiores - mas há cientistas que duvidam da precisão dessas descobertas, ainda que um número grande dos especialistas aceite que as taxas de extinção são mais altas hoje do que na maioria das vezes no passado.

O mesmo Dr. Ceballos, diz ser possível que entremos em extinção em massa até o final do ano de 2150 e que poderemos perder 70% de todas as plantas e animais nos próximos dois séculos.

“Ainda não terminamos um evento de extinção em massa, mas a questão é: podemos estar em um agora?” pergunta o Dr. Lees. “E não podemos saber dizê-lo. Pode levar milhares de anos para que toda a sequência de extinção seja realizada.”

Ao proteger os habitats e criar corredores para a vida selvagem, podemos ajudar a natureza a se adaptar e se recuperar, dizem os especialistas

Ainda há esperança de podermos ajudar a vida selvagem a recuperar e salvar muitas espécies da extinção se limitarmos o aquecimento global a 1,5°C e protegermos os principais habitats, dizem os especialistas, algo dd novo posto em causa com o crescendo número de guerras localizada planeta fora.

Basta recordar um exemplo conhecido - em Angola era usual quer os militares portugueses, quer os cubanos, russos e ucranianos, usarem a granada como meio de pesca nos rios de Angola, para não falar nos bombardeamentos a napalm quer em Angola quer no Vietnam, ou das marés de plástico ou a concentração de lixos tóxicos em regiões específicas e não conhecidas do planeta!

Habitats que podem abrigar redes ecológicas, em vez de apenas espécies individuais, parecem ser a melhor forma de ajudar a natureza a recuperar, diz o professor David Jablonski, paleontólogo da Universidade de Chicago “Existem espécies que teriam sido extintas se não tivéssemos tentado protegê-las”, diz o professor Stuart Pimm, biólogo da Duke University.

De qualquer forma sabemos que as ações de conservação diminuem a taxa de extinção e basta essa realidade para sabermos que estamos a gerar um impacto negativo na Natureza, já que são bem limitadas essas mesmas ações de conservação

Não teremos, nós Maçons, nada a dizer e sobretudo a fazer perante o desflorestamento da Amazónia, ou os incêndios florestais mundo fora e atenção muito em especial nesta nossa península ibérica?

Deixaremos nós, Maçons, que se faça impunemente o caminho da degradação ambiental?

E nada como olhar atentamente para sabedorias

antigas procurando com elas aprender e modificar as nossas egoístas e anti natureza mentalidades pelo que vos deixo esta muito conhecida,

Carta do Chefe Seattle

“O que ocorrer com a terra, recairá sobre os filhos da terra. Há uma ligação em tudo.”

No ano de 1854, o presidente dos Estados Unidos fez a uma tribo indígena a proposta de comprar grande parte de suas terras, oferecendo, em contrapartida, a concessão de uma outra “reserva”.

O texto da resposta do Chefe índio Seatlle das tribos Duwamish e Suquamish, na região que é hoje o estado americano de Washington e que viveu entre 1786 e 1866, tem sido considerado, através dos tempos, um dos mais belos e profundos pronunciamentos já feitos a respeito da defesa do meio ambiente.

Aqui apresento para que os maçons e não maçons possam refletir sobre a questão:

“O grande chefe de Washington mandou dizer que desejava comprar a nossa terra, e assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil da sua parte, até porque sabemos que ele não precisa da nossa amizade.

Vamos, porém, pensar na sua oferta, pois se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza com que os nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano.

A minha palavra é como as estrelas: não empalidecem Como podereis comprar ou vender o céu? Como podereis comprar ou vender o calor da terra? A ideia parece-nos estranha. Se a frescura do ar e o murmúrio da água não nos pertencem, como poderemos vendê-los?

Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos

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húmidos nas campinas, o calor do corpo do potro, e o homem – todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós.

O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós.

Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.

Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.

Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.

Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos.

E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos

sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.

O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro – o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um

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lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.

Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir.

Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos.

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Há uma

ligação em tudo.

Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem as suas crianças o que ensinamos as nossas que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.

Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.

O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.

Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos – e o homem branco poderá vir a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que O possuem, como desejam possuir nossa terra; mas não é possível. Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra lhe é preciosa, e ferí-la é desprezar seu criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as outras tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos.

Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnadas do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruída por fios que falam.

Onde está o arvoredo? Desapareceu.

Onde está a águia? Desapareceu.

É o final da vida e o início da sobrevivência.

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Chefe Seattle ”
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GENERAL GOMES FREIRE DE ANDRADE “MORREI LIVRES!”

Recordar a vida militar de um “general sem medo” é sempre um trabalho difícil, pois esta figura, pela sua singularidade, é por princípio sempre polémica e vítima das paixões e dos ódios que a motivaram. Mas como “felizmente há memória” a história pode recordar a carreira de um militar que foi realmente extraordinário e singular no quadro dos militares portugueses do seu tempo, principalmente pela experiência que viveu como combatente nos principais conflitos internacionais que marcaram a mudança para a idade contemporânea:

“Entre as qualidades eminentes que distinguiram Gomes Freire de Andrade de muitos dos seus contemporâneos, devem destacar-se: o estranho amor à carreira das armas, o constante desejo de estudar o progresso da técnica militar do seu tempo e a grande ambição de se aperfeiçoar no desempenho da sua nobre profissão de oficial do Exército”.

A sua atividade como militar merece ser mais estudada e conhecida, desde logo, por ter servido durante um período de mudanças profundas na atividade militar, ao nível da tática, organização, recrutamento e, enfim, de modo geral, no pensamento militar. Além de outras qualidades de militar “operacional”, destacamos a singularidade de ter servido na componente naval e na terrestre, recebendo a influência das melhores escolas da sua época: a inglesa, na componente naval, e a prussiana e a francesa, ao nível do exército, quando serviu a Rússia (1788-1790) e, mais tarde, a França (1808-1813).

Foi sobretudo um comandante no “terreno” em combates diretos, demonstrando elevada coragem e abnegação, mas também nos deixou um testemunho das suas qualidades de planeamento e do seu pensamento militar, através de duas obras relevantes: O Plano de Defesa de Lisboa (1799) e o Ensaio Sobre

o Método de Organizar em Portugal o Exército, relativo à População, Agricultura e Defesa do País (1806), que reflete a consolidação de um “saber de experiência feito” numa época de transformações na atividade militar, curiosamente na mesma época em que Clausewitz também escreveu sobre a importância do triângulo Exército – Governo – População.

Nascido a 27 de Janeiro de 1757 em Viena, na então Monarquia de Habsburgo, era filho de António Ambrósio Pereira Freire de Andrade e Castro (? - 11 de Novembro de 1770), embaixador representante de Portugal na corte austríaca, e de sua mulher Maria Anna Elisabeth, Condessa Schaffgotsch e B aronesa von und zu Kynast und Greiffenstein (9 de Outubro de 1738 - 27 de Novembro de 1787), vinda de uma antiga e ilustre família nobre da Boémia e ainda parente da segunda mulher do Marquês de Pombal.

Teve a educação que na época se costumava dar aos filhos da nobreza. Foi educado e residente em Viena até 1780. Seu pai, António Ambrósio Pereira Freire de Andrade e Castro, fora um ótimo colaborador do marquês de Pombal na campanha contra a Companhia de Jesus, sendo o filho Gomes Freire enviado, então, para Portugal, para onde veio com 24 anos de idade, em Fevereiro de 1781, já com o grau de Cavaleiro da Ordem de Cristo.

O início da vida militar

Após a morte do seu pai em Viena de Áustria, o jovem Gomes Freire de Andrade veio para Portugal e começou a sua carreia militar, em 1782, no Regimento de Infantaria de Peniche, quando o exército português ainda conservava parte da herança deixada pelas reformas do Conde de Lippe, um representante da

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escola prussiana. Era já o tempo da “viradeira” e Gomes Freire não acompanha muitos dos princípios do Conde de Lippe, porque defende o mérito da aristocracia e era contra a forte presença de estrangeiros no exército de Portugal.

Assentou praça em Peniche como Cadete, em 19 de Setembro de 1782, e foi promovido a Alferes, a 15 de Novembro de 1782[2], tendo já 25 anos de idade. Do Exército passou para a Marinha, para participar voluntariamente numa expedição enviada ao norte de África em 1784 e foi assim, com 27 anos de idade, como Guarda Marinha da nossa Armada, que começou a carreira como combatente, revelando qualidades militares extraordinárias.

A Expedição a Argel (1784)

No âmbito da guerra entre a Espanha e os corsários argelinos (1775-1785), após o desastre na campanha de 1775 e do ataque de 1783, realizado por 25 navios espanhóis, Carlos III de Espanha resolveu voltar a atacar Argel com o apoio de Portugal, do reino de Nápoles e da Ordem de Malta. No século XVIII, como a pirataria argelina causava grandes prejuízos e a quantidade de prisioneiros portugueses e espanhóis em Argel era elevada, foi organizada esta força conjunta para atacar o porto de Argel que era a base dos corsários.

Em Julho de 1784, uma esquadra com 130 navios saiu de Cartagena com o objetivo de atacar Argel. Portugal reforçou esta força com mais quatro navios (duas naus e duas fragatas) guarnecidos com cerca de 1800 homens e 200 peças de artilharia: as naus Santo António e Senhora do Bom Sucesso (cada uma com 64 peças de artilharia e 560 homens) e as fragatas Golfinho e Tritão (cada uma com 40 peças e 330 homens). O comandante português era o Coronel de Mar Ramires Esquivel e no seu estado-maior ia o jovem Marquês de Niza, que foi mais tarde Almirante.

A força naval portuguesa onde seguia Gomes Freire de Andrade saiu de Lisboa a 19 Junho 1784 com grande solenidade e juntou-se aos espanhóis no mar mediterrâneo na tarde do dia 12 de Julho, no primeiro dia do ataque aos argelinos. A armada espanhola bombardeou Argel durante quase três horas sem resultados e por isso os portugueses quiseram mostrar o seu valor perante os aliados. Alguns portugueses guarneceram três lanchas espanholas: uma de Artilharia e duas Bombardeiras e nesta operação, o jovem Gomes Freire deu nas vistas no comando de uma das lanchas, realizando

diversos ataques sucessivos, sobre os alvos em terra, demonstrando grande coragem e extraordinárias qualidades de liderança.

A utilização destas lanchas, como pequenas baterias de artilharia avançadas, tinha o objetivo de promover a mobilidade e a flexibilidade de emprego à força naval atacante, deixando os navios mais pesados (as naus e as fragatas) mais afastados da artilharia inimiga em terra. As “lanchas bombardeiras” e as “baterias flutuantes” (usadas mais tarde noutra campanha que iremos referir) tinham missões muito arriscadas, pois eram normalmente deixadas pelos navios maiores em missões autónomas, muito expostas ao fogo do inimigo.

A Rainha de Portugal promoveu todos os oficiais portugueses que participaram nesta expedição e, assim, Gomes Freire foi promovido a Tenente do Mar, em 26 de Março de 1787. No ano seguinte, regressou ao Exército e foi colocado novamente no Regimento de Peniche com posto de Sargento Mor (Major).

Ao serviço da Rússia (1788-1790) no exército de Catarina II

Na sequência do Tratado de Amizade, Navegação e Comércio, estabelecido em 1787, entre D. Maria I e Catarina II da Rússia, o Major Gomes Freire deixou o Regimento de Peniche e foi voluntariamente servir a Rússia, na guerra contra o império otomano.

Após a primeira guerra Russo-Turca (1768-1774), o Império Otomano em decadência despertava ambições de diversas potências. A Rússia pretendia expandir a sua influência para a Crimeia e para os Balcãs e, enquanto a França apoiava os otomanos, a Inglaterra apoiava a Rússia através de especialistas da marinha inglesa e a Prússia apoiava o exército russo.

Em 1786, começou uma nova fase deste conflito e a Rússia desenvolveu uma campanha militar, dirigida pelo célebre General Potemkine, para conquistar a Crimeia. Gomes Freire participou nesta campanha, após se ter apresentado na capital russa (S. Petersburgo), em Julho de 1788, sendo enviado logo para a guerra integrando as forças do príncipe Potemkine. Através da obra de António Ferrão podemos acompanhar o percurso de Gomes Freire na Rússia, acompanhado de outros dois oficiais portugueses: Manuel Inácio Martins Pamplona Corte Real e António de Souza Falcão. Gomes Freire apresentou-se a Potemkine quando este preparava a campanha terrestre e o cerco à praça de Oczacow. A esquadra russa já se tinha apoderado

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de Cronstadt mas as suas forças terrestres tinham ficado imobilizadas em Oczacow perante a forte resistência turca naquela praça de guerra.

Após o cerco que montaram, as forças russas tomaram aquela praça de assalto, em 17 de Dezembro de 1788, num combate que durou apenas cerca de duas horas. A força russa que realizou o assalto tinha 15.000 homens que avançaram em condições meteorológicas muitos difíceis (devido ao gelo). A fortaleza dispunha de 310 bocas de fogo, das melhores da época, mas, ainda assim, os turcos perderam 5000 homens (mortos) e 7000 prisioneiros. O Major Gomes Freire de Andrade mostrou o seu valor militar nesta operação, passando a ser muito admirado pelos oficiais russos. Fez questão de ser integrado numa unidade de Infantaria ligeira envolvida no esforço ofensivo (ataque principal) permanecendo na frente da sua unidade com grande coragem, atuando com uma liderança vigorosa. Os russos entraram na fortaleza através desta operação que ficou célebre na história da Rússia e que também faz parte da história de Gomes Freire de Andrade.

Regressou a S. Petersburgo, em Março de 1789, mas, logo em Maio desse ano, ofereceu-se para participar noutra campanha, na Moldávia, integrado nas forças de Potemkine. Participou na operação que derrotou os turcos em Bender (21 de Junho de 1789) e destacou-se em diversas operações decisivas: no combate de Kanshave e na tomada de Akermann, em 14 de Novembro de 1789. Através desta experiência militar ao serviço da Rússia, recebeu a influência das duas grandes escolas militares de referência daquela época: na Marinha russa teve a influência da escola de oficiais ingleses que dirigiam a armada russa e no Exército conheceu a escola prussiana, em especial na infantaria ligeira, pois as forças do exército russo eram organizadas e instruídas à prussiana. Assim, Gomes Freire viveu intensamente este período de aprendizagem, entre as melhores escolas militares do século XVIII, quando combatia contra as forças turcas organizadas pelos franceses.

Foi condecorado pela imperatriz da Rússia com a Ordem de São Jorge (4ª classe de oficial superior) e foi promovido a Tenente-Coronel, em 1790.

Na guerra entre a Rússia e a Suécia

A Guerra entre a Suécia e a Rússia (1788-1790) no mar Báltico teve origem quando Gustavo III da Suécia tomou o poder, em 1772. A Rússia, vizinha e rival, apoiava as revoltas internas contra Gustavo III

e, por isso, este resolveu declarar guerra à Rússia. Foi uma guerra essencialmente naval, sem resultados decisivos para os dois lados, mas terminou com a vitória da Suécia e com o reforço do poder de Gustavo III.

Gomes Freire continuava na Rússia e, depois de ter tido autorização da Imperatriz Catarina, partiu de S. Petersburgo, em Julho de 1790, para participar na campanha no Báltico. Participou na batalha naval de Viborg (4 de Julho de 1790), que ele considerou a mais emocionante da guerra e em que se destacou de tal forma que mereceu a promoção a Coronel dos exércitos russos[7]. Repetindo a experiência de 1784, no Mediterrâneo, embarcou numa esquadra ligeira russa, de naus e fragatas, que derrotou os suecos. Apesar desta vitória inicial, os russos acabaram por perder a guerra após a batalha naval de Svensksund (1790), na qual os suecos aniquilaram a esquadra russa.

Nesta batalha de Svensksund, a 9 e 10 de Julho de 1790, Gomes Freire mostrou novamente excecionais qualidades de liderança e de coragem no comando de uma bateria flutuante, que lutou até ao fim dos seus limites, enquanto a embarcação se afundava. Gomes Freire permaneceu sempre na sua posição encorajando as guarnições das peças de artilharia, dando o exemplo junto dos subordinados, debaixo do fogo inimigo.

Quando a artilharia sueca afundou a “bateria flutuante” que ele comandava, morreu quase toda a sua tripulação, mas Gomes Freire conseguiu salvar-se após momentos dramáticos juntamente com outros marinheiros russos. A força russa perdeu 9.500 homens e os suecos perderam apenas 700. O Tenente-Coronel português foi recompensado com a oferta de uma espada militar russa com a inscrição “Pelo seu Valor” e a Imperatriz Catarina II agradeceu a Portugal a sua colaboração.

Na sua época, nenhum outro oficial português se destacou no estrangeiro como ele, conquistando as promoções a Tenente-Coronel e a Coronel do exército russo, em campanha, durante a guerra Russo-Turca (1788-1790) e depois na guerra Russo-Sueca (17881790). Mais tarde, quando foi promovido a General no exército português, passou a ser conhecido pelo epíteto de General Russo.

No Exército Prussiano (1792 a 1793) contra a França

Antes de regressar a Portugal, Gomes Freire conheceu ainda o carácter de uma nova guerra que

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começava na Europa e que marcaria a sua vida nos próximos anos. Na sequência da Revolução Francesa, o choque entre a coligação das monarquias europeias contra a França revolucionária abria o caminho para uma guerra longa e repleta de consequências políticas e sociais.

A República Francesa declarou guerra contra a monarquia de Habsburgo, em Abril de 1792, a Prússia aliou-se aos austríacos e as monarquias realizaram diversas campanhas para invadirem a França por terra e mar. A Inglaterra apoiava a revoltas na França, enquanto os prussianos e os austríacos atacavam pelos Países Baixos Austríacos e pelo rio Reno. A França sofria derrotas nos campos de batalha e sentia as revoltas internas contra a revolução, mas foi nesta situação que realizou o “levantamento em massa” (recrutamento geral e obrigatório), decretado em Agosto de 1793, e que criou um novo exército de massas, com o qual Napoleão combateu posteriormente com grande sucesso.

Gomes Freire, ao serviço dos prussianos, observou assim “no terreno” a mudança que se operava no exército francês, que abandonava o modelo militar do antigo regime para criar um exército mais numeroso, no qual todos os cidadãos eram chamados a servir. Era o advento do serviço militar obrigatório (modelo republicano), que trazia às fileiras o povo motivado pelos princípios da revolução, contra os exércitos do absolutismo, constituídos por militares profissionais.

Esta fase do conflito já mostrava que o novo exército francês, da “Nação em armas”, acrescentava grande valor ao seu exército profissional e que assim o exército francês era superior aos exércitos adversários. As batalhas de Valmy, em Setembro, e a de Jemapes, em Novembro de 1792, demonstraram o choque entre os exércitos conservadores e o exército revolucionário que combinava com eficácia, os militares profissionais com os cidadãos, modelo que a França passou a usar com sucesso e que Gomes Freire observou na Campanha do Rossilhão, dois anos depois.

Em 1793, Gomes Freire regressou a Portugal, no mesmo ano em que foi executado em Paris o Rei Luís XVI, em que a França declarou guerra ao Reino Unido, às Províncias Unidas, à Espanha e em que foi estabelecido o tratado de mútuo auxílio entre Portugal e a Inglaterra. Foi nomeado comandante do Regimento da Guarnição de Lisboa, um cargo de grande prestígio para um Coronel. O Regimento, aquartelado em Campo de Ourique e que tinha tido como comandante o Marquês das Minas, passou a

ser conhecido como o Regimento de Freire e pelo seu prestígio integrou a Divisão enviada de Portugal para a Catalunha, para auxiliar a Coroa Espanhola perante a ameaça da França.

N a Campanha do Rossilhão em 1793-1795

Apesar de ser aconselhado por muitos responsáveis portugueses a manter a neutralidade, o príncipe regente D. João decidiu apoiar a aliança contra a França e, por essa razão, Portugal participou ao lado da Espanha e da Inglaterra na Campanha do Rossilhão e destacou a esquadra portuguesa em Toulon.

Para o Rossilhão, Portugal enviou uma Divisão constituída por 6.000 homens, comandada pelo General escoçês Forbes Skellater, empenhando 14 navios de transporte de tropas e 4 de escolta. Nesta campanha, Gomes Freire revelou o seu carácter carismático e corajoso, afirmando a sua experiência militar anterior, que deu origem a conflitos com os comandantes desta campanha, que não tinham a experiência dele nas guerras mais recentes. As operações decorreram sempre com muitas contrariedades, por causa das dificuldades do inverno nos Pirenéus, pela falta de homens para guarnecer a frente muito extensa e também pela falta de motivação dos espanhóis para combaterem os franceses. O nosso escritor Latino Coelho refere a força dos ideais e das baionetas dos franceses e a retirada vergonhosa dos espanhóis. As operações revelaram também o mau comando e a indisciplina dos soldados espanhóis e os conflitos entre os oficiais portugueses.

A Divisão auxiliar portuguesa era constituída por 6 Regimentos de Infantaria e uma brigada de Artilharia com 22 bocas de fogo, num total de 6.000 homens. O Coronel Gomes Freire chegou a comandar uma Brigada constituída pelo seu próprio Regimento (de Lisboa) e o de Cascais e mostrou o seu valor em diversas situações, como a que aconteceu junto à ponte de Ceret, o primeiro combate travado pelos portugueses, duas semanas depois de terem desembarcado no porto de Rosas, na Catalunha.

A 26 de Novembro de 1793, durante um ataque dos franceses, as linhas defensivas dos espanhóis cederam, colocando em risco toda a defesa aliada. Gomes Freire apercebeu-se do perigo e por sua iniciativa avançou rapidamente para a aldeia de Ceret, com cerca de 200 portugueses, uma força ligeira, mas que conseguiu aguentar as posições,

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salvando as unidades aliadas de serem liquidadas. No ano seguinte, em 1794, os franceses conseguiram afastar os aliados, que retiraram para a Catalunha, registando-se muitas baixas entre os aliados. Os espanhóis já tinham sofrido cerca de 18 mil baixas e a Divisão portuguesa cerca de mil, enquanto os franceses recebiam reforços constantemente. Era o novo exército francês da “Nação em Armas” com muitos e motivados combatentes. A coragem e a determinação de Gomes Freire ficou demonstrada nos combates nesta fase difícil, em Abril, em Agosto e em Novembro de 1794, mas também mostrou a sua indignação perante a reduzida eficácia de alguns comandantes portugueses e estrangeiros, que ele criticava abertamente, como aconteceu quando o 1º Regimento do Porto foi cercado e capturado (numa falha da defesa espanhola, que deixou 5000 franceses envolverem as posições defensivas), na rendição da Praça de Figueras (guarnecida por 9000 homens e 200 bocas de fogo de artilharia) que ele criticou severamente, na derrota do Forte de Puigerdá e na rendição de Velbet, que representou o insucesso desta campanha.

Como escreveu Latino Coelho, foi na campanha do Rossilhão que Gomes Freire de Andrade revelou o espírito desordeiro e intrigante: “o animo altivo do coronel, avesso, como era a toda a sujeição, difundia na Divisão auxiliar o fermento da indisciplina. O seu génio e espírito insubmisso levou-o mesmo a ser detido no forte de Figueras após um conflito com o Comandante do 1º Regimento de Olivença”. Os ajudantes do comandante da Divisão Auxiliar, o francês Claviére e Miguel Pereira Forjaz, eram militares de gabinete, muito ponderados e calculistas e condenavam as atitudes de Gomes Freire, que tinha apenas do seu lado alguns oficiais, como Pamplona, Magalhães e Menezes e Sousa Falcão. Os seus subordinados também o respeitavam muito e quando ele foi afastado, regressando a Lisboa, os militares do seu Regimento escreveram à Rainha em sua defesa. Regressado a Lisboa, continuou como comandante do Regimento da Guarnição de Lisboa, até 1801, apesar de ter sido promovido a Marechal de Campo, em 1795. Nesta condição, desenvolveu, em 1799, um plano de defesa da cidade e do porto de Lisboa, no qual revela a sua vasta experiência militar e um conhecimento atualizado sobre a arte da guerra naquela época, prevendo a ameaça das invasões que, em breve, se iriam revelar, em 1801 e em 1807.

A Guerra das Laranjas (1801)

Em 1801, a Espanha, aliada com a França, declarou guerra e invadiu Portugal, originando uma guerra de curta duração que ficou conhecida pela Guerra das Laranjas. O resultado foi uma derrota das forças portuguesas no Alto Alentejo que abandonaram diversas praças na fronteira sem combater (Campo Maior, Juromenha, Arronches e Monforte). O exército português, comandado pelo Duque de Lafões, estava dividido em três zonas territoriais: no Alentejo, na Beira e no Norte, onde esteve Gomes Freire. Das três forças (Alentejo, Beira e Norte), apenas a do Norte reagiu com vigor, dando combate aos espanhóis, sob a liderança do General sem medo, Gomes Freire de Andrade.

Gomes Freire era o Quartel Mestre General do comandante do Norte (o General francês Marquês de La Rosiére), mas foi ele que comandou efetivamente as tropas do norte, desenvolvendo operações ofensivas sobre o inimigo. Na Galiza, com cerca de 2000 homens, ocupou durante 4 dias uma parte daquele território espanhol e estas conquistas foram importantes nas negociações para a recuperação das praças perdidas a sul (Campo Maior, Juromenha, Arronches e Monforte).

Em 1805-1806, publicou o seu trabalho intitulado Ensaio Sobre o Método de Organizar em Portugal o Exército relativo à População, Agricultura e Defesa do País, no qual revela uma grande sensibilidade e preocupação com o homem (soldado) que é chamado ao serviço militar. Defende que não se deve diferenciar a classe dos soldados das outras, referindo o exemplo da antiguidade (dos gregos e romanos) e mostra a sua admiração pelas milícias dos suíços (serviço militar temporário).Neste livro escreve que os homens no serviço militar deviam ficar junto dos seus lares, ou mesmo neles, para poderem alternadamente pegar no arado e nas armas; e depois de terem servido um certo tempo na defesa da Pátria podiam regressar às suas famílias para descansarem dos trabalhos da Guerra. Era contra as levas arbitrárias, à força e com castigos, sem haver um tempo definido. Achava que o tempo de serviço militar não devia ser demorado para não afastar o homem da sua família e dos trabalhos no campo, para não prejudicar a «Republica» (população e agricultura).

Em 1807, foi promovido a Tenente-General e, durante a primeira invasão francesa, foi encarregue do comando da Divisão que defendia a margem Sul do Tejo e Setúbal. Recebeu o General Solana

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em Setúbal, aceitando o encargo de desmobilizar a parte do exército português aquartelado no Sul e desarmar os regimentos de milícias.

Na Legião Portuguesa ao serviço de Napoleão (1808-1814)

Quando, em 1808, foi organizada a Legião Portuguesa para ser mobilizada para servir Napoleão, Gomes Freire de Andrade foi nomeado 2º comandante desta unidade, comandada pelo Marquês de Alorna. A força era constituída inicialmente por 8000 homens, até ocorrerem em Espanha diversas deserções, sendo de aproximadamente 1300 a quantidade de militares portugueses que abandonaram a Legião.

Quando se juntou à Legião, em Espanha, Gomes Freire comandou o cerco a Saragoça e depois esteve em Grenoble (França), até Março de 1809, na base da Legião Portuguesa, onde assumiu o comando da unidade, na ausência do Marquês de Alorna. Em Junho de 1809, grande parte da unidade portuguesa foi para a Alemanha e Gomes Freire foi para a Suíça (Valais) com uma força de guarnição. No ano seguinte, quando os franceses preparavam a 3ª invasão a Portugal, recusou participar com Massena nesta campanha a Portugal, ficando em Genebra (Suiça) e depois em Grenoble, na Base depósito da Legião Portuguesa.

A situação que entretanto vivia ao serviço dos franceses e a rivalidade entre os chefes militares franceses não eram do seu agrado e Gomes Freire chegou mesmo a manifestar o desejo de abandonar Napoleão para voltar a servir a Rússia, como revela a documentação recentemente enviada da Rússia para Portugal.

Não tendo sido aceite pela Rússia a sua vontade, continuou ao serviço de Napoleão em funções sem grande importância. Era apenas envolvido em missões de guarnição, com unidades de 2ª linha, que seguiam o avanço das unidades de 1ª linha, para servirem como guarnição militar nas cidades conquistadas. Em 1812, foi nomeado para integrar a campanha da Rússia nesta missão e por isso deslocou-se através de Berlim para a Prússia, depois para a Polónia e depois Lituânia, onde foi o governador da região de Drisna. Avançando até Moscovo com um pequeno destacamento de tropas de guarnição, já encontrou o exército francês em retirada e bastante desorganizado. Em Smolensko, adoeceu e foi encontrado por Teotónio Banha (um tenente português que mais tarde escreveu sobre

esta campanha) que o socorreu e o acompanhou na retirada das unidades francesas.

No final do ano de 1812, estava em Berlim e no ano seguinte foi para para Frankfort e depois para Jena, onde assumiu o comando da guarnição desta cidade, em Maio de 1813. Quando Jena foi atacada, as suas forças muito desfalcadas foram cercadas pela revolta dos alemães, mas Gomes Freire consegue repelir a ameaça com um modesto reforço que recebeu de apenas um Batalhão e 200 Lanceiros. Em Junho, foi nomeado governador de Dresden onde assistiu à batalha de Dresden (27 de Agosto de 1813) e, mais tarde, ao cerco a esta cidade, realizado pela Divisão Russa de Tolstoi (em Novembro de 1813). Passa depois por Leipzig, assistindo à batalha das nações e, continuando na retirada dos franceses, passou pela Bohémia (a terra de sua mãe) e depois pela Hungria. Chegou finalmente a França, depois foi para a Grã-Bretanha e para a Irlanda, regressando finalmente a Portugal, em Maio de 1815, onde, depois de ter estado preso, foi reintegrado no Exército.

Depois de uma intensa e muito diversificada carreira militar, vivida entre os 25 e os 56 anos de idade, regressou a Lisboa, onde foi condenado à morte, em 1817, aos 60 anos de idade. Entre o seu batismo de fogo, em 1784, e o seu último combate, em São Julião da Barra, em 1817, navegou pelo Mediterrâneo, no Mar Negro e no Báltico e combateu de Portugal até à Rússia.

Acusação

Cheio de prestígio, partidário das ideias liberais, foi, naturalmente, encarado como chefe do movimento contra a influência inglesa e o regime absoluto, embora não tivesse participado activamente em qualquer conspiração.

Libertado Portugal da ocupação das tropas francesas, e após a derrota de Napoleão, Freire de Andrade, ao regressar a Portugal, veio a ser preso, implicado e acusado de liderar uma conspiração em 1817 contra a monarquia de Dom João VI, em Portugal continental representada pela Regência, então sob o governo militar britânico do marechal William Carr Beresford.

Foi, em Maio desse ano, detido, preso, tratado como um criminoso, conhecendo, apenas, um simulacro de julgamento, no qual foi seu advogado de defesa Filipe Arnaud de Medeiros, e condenado à morte e enforcado (embora tenha pedido para ser fuzilado) junto ao Forte de São Julião da Barra,

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em Oeiras, por crime de traição à Pátria junto com outras onze pessoas: o coronel Manuel Monteiro de Carvalho, os majores José Campelo de Miranda e José da Fonseca Neves e mais oito oficiais do Exército. Essa data, 18 de Outubro, foi, durante mais de um século, dia de luto na Maçonaria Portuguesa. Ainda hoje o seu nome é venerado como um dos grandes maçons e mártires da Liberdade de todos os tempos, tendo sido numerosas as lojas crismadas com o seu nome e abundantes os iniciados que o escolheram como nome simbólico. Ficou na História como símbolo dos mártires da Liberdade.

Após o julgamento e execução do tenente-general e outros, Beresford deslocou-se ao Brasil para pedir mais poderes. Havia pretendido suspender a execução da sentença até que fosse confirmada pelo soberano, mas a Regência, “melindrando-se de semelhante insinuação como se sentisse intuito de diminuir-se-lhe a autoridade, imperiosa e arrogante ordena que se proceda à execução imediatamente”.

Este procedimento da Regência e de Lord Beresford, comandante em chefe britânico do Exército português e regente de facto do reino de Portugal, levou a protestos e intensificou a tendência anti-britânica, o que conduziu o país à Revolução do Porto e à queda de Beresford (1820), impedido de desembarcar em Lisboa ao retornar do Brasil, onde conseguira de D. João VI maiores poderes.

Considerações Finais

Felizmente, há memória para recordar o percurso militar de Gomes Freire de Andrade, desde que assentou praça em Peniche, já com a maturidade dos seus 25 anos de idade, até à condenação à morte. Combateu no norte de África (1784), no Mar Negro e Balcãs (1788-90), no Mar Báltico (1790), no norte da França (1792-1793), no Rossilhão (1793-95), em Portugal (1801), na Espanha (1808), na Rússia e na Alemanha, entre 1812 e 1813.

A sua personalidade invulgar, insubmisso, rebelde, mas competente e corajoso, tornou-o carismático e adorado pelos seus subordinados. Era temido e odiado por muitos dos seus superiores, mas como um “militar sem medo” foi uma figura inspiradora, pelo seu carácter irrequieto e genuinamente ambicioso e empenhado nas causas e missões militares. Tinha génio, era muito independente e com o seu forte espírito crítico era naturalmente conflituoso na defesa da eficácia militar. Era contra a presença dos estrangeiros que tinham cargos em

Portugal (principalmente militares) com regalias que não mereciam e foi, sem dúvida, uma personalidade com um perfil mais militar do que político. Sobre ele podemos dizer que foi um “General sem medo” e como escreveu Raul Brandão, Gomes Freire de Andrade “tinha o coração ao pé da boca” e “dizia o que pensava, quando todos se calavam.”

Gomes Freire d’Andrade o Maçom

Entretanto, fez parte da Loja Militar Portuguesa Chevaliers de la Croix (Cavaleiros da Cruz), instalada em Grenoble, entre 1808 e 1813, e veio a ser o 5.º Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, de 1815 ou 1816 a 1817, cargo que desempenhava ao ser preso e executado.

“Estes são os forrolhos que viram Gomes Freire na prisão encerrado, Estas são as paredes que ouviram, Do peito o gemer abafado: Foi aqui onde máguas cruéis, Sobre a sorte da pátria sentia; Foi aqui onde a pátria liberta Em mil sonhos concebia!...

- E d`daqui, por cruel despotismo, A morrer o Heroe foi levado, Mas morreu, qual sempre vivera, Como heroe, portuguez, e soldado!”

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INTERIOR

O DUQUE DE FERRO

Arthur Wellesley, primeiro Duque de Wellington, (1 Maio de 1769 – 14 Setembro 1852) foi um militar anglo-irlandês e politico do Partido Tory, tendo sido um dos vultos mais importantes da Grã-Bretanha do Sec. XIX. Foi duas vezes Primeiro Ministro e foi um dos comandantes que ganhou as guerras napoleónicas, tendo saído vitorioso da batalha de Waterloo.

Wellesley nasceu no seio de uma família aristocrática Protestante na Irlanda sendo os seus pais o Conde e a Condessa de Mornington. Se bem que subsistam algumas dúvidas sobre o seu local e data do nascimento, aceita-se que nasceu em Dublin no dia 1 de Maio de 1769 e faleceu no dia 24 de Setembro de 1825. Era sexto de nove irmãos.

Não é de espantar que Arthur Wellesley seja considerado anglo-irlandês: entre 1801 e 1922, sob o título oficial de Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda este país incluía a totalidade das ilhas britânicas e foi estabelecido pelos “Acts of Union” de 1800, que fundiu o Reino da Grã-Bretanha com o Reino da Irlanda.

No Sec. XIX o Reino Unido, ou Grã-Bretanha como era normalmente designado à época, era talvez o país mais poderoso e rico do mundo. Apear de ter perdido as colónias na América do Norte há relativamente pouco tempo, tinha um império no vastíssimo “onde o sol nunca se punha” e incluía a Joia da Coroa, a Índia. Foi também neste século que se iniciou a Revolução Industrial, que provocou inúmeras mudanças na sociedade. Por alturas do primeiro censo em 1801, 20% da população vivia em cidades. Esse número já tinha aumentado para mais de 50% em 1851 e em 1881 já era de dois terços. Foi igualmente no Sec. XIX que começou a Era Victoriana, com uma prosperidade inédita até a data.

Arthur Wellesley passou a sua infância nas duas casas da família na Irlanda, um palacete em Dublin e um castelo no Condado de Meath. Em 1781 o seu pai faleceu e o seu irmão mais velho herdou o título. Estudou inicialmente em Dublin, depois em Londres e mais tarde foi para o famoso colégio de Eton, local de estudo tradicional das famílias de classe alta. Devido à sua solidão, foi uma experiência muito desagradável e nunca teve grande sucesso nos estudos. Em 1785, problemas financeiros causados morte do pai forçaram o jovem e a sua mãe a mudarem-se para Bruxelas. Até ao início dos seus 20 anos o futuro Duque de Wellington mostrou poucos sinais de distinção, de tal modo que a sua mãe se revelava preocupada com o seu futuro.

Em 1786, Arthur inscreveu-se na Academia Real de Equitação Francesa fazendo grandes progressos. Apreendeu francês (que se viria a revelar útil mais tarde) e tornou-se um bom cavaleiro.

Uma vez que a família ainda tinha dificuldades económicas, a mãe de Wellesley pediu ao irmão Richard pare perguntar ao Duque de Rutland se Arthur poderia ser considerado para uma comissão no exército. E assim, em 7 de março de 1787 foi nomeado alferes no 73.º Regimento de Infantaria.

Gradualmente foi percorrendo a carreira militar e em 1789 iniciou-se, ao que parece com alguma relutância, na política e foi eleito membro do parlamento servindo na Câmara dos Comuns irlandesa durante 2 anos.

Carreira militar

Na sequência de um infortúnio amoroso, uma vez que foi rejeitado pelo irmão da sua pretendida, dedicou-se à carreira militar e alcançou os postos

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TEMPLO INTERIOR

de capitão, major e tenente coronel, este em 1793. Conforme era costume na época, esses dois últimos postos foram comprados, pois era possível pagar ao exército para ser oficial, não sendo necessário esperar para ser promovido por mérito.

Seguiram-se várias campanhas militares no estrangeiro:

Na Flandres em 1793, fazendo parte contingente britânico de uma força aliada que visava a invasão da França. Esta campanha acabou de forma desastrosa para os britânicos, mas permitiu a Wellesley aprender sobre táticas de batalha. Foi seguidamente para a India, para onde o seu regimento foi enviado em 1797 e onde mais tarde soube da nomeação do seu irmão Richard para novo Governador-Geral. Aí lutou na Quarta Guerra Anglo-Maiçor na batalha de Seringapatão. Foi nomeado governador de Seringapatão e Maiçor em 1799, e como bugadeiro-general recém-nomeado obteve uma vitória decisiva sobre a Confederação Marata na batalha de Assaye em 1803. A sua passagem pela Índia teve uma influência importante nas suas tácitas militares e na sua personalidade. Essas táticas revelaram-se fundamentais para o seu sucesso posterior nas guerras peninsulares e incluía um forte sentido de disciplina através de ordem unida e treinos, a necessidade vital de uma linha de abastecimento segura, a aquisição de informações através de espiões e de batedores e o uso de diplomacia para fazer aliados. Os seus gostos pessoais também mudaram, vestindo-se com uma túnica escura, calças brancas, botas de Hesse e um tricórnio preto.

Achando que já não tinha nada mais a fazer na India, Wellesley, que entretanto tinha sido promovido a major-general em 1802, pediu para voltar à Grã-Bretanha, o que aconteceu em 1805. O tempo passado na India deu-lhe um grande prestígio militar e permitiu-lhe também reunir uma considerável fortuna para a época, consistindo principalmente em prémios monetários pelas suas campanhas.

Wellesley decidiu tirar uma licença prolongada do exército e foi eleito membro do parlamento britânico por Rye em Janeiro de 1806. Um ano mais tarde foi eleito membro do parlamento por Newport na Ilha de Wight, e nomeado Secretário Chefe para a Irlanda e foi também nomeado para o Conselho Privado do Soberano britânico, um lugar de grande prestígio.

Depois de ter tomado parte na batalha de Copenhaga em 1807 e de ser nomeado tenente-general em 1808, foi-lhe ordenado para ir para Portugal e tomar parte na Guerra Peninsular. Mais uma vez

se cobriu de glória, tendo experiência no comando a partir de baixo, de lutar num ambiente hostil e da importância da logística.

Wellesley derrotou os franceses na batalha de Roliça e na batalha de Vimeiro em 1808 mas foi substituído no comando após esta última batalha. Teve de voltar à Grã-Bretanha por questões mais política do que militares, e nessa altura Napoleão invadiu novamente a Espanha e derrotou os ingleses na batalha da Corunha. Apesar de a guerra contra a França não estar a correr bem para a Grã-Bretanha, era na Península, que, juntamente com o exército português, os britânicos melhor resistiam. Wellesley elaborou assim um memorando acerca da defesa de Portugal. Salientou as fronteiras montanhosas e defendeu que Lisboa deveria ser a base principal pois podia ser defendida pela Royal Navy. O Governo aprovou o memorando e Wellesley foi nomeado comandante de todas as forças britânicas em Portugal.

A 22 de Abril de 1809 desembarcou em Lisboa e passou à ofensiva. Na segunda batalha do Porto atravessou o Douro e derrotou as tropas Marechal Soult. Estando Portugal seguro, avançou para Espanha para se unir às forças do general Cuesta e preparar um assalto às forças do Marechal Victor em Talavera, tendo vencido a batalha. Contudo, desentendimentos com os aliados espanhóis forçaram Wellesley a retirar-se para Portugal. Na sequência da vitória em Talavera Wellesley foi nomeado Par do Reino Unido em 26 de Agosto de 1809 como Visconde Wellington de Talavera e de Wellington, no Condado de Somerset, e com o título subsidiário de Barão Douro de Wellesley.

Em 1810, um exército francês maior sob o comando do general Masséna invadiu Portugal. Apesar de a opinião britânica negativa e de sugestões de evacuar Portugal, Wellesley (agora Lord Wellington) abrandou o avanço dos franceses no Buçaco e impediu-os de conquistar Lisboa. Para tal foi fundamente a construção, por si promovida, das linhas de defesa conhecidas com as Linhas de Torres Vedras.

A luta contra os franceses prolongou-se por 1813 e 1814, chegando a invadir a França e tendo a última batalha contra Soult em Toulose. Com a abdicação de Napoleão em 1814 não havia motivos para continuar a guerra e acordou-se um cessar fogo.

Reconhecido na Grã-Bretanha como um herói conquistador, em Maio de 1814 foi nomeado Duque de Wellington e Marquês do Douro. Em Espanha foi também reconhecido e nomeado Duque de Cuidad Rodrigo. A sua popularidade na Grã-Bretanha

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deveu-se aos seus feitos militares e á sua imagem, que influenciou a moda da época. Ao mesmo tempo, as suas vitórias integravam-se bem no movimento romântico, que privilegiava a individualidade.

Foi nomeado embaixador na França e posteriormente plenipotenciário no Congresso de Viena, onde defendeu que a França mantivesse o seu lugar no equilíbrio de poder europeu.

Em Fevereiro de 1815 Napoleão fugiu de Elba e retomou o controle da França. Wellington deixou Viena e chegou à Holanda para comandar o exército britânico/alemão e os seus aliados holandeses estacionados ao lado do exército prussiano do Marechal von Blücher. Tendo invadido a Bélgica, os franceses e as forças aliadas defrontaram-se numa primeira batalha, que obrigou os aliados a recuar para a localidade de Waterloo a sul de Bruxelas. A batalha de Waterloo teve lugar do dia 18 de Junho de 1815. Esta batalha terminou com a derrots do exército francês e com o sonho imperial de Napoleão.

Carreira Política

Wellington entrou na política novamente quando foi nomeado Mestre-Geral da Ordenança no governo Tory de Lord Liverpool em Dezembro de 1818. Foi também nomeado Governador de Plymouth em 1819, Comandante-em-Chefe do exército britânico em Janeiro de 1827 e Condestável da Torre de Londres em Fevereiro de 1827.

Wellington estava a ser um membro cada vez mais influente do Partido Tory e em 1828 demitiu-se de comandante-em-chefe e tornou-se primeiro ministro. Durante os primeiros sete meses como primeiro ministro decidiu viver na sua casa, Apsley House, e não na residência oficial em 10 Downing Street porque a achava demasiado pequena.

Vale a pena falar um pouco de Apsley House: é o palacete londrino dos Duques de Wellington, situada junto do Hyde Park Corner e numa das zonas mais movimentadas e exclusivas da capital. Actualmente é um imóvel protegido e um museu, podendo ser visitado. Foi construída em tijolos vermelhos entre 1771 e 1778 para Lord Apsley, o Lord Chancellor, que deu o nome à casa. Em 1807 Richard Wellesley, 1º Marquês de Wellesley e irmão mais velho de Arthur Wellesley adquiriu a casa, mas dificuldades financeiras forçaram-no a vender a casa ao irmão, que precisava de uma base em Londres para prosseguir a carreia política. Entre 1818 e 1819 Wellington encomendou obras, tendo aumentado o palacete e

cobriu o tijolo vermelho por pedra sabão. A casa ainda hoje é popularmente designada por Number One, London uma vez que era a primeira casa que visitantes viam quando entravam por Londres pelos portões de Knightsbridge. Originalmente fazia parte de uma linha contígua de casas grandiosas em Piccadilly, que foram demolidas por causa do alargamento de Park Lane. É provavelmente a única mansão aristocrática preservada deste período e contém a uma grande coleção de obras de arte, pinturas e recordações da carreira do primeiro Duque. De particular interesse para nós é um centro de mesa em prata de Domingos António de Sequeira

Durante o seu governo, Wellington foi fundamental para a fundação do King’s College de Londres, uma das universidades mais prestigiadas do mundo.

Wellington foi líder Partido Conservador de 1828 a 1846 e de grande importância no seu mandato foi a Emancipação Católica de 1829, que restaurou os direitos civis dos católicos no Reino Unido. Até esta data, católicos eleitos não podiam sentar-se no Parlamento. Contudo, esta lei foi muito mal aceite pela maioria protestante e tornou o Duque política e pessoalmente muito impopular. Além disso, enfrentou problemas e tumultos na sequência da sua oposição à Reform Bill em 1832. Foi aliás dai que veio a alcunha “Duque de Ferro”. O seu Governo caiu em 1830, mas foi primeiro ministro por alguns meses no final de 1834 e durante o Governo de Robert Peel foi Ministro dos Negócios Estrangeiros e Ministro sem pasta. Wellington foi líder do Partido Conservador na Câmara dos Lordes de 1828 to 1846 e retirou-se da vida política em 1846, embora se tenha mantido como Comandante-em-Chefe.

Wellington morreu no 14 de Setembro de 1852 no Castelo de Walmer em Kent, e recebeu um funeral de Estado, uma honra reservada a muitos poucos súbditos britânicos. Está enterrado na Catedral de S. Paulo.

Personalidade

Wellington sempre se levantou cedo: não conseguia ficar na cama, mesmo que não estava em campanha. Mesmo depois de retornar á vida civil em 1815, dormia numa cama de campanha, o que mostrava o seu desprezo pelo conforto. Ligava também muito pouco a comida e durante campanhas militares não comia quase nada entre pequeno almoço e jantar e subsistia a pão e carnes frias. Praticava uma disciplina de ferro e tinha sempre um semblante carregado,

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TEMPLO INTERIOR

demonstrando raramente emoções em púbico. Era também um homem pouco falador e extremamente prático. Contudo, cuidava dos seus homens: recusou perseguir os franceses após as batalhas do Porto e de Salamanca temendo perdas inúteis e única vez em que ele mostrou tristeza em público foi após a tomada de Badajoz, quando chorou com a visão dos mortos britânicos nas brechas.

Sem dúvida que a sua personalidade foi influenciada pela Maçonaria, como a de qualquer bom Maçom deve ser. Foi iniciado na Loja de Trim, Irlanda em 7 de Dezembro de 1790, sendo essa a Loja sua família, uma vez que tanto o seu pai como o seu irmão mais velho fora Mestres dessa Loja e posteriormente foram ambos Grã-Mestres da Grande Loja da Irlanda. Sabe-se que quando estava em Lisboa em Outubro de 1809 as suas tropas organi-

zaram um jantar e posterior desfile maçónico com todos os paramentos.

Conclusão

Tendo crescido e vivido no seio da alta nobreza, Wellington subiu à sua custa na carreira militar, sendo gradualmente promovido devido á sua competência e a ter obtido alcançando vitórias extremamente importantes: Além das vitórias na India, ajudou Portugal a manter a sua independência face às invasões francesas e infligiu a derrota final a Napoleão, mudando certamente o curso da história europeia.

A sua carreira política, também de grande importância para o seu país, decorreu do seu prestígio como militar.

Durante a vida recebeu cerca de trinta títulos, não incluindo distinções e medalhas e patentes militares. Há estátuas suas erguidas em várias cidades, incluindo Londres, Trim, Glasgow, Edimburgo e Leeds e um busto seu no Porto. Há também inúmeras ruas e praças com o seu nome, um Monte Wellington na Austrália e deu o seu nome à capital da Nova Zelândia. Influenciou também a cultura popular: as botas de cano alto que usava ainda hoje são designadas em inglês por wellington boots ou wellingtons. Há uma receita de bife à Wellington.

Deixou sem dúvida um legado a todos os títulos notável e uma vida e memória que merecem ser lembradas e celebradas.

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IN ARTES

AMADEO DE SOUZA-CARDOSO

A PASSAGEM PARA O FUTURO

Este artigo não é escrito para celebrar a efeméride da data de nascimento do artista, pois nasceu em 1887, nem a do seu falecimento, pois morreu em 1918.

Também não é para render homenagem ao pintor, pois são muitos os que já o fizeram com mais direito e propriedade do que um pobre coleccionador de arte como eu o poderia fazer.

Então este artigo é para quê?...

Escrevo-o porque tive uma obra de Amadeo de Souza-Cardoso, pintada naquele estilo abstraccionista, cubista, modernista, futurista e tudo, e vendi-a há uns anos, desgraçado de mim!

Amadeo dizia que a sua técnica de pintura era como todas as outras. Que tinha várias maneiras, como o óleo, a gouache, o esmalte, a cera, etc., e que por vezes usava mais que uma na mesma obra. Além do mais, pintava vários quadros ao mesmo tempo.

O meu quadro era um óleo sobre cartão. Não era grande. Tinha cores vivas, não homogéneas, tipo um pontilhado.

E eu gostava dele.

Eu afeiçoo-me às peças das minhas colecções, que parece até que lhes dou vida e que me fazem viver, lembrando aquele verso do poeta francês do

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Romantismo – Alphonse de Lamartine:

“Objectos inanimados, tendes vós uma alma que se agarra à nossa alma e nos faz amar?”

Pois se é possível apaixonarmo-nos por uma pintura de Amadeo de Souza-Cardozo, poucos eram os que, no seu tempo, apreciavam o autor, este homem que do seu género dizia ter mais fases que a lua, acabando por não pertencer a nenhum movimento artístico em particular.

Recordo que o Centro de Arte Moderna, quando inaugurou o seu edifício em 1983, expôs numa das suas salas algumas obras de Amadeo que mostravam as fases principais da obra do pintor, sem grande sucesso.

Durante muitos anos Amadeo de Souza-Cardoso foi incompreendido, talvez porque nem o público nem a crítica estavam preparados para o perceber.

Apenas Almada Negreiros o defendia na pintura portuguesa.

Almada esse que contava ter recebido em 1915 por correio um postal, com estas breves palavras enigmáticas:

“Almada: Viva, Viva. Substantivo. Ímpar. Um...”

E o poeta d’Orpheu futurista e tudo questionou-o um dia se aquele postal lhe fora enviado por causa do Manifesto anti-Dantas, ao que Souza-Cardoso respondeu:

“Claro!”

Eram ambos os artistas irreverentes e insubmissos. José de Almada Negreiros, num catálogo de exposição de pintura em 1916, escreveu assim sob o título “Amadeo de Souza-Cardoso” (mantém-se a grafia original):

“Em Portugal existe uma única opinião sobre Arte e abrange uma tão colossal maioria que receio que ella impere por esmagamento. Essa opinião é a do Exmo. Sr. Dr. José de Figueiredo (gago do governo). Não é porque este sr. tenha opinião nem que este sr. seja da igualha do resto de Portugal mas o resto de Portugal e este senhor em matéria de opinião são da mesma igualha. Um dia um senhor grisalho disse-me em meia-hora os seus conhecimentos sobre Arte. Quando acabou a meia-hora descobri que os conhecimentos do senhor grisalho sobre Arte eram os mesmos que o Exmo. Senhor Dr. José de Figueiredo usava para me pedir um tostão*. Pensa o leitor que faço a anedocta? Antes fosse. Mas a verdade é que eu estou muito triste com esta fúria de incompetência com que Portugal participa na Guerra Europeia. E que horrôr, caros compatriotas, deduzir experimentalmente que todas as nossas Conquistas e Descobertas apenas tenha sobrevivido a Imbecilidade. E daqui a indiferença espartilhada da família portugueza a convalescer à beira-mar. Algumas das raras energias mal comportadas que ainda assômam à tôna d’água

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pertencem halucinadamente a seculos que já não existem e quando Um Português, genialmente do seculo XX, desce da Europa, condoído da pátria entrevada, para lhe dar o Parto da sua inteligência, a indiferença espartilhada da família portugueza ainda não deslaça as mãos de cima da barriga. Pois, senhores, a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa é o documento conciso da Raça Portuguesa no Seculo XX.

A Raça Portugueza não precisa de rehabilitar-se, como pretendem pensar os tradicionalistas desprevenidos; precisa é de nascer pró século em que vive a Terra. A Descoberta do Caminho Marítimo prá Índia já não nos pertence porque não participamos d’este feito fisicamente e mais do que a Portugal este feito pertence ao seculo XV.

Nós, os futuristas, não sabêmos História só conhecêmos da Vida que passa por Nós. Elles teem a Cultura, Nós temos a Experiencia – e não trocâmos!

Mais do que isto ainda Amadeo de Souza-Cardozo pertence à Guarda Avançada na maior das lutas que é o Pensamento Universal.

Amadeo de Souza-Cardoso é a primeira Descoberta de Portugal na Europa no seculo XX. O limite da Descoberta é o infinito porque o sentido da Descoberta muda de substancia e cresce em interesse – por isso que a Descoberta do Caminho Marítimo prá Índia é menos importante que a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa.

Felizmente para ti, leitor, que eu não sou crítico, razão porque te não chateio com elucidações da Arte de que estás tão longinquamente desprevenido; mas amanhã, quando já soubéres que o valor de Amadeo de Souza-Cardoso é o que eu te digo aqui, terás remorsos de o não têres sabido hontem. Portanto, começa já hoje, vae à Exposição na Liga Naval de Lisboa, tápa os ouvidos, deixa correr os olhos e diz lá que a Vida não é assim?

Não esperes, porém, que os quadros venham ter contigo, não! Elles teem um prego atrás a prendê-los, Tu é que irás ter com eles. Isto leva 30 dias, 2 meses, 1 anno mas, se tem prazo, vale a pêna sêres persistente porque depois saberás tambem onde está a Felicidade.

*Rectifico: - O Exmo. Senhor Dr. José de Figueiredo veio substituir no original um Exmo. Sr. que tem por hábito pedir-me tostões.”

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IN ARTES

Nascido em 1957, Jean-Marc Vivenza é um escritor, filósofo, compositor, músico e musicólogo francês fortemente influenciado por correntes esotéricas. Dedicado ao experimentalismo sonoro e musical, o trabalho de Vivenza visa especialmente a eletroacústica e o futurismo. Nâgârjuna, René Guénon, Jacob Boehme, Joseph de Maistre, Martinès de Pasqually, Louis-Claude de Saint-Martin ou Jean-Baptiste Willermoz são algumas das suas influências passadas e presentes.

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por Vasco Lima
VIVENZA IN ARTES

Estudou filosofia e trabalhou no Museu de Arte Moderna de Grenoble. Em 1976 cria a banda Glace, primeira banda industrial francesa pela especificidade do seu trabalho dando-lhe um lugar único no âmbito desta música chamada industrial, etiqueta que não aprova ao dizer que esta palavra perdeu o seu genuíno significado.

Vivenza coloca-se imediatamente no campo do vínculo teórico-político ligado às correntes futuristas italianas e construtivistas russas, cujas proposições plástico-bruitistas são as únicas fontes teóricas que já foram desenvolvidas com consistência, e qualifica sua música como “futurista bruitista”. Graças a ele, o termo « Bruitist » será a partir de agora uma palavra internacional usada por todos.

De facto, para Vivenza os conhecimentos adquiridos nas várias tendências plásticas (arte conceptual, arte minimalista, performance) não podem

ser eclipsados, tendo desempenhado na sua reflexão e na forma da sua obra um papel importante. O importante é a reapropriação do ruído como uma ajuda plástica formal. Explora o campo de perspectivas que o material acústico-plástico oferece e trabalha um conceito a que chama « a materialidade objectiva do ruído », baseando-se na tese futurista de Luigi Russolo, exposta em « A arte dos ruídos » editado em 1913 constituindo o guia de trabalho para Vivenza e permanecendo a base de qualquer bruitismo autêntico.

É então o primeiro, entre 1976 e 1979, a fazer uma ponte entre as teses de Luigi Russolo e o nosso tempo, ninguém o tinha feito antes de forma tão categórica.

O próprio Vivenza explica que várias tendências, das quais a “musique concrète” fundada principalmente por Pierre Schaeffer divergem do bruitismo futurista.

Os pressupostos da música contemporânea e suas produções sonoras eletroacústicas, concretas, acusmáticas, pseudo-bruitistas e neoindustriais padecem, segundo ele, ou de um vazio teórico, ou da ideia de «objeto sonoro» que Pierre Shaeffer extraiu do filósofo Husserl, colocando um ponto de vista subjetivo sobre uma realidade sonora objetiva. O erro foi começar a abordar o ruído pela ideia nascida na mente em vez de começar pela experiência, o que é para Vivenza uma total não percepção da essência da técnica, e leva a graves incompreensões sobre a materialidade do ruído. Para Vivenza, a ilusão do sonho schaefferiano não só acabou, como induz a um erro teórico e prático. Para ele, o bruitismo futurista é a única alternativa ao impasse histórico da chamada «musica concreta».

Em 1978 funda a banda Mécanique Populaire, e após a saída dos dois membros, opta por usar seu nome patronímico Vivenza. Em 1983 fica como responsável do Electro-Institut onde continua uma pesquisa artística a nível prático, histórico e teórico. Além disso desenvolve uma actividade internacional através de concertos, dando ao público a oportunidade de ouvir e ver o resultado das suas concepções dinâmicas sonoras e visuais.

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Em 1985 realiza os «Servomécanismes» incorporando as noções bruitistas de Russolo com técnicas contemporâneas de subserviência acústica combinadas com um cuidado rigoroso do formalismo visual.

O seu trabalho sobre o ruído concretiza-se sob várias formas, nomeadamente… sonoras.

A originalidade de Vivenza é utilizar material sonoro industrial no sentido literal da palavra (máquinas, operários em ação, fábricas) e registrar sonoridades industriais reais em fábricas.

Vivenza explica que o processo de transformação e organização do telurismo industrial leva-nos ao âmago da matéria domesticada de onde germina o imenso eco da linguagem da terra, produzindo ruído

que é sua linguagem, ruído que é o seu grito,o seu sentido e a sua forma. Este conceito de «materialidade objetiva do ruído» remete ao espírito revolucionário do ruído e ao uso dinâmico do ruído como essência concreta, e Vivenza organiza com rigidez a fúria dinâmica dos ruídos mecânicos, como um pino mestre do ruído organizado.

Restaurador do concreto e da verdade, Vivenza convida-nos a entrar na energia vital que está no âmago da realidade, a «escutar a matéria da qual tocamos a essência ligando-nos a numa espécie de virgindade primitiva» (Marinetti) e a misturar-se com suas vibrações. Porque a realidade é objeto de pesquisa futurista.

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A MAÇONARIA E O METAVERSO

A Maçonaria ofereceu à Humanidade uma nova forma de ver o Mundo, validado por um conjunto partilhado de valores, de cariz universal, com o propósito sempre assumido de capacitar o ser humano, quer individual como colectivamente. Neste sentido, como irmãos acumulamos séculos e milénios de conhecimentos transmitidos entre Maçons, de formação e crescimento filosófico dentro, e fora, da nossa irmandade, criando e gerindo espaços próprios, sólidos simbolicamente, desenhados para dar corpo ao conjunto de valores que partilhamos, no mundo real e espiritual.

Sempre os Maçons se souberam posicionar na vanguarda do pensamento, da inovação e da necessidade de construir uma sociedade melhor, mais justa, equitativa e meritocrática. E desde tempos imemoriais que Mestres se organizam em torno de espaços e lojas devidamente construídas para a boa transmissão dos seus conhecimentos a um novo conjunto de aprendizes e companheiros. Assim o fizemos ao construir as Pirâmides, ao manter vivos os segredos dos Grandes Arquitectos, e mais tarde, já sob a forma da Maçonaria Moderna, ao propagar os valores das Luzes, do liberalismo social e da

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fraternidade entre irmãos (e profanos).

Hoje, talvez mais que no passado, os principais pilares e colunas de valores que regem a Maçonaria necessitam defesa e divulgação, sempre em respeito pelas dinâmicas organizacionais defendidas por cada Loja e Obediência Maçónicas espalhadas pelo mundo. E, como no passado, devem os Irmãos Maçons estarem preparados para conduzir o(s) seu(s) conhecimento(s) para novos espaços, acrescentando aos consagrados ambientes físicos e espirituais, o que é hoje um dos principais espaços de encontro e comunicação: o mundo virtual e imersivo, especialmente depois da pandemtia nos ter coibido a mobilidade e de estarmos todos (cada vez) mais digitais e deslocalizados.

Neste sentido, sendo tradicionalmente os Maçons pessoas informadas e na vanguarda das tecnologias, um grupo Mestres-Mações da Grande Loja Soberana de Portugal iniciou o caminho para entender como

podem o mundo real e virtual se cruzar, maçonicamente, e como podemos, como Irmãos, nos reunir e nos organizar nesta nova intersecção entre o físico e o digital, no mundo figital.

Como bons obreiros, depressa a este grupo de irmãos se tornou evidente que a solução passaria pela colocação dos potenciais em torno do Metaverso ao serviço dos Maçons e da Maçonaria, dedicando-se depois à construção do que se tornaria no primeiro templo maçónico no Metaverso, e respectivas experiências imersivas. Em conjunto com a SkyUnicorn, empresa especialista em projectos de Metaverso, gerida por irmãos, o projecto iniciado em 2021 viu a luz em Outubro de 2022, momento em que se apresentou em Sessão de Grande Loja da Soberana o Templo de Salomão. Em Abril de 2023 espera-se já a existência de Lojas com os ritos Escocês Antigo e Aceite, York, Rectificado e Português.

Chamou-se Masonic Temple a esta realidade

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virtual: um conjunto de Templos maçónicos com todas as características, símbolos e equipamentos de um Templo real. Nos Templos ser-nos-á possível promover sessões administravas com todo o rigor maçónico respeitado. Temos avatares de Mestre, Veneráveis Mestres e restante Obreiros paramentados de acordo com cada Rito, bem como a possibilidade de realizarmos eventos, congressos internacionais, e sessões de Loja em ambiente imersivo, e seguindo a simbologia e os ritos já apresentados.

Desta forma, abrem-se inúmeras possibilidades de contacto e interação entre Maçons a nível internacional e de divulgação da Ordem Real, num plano que era impossível até ao momento. Para irmãos acederem e aderirem ao Masonic Temple existem 2

vertentes e possibilidades: individual por subscrição e a versão de aluguer do espaço para Obediências ou Lojas.

A equipa responsável pelo projecto é liderada por Christian Höhn (Director-Geral), Tiago Rodrigues assume a gestão de projecto (metaphoric), Gonçalo Garcia e André Novais asseguram o 3D, enquanto Fernando Marcelino, Paulo Réfega e José Reis Santos completam a equipa da SkyUnicorn.

Agradecimentos

João Pestana Dias - Masonic conceptual architecture & storytelling

Abílio Silva - Masonic Advisory Executive

Vasco Lima - Música

António Pinto Pereira - Rito York

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