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Capítulo Quarto

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Capítulo Sétimo

Capítulo Sétimo

Capítulo Quarto:

“Lá tinha revolução, enfrentei forte bataia”

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ma das expressões mais antigas do espírito lúdico

Uda humanidade, o surgimento do teatro remonta aos ritos da pré-história. Contudo, é no desenvolvimento das outras linguagens artísticas que o teatro atinge sua plenitude, participando dos movimentos que se sucedem ao longo da História da Arte até nossos dias. Assim, é observável que em todas as épocas e em todos os povos sobrevive o desejo de desempenhar temporariamente o papel de outrem, vestir-se e falar à maneira de um personagem que, afora do rito cênico, pouco ou nada tem a ver com aquele que o encarna. Dentro do rito dramático, esse personagem pode ser qualquer criatura, inclusive um ditador perante o rebelde ou. Deveras. Alguém. Alguém conhecido que se deseja ridicularizar: e esta é uma das raízes dos jogos carnavalescos e da comédia, sem que se exclua, também para esta, uma origem litúrgica. Porém, há entre o teatro e a literatura uma relação de dependência. Isso porque, com exceção de certas representações mudas — a pantomima, os títeres — ou improvisadas, como ocorre na Commedia Dell’Arte, o teatro não é uma arte totalmente independente: como base, ele precisa de textos literários, a literatura dramática que irá formar o seu gênero entre a comédia, a tragédia, o épico. Assim, o teatro faz parte da literatura como um dos seus mais importantes gêneros. Essa literatura, entretanto, só se realizará plenamente no palco junto às outras linguagens artísticas, especialmente o canto que junto à literatura — texto sonorizado, verso falado —, formam a unidade básica da dramaturgia. Não obstante, essas duas linguagens não dispensam a pintura, a arquitetura etc. Dessa forma, o teatro chegou aos nossos tempos como a sexta arte.

Teatro no Brasil

No Brasil, o teatro surgiu como instrumento dos jesuítas para catequizar os indígenas, sendo lembrados por esse ex-

pediente os padres Manuel da Nobrega e José de Anchieta que adaptaram os autos medievais à realidade do Novo Mundo. Entretanto, somente na segunda metade do século XVIII apareceria, em muitas cidades, um teatro regular, funcionando nas chamadas casas da ópera. A construção de edifícios próprios atesta o progresso da atividade cênica. Dessa época, remonta a narrativa Crônicas do Cuiabá, de José Arouche de Toledo Rendon, a cujo manuscrito está acrescentada pelo prefaciador A. de Toledo Piza à descrição de festas celebradas em 1790, com grande brilho na parte teatral. Segundo a atriz, pedagoga e mestra em educação pela UFMS, Amirtes Menezes de Carvalho e Silva, autora de Teatro Num Fazer Pedagógico, lançado em 2006, pela editora Alvorada, a institucionalização do teatro no Brasil ocorreu em meados do século XIX: “Quando o romantismo teve seu início através das comédias de costumes de Martins Pena juntamente com outros nomes como João Caetano (ator e empresário), Arthur de Azevedo (dramaturgo) e Machado de Assis (escritor) ”. Deveras, a independência proclamada em 1822 abriria caminho para que eclodisse o Romantismo. O poeta Gonçalves de Magalhães seria, então, o iniciador da nova escola e o responsável por introduzir o Romantismo no palco do Teatro Constitucional Fluminense do Rio, a peça Antônio José ou O Poeta e a Inquisição em 13 de março de 1838. O assunto é a vida do dramaturgo Antônio José, queimado em auto-de-fé pela Inquisição, em Lisboa, por suposta prática de judaísmo. O teor melodramático da figura de frei Gil, o inquisidor que denuncia o poeta, na esperança de tomar-lhe a amada Mariana não desequilibra totalmente as tendências mais neoclássicas do que românticas de Magalhães. Mariane tem uma morte súbita quando os familiares do Santo Ofício prendem Antônio José. Essa morte é essencial para que o frei compreenda seus pecados e se arrependa, voltando ao seio da igreja. Entretanto, o gênero de comédia de costumes brasileiro, cada vez mais adaptado à vida pequeno burguesa da sociedade que se formava no país, levaria muito tempo para ser superado pelo modernismo dramático. Muito embora diversos dramaturgos tenham empreendido esforços para trazer o teatro à Semana de Arte Moderna de 1922, entre os quais se destaca o escritor, poeta e dramaturgo Oswald de Andrade, com O Rei Da Vela, foi somente após as transformações de cunho mais teórico e reflexivo iniciado nos anos 1930, com o surgimento do Teatro do Estudante do Brasil, que se abriria caminho para um novo teatro nacional. Essa busca contou também com a colaboração de imigrantes que vieram a partir da Segunda Guerra. Assim, precisamente em 1943, o grupo Os Comediantes, sob a direção do dramaturgo polonês Zbigniew Marian Ziembińsky, levou aos palcos

cariocas, a peça que, reunindo elementos do impressionismo, do expressionismo e do realismo, seria o marco da entrada do teatro no modernismo brasileiro: Vestido de Noiva, do... Claro. Batata! O dramaturgo e jornalista, Nelson Rodrigues. Outro período marcante do teatro brasileiro foi o surgimento do Teatro de Arena no final dos anos 1950, que atendeu as críticas dos jovens estudantes da época com reivindicações de um teatro nacional como instrumento político. Essa militância que irá se espalhar por todo o país com obras como A Moratória de Jorge Andrade, O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, O Pagador de Promessas de Dias Gomes, Eles Não Usam Blacktie, de Gianfrancesco Guarnieri, entre outros, encontrará nos anos que se sucederam ao golpe de 1964, sobretudo após a criação do Ato Institucional nº 5 sua relevância histórica, conforme aponta Amirtes Carvalho. “Os trabalhos dos grupos Arena, Oficina e Opinião foram caracterizados pela resistência ao golpe militar”, observa a pedagoga.

Teatro de Mato Grosso do Sul

Com várias experiências e pesquisa sobre o teatro em Dourados e região, o ator, produtor, mestre em artes cênicas pela UNIRIO e doutorando em Artes Cênicas pela USP, Fabrício Moser apresenta em sua pesquisa A Trajetória Conceitual Do Teatro Sul-Mato-Grossense: Considerações Sobre Suas Origens, Apontamentos Para Novas Narrativas Históricas, uma série de fatos documentais que desvelam a presença do teatro nas primeiras cidades do Estado, sua estrutura e desenvolvimento. Ao conceder entrevista para esse livro, Fabrício revela que o Teatro aparece na região muito mais cedo do que vem se documentando até então, no atual Mato Grosso do Sul: — Conforme demonstram os registros históricos, o teatro começa a fazer parte do cotidiano das cidades de Mato Grosso do Sul muito antes da criação do Estado, pelo menos 100 anos antes da divisão do antigo Mato Grosso. Há indícios de que muito antes disso, por volta de 1729, pode ter havido representações teatrais em Camapuã, por ocasião da passagem de uma comitiva rumo a Cuiabá, onde apresentou comedias nesse ano, esse é o primeiro registro do teatro em Mato Grosso. Conforme a pedagoga e atriz Amirtes Carvalho, o desenvolvimento de Corumbá e a chegada da Companhia Noroeste do Brasil foram as razões que permitiram a presença do teatro des-

de o século XIX com grupos vindos de Buenos Aires e visitando, além de Corumbá, cidades como Nioaque, Miranda e Aquidauana. “Em 1914, com a inauguração da Companhia Noroeste do Brasil, os grupos teatrais de São Paulo e Rio de Janeiro passaram a se apresentar em Campo Grande, Aquidauana e Corumbá com maior frequência”, afirma Amirtes Carvalho. — Na segunda metade do século XIX surgem as primeiras instituições ligadas ao teatro na região que hoje configura Mato Grosso do Sul. Eram associações e empresas dramáticas que muitas vezes administravam espaços como teatros e casas de espetáculos. Quando o Rio Paraguai virou uma rota internacional de circulação de pessoas, Corumbá e Ladário, junto a Cuiabá e Cáceres, se tornaram praças atraentes para inúmeras companhias artísticas, circenses e teatrais nacionais e estrangeiras, um movimento que se expandiu no início do século XX para cidades como Miranda, Aquidauana, Campo Grande, Três Lagoas, Ponta Porã, especialmente por conta da chegada das ferrovias ao antigo Mato Grosso. —, conta Fabrício. Para o pesquisador, o conhecimento da história do teatro no antigo Mato Grosso é importante para compreender a arte e a cultura local: — É fundamental conhecer o lugar da história do teatro no antigo Mato Grosso no curso da história do teatro em Mato Grosso do Sul, pelo menos, desde o século XIX, pois sua trajetória não remonta à década anterior à criação do Estado e aos rumos dessa atividade em Campo Grande, que se tornou nesse período a capital. Ela é muito mais antiga e complexa, como demonstram os documentos, e esse ciclo da história do teatro em Mato Grosso do Sul precisa deixar de ser lido de maneira localizada e passar a ser entendido em rede, de modo a reconhecer nesse contexto o papel das outras cidades do Sul de Mato Grosso, como algumas aqui mencionadas anteriormente, locais onde surgiram edifícios e instituições teatrais e por onde circularam inúmeras companhias artísticas nacionais e estrangeiras. — Como eram e como atuavam os grupos de teatro no passado do atual Mato Grosso do Sul? —, pergunto a Fabrício Moser.

— Eram e atuaram de muitas formas, o que torna problemático tratar do assunto em poucas linhas. De maneira geral, os grupos de teatro de Mato Grosso do Sul, antes chamados associações e sociedades, não fugiram dos modelos teatrais nacionais e globais de produção nos séculos XIX e XX. Esse é um dos meus objetos de estudo no Doutorado, entender como surgiram

e atuaram no Oeste do Brasil, e nisso em Mato Grosso do Sul, essas instituições teatrais do período: teatros, cineteatros, circo-teatros, associações, companhias, sociedades dramáticas e grupos de teatro. Entretanto, segundo a pedagoga e atriz Amirtes Carvalho, há diferenças entre o desenvolvimento estético do teatro nas cidades de Mato Grosso do Sul com relação ao Rio de Janeiro, São Paulo e outros centros urbanos. “A inserção da atividade teatral numa sociedade agropecuária não foi de forma sistemática. O seu movimento foi composto de lances, momentos dramatúrgicos, sob a responsabilidade de algumas pessoas. Mas como em outros Estados, o teatro, apesar dos percalços, conseguiu mostrar ao povo, uma maneira de ver e entender as coisas”. Segundo Amirtes Carvalho, nas décadas de 1940, 1950 e 1960, o Estado recebeu apenas duas apresentações de destaque no país, sendo as companhias de Mário Salaberry, com a peça O Burro, e a de Procópio Ferreira, com o espetáculo Deus Lhe Pague, ambas do dramaturgo Juracy Camargo, que realizaram apresentações em Campo Grande e Aquidauana no ano de 1944. Os lugares de apresentações eram improvisados em colégios, lonas de circos e cines. Apesar disso, a futura capital do Estado desmembrado da porção Sul do antigo Mato Grosso tornou-se receptiva a sediar festivais de música, dança e teatro neste mesmo período, conforme relata Amirtes: “ Nos anos 1940, jovens campo-grandenses do Clube dos Cincos, entre eles Gabriel Spipe Calarge e os irmãos Abrão e Rahe, encenaram algumas peças com a participação de Nelly Hugner Dal Farra, Hélida França, Zuleica Scaff, Aldo Derzi e Júlio Silvo, cujo conteúdo era de comédias e esquetes, visando a apenas o entretenimento e a diversão”. Os grupos, especialmente as grandes companhias, só encontrariam um espaço mais adequado a partir da inauguração do Teatro Glauce Rocha na UFMS no ano de 1971 e do Teatro Dom Bosco das, então, Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso, FUCMT, em 1974. “Devido a sua localização central permitiu que o público assistisse às peças como Um Grito Parado no Ar, de Gianfrancesco Guarnieri, e Mural Mulher, de João das Neves”. Outro fato narrado em Teatro Num Fazer Pedagógico é sobre a influência das irmãs e dos padres salesianos que se utilizavam de peças sobre a vida cotidiana — o teatro de costumes — com o objetivo de cativar os alunos na transmissão do conhecimento. Naquele período, os espetáculos eram um grande evento local. “Devido aos escassos meios de comunicação,

as apresentações de uma peça eram, nesta época, um grande acontecimento social que atraía a elite aos salões dos colégios”, explica Amirtes. A partir da inauguração da Universidade de Mato Grosso, em 1962, o teatro local sofreu uma mudança, pois a institucionalização de cursos superiores em Campo Grande permitiu a criação do Teatro Universitário Campo-grandense, o TUC. Vindo do Rio de Janeiro, o ator Sérgio Cardoso passou a empregar o método do teatro de Arena chegando a montar Arena Contra Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo. Esse grupo ensaiava até altas horas da noite e contava com o apoio da prefeitura, do Estado e comércio revelando seu alto prestígio na sociedade da época. Entretanto, o TUC encerrou suas atividades em 1970 com a encenação de Diadorim Meu Sertão, adaptação do livro de Guimarães Rosa, Grandes Sertão Veredas, feita por alunos do 3º ano de Letras, da Faculdade Dom Aquino. Em 1964, entretanto, o país se viu presa de um golpe que não deixou de se fazer presente no Sul de Mato Grosso. Durante a disciplina Jornalismo de Revista, com a implementação da Revista Laboratório Ponto Livre, no segundo semestre de 2018, fui incumbido de produzir uma reportagem sobre o assunto. Os relatos e os documentos, entretanto, eram demasiados para ocupar duas páginas de uma revista. Recordo do professor Felipe Quintino — como se adivinhasse minhas intenções — dizer que eu poderia retomá-la durante o TCC. De fato, sabia que ao abordar a constituição das artes sul-mato-grossense, acabaria por esbarrar, novamente, no contexto da censura implementada durante o regime militar.

Contesto Social Histórico no Regime Ditatorial

“Olha, o senhor me dá licença de acreditar na natureza humana? ” Com esse questionamento, a atriz sul-mato-grossense Glauce Rocha se dirigiu ao coronel Meneses Cortes, responsável pela proibição do filme Rio, 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos, no qual ela participava. A corajosa declaração abre caminhos para as implicações de suspensão dos direitos essenciais à existência durante a ditadura militar. Em primeiro de abril de 1964, o Brasil entrou num período histórico controverso, documentado com narrações de privações de liberdade e expressão, torturas e mortes praticadas pelo aparato coercitivo. Recordo-me que, durante o período de estudos em escolas estaduais, o tema da ditadura era sempre abordado no con-

texto de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, criando a sensação de que o então Sul de Mato Grosso nada tinha em relação ao acontecimento. Para conhecer esse cenário que repercutiu na política, na história e na formação cultural e artística da região, realizei pesquisas e entrevistas com investigadores e testemunhas daqueles dias. Não obstante, ao contrário do que se presume, o Estado não foi um campo livre das ações implementadas durante o regime ditatorial que ocorreu no país. Foi com minha inquietação que iniciei a entrevista para este livro com a doutora em História pela UFGD e professora no Curso de História da UEMS, Susana Arakaki: — Quando ouvimos falar sobre o Regime Militar, há uma sensação de que se trata de uma ocorrência em terras distantes, especialmente no sudeste brasileiro, a que a senhora atribui essa experiência, especialmente nos sul-mato-grossense? — As pesquisas sobre ditadura militar por muito tempo ficaram restritas aos grandes centros: Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul... a abertura dos Programas de Pós-Graduação em outras regiões do país possibilitou a pesquisa em outros centros. Assim ocorreu com a região Centro Oeste e, no caso, com o Estado de Mato Grosso do Sul. De entremeio a entrevista com a atriz, escritora e dramaturga Cristina Mato Grosso, recordo da famosa frase da artista sul-mato-grossense diante da censura prévia do longa no qual participou: — Em minhas pesquisas encontrei uma matéria sobre a censura de Rio, 40 Graus, de Nelson Pereira Santos, caso em que ficou famosa uma frase da atriz Glauce Roche dirigida ao coronel Meneses Cortes, responsável pela proibição. — Certa vez, quando Glauce fazia Antígona, sob direção de Antônio Abujamra, dado o efeito da resistência política da personagem, a Censura Federal queria interditar e prender esse tal de Sófocles —, recorda Cristina Mato Grosso, provocando risos.

— Incrível! Chegou a conhecer a Glauce, Cristina? — Não. Ela faleceu exatamente quando estreamos o Teatro da UFMS, em outubro de 1971, dia 12. Atual Glauce Roche. — Pena. —, declarei, e... Irônico. Duas ironias: a morte da atriz e... prender Sófocles? Meditei. Tão irônico quanto a ideia de prender um autor da era clássica com base em uma obra de expressão artística é o fato de que isso ocorria pouco mais de 16 anos da celebração pelas Nações Unidas da Declaração dos Direitos Humanos. O Brasil foi um dos assinantes, mas os compromissos ficaram esquecidos no meio

de uma histeria coletiva sobre o avanço comunista que, pouco a pouco, tornou-se questão de guerra dos militares brasileiros durante o início do governo de João Goulart, o Jango. Isso porque o presidente recém-empossado demonstrava intenções de empreender reformas que atendessem às demandas de trabalhadores e famílias de produtores sem moradia pela reforma agrária, o que causou suspeitas de uma governança comunista, que desagradava, principalmente, aos grandes proprietários. Assim, em resposta, ocorreram, em vários Estados, as manifestações denominadas de Marcha Pela família com Deus pela Liberdade, que contaram com apoio de uma parcela dos educadores. — Queria saber se recorda de ter sofrido repressão por aqui. —, questiono Cristina Mato Grosso. — Sim. Desde o golpe de 1964. Estudava no colégio Estadual, hoje Maria Constança. Fui obrigada a participar da passeata Família Tradição e Propriedade. Fomos pressionados pela diretora. —, respondeu-me. Deposto Jango, e com a ascensão do regime militar, observou-se uma gradativa suspensão de direitos, principalmente na esfera política, primeiro com a supressão do voto direto à presidente, depois com a redução de partidos em apenas dois, o ARENA e o MDB. Em Ditadura militar em Mato Grosso do Sul: história e historiografia, a doutora em História pela UFGD, Susana Arakaki, que vem desenvolvendo pesquisas sobre o regime, explica que no legislativo do Sul de Mato Grosso a perseguição foi quase que imediata com especial foco aos petebistas, sendo requerido a cassação de mandatos sob alegação de simpatia com o comunismo por parte das vítimas. — Quem eram as pessoas da região que agiram em favor do regime militar? —, interrogo a pesquisadora. — Políticos e também pessoas da sociedade ligadas aos partidos conservadores, em geral a UDN, mas também de outros partidos. —, informou Susana Arakaki. Para o cineasta e dramaturgo Mhiguel Horta, o conservadorismo já estava presente no Estado bem antes do golpe: — Nós temos uma sociedade naturalmente conservadora, cheia de quartéis. Nós temos muitos quartéis em Campo Grande, muito funcionário público, então é um povo que vinha de uma tradição de ordem, tudo certinho e tal, e tudo mais. Obviamente que tinha os jovens que eram rebeldes que faziam uma e outra coisa. O que você notava era que o comportamento era muito mais fechado, as pessoas eram muito menos expansivas. E tem muitas outras coisas sobre a questão comportamental, aqui no Estado, e na maneira como o Estado atuava na

relação com a população. Segundo a pesquisa de Susana Arakaki, as ações ostensivas dos agentes do regime contaram com a participação de civis que buscaram se impor ao poder constituído nos órgãos legislativos e jurídicos, chegando a ameaçar governantes locais e impor a caça a seus inimigos tomados como comunistas. Ao lado desses civis, houveram também agentes das forças armadas e do poder público que apoiaram o golpe de 1964 e iniciaram uma caçada contra os supostos comunistas. Conforme Arakaki, dentro do Movimento Udenista, destacou-se o General Meira Mattos que passou como “herói” no antigo Mato Grosso por sua participação no golpe. — Porque o regime contou com tanto apoio da sociedade civil local? —, questiono a professora. — Como já disse, o apoio vinha das camadas populares já devidamente insufladas e com medo do perigo comunista. —, respondeu-me Susana Arakaki. Segundo a pesquisadora, essas vítimas das persecuções sistemáticas desses golpistas eram, em geral, pessoas ligadas ou simpáticas ao PTB, ou colonos humildes da Colônia Agrícola Nacional de Dourados, órgão implementado como modelo do projeto Marcha para o Oeste de Getúlio Vargas e visto pela população como sinal de sua boa vontade em realizar as reformas agrárias. O interesse pelos debates de cunho socialista era visto como sinais de uma filiação comunista e fez do município um dos lugares mais atacados com a maioria dos colonos tomados como alvos de perseguição. Até mesmo os vizinhos costumavam denunciar os que de alguma forma revelassem inclinação para o debate social ou estivessem ligados à Colônia. “Petebistas eram chamados de comunistas”, afirma a pesquisadora. — Quais os aparatos ideológicos e coercitivos utilizados pelo regime na região do atual Mato Grosso do Sul? —, questiono Susana Arakaki, novamente. — O controle ideológico vinha sendo feito há muito tempo na região. Havia toda uma estrutura de controle que atingia todo país. —, respondeu-me. O AI-5 permitiu que as forças policiais prendessem qualquer pessoa sem a necessidade de mandado judicial e suspendia a garantia de defesa e o princípio de inocência pelo acesso à um advogado e habeas corpus, resultando em abusos diversos por parte das autoridades. De acordo com a pesquisadora Susana Arakaki, era comum as abordagens contra grupos, pois havia proibição de reuniões. O cineasta Mhiguel Horta conta que já foi enquadrado no centro da capital: — As pessoas achavam normal, mas eu achava o procedi-

mento, por exemplo, da polícia, dos policiais um pouco demais. Não era uma coisa muito calma, muito tranquila. Você ia andando pela rua, ou às vezes você estava na praça Ary Coelho, sentado, ou estava em qualquer outro lugar, eu tinha uns dezessete, dezoito anos. Às vezes a gente se reunia em praças para conversar. Eu e meus amigos, e tal. Aí a gente sentava para conversar, para bater papo, cara, era direto. Vinha a polícia “que vocês estão fazendo aí? ”; “não pode ficar aí”; “tem que ir embora e isso e aquilo e pá pá pá! ”; tá? Aqui era bem complicado. — Poderia se dizer que a presença de agentes do Regime Militar no Sul do antigo Mato Grosso uno criou um estado de pânico e cerceamento de expressões no âmbito público? —, pergunto à professora Susana Arakaki. — Não houve estado de pânico, mas cerceamento a órgãos de imprensa que se opunham à ditadura, houve, inclusive, empastelamento de um jornal. Uma exceção porque a maioria dos jornais apoiavam os militares. O povo sul-mato-grossense era muito conservador e isso pode ser comprovado através das manifestações de apoio publicadas no Diário Oficial do Estado. Manifestações de diversas cidades da região sul do Estado atestam o apoio ao novo regime. Havia no sul do Estado um grupo denominado Ação Democrática Mato-Grossense, ADEMAT, que policiava tudo. Esse grupo existiu somente aqui na porção sul. —, explicou-me Susana Arakaki. Entretanto, conforme o artigo da pesquisadora, nas detenções eram cometidos os mais diversos crimes contra o Estado de Direito e os Direitos Humanos, sobretudo por meio de ameaças a vida, vias de fato, acusações caluniosas e emprego de violência psicológica. No caso dos colonos detidos, as vítimas eram duplamente violadas, em primeiro lugar, pelas ações dos agentes golpistas, em segundo, pelo estigma que eram obrigadas a carregar após a prisão perante a sociedade tomada pelo discurso da ameaça comunista que passava a discriminar essas pessoas. Assim, os presos eram duplamente vítimas, uma vez que além das humilhações e ameaças e torturas psíquicas que sofriam na detenção, também acabavam discriminados e taxados de comunistas com conotação pejorativa. A sistematização dessas prisões arbitrárias e persecutórias resultou na instalação de um pavor coletivo na Colônia Agrícola Nacional de Dourados. “Após serem liberados, os colonos passaram a ser discriminados em seus locais de origem. Eram apontados como comunistas por pessoas de outros partidos políticos. Uma espécie de temor atingiu toda colônia, confundindo petebismo com comunismo”, relata a professora. Com a criação dos órgãos de vigilância e repressão, como os pares DOI-CODI, Destacamento de Informação – Centro Operações de Defesa Interna, as ações truculentas eram legitimadas

pelos atos institucionais. No artigo Direitos Humanos e a Ditadura em Mato Grosso do Sul, o jurista Joatan Loureiro da Silva que foi presidente da Comissão Permanente de Direitos Humanos Ricardo Brandão da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul, OAB/MS, em 2009, recapitula as ações arbitrárias da Ditadura contra o Estado de Direito. Segundo Joatan, o regime ditatorial estruturou uma série de aparatos coercitivos e de controle que lhe permitiram uma arbitrariedade legalizada contra o Estado de Direito, salvaguardando suas ações contra pessoas consideradas subversivas por se opor a ela. O cineasta Mhiguel Horta recorda de outra ocasião em que foi vítima do regime no centro de Campo Grande: — Eu estava com um amigo meu, quando ali na Afonso Pena, mais ou menos na frente do Banco do Brasil, tinha uns 16 anos, ele também, era umas dez da noite e parou o carro da polícia, chegaram “o que vocês estão fazendo? “; “não, nada”; “não vocês não estão fazendo porra nenhuma, dá o documento, não sei o quê. Vocês são de onde? Vocês são filhos de quem? ” E fizeram um monte de perguntas. O detalhe da abordagem é que ela nunca foi educada, ela nunca foi numa boa. A gente não estava armado, a gente não era bandido, entendeu? A abordagem era muito agressiva, cara, sabe, muito agressivo mesmo. Aqui eu levei pancada, porrada também. Porque eu fui reclamar, levei uma porrada do policial. Eles pegaram a gente, colocaram no camburão porque estávamos sem fazer nada, andando; não podia! Entramos no camburão, chegou lá na delegacia, tinha um corredor comprido lá, cheio de sela, eu fui andando assim. Eu lembro que eu virei para trás, assim, o cara me deu um soco na minha cara. Simplesmente o cara me deu uma porrada na minha cara, sabe, que doeu para cacete, sabe? Uma das coisas mais horríveis! Fiquei a noite inteira naquela cela imunda, nojenta, com um monte de gay, de travesti, não foi legal. De acordo com Mhiguel Horta, a intolerância contra LGBTs, refletia no tratamento truculento e no grande número de gays e travestis presos apenas por ocupar espaços públicos, situações dramáticas que vivenciou em Campo e, com mais violência, em São Paulo. — Era muito claro pela polícia, entende. Você ser LGT nessa época, era um crime! Era uma coisa horrível. Então tinham surras, sim. Tinham empurrões. Eu fui machucado, porque estava num lugar frequentado por gay. Por exemplo, teve um gay, que era chamado de Bonitinha. Ele era um rapaz de 1,80 metros, era um cara estudioso, lia para caralho, usava óculos fundo de garrafa. Era apelidado de Bonitinha naquele pedaço. Todo muno conhecia ele como Bonitinha. Que que fizeram com ele? Levaram ele para o banheiro. Tinha homofobia para caralho naquela época. Então você ser gay, cara, era um risco. Aliás, se

você tivesse que escolher um grupo, você tinha que escolher um grupo homofóbico para você não ser morto ou não ser agredido. — Fez uma pausa com um suspiro profundo e prosseguiu: — Aí o que eles fizeram com esse cara? Eles levaram para um banheiro, estupraram o cara, enfiaram uma garrafa no ânus dele e quebraram a garrafa, meu caro. Só isso. Realmente, Giovanni, eram coisa muito foda. O cineasta também relatou a metodologia de tratamento de suspeitos dos policias do regime em Campo Grande: — Aqui eu me lembro que estava com a gente, na sela um rapaz. Ele estava todo machucado, ele estava com a boca inchada, sangrando e tal. Eu não sei. Suspeitaram dele em alguma coisa, eu não sei se era roubo ou alguma coisa assim, mas o cara estava totalmente espancado. Por quê? Qual que era o lance? Aqui quando a polícia suspeitava de alguma coisa, eles não iam investigar. Eles batiam na pessoa até a pessoa falar. Às vezes as pessoas falavam porque já não aguentavam mais, né? Outra coisa que eu observava aqui, em relação ao jeito deles abordarem é que. O que você nota num governo militar é o seguinte, é que você é impotente, porque eles têm muitos militares e eles tem os aliados, né, e você é um idiota, você é uma coisa qualquer. Qualquer coisa você leva um tiro e tal. Então ouvia-se muito falar que eles tinham técnicas de tortura naquela época. Isso era um papo que rodava entre a galera, a moçada jovem e tal, que eles tinham técnicas para bater na pessoa e não aparecer o hematoma, entendeu, esses detalhes, essas lendas, essas coisas aí que falavam deles. Mas eles arrancavam a verdade da pessoa na porrada, não tinha investigação, não tinha nada não, era bem outro papo, era outra conversa, entende? E, assim, o cara estava armado e ponto, sabe, aliás a abordagem da polícia em Campo Grande eu sempre reclamei, sempre achei ela esquisita, poucos policiais abordam você com educação, numa boa, mas assim, de modo geral, a abordagem em lugar estranho, suspeito, à noite é sempre muito agressiva. Eu sei. Eu entendo o lado deles também, mas, assim, dois adolescentes, bem arrumados, filhos de família normal. Então eu achava muito esquisito a coisa toda. E aí tinha esse detalhe, mesmo da vadiagem. Medo. É isso, as pessoas sentem medo. Acho que governo autoritário trata você igual a soldado, igual criança, entende, porque no exército o soldado ele tem que respeitar a hierarquia. Ele é obrigado a atender o cara que é superior a ele, fazer exatamente o que o cara fala e não discutir, e não se questiona. O cara fala assim, mata aquele cara e o cara tem que matar, então, assim, o governo autoritário trata o povo como um ignorante, idiota, retardado, como um soldado, entende, e tal hora tem que dormir, tal hora tem que acordar etc. , eu sei porque meu pai era militar e tinha horário para dormir, horário para acordar, eu com treze para quatorze anos aprendi a atirar com espingarda, aprendi a atirar com uma

trinta e oito, com uma vinte e dois, né, e tal, e era assim, e tinha arma em casa, você convive e tal. O jeito de ser do militar é muito diferente do jeito mais humanista, do jeito mais artístico. É bem diferente.

Os Festivais e o desenvolvimento dos grupos.

Inspiradas pelos programas Televisivos do Rio e de São Paulo, as décadas de 1960 e 1970 também foram marcadas pelos festivais de teatro e música. Segundo Amirtes Carvalho, os alunos do Colégio de Aplicação, da Faculdade Dom Aquino, iniciaram um movimento de festivais de teatro que eram organizados ao fim de cada ano letivo. Esses festivais compreenderam o período entre 1969 a 1972 e se destacaram por incutir o gosto pelo teatro e a criação de dramaturgias com temas locais. “Alguns trabalhos premiados foram: Oxil, de Cândido Alberto da Fonseca; Autodissecação e Intravagostil; de Américo Calheiros; A Palavra, de Afonso Romano, entre outras”, elenca a pedagoga. Conforme Amirtes Carvalho, os festivais de teatro promovidos pelo Colégio de Aplicação, da Faculdade Dom Aquino contribuíram para revelar diversos artistas da região como Hélio de Lima, Nilcéia Paco, Cristina Mato Grosso, Américo Calheiros e outros. Ademais, deu ensejo à criação de grupos importantes para a história dramática do Estado, como o Grupo Teatral Amador Campo-grandense, GUTAC, criado pela iniciativa de Cristina e Américo com o objetivo de formar atores e usar o teatro como instrumento de educação, chegando a participar de festivais nacionais. “Com a peça Foi No Belo Sul De Mato Grosso, texto de Cristina, foi que o grupo participou do Mambembão e de outros festivais nacionais, mostrando o trabalho teatral do Estado”, informa Amirtes em seu livro. Segundo a tese Militância e linguagem na rota da educação, Experiências de três grupos teatrais: TUOV, Ventoforte (SP) e GUTAC (MS), a doutora em Teatro pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ECA-SP, Maria Cristina Moreira de Oliveira — a Cristina Mato Grosso —, o contesto de criação do GUTAC não se restringe ao festival universitário e a a educação escolar, mas, também é ligado ao Movimento Amador dos anos 1970, e a militâncias políticas de esquerda. Cristina também destaca que o Mambembão estava relacionado ao movimento modernista brasileiro que buscava uma identidade nacional. “Daí a existência, até os dias atuais, de alguns pontos de

liderança teatral engajada, assinalando a permanência de focos irradiadores. Um fenômeno banhado nas tintas da posição cultural do movimento modernista brasileiro, porque se caracterizou, sobretudo, pela vontade de imprimir a personalidade brasileira nas produções nacionais. Fato que vai refletir na personalidade do lendário projeto Mambembão do antigo Instituto Nacional de Artes Cênicas (INACEN), no esforço de superação do interregno, conforme já foi visto”. Em outro trabalho, Teatro Brasileiro Contemporâneo, Linguagem e Militância, publicado pela Fundação de Cultura do Estado, Cristina Mato Grosso dedica um capítulo ao GUTAC onde relata o trabalho do grupo junto à Secretaria de Educação e seu papel pedagógico. Conhecida como Dama do Teatro Sul-Mato-Grossense, Cristina não esconde a influência de Ventoforte e do Teatro Popular União e Olho Vivo, TUOV, movimento ligado a Elias Kruglianski, mais conhecido por Ilo Krugli. Filho de imigrantes poloneses que fugiram da Europa após a Primeira Guerra Mundial, Ilo Krugli foi ator, diretor de teatro, artista plástico, figurinista e escritor argentino-brasileiro reconhecido como uma das principais figuras do teatro para crianças no Brasil e que impressionou a dramaturga sul-mato-grossense pelas novidades apresentadas. “O grupo de Ilo Krugi, pelo impacto estético de História de lenços e Ventos, entrou na vida do GUTAC, que antes limitava-se praticamente a montagens teatrais, cuja concepção cênica seguia a sugestão dos textos de Maria Clara Machado. O encontro com um exercício teatral que trazia para dentro do espetáculo os quatro elementos foi uma novidade. Também nos surpreende a presença de objetos, panos, papel, metal e outros, que estabeleciam relações psicológicas e afetivas com o ator e o público e a construção de personagens, adereços e cenários, por vezes em processo interativo’, relata Cristina Mato Grosso. Assim, sob a coordenação de Glorinha Albuez, da Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso, o grupo conseguiu patrocínio para a vinda de Ilo Krugli que ministrou um curso rápido em Campo Grande. Posteriormente o grupo de Cristina e Américo criou o Instituto de Educação e Cultura Conceição de Freitas, INECON, passando a ministrar cursos com o objetivo de alterar o comportamento e a habilitação profissional em várias áreas da arte. — É possível atribuir alguma característica específica ao teatro local? —, pergunto ao teatrólogo Fabrício Moser. — Os registros mostram que o teatro das cidades do anti-

go Mato Grosso esteve sintonizado com as correntes nacionais e globais do período, como a produção do Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires, Montevideo e Assunção, e com os movimentos de modernização de suas instituições, com a circulação artística transnacional e com as esferas públicas criadas nas cidades onde a atividade teatral se inseriu socialmente, em escala global, nos séculos XIX e XX. —, revela. Outro acontecimento de destaque para a História teatral do futuro Estado de Mato Grosso do Sul foi o surgimento do Teatro Universitário de Dourados, TUD, em 1974. Com apenas 4 anos de existência, por falta de apoio político e do comércio, o TUD conseguiu permanecer na História do Teatro sul-mato-grossense graças aos talentosos artistas, conforme relata Amirtes Carvalho: “com Wilson W. Biasoto, Telma V. Loro e Ariane F. Gonçalves. Suas montagens foram Piquenique no Front (1974), de Fernando Amaral; O juramento e o Capataz (1974), de Antônio Rodrigues de Oliveira; Reflexo (1975), de José Luiz Sanfelice e Os Vendedores (1976), de José Edward.” Também em Aquidauana, surgiram dois grupos de teatro a partir de 1976. Formado por profissionais liberais, o Bataclã utilizava a dublagem de músicas como linguagem estética e realiza diversas apresentações pelo interior do Estado durando até 1981 devido a dificuldades de conciliar a carreira artística com a profissional. Com maior longevidade, o Centro de Educação Rural de Aquidauana, CERA, criado sob a direção de Paulo Corrêa de Oliveira, com o intuito de integrar as atividades cênicas à vida social da cidade, testemunhou a divisão do Estado em 1977. — Qual a contribuição das cidades do interior do Estado no âmbito do Teatro? —, questiono o pesquisador e teatrólogo Fabrício Moser. — O contexto histórico da minha pesquisa no mestrado, o Sul do antigo Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, era formado por cidades do interior do Estado, inclusive Campo Grande era considerada desse modo, por que nesse período a capital era Cuiabá. Os registros históricos mostram que muitas cidades do antigo Mato Grosso, para além da Cuiabá, tiveram papel estratégico na construção dos rumos do teatro no Oeste do Brasil no período, algumas delas já mencionei anteriormente. Para falar em uma história do teatro no antigo Mato Grosso eu rompo com um modelo de escrita localizado na capital, Cuiabá, por que ele me dá uma visão muito parcial dos fatos ocorridos nesse imenso território de fronteira. Em busca de uma visão mais complexa e territorialmente abrangente dessa atividade, eu busco observar em rede, como uma cartografia teatral, a atuação das institui-

ções, o surgimento de rotas de circulação e das esferas públicas do teatro nas cidades do antigo Mato Grosso nos séculos XIX e XX, em busca de um panorama mais fiel e plural dos rumos da história do teatro no Oeste do Brasil. —, explicou-me.

A Censura

Embora o teatro no Sul de Mato Grosso tenha se desenvolvido bastante a partir da década de 1940, é preciso acrescentar que a presença do regime militar teve uma interferência. — Em seus trabalhos, a senhora apresenta casos de perseguição e violação de direitos por agentes do Regime Militar no Estado. Há relatos de situações envolvendo artistas? —, pergunto a Susana Arakaki. — Em Dourados houve caso de interferência no grupo de teatro da UFMS, que era coordenado pelo professor Wilson Valentin Biasoto, um dos professores perseguidos pela ditadura. Ele foi demitido da UFMS durante a ditadura, mas foi reintegrado ao quadro docente posteriormente. O teatro era vigiado e submetia os textos aos censores, geralmente policiais. —, relata a professora.

Segundo narra a pedagoga Amirtes Carvalho, por meio da Rede Municipal de Ensino, REME, a prefeitura de Campo Grande promoveu festivais de teatro com o objetivo de incentivar a criatividade dos alunos e desenvolver as relações entre a escola e a vida. Esse festival iniciado em 1974 foi bruscamente interrompido em 1978. “ Foram realizados quatro festivais que foram paralisados em 1978, quando, o então Secretário Municipal de Educação ao assistir à peça Vila Nhanhá: toda Vila tem uma História Para Contar, de Hélio de Lima, que fazia uma reflexão da relação autoritária entre professor/aluno, viu retratada a hierarquia de sua administração e ordenou que a peça fosse interrompida, encerrando o festival da REME, que nunca mais foi retomado”. Esse fato teria desmotivado os professores da futura capital, sendo principalmente traumático para Hélio de Lima que, na ocasião sofreu duras censuras pelo seu trabalho. “Isto foi um fato bastante contraditório vindo de uma autoridade que deveria estimular o teatro na escola, uma vez que esta poderia ter sido um meio eficaz e eficiente de refletir a realidade social e de formação de uma consciência cultural nos alunos”, opina Amirtes Carvalho. — Pior.... Muita censura.... Em pleno 1983 ainda sofríamos censura de espetáculo, Pedro Palito e o Monstro Devorador

(O personagem Sem-Terra) não podia usar cenário verde-amarelo. Minha primeira peça, Contramão, escrita em 1973, encenada em 1976, sofreu cortes tais como em Salve O Domingo E O Feriado Nacional!... E outros tantos.... Nada é grátis, de Américo Calheiros, totalmente proibida em 1976... —, recorda a dramaturga Cristina Mato Grosso. Em Teatro Brasileiro Contemporâneo: Linguagem e Militância, Cristina descreve outros episódios de truculência no contexto do regime militar que envolve a mídia e o sistema de ensino: “Duas ocasiões foram nitidamente marcadas por estas agressões. Uma foi durante a IV Mostra Sul-Mato-Grossense de Teatro Amador, realizada na cidade de Dourados, entre os dias 21 e 24 de julho de 1983. A agressão partiu de uma nota do jornal Correio do Estado, denunciando a reunião teatral, dizendo que, de arte e artistas, ali não havia nada, e que se tratava de pretexto para agitadores e subversivos ganharem espaço. Na verdade, eles presenciaram a reunião do GUTAC com a Pastoral da Terra, movimento da Igreja Progressista, membros do ‘Comitê dos Sem-Terra’ e elementos da organização do Movimento Amador, para discutirem sobre a estreia da peça teatral Pedro Palito e o Monstro Devorador, que seria seguida de debates, com a presença destes segmentos. O segundo momento foi durante a participação do mesmo espetáculo no cronograma de trabalho do ‘Movimento Popular pelas Eleições Diretas’, em apresentação dentro de uma escola municipal da capital, bairro Nova Lima. A diretora do estabelecimento pertencia ao último reduto dos grupos ligados ao regime militar e denunciou o grupo, num programa de TV de alta audiência popular, alegando apresentação de cenas imorais em contexto escolar. O programa, que até hoje vai ao ar, ‘O Povo na TV’, durante várias locuções denegriu a imagem do grupo, com calúnias de cunho moral, aconselhando as escolas a lhe fecharem os portões”. Transitando no eixo Mato Grosso-São Paulo, Mhiguel Horta, que já tinha conhecimento de casos em que atores eram censurados e até detidos no próprio teatro, recorda bem como os efeitos da vigilância ditatorial influenciava as produções do Estado:

— Então, eu percebia que na época, apesar de ter um desejo nos grupos de teatro, participei de alguns grupos de teatro aqui, as pessoas queriam gritar, queriam falar e tal, mas, era uma coisa meio ingênua. Não tinha uma consciência política, um povo de esquerda militante, não tinha isso. Era uma coisa do adolescente ser meio rebelde e aproveitar o teatro para falar de coisas que vinham na cabeça dele. Eu participei de algumas peças teatrais, inclusive participei do VI Festival de Teatro, em Campo Grande, então havia assim, um comentário “ah, isso aí a gente não pode falar”. Isso aí tinha, entende? “Ai! Isso aí está demais! A gente tem que controlar”; esse tipo de coisa porque já

havia uma noção de que havia alguém que controlava tudo isso. Mais ou menos isso. O receio, entretanto, não impediu que houvessem dissidentes. Conforme relata Amirtes Carvalho em Teatro Num Fazer Pedagógico, o Teatro Universitário Campo-grandense, TUC, passou para a história da dramaturgia sul-mato-grossense pelas apresentações de peças marcantes que se opunham à situação política com humor e mensagens contra a opressão. “No período da ditadura militar, algumas peças do TUC só foram estreadas depois de passarem por uma minuciosa análise de censura. Dentre elas: Arena Contra Zumbi (1967), Liberdade-liberdade (1968) e Morte e Vida Severina (1969), nas quais, durante as apresentações, o representante da censura estava presente para garantir que nenhum ator fugisse do script, mesmo quando eram apresentadas no interior do Estado”. Nenhuma manifestação contra o regime era permitida, e toda forma de expressão deveria submeter-se ao crivo da censura, em Campo Grande, presente pela figura sem sobrenome da jornalista Jenise com quem Cristina Mato Grosso recorda-se de conversar algumas vezes: — Eu soube que tinha uma jornalista da censura por aqui. Você a conheceu? —, questionei. — Jenise? — Sim. — Ela era a censora de espetáculos. — Então você chegou a dialogar com ela. — Bastante. — E como eram esses diálogos? — Difícil lembrar detalhes, mas sempre em torno de explicações... A peça Foi no Belo Sul de Mato Grosso, 1979, Vila Paraíso, Bom Dia, 1989, Pedro Palito em 1983 (estas já não eram mais herméticas, a linguagem já era diretamente crítico-social), então eles (ela – Jenise – nunca estava sozinha...) taxavam proibição de faixa etária, 18 anos, e isto era rigoroso. À porta do teatro sempre havia fiscalização... A gente tentava amenizar tudo, tipo dando uma de inocentes na apresentação para eles.... Mas, eles eram antenados. Lembro-me bem da peça do Guarnieri, quando veio aqui Um Grito Parado No Ar, com Othon Bastos, eles judiavam dos atores, tinham que apresentar o espetáculo inteiro para eles, horas antes de abrir só para o público, havia uma atriz grávida, Sueli, bem barriguda, passou mal... Nosso grupo era anfitrião deles e sofríamos juntos.... Em suma, a conversa era polarizada. A gente tentando enganar a censura e eles tentando interditar o que pudessem, desde que o conteúdo questionasse

qualquer problema social. — Você disse hermética em que sentido? — Eu disse hermético, porque éramos obrigados a elaborar metáforas muito sutis, escondidas, que chegavam a adotar simbolismo de difícil compreensão para quem não tinha o hábito de teatro... E mesmo assim eles caceteavam, desde que desconfiassem das “intenções de subtexto” como já disse: Salve O Domingo E O Feriado Nacional!, frase de uma personagem... No ato eles sacavam que a frase significava “salve o dia de nada fazer, da mente parada, da ausência de reflexão, o dia do vazio... Preenchido com partidas de futebol (Pra frente Brasil!)”, e por aí vai... Você devia ver o filme com este título, feito nos anos 1980... Pra Frente Brasil... Pesado, hein! —, recomendou a dramaturga. O professor, escritor, poeta e ativista cultural Américo Calheiros, complementa o relato de Cristina: — Cheguei em Campo Grande, no início da década de 1970, para cursar a faculdade de Filosofia Ciências e Letras na FUCMAT – Faculdades Unidas Católicas, atual UCDB. Dois anos depois, fundei, com outros parceiros, dentre os quais destaco Cristina Mato Grosso, o Grupo Teatral Amador Campo-Grandense. Foi na minha atuação nas artes que senti, mais de perto, a repressão institucional. Para montar uma peça teatral, primeiro era necessário enviar o texto para o responsável pela censura na polícia federal em Brasília. Depois, antes de estrear a peça, era preciso apresentá-la para o responsável, aqui em Campo Grande, que analisava os cortes no texto, se houvesse, e a dramatização em si, para conferir se essa atentava contra a segurança nacional. O cineasta Mhiguel Horta também falou de quando foi apresentado a Jenise com sua peça Metanoia: — Mas depois eu comecei a ter consciência política porque eu comecei a fazer teatro e a minha peça era bem rebelde. Minha peça falava em Hitler, minha peça falava em fascismo. Era meio inspirada no Geraldo Vandré que, as pessoas comentavam em São Paulo, como uma lenda urbana, que o Geraldo Vandré estava louco, que estava internado num hospício, que tinham dado um monte de comprimido para ele. Que ele não tinha mais consciência de nada. Então eu fiz essa minha peça baseada na vida de Geraldo Vandré, como se ele estivesse num manicômio, entende. Ele louco, falando um monte de coisas que vinham na cabeça e tal, e nessas é que tinham coisas positivas e também tinham muitas coisas negativas, um protesto contra tudo, contra o poder e essa coisa toda. Então a minha peça tinha cunho bastante político, entendeu, e sem querer, não era a minha intenção. Eu apenas, expressei aquilo que eu achava que não estava legal, entendeu, as injustiças sociais, a polícia batendo em todo mun-

do, as pessoas não podiam falar disso ou falar daquilo, tudo isso estava representado na minha peça, algumas coisas inconscientes e outras coisas bastante conscientes. Era mais ou menos isso o panorama. Fui ter contato, também com a malícia do poder e com essa coisa da repressão quando eu fui fazer Romeu e Julieta aqui em Campo Grande e a professora Sara que era da escola onde eu estudava, disse “não, você tem que apresentar a peça para a doutora Jenise, que é da censura federal, aí ela vai te liberar para você apresentar sua peça ou não”. Nós fomos. Apresentei Romeu e Julieta, ela não gostou da música, falou “tem que tirar essa música”, que era uma música francesa, meio sensual. Ela falou “ah, vocês não podem colocar essa música, não sei o que e tá-tá-tá”. Mesmo assim a gente apresentou a peça e tal, etecetera e tal. Porém, a minha outra peça (Metanoia) teve que passar pela censura que era essa inspirada no Geraldo Vandré. Nessa peça, sim, deu um pouco de B.O. por que ela chegou para mim e disse assim: “você tem que mudar o final da peça”. Eu falei “por quê? ” Porque a minha peça, o cara morria no final, entendeu, tipo assim, o sistema não deu conta dele, mataram ele, ele foi dopado. O cara morreu sozinho gritando, falando um monte de coisas. Para o professor, escritor, poeta e ativista cultural Américo Calheiros, a censura representou o fim de um sonho: — Tivemos, nesse período, vários cortes nos textos enviados e o ápice aconteceu com a proibição integral de um texto escrito por mim, denominado, Nada É Grátis, o que para mim representou uma violência incomensurável. Fui tolhido no meu direito de expressão. Depois daquele episódio, jamais escrevi um texto teatral —, afirma. — Quais as táticas de repressão utilizadas pelos agentes do regime na região sul do antigo Mato Grosso uno? —, interrogo a pesquisadora Susana Arakaki. — Os militares estavam em todos os lugares, principalmente nas instituições, mas sem aparecer. A atuação consistia em influenciar pessoas a agirem. Assim ocorreu em Ponta Porã, cujo prefeito foi cassado logo após o golpe, em 1964. Quem articulou a cassação foi um oficial do Exército que, inclusive, produziu o relatório que culminou na cassação. Mas oficialmente foi a Câmara de Vereadores quem cassou o prefeito e vários outros vereadores. Assim ocorreu em várias cidades do Estado. —, respondeu-me, fazendo-me recordar da entrevista com Cristina Mato Grosso: — Eu soube que houve um caso onde apagaram as luzes do teatro durante a apresentação. Você estava presente? —, questionei a dramaturga. — Sim. Apagaram a luz. Os atores esperaram quietinhos e

depois continuaram. O público também.... Com dignidade, sem pânico, sem um pio... O jogo era assim... — Mas depois tudo seguiu tranquilo? — Sim, depois prosseguiu. Era comum na época a gente receber pedradas.... Nos ensaios... Cesar Vieira tem uma passagem quando estava no Glauce Rocha com eles.... Houve agressão assim... — E essas agressões vinham de agentes identificados? — Não. No caso do encontro da Glauce com o Cesar Vieira, o ataque partiu visivelmente de agentes disfarçados, provocações para amedrontar. Mhiguel, também relata experiência similar ao ignorar os cortes impostos pela censora Jenise, para quem teve de prestar novos esclarecimentos: — Aí ela falou que eu tinha que mudar a peça, e tal. Aí quando eu apresentei no Dom Bosco, tinha uma galera enorme que me apoiava, e tudo, apresentei no Dom Bosco e eu não mudei o final da peça. E ela falou para mim assim, que se eu não mudasse teria uma pessoa na primeira fila que poderia ser um policial federal e que poderia me levar preso. E eu fui completamente rebelde. Eu falei assim: “ah tá, obrigado. Eu vou mudar sim, valeu”, e não mudei porra nenhuma, fiz a peça. Não aconteceu nada, graças a Deus. Depois quando eu fui com a peça para o festival da REME, foi aí que deu um B.O. lascado, que a gente estava no palco, eu, a Lu Bigatão e tal, estava a Fernanda Pedrossian que eram, aí, amigos, e que estava encenando junto comigo e tal. Porque era um manicômio, a ideia era essa. A Lu fazia uma oligofrênica e eu fazia um esquizofrênico. Nós estávamos no meio da peça e simplesmente ficou tudo escuro, do nada. Ninguém avisou pombas nenhuma. Ninguém avisou nada! Simplesmente apagaram todas as luzes. Aí eu ouvi uma voz da coxia, que eu acho que era um policial militar. Acho porque eu não via ele no claro. Eu vi meio na penumbra, e depois ele sumiu. Um policial, que estava atrás da coxia; ele falando alto, um cara de roupa normal, não era farda nem nada, aí eu ouvi ele falando, “olha, ou você para isso aí, ou então nós vamos ter que entrar aí e te tirar”. Eu não sabia o que fazer. Não sabia! Depois que ele falou isso, aí é que eu entendi que eu não podia continuar. Fiquei igual um idiota, eu e a Lu, nós dois parecendo uns idiotas. Sabe o que aconteceu? Os caras que entregavam os troféus já subiram imediatamente no palco, estava todo mundo sabendo que iria ser interditado, que a peça iria ser. E fingiram que nada aconteceu, que a peça já tinha terminado. Deram um troféu de participação para cada um e ponto e acabou, entende. É mais ou menos isso que eu vivi na pele e tal. Mas eu vi em São Paulo e no Rio um monte de artistas falando que a peça tal estava censurada,

que não podia ser apresentada, tiveram novelas, Roque Santeiro foi uma delas, que já tinham gravado não sei quantos capítulos e não pôde ser apresentada porque a censura não deixou. Todas as matérias eram vistas antes. Eu tive amigos jornalistas que trabalhavam na Folha de S. Paulo e tudo mais, e eles me contavam, sabe, sobre essas questões. Que eles estavam na redação e de repente entra a polícia federal, censor. E liam todas as matérias, tudo o que ia sair e depois, só arrancavam aquilo que não podia. Como, por exemplo, antigamente os jornais eram diagramados à mão, era tudo impresso. Aí o cara colava a página para depois tirar o fotolito. O que acontecia? Ficavam uns buracos no jornal que eles preenchiam com receita de bolo. A pesquisadora Susana Arakaki relata que durante o período surgiram boatos sobre a presença da resistência pelos Grupos de Onze, organizados por Leonel Brizola. Esses boatos alimentavam a paranoia sobre ameaças e delírios de uma invasão comunista encarnada pelo PTB que manteria uma suposta ligação com os Grupos de Onze e eram usadas como causas das detenções e perseguições no Estado que contava com o Comando de Caça aos Comunistas, o CCC composto por elementos civis. “Na cidade de Itaporã, o CCC foi coordenado por Dalmário. Seu modo peculiar de forçar cooperação ao seu intento era o de ameaçar as pessoas do lugar a caçar e prender ‘comunistas’ sob pena de serem considerados como tais, caso se recusassem a fazê-lo. Os colonos eram presos e trazidos para a delegacia de polícia de Dourados”, exemplifica a pesquisadora. Em vista de crimes contra os direitos básicos do ser humano, como o de expressão, de ir e vir, a ONU denunciou o regime várias vezes desde 1972. Uniu-se a esta uma comissão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por ocasião da morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975. — Os horrores da ditadura que ninguém quer falar disso, né, das mortes. Eram coisas assustadoras. Hoje em dia a gente revendo, por exemplo, a TV Tupi foi fechada por uma questão da ditadura, sabia disso? Você pode ver vídeos na internet daquela época da TV Tupi, eu passei por esse processo. Eu estava vendo a TV Tupi quando foi fechada pela ditadura. Então, tipo assim, jornais fechando, eles entravam em jornais, quebravam tudo, arrebentavam tudo. Leva as pessoas presas, qualquer um que fosse comunista era torturado. Mas comigo não aconteceu nem a metade do que aconteceu com outras pessoas. Tiveram valas. Valas com pessoas enterradas, cemitérios clandestinos —, lembra Mhiguel.

Desenvolvimento após a criação

Em 1979, no contexto do novo Estado recém instituído, foi criada a Federação Sul-Mato-Grossense de Teatro Amador, FESNATA, que, seguindo Amirtes Silva, atualmente denomina-se FESMAT. Desde então, essa instituição teria contribuído para o incentivo e o fazer teatral por meio de encontros, mostras e oficinas nos diversos municípios do Estado com o apoio da Fundação de Cultura. Segundo sua página oficial, “a FESMAT é uma entidade de classe, com 33 anos de história e 30 festivais realizados por todo o Estado. Voltada para o fomento do teatro e à representação de sua classe artística em Mato Grosso do Sul”. De acordo com a pedagoga Amirtes Silva, a partir de sua instituição a FESMAT contribuiu para o surgimento de diversos grupos teatrais do Estado. “Com este incremento surgiram vários grupos, como: Alma de Circo e Alabian da UFMS; Senta Que O Leão É Manso, hoje é um grupo da UCDB; Grupo de Risco, Voa, Tareco Treco e GUTAC, Ypurinã, todos de Campo Grande: Passo a Passo, de Fátima do Sul; CERA, de Aquidauana e TPI, de Três Lagoas, continuaram seus trabalhos. Também nesta época o CESUP (Centro de Estudos Plínio Mendes Santos) inaugurou em Campo Grande um moderníssimo teatro com 400 lugares, aparelhagem técnica e rudimentos de última qualidade”, relata em Teatro Num Fazer Pedagógico. Conforme o livro Teatro Popular: Estética e Política, de Cristina Mato Grosso, junto ao Instituto Nacional de Artes Cênicas, INACEN, e à Confederação Nacional de Teatro Amador, CONFENATA, a Federação Sul-Mato-Grossense de Teatro Amador, FEMASTA, assumiu um importante papel político de militância pela redemocratização do país, recuperação do setor cultural — frequentemente perseguido e subjugado pela censura do regime militar — e até pela criação da Fundação de Cultura do Estado de Mato Grosso do Sul. “Lembramos que junto ao artista plástico Henrique Spengler, mentor do movimento GUAICURU, o GUTAC abriu um espaço de ensaios e encontros políticos na Avenida Calógeras de Campo Grande, nos fundos da residência dos Spengler. Destes encontros resultou uma forte união de produtores culturais que saíram às ruas no Movimento Pró-Diretas ‘Desperta Brasil. ’ Disto resultou uma integração inédita e única até os dias atuais, para a organização da V Mostra Sul-Mato-Grossense de Teatro Amador que aconteceu entre 7 e 10 de junho de 1984, no Teatro Glauce Rocha de Campo Grande, sob a coordenação geral da FESMATA (Federação de Teatro Amador-MS), cuja presidente era Cristina Mato Grosso. Partiram as associações de: Fotógrafos,

Artistas Plásticos, de Músicos, de Artesãos; A Academia de Letras e Movimento Literário Independente, a Produção Cinematográfica Independente, o Sindicato de Jornalistas, a própria Unidade Guaicuru e a CONFENATA (Confederação Nacional de Teatro Amador). Dos órgãos públicos, participaram a Divisão de Cultura do município de Campo Grande, a UFMS — Universidade Federal de MS, a Secretaria de Desenvolvimento Social e o INACEN”. Ao término da entrevista com a professora Maria da Glória de Sá Rosa para o livro Festivais de Música em Mato Grosso do Sul, o cineasta, teatrólogo, músico e jornalista Cândido Aberto da Fonseca, propõe uma análise: “Cândido — Professora, faça uma cronologia entre o surgimento e o desaparecimento dos festivais e o momento brasileiro. Pois podemos constar que todo protesto brasileiro surgia nas músicas dos festivais. Glorinha — Isso aconteceu como todas as formas de expressão e no caso dos festivais de música havia o agravante de canalizar o protesto para um público maior. Pode-se afirmar que os festivais se constituíram nos termômetros da época. Surgiram e acabaram conforme o fluxo do momento político. A música com o recrudescimento da censura também refletiu, em princípio um momento de inconformismo e depois de alienação. Agora em plena ressurreição, os festivais mostram mais uma tentativa de ampliar o mercado de venda de disco. Mais nada”. Por certo, advém de reflexão semelhante a conclusão da pedagoga Amirtes Silva de que a partir de 1979 o teatro sul-mato-grossense só teve mudança considerável em relação à organicidade dos artistas enquanto que, no campo político e financeiro, os problemas aumentaram. Será? Mas, e as Leis?

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