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Daniela Cristiane Ota

Foto: Arquivo pessoal

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“Queria dar uma devolutiva ao curso onde me formei.”

Graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), mestre pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), e doutora pela Universidade de São Paulo. Desde 2009, é a chefe da Coordenadoria de Comunicação Social da UFMS. E a primeira aluna concursada que volta para dar aula no curso de Jornalismo.

“Qual turma era a sua, professora? Turma de 93. O curso era quatro anos e meio, houve uma alteração curricular e nós já entramos como período de conclusão total do curso de quatro anos. Nós pegamos aquela parte de implantação do curso. Não trabalhávamos nada de meio digital. Eu lembro que as primeiras pautas que nós fizemos foram em máquinas de escrever. Não tínhamos suporte laboratorial ainda. As práticas a gente fazia, mas sem a estrutura que tem hoje. O corpo docente também não estava montado por completo, estávamos em uma fase de transição, tinham muitos professores substitutos. Eu fiz concurso em 2005, e eu já vinha de uma leva de muitos anos sem concurso. Recentemente, o curso recebeu uma leva muito boa de professores, começamos a completar o quadro, tem uma boa estrutura laboratorial. E a partir da entrada do Mario Luiz,o curso começou a se estruturar não só em relação a recursos humanos, mas em relação à estrutura física mesmo.

E o que te motivou a ser jornalista? Porque Jornalismo?

No segundo grau, eu fiquei muito na dúvida entre Direito e Jornalismo que sempre foram duas coisas que me chamaram muita atenção. Cheguei a passar em Direito na UNESP de Bauru, mas eu fiz a opção de continuar em Campo Grande. A minha opção era Jornalismo também porque eu sempre gostei de escrever, de ler, que são características bem pertinentes para quem gosta da área. Como só existia o curso de Jornalismo da UFMS, naquela época os estagiários saiam tudo daqui. Não estou dizendo que isso é bom, às vezes era até prejudicial. Porque existe um conflito com o que se faz no mercado e o que se faz na academia. No mercado não dá para apurar todas as informações, tem a questão da linha editorial. Mas como naquela época tínhamos três jornais diários, tinha uma certa efervescência. Tinha uma demanda por mão de obra, começávamos a trabalhar muito cedo. Sempre trabalhei com impresso no tempo da Universidade. Trabalhei no Diário da Serra que era do grupo Correio do Estado. Comecei em cidades, que eles chamam de clínica, cabe tudo. O foca sempre entra em cidades para começar a aprender o que é pauta, desenvolver os textos jornalísticos. Fui editora de economia e suplemento rural. Foi uma experiência muito boa, que eu aprendi bastante. E quando era editora de economia, o Mcdonalds estava vindo ser instalado aqui e eles me convidaram para ser assessora de imprensa em 1997. Foi quando comecei a trabalhar com assessoria de imprensa. Fui contratada pela Uniderp para ser assessora de imprensa também. Foi nessa época que estavam implantando o curso de Jornalismo com o

professor Eron Brum que também foi professor aqui do curso. Fiquei uns dois anos na assessoria de imprensa, e surgiu um curso de especialização com a Cátedra da Unesco, lá na UNESP de São Bernardo do Campo com o professor José Marques de Melo. Eu estava na Uniderp, e acabei fazendo essa especialização e depois fui para o mestrado. No meio do mestrado, o Eron me convidou para dar aula. Eu não queria porque eu achei que o meu foco era o mercado e assessoria de imprensa. Ele me disse “você vai para o laboratório com os alunos”. E na verdade eu brinco que foi uma enganação. Porque ele ficou dois dias comigo e depois falou “toma que a aula é sua” e eu assumi. Quando eu estava terminando o mestrado, o Eron falou que não estava mais interessado em coordenar o curso e que tinha me indicado. Então a vida acadêmica foi surgindo e quem foi o fio condutor desse direcionamento foi o Eron. Foi ali que eu tive experiência administrativa de Universidade, de coordenação de curso e de aula. Só não dei aula de tele,o resto dei aula de todas as disciplinas. A questão administrativa te impede de avançar academicamente, então foi o período que resolvi investir na carreira acadêmica e fui fazer doutorado. Eu estava no meio do doutorado e surgiu aqui um concurso na área de rádio que era exatamente o que eu trabalhava. E como não tinha indicação de doutor, era mestre, fiz o concurso, passei, assumi em agosto e defendi minha tese em setembro. Hoje só abre concurso para doutor, mas naquele tempo não. Foi no doutorado que eu mergulhei no rádio. Nesse período, eu me envolvi muito na rádio USP.

Como era a estrutura física quando você estudava aqui?

A Universidade tinha poucos cursos noturnos, então à noite ficávamos meio isolados. Tínhamos poucos recursos humanos, poucos professores do quadro e muitos professores substitutos. Eu acho que um diferencial das outras turmas para essa é que antes eram pessoas do mercado que faziam a Universidade, e hoje o perfil é completamente diferente, são pessoas muito jovens que acabaram de sair do ensino médio. Então eram pessoas que não eram jornalistas ou que atuavam há muito tempo na área ou trabalhavam a pouco tempo e queriam entender esse processo. Tinha um acirramento, uma discussão muito crítica. Eu acho que a partir dos anos 2000, o perfil começou a mudar. Até porque também foi o boom das Universidades privadas de abrir cursos de Jornalismo. Tínhamos muita carência de recursos humanos e carência laboratorial. Mas eram turmas que faziam. Muitos colegas falam que hoje as turmas têm tudo, tem uma estrutura montada para fazer e fazem muito menos do que se fazia antes. Lembro que fazíamos cobertura de jornal diário de evento que tinha no Glauce Rocha para fazer exercício laboratorial. Mas a gente fazia muita

coisa, não com uma estrutura adequada, mas fazia. Talvez porque o curso estava em fase de implantação, e os alunos se sentiam um pouco responsáveis por esse processo de um curso que estava nascendo e que era polêmico.

E como foi voltar para cá como professora?

Quando me formei, eu não tinha foco para trabalhar com viés acadêmico. Como eu fiquei quase dez anos na Uniderp eu tinha experiência de dar aula de trás para frente e de frente para trás. Foi uma coisa diferente porque aqui as turmas são pequenas, e eu dava aula no auditório. Eu sempre quis voltar para o curso para dar alguma devolutiva. Porque quando você é aluna de um curso, você entende o processo, as dificuldades que passaram e como estamos hoje. Eu voltei porque eu queria trabalhar em uma Universidade Federal e onde eu me formei. Voltar foi muito bom, primeiro por rever os professores. Eu fui bem recebida e fui a primeira ex-aluna a voltar e me tornar professora do curso. Então os professores estavam muito empolgados porque eles falavam que iria começar uma geração de ex-alunos a voltar para dar aula no curso. E é muito bom ter pessoas que quando escolhem o mundo acadêmico podem voltar e contribuir de alguma forma com o crescimento do curso.

Quais disciplinas tinham?

A aula que eu mais me lembro é de rádio. Sou capaz de descrever tudo. Me lembro da primeira aula do Eron em que ele sentou todo mundo na máquina de escrever e mandou fazer uma redação. Eu me lembro que todo mundo tirou C e D, porque todo mundo pensou que era redação e não matéria jornalística. Ninguém estava acostumado, porque antes escrevíamos à mão. Foi a primeira barreira. E da aula da Maria Francisca, me lembro que tinha um estúdio pequeno, gravávamos em rolo e ela deu um exercício de fechamento do semestre que era montar um programa de rádio onde podíamos montar o programa que quiséssemos. A primeira matéria jornalística que eu fiz na vida foi na máquina de escrever, na aula do Eron, e a aula da Maria Francisca que foi a montagem desse programa de rádio.

Como se interessou por rádio?

Foi no mestrado. Quando eu entrei na Uniderp, eu não imaginava, porque eu trabalhava na assessoria de comunicação. Quando surgiu a oportunidade do mestrado, eu pensei qual seria um projeto bacana para trabalhar aqui no Estado. Surgiu a oportunidade de conhecer a comunidade Furnas de Boa Sorte, que é uma comunidade remanescente quilombola. Tinha gente que

nunca tinha visto televisão na vida. O Eron tinha um sítio ao lado da comunidade. Conheci a comunidade e fiquei um tempo lá. Os cursos de Farmácia e Medicina da Uniderp começaram a atender a comunidade, porque eles tinham muitas doenças ligadas à verminose. Eles começaram a fazer um estudo lá, e eu comecei a acompanhar para me envolver com a comunidade. Eles só ouviam um programa que era “A hora do fazendeiro” da Educação Rural. Eles amavam rádio. Para eles, o que o rádio falava era verdade absoluta. Começou a nascer esse projeto, me interessei por rádio e comecei a conhecer pessoas da área. Eu não sabia o que eu ia fazer no doutorado, mas sabia que ia ser alguma coisa com o rádio.

Como é estar aqui em 2014 e ver as mudanças?

É muito legal. Quando eu cheguei aqui em 2005 e me mostraram o laboratório, eu falei “nesse laboratório eu não posso dar aula”. Porque desde a morte da Maria Francisca, nunca tinha tido um professor fixo de rádio. Achavam que quando tivesse um professor efetivo, ele resolveria a área. Então os primeiros anos foram muito complicados. Tinha um laboratório em fita cassete e todo mundo já estava trabalhando em computador, com programas. Eu comecei a fazer a transição em 2005, e o laboratório efetivamente com as condições ideais foi ter em 2011. Então, de 2005 a 2011, começamos a estruturar primeiro com equipamentos, depois com softwares. O laboratório estava muito comprometido com fungos e sem limpeza. Depois que conseguimos equipamento, começamos a trabalhar com formatos digitais de áudio e a pensar no espaço físico. A prioridade era resolver esse problema de equipamento, e em 2010 começou a possibilidade de ter um espaço físico que também não era ideal porque não tinha acústica. Nesse ano,começou a correr o processo para reforma e hoje temos as condições ideais. Eu fico muito feliz, porque eu acho que mostra uma evolução. Tenho quase dez anos de UFMS, e ficaria muito triste se depois de dez anos meu laboratório ainda tivesse as mesmas condições.

E tem mercado de trabalho para rádio aqui no Estado?

Tem, mas os salários não são muito bons. Quem gosta de rádio está indo para as AMs.Achamos que não porque ouvimos pouco. Mas o público de AM é imenso, um público muito fiel.É difícil trabalhar em FM, a estrutura é ruim e os programas não são muito jornalísticos. Eu entendo quando as pessoas dizem que não querem ir para não queimar o currículo.”

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