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Prólogo

Prólogo: “Na caminhada vejo um tanto de artistas, que crescem como aquela flor no meu quintal. ”

ão era possível precisar exatamente quando acon-

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Nteceu. Mas havia acontecido. Paulatinamente. Na medida em que o corpo relaxava sob o compasso rítmico da galha de um jatobá-do-campo feito cajado batido no chão pela cerimonialista, os passos se arranjaram, as palmas acompanhavam junto aos sons vagos, vozes que pareciam gemer num êxtase hipnótico e coletivo. Corpos experimentando a sensação de vislumbrar aquelas cerimônias há muito perdidas, as danças que figuram na arte de milhares de anos inscrita em grutas e cavernas pelo mundo a fora. Momento único de comunhão com a História da Arte que... Sim, nos esquemas cronológicos tradicionais, entende-se por pré-história todo o período que abrange a atividade humana desde suas origens até o aparecimento da escrita. Essa atividade se insere numa conformação social e utiliza uma tecnologia que primeiro se orienta pela economia predatória e, mais tarde, pela subsistência agrícola não-urbana, ou seja, sem a distinção cidade-campo. Existe uma estimativa de que que as manifestações de alguns comportamentos próximos aos que temos hoje, remonta a aproximadamente 50 mil anos. Parte dessas manifestações é o que se chama, na contemporaneidade, de arte pré-histórica das quais são elementos as ferramentas, utensílios, pinturas e gravuras rupestres. Considerada a mais antiga das artes, a dança é uma manifestação espontânea individual ou coletiva do ser humano. Ininterruptamente, acompanha o homem em todos os momentos de sua existência através da História, apresentando-se como elemento de comunicação, afirmação. Desta forma, através do seu próprio corpo, concede-lhe a possibilidade de viver plenamente os símbolos do seu inconsciente. Os primeiros documentos existentes sobre uma forma rudimentar de movimentação corporal coordenada, que se poderia chamar de primórdios da dança, remontam ao final da era glacial, em torno de 15 mil anos atrás. Esses primeiros documentos não são menos que as

gravações e pinturas rupestres encontradas em diversos pontos do mundo. Frequentemente, essas artes representam cenas onde homens aparecem com máscaras de animais. Cenas de dança ou mímica que tinham por objetivo a fortuna da boa caça. Para os Historiadores, dessas cenas simulatórias, o homem pré-histórico passou facilmente às danças com disfarces de animais, onde a mímica se desenvolveu. A partir daí, com os movimentos corporais sob controle e, consequentemente, aparece a dança grupal, com um objetivo determinado. Aparentemente desordenados, os gestos adquirem uma importância mágica e, posteriormente, tendem a se codificar pela sua repetição, transformando-se numa técnica, sequência de símbolos que podem ser comunicados a um grupo menor ou numeroso de pessoas. Destarte, da penetração desses símbolos, depende sua assimilação ou não pelo processo cultural desse mesmo grupo. Desse ponto em diante, desencadeia o gesto criador, conscientemente repetido e, com ele, a dualidade executante-observador, época em que surgem as pantomimas, primeiras manifestações do que virá a ser o teatro. Assim, dá-se a aparição da arte. Expressão da cultura, ela se apresenta no advento da agricultura, da observação dos fenômenos naturais. Surgem, então, as danças de harmonização com elementos da natureza, objetivando a fertilidade da terra. São as danças em honra ao sol, aos animais protetores. Danças que imitavam as fases da lua, o sopro do vento, o cair da chuva. E que, por muito tempo, permaneceu incógnito de que a presença desses grupos pré-históricos com sua arte, também se desenvolveu nesta região. Segundo o Atlas Enciclopédico Internacional: Um Mundo de Informações Sobre o Mundo que Vivemos, publicado pela editora Michelany, com uma área atual de 357.471 quilômetros quadrados, correspondendo a 4,20% do território nacional, Mato Grosso do Sul — junto a Mato Grosso — é um dos três Estados da região centro-oeste brasileiro. No período do Estado uno, Mato Grosso tinha uma área de 1.258.892 quilômetros quadrados, correspondendo a 14,79% da extensão do país. Com seus quatro milhões de quilômetros quadrados, a Bacia do Prata ou Platina coloca-se entre as maiores do mundo, logo após da Bacia Amazônica. É formada por três importantes artérias fluviais, ou, precisamente, os rios Paraná, Paraguai e Uruguai. A extensa área de planícies drenadas por esses três afluentes constitui a Região do Prata e estende-se pelo Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina.

Destarte, corresponde à região do Prata uma área situada na porção centro-meridional formada por uma grande parte das planícies da América do Sul que se estende até a Patagônia. Seus limites a oeste são constituídos pelos Andes e a leste pelo Sul do Brasil e pelo Oceano Atlântico. São cinco os países que possuem terras nessa região: Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e o Brasil. A região do Prata é, ainda, subdividida em quatro unidades: O Chaco entre Mato Grosso, Paraguai, Bolívia e Argentina; o Pampa, entre a região sul do Brasil, Uruguai e Argentina; a Patagônia, entre Argentina e Chile; e, o Pantanal que abrange porções territoriais do Paraguai, da Bolívia e do Brasil. Com sua extensão em solo brasileiro ocupando 65% na região oeste de Mato Grosso do Sul e 35% na região sudoeste de Mato Grosso, o Pantanal compreende as planuras brasileiras confinantes com o Paraguai. Trata-se de um bioma que se caracteriza por uma região de terrenos baixos, cuja altitude aumenta à medida em que se avança para o norte. É unido à planície amazônica pelos vales da Madeira e Guaporé, o que frequentemente dá origem às chamadas águas emendadas, quando há enchentes simultâneas no alto do Paraguai e nas cabeceiras do Guaporé. Isto porque o solo do Pantanal está sujeito a inundações constantes no período das chuvas, que se estende de novembro a junho. Consequentemente, formam-se tantas lagoas ligadas entre si que, antigamente, suponha-se ser o Pantanal uma extensa região lacustre: O Mar de Xaraés, cantado pelo Grupo Acaba. Algumas dessas formações aquáticas são de água salobra. O clima predominante é o quente semiúmido. Considerando a grande distância em que se encontra do oceano, o clima é de tipo continental, com variações sensíveis entre o dia e a noite. Avaliado como uma das mais exuberantes e diversificadas reservas naturais do planeta, em 2001 o Pantanal foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, UNESCO, como Reserva da Biosfera e Patrimônio Natural da Humanidade. Mas nem sempre foi tomado como paraíso terreno. Considerado um documento Histórico acerca da Guerra do Paraguai ocorrida entre 1864 e 1870, encontra-se em Retirada da Laguna, de Alfredo D’Escragnolle Taunay, — que, após o episódio tornar-se-ia o literário Visconde De Taunay —, muitas referências ao “pestilento pantanal” de Mato Grosso, mas também ao Cerrado e à Mata Atlântica, que constituem com o Pantanal os três biomas da região que viria a ser o Mato Grosso do Sul. O leitor que se aventura nas páginas que Taunay dedica ao “soberano da nação”, encontrará os primeiros povoados mato-grossense-

-do-sul como Nioaque, Aquidauana e Corumbá. Também, notará que a massiva presença de ruralistas vindos das regiões sul, sudeste e centro oeste, correspondentes as áreas dos atuais Estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio Grande Do Sul e Santa Catarina. Se atentar-se as situações e às palavras que o Visconde autor dedica aos Guaicurus, verificará os efeitos da colonização sobre as nações indígenas que habitavam toda essa vasta região há muito mais de 500 anos e compreenderá que... De fato! Foram estes colonizadores que — numa desleal competição com os povos originários —, constituíram o povoado contemporâneo do Estado. Finalmente, talvez questionará — como eu me questionei ao ler essa antiga missiva de caráter oficial em tom de memórias — se foi assim que tudo começou. Ou... — Ops! Está na hora. —, avisa-me o relógio do telefone. De roldão, tomei minha bolsa de estudante e segui rumo ao laboratório de Radiojornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS, meditando sobre. Por certo. Tudo começou antes do começo. Isso porque, antecipara há muito o tema do tão temido Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo. Ah, sim, o tema! Este que se torna objeto de inquietação de muitos acadêmicos nesta derradeira fase da vida de graduando, apresentou-se a mim bem de início. Deveras, recordo-me bem a tarde primaveril em 2017, onde o mormaço que faz em Campo Grande, por esse período, majorava os trabalhadores e estudantes que tomavam o coletivo de volta para a casa. Havia tido uma aula da disciplina Cultura de Massa quando encontrei Erico Bispo no coletivo que saia do terminal Guaicurus para o bairro Los Angeles, região sul da capital. Velho conhecido do curso de Artes Cênicas, Teatro e Dança da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, a UEMS, hoje Érico segue à frente da Cia de Artes Rob Drown, acumulando os papeis de diretor, ator e músico. Assim que nos reconhecemos, travamos conversa sobre os ocorridos naquele curso após eu o abandonar no terceiro ano. Contou-me dos debates frequentes sobre a posição dos artistas locais. Das dificuldades enfrentadas pela classe, de salários não pagos por serviços prestados a instituições privadas e públicas... Decerto que não eram exatamente novidades para mim, todas aquelas situações enumeradas. Entretanto, acadêmico do segundo semestre de Jornalismo que era, imaginei que pudesse haver, ali, algum valor-notícia. Afinal, não há importância na

arte? E se. Sim. Naquela tarde, os comentários da professora Marcia Gomes sobre o TCC em Jornalismo reverberavam em minha mente. E junto a eles emergiram diversas recordações de colegas artistas insatisfeitos com a falta de incentivos, de estruturas e de valorização da classe, então. Por que não? Sim. Ajuizei que era uma boa ideia, e assim, antes de saltar do ônibus e deixar Érico seguir seu trajeto, expliquei-lhe: — Sabe? Uma de nossas professoras de Jornalismo explicou, por alto, que no TCC a gente pode escolher um produto. Pode ser um documentário de rádio ou televisão, uma reportagem, um programa ou livro. Quero fazer um livro-reportagem sobre a arte local. Principalmente o teatro, claro. É uma forma de me manter dentro do meio artístico e dar voz a esse setor. Érico sorriu, reflexivo. — Seria uma boa. Despedi-me. Saltei no ponto da praça ao lado da escola estadual Eteotônio Villela, no bairro Universitário II, onde morava. Segui para casa refletindo sobre aquela resolução declarada. Falar sobre a arte local. As dificuldades. A construção de um espetáculo, quem sabe. Sobre a questão dos incentivos que, há pelo menos um ano, havia causado um protesto desses artistas na Fundação de Cultura do Estado... Ah, sim! Iria tratar desse setor no meu trabalho de conclusão! Mas, seria possível? Não sei! Mas, caso seja. Defini-lo agora é uma vantagem e tanto, eu conjeturava quase indiferente ao pôr do sol que fazia, considerando as queixas tantas vezes ouvidas por conhecidos que no andamento natural da graduação deparavam-se com todos os dilemas do TCC de última hora. E, nos dias seguintes, procurei saber se aquela seria uma proposta válida, obtendo uma resposta satisfatória por parte de colegas veteranos e professores do Jornalismo. Com efeito, o tema do TCC foi definido no início do curso de bacharel em Jornalismo da UFMS, ainda em 2017. Saído do curso incompleto de Artes Cênicas, Teatro e Dança da UEMS e tendo envolvimento com pessoas e grupos de teatro da região, não poderia ser de outro modo. Estabeleci, assim, que falaria sobre o valor da arte do Estado num livro de não-ficção, um livro-reportagem. A partir dessa definição prévia, aproveitei diversas oportunidades oferecidas nas disciplinas do curso de Jornalismo para realizar entrevistas e reportagens sobre a área da cultura e das artes. Também aproveitei as ofertas de outros cursos da insti-

tuição para ampliar o meu conhecimento e constituir o corpo teórico. Assim, considerando que nem sempre as reportagens e notícias apresentam todas as informações levantadas durante a apuração, ficando muita, muita coisa de fora, todas essas coisas reunidas num conjunto prévio de investigação, poderiam ser utilizadas em sua totalidade junto as novas investigações e entrevistas para o livro-reportagem do TCC. Dessa forma, paulatinamente, consegui reunir um volumoso material teórico e, ao mesmo tempo, uma série de trabalhos jornalísticos realizados nas diversas disciplinas do curso, sobretudo, as laboratoriais. Essas informações, essas experiências, essas reportagens e notícias são as bases deste livro-reportagem que começou antes do início, tal qual a própria cultura artística do Estado. Origem, esta, que muitas vezes me conduzia a tarciturnas conjecturas. Lembrava de que, alguma vez nos anos idos de escola, algum professor de alguma disciplina havia tratado do tema Mato Grosso do Sul em ao menos uma aula. Contudo, prevalecia uma sensação de pouco conhecimento sobre o assunto. Havia mais a saber? Sim. Certamente! Seria, no mínimo, uma grande oportunidade para saber as origens e as relações da cultura local com os povos que constituiram a região. Os fundamentos da cultura e das expressões artísticas local. Como terá sido no ínicio? Será que advém da recôndita história narrada por Taunay a cultura primeira do povo sul-mato-grossense traduzidas no valor agrário e na subserviência do trabalhador humilde da região, ao seu suserano, expressos no comportamento servil do bom Guia Lopes? Ou não? Ou ainda só podemos considerar que a cultura mato-grossense-do-sul foi forjada a partir do governo de Harri Amorim, logo após a divisão? — ... Outra coisa. Você está falando Rarry”! —, corrigiu-me a. Deveras. Recordei. (Mas falarei logo a diante) Antes dessa memoria, é preciso reportar as primeiras manifestações artísticas do atual Mato Grosso Do Sul, o que significa retomar o que ocorreu há muito, muito tempo atrás, quando surgiram os primeiros grupos humanos na região.

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