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Edson Silva

Foto: André Moura

“Enquanto os alunos iam aprendendo a fazer jornalismo, a gente ia aprendendo a dar aula.”

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Graduado em Comunicação Social- Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina – Paraná, mestre em Comunicação Social pela Universidadede São Paulo (UMESP) e doutor pela Universidade Autônoma de Barcelona. O professor Edson Silva é peça chave para essa história tornar-se (re)conhecida pelos alunos. Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais, foi nomeado o representante do Sindicato na comissão de criação do curso na UFMS. É professor do curso desde 1989.

Como o curso foi criado?

“A criação do curso de Jornalismo não seguiu um roteiro que normalmente acontece na Universidade. Foi criado a partir de toda uma mobilização da sociedade de Campo Grande. A iniciativa foi do Sindicato dos Jornalistas Profissionais, até mesmo o Governo do Estado entrou no processo, e os veículos de comunicação acabaram apoiando a criação do curso. Demorou muito tempo, entre o pedido da criação do curso e criação efetivamente foram cinco anos. A demanda apresentada à Universidade Federal tinha uma sustentação que tinha preocupação com a ética, com a formação técnica dos jornalistas, com o fortalecimento da categoria. O curso era demandado pela categoria, mas também por vários segmentos que tinham interesse no aperfeiçoamento do fazer técnico e ético dos jornalistas.

Haviam outros motivos pelo qual a Universidade queria barrar o curso?

A criação do curso tinha duas correntes: uma era formada pela demanda que vinha do Sindicato dos Jornalistas que trazia outros apoios para a criação do curso. Nós pedimos através de ofício a criação do Curso de Jornalismo. Então nós mobilizamos outros setores. E também a reitoria na época, que o Professor Jair Madureira era o reitor que apoiou a ideia. Durante a campanha para a candidatura a reitoria da UFMS, a exemplo de outros candidatos, afirmou que se fosse eleito, apoiaria a criação do curso de Jornalismo.

Ele foi eleito, e quando tomou posse, nós viemos conversar com ele, que honrou esse compromisso. Mas mesmo tendo esse apoio externo, a iniciativa do Sindicato, o apoio do reitor, nós nos defrontamos com outra situação, que era a resistência interna. O curso ia cair em um departamento grande, então era muito compreensível a resistência, porque nós vivíamos em uma situação onde o Governo Federal não dava tantos recursos, fontes de financiamentos. Houve resistência, dificuldades, tivemos que lutar no mundo político. Teve deputado na Assembléia Legislativa que queria reivindicar o direito da criação do curso, eles queriam os créditos. Foi uma época muito efervescente, o Sindicato teve muito trabalho para conseguir.

O Sindicato era formado por quem?

O Sindicato daqui foi derivado do Estado de Mato Grosso, quando dividiu o Estado, o Sindicato ficou lá no norte e aqui ficou a Associação dos Jornalistas Profissionais do MS, então foi da Associação que derivou o Sindicato dos jornalistas(de MS). Ele foi formado por jornalistas que atuavam no

Estado, eles vinham de vários lugares, do Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais, eu era daqui de MS. Então uma diretoria foi eleita, nós chamamos uma assembléia bem mobilizada e nesse momento nós fizemos a proposta de criação de várias comissões, de ética, de regularização profissional, comissão do jornal Jabaculê e uma comissão que ficou encarregada da criação do Curso de Jornalismo.

O Estado demandava de mão de obra de fora?

Em 1981, a Delegacia Regional do Trabalho, tinha nove jornalistas registrados. A maioria dos jornalistas eram provisórios, podia contratar jornalistas que não tinham formação. Então a chegada do curso formalizou o mercado, o que não significa que não tínhamos bons profissionais antes da chegada do Sindicato e do curso.

Se não tivesse a iniciativa do Sindicato não existiria o curso?

Não sabemos. Mas posso dizer que o fato de o curso nascer da iniciativa do Sindicato, nos permitiu que desse um norte para a categoria. Tínhamos um envolvimento, então por isso o Sindicato adotou como estratégia buscar parceiros, tanto é que buscou apoio dentro do Governo do Estado, que na época era do Wilson Martins. Os resistentes diziam que a Universidade não tinha estrutura, laboratórios para formar os alunos, então nós fomos ao Governo do Estado e pedimos que a Rádio e TV Educativa fossem liberadas para servir como laboratório para o curso de Jornalismo, e o governador disse positivo. Então, pegávamos essas informações, documentávamos e trazíamos para a Universidade. A Universidade não tem espaço, não tem sala de aula disponível, o Jorge Manhães, que trabalhava com planejamento, me chamava aqui e me informava qual era o impedimento. “Eles vão dizer que não tem sala de aula aqui, à tarde e de manhã, mas eu vou te dizer que horas tem e onde estão as salas.” Então ele nos passava um relatório. Por isso começou à noite. Por dois motivos: viabilizar o espaço e qualificar os profissionais que não tinham formação, mas o cara só saia do jornal às sete da noite. Por muitos anos, o Curso de Jornalismo foi uma espécie de vigia aqui da Universidade. Porque a gente ficava aqui até dez, onze horas, meia noite, duas horas da madrugada, trabalhando com os alunos aqui, fechando Projétil. Porque precisávamos fazer o trabalho. No dia da votação, praticamente todos os veículos de comunicação estavam aqui fazendo a pressão para que o curso fosse aprovado.

Como era a estrutura inicial aqui?

O curso começou no tempo da chamada “lauda” de papel, que você

escrevia, não dava certo, amassava e jogava fora. Começou com uma sala.Aquela sala do primeiro ano, depois foram aparecendo outras salas. Depois se tornou a redação. E a redação tinha mesinhas, cadeiras, e máquinas de escrever, que não eram de jornalistas, eram máquinas de escritório. Depois fomos para uma sala que era aqui na esquina, que hoje é do Mestrado. O laboratório de televisão não tinha câmera, depois surgiu uma câmera só. A gente começou a trabalhar com uma câmera, depois que foi comprando equipamento. O primeiro equipamento de televisão foi comprado quando a gente fez um projeto para o FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação), a pretexto de produzir programas voltados para o ensino fundamental e ensino médio. E com esse equipamento começamos a ministrar telejornalismo.

Aquela briga sobre a parcela do CCHS que não queria que o curso se instalasse manteve-se após da criação do curso?

Depois que a gente entrou sob pressão, começamos o curso com uma professora, a Ana Maria, que não era da área de Jornalismo. E ela tratou de chamar gente que estava no mercado para trabalhar aqui. Depois do primeiro semestre foi feito o primeiro concurso. O Jornalismo não tinha tradição acadêmica. Enquanto os alunos iam aprendendo a fazer jornalismo, a gente ia aprendendo a dar aula, aqui não tinha nenhum mestre formado, não tinha nenhum doutor formado, de área específica. Então todos aqueles professores foram formados aqui. Tinham pequenas resistências, mas como a gente já estava dentro, eles foram percebendo que éramos bons de serviço, e que os alunos que não eram só nossos alunos, porque a gente dependia de professor de Psicologia, Sociologia, Antropologia, Redação, que vinham de Letras, e foram percebendo que o curso de Jornalismo trazia um contingente de alunos com muita vontade e com perfil bom. Como é até hoje, a gente tem um perfil bom de alunos que chegam com muita vontade, interessados, participativos e questionadores. E como não guardamos mágoa nesse período, embora soubesse que muita gente fez força, e viemos cair exatamente ao lado do professor que nos disse não. Depois de algum tempo, estávamos na mesma mesa votando, decidindo as mesmas coisas. Essa resistência acabou se quebrando, até ganharmos a independência que temos hoje.

Quando a Rádio Alternativa começou e terminou?

A Rádio Alternativa foi objeto da minha dissertação de mestrado. É a parte prática daquilo que eu estudei na parte teórica. O estudo não era voltado só para o rádio em si, mas à comunicação alternativa como um todo, o impresso, TV alternativa comunitária, vários veículos, várias possibilidades

de trabalho da comunicação alternativa. Eu trabalhava na Universidade, uma disciplina chamada Comunicação Alternativa I e II, e eu criei um laboratório chamado Rádio Alternativa. Fui estudando e trabalhando isso. A ideia era pegar a Rádio Alternativa e mostrar como poderia fazer uma comunicação diferenciada dessa comunicação convencional, trabalhar com comunidade, com movimento social e sindical. Como a Universidade nunca teve o laboratório de rádio, a Alternativa se tornou o laboratório para ensinar rádio, que foi no período que eu fiquei afastado. Nesse período, quem ficou aqui transformou a Rádio Alternativa no laboratório de rádio. Aquele projeto que era para trabalhar na comunidade ficou retido aqui dentro. Porque na primeira fase da Rádio Alternativa, era para gente desenvolver junto com os alunos esse espírito do alternativo, do comunitário, capacitando dentro da Universidade. A Rádio Alternativa tinha um modelo, que depois a gente adaptaria nas comunidades. Nós fizemos essa primeira fase, que era desenvolver a Rádio Alternativa aqui dentro e nos primeiros quatro anos, nos projetos experimentais. Nós conseguimos fazer dois projetos experimentais aqui , que foram a Rádio Popular São Benedito, e o Vídeo Popular chamado “Tia Eva, sua história continua”, como consequência de todo esse trabalho que foi feito em Comunicação Alternativa I e II e em decorrência daquilo que eu havia desenvolvido na minha dissertação de mestrado. Nós fizemos esses dois projetos experimentais na comunidade que são referências. Essa ideia voltada para comunicação comunitária foi refreado quando o departamento transformou esse laboratório em um laboratório convencional. As disciplinas de rádio passaram a ser ministradas nesse laboratório,porque tinha o laboratório básico e tinha a transmissão via ondas eletromagnéticas que pegava aqui no Campus e em um pedaço da cidade, e não podia! Porque não tínhamos autorização para funcionar, e era uma espécie de uma rádio clandestina, pirata. E eu sempre disse que não era nada disso, nem clandestina porque ela tinha endereço, nem pirata porque não visava ouro.

Como é que funcionava a rádio?

Eu tinha os alunos que faziam, por exemplo, a disciplina Jornalismo Científico, que queriam participar do projeto Rádio Alternativa. E eu dizia, “tudo bem, o que você tem para propor?”,”a gente vai fazer um programa falando da produção científica da Universidade Federal”.”Tudo bem, então põe no papel”, eles montavam o programa e tinham um horário na rádio. Um aluno de Física disse, “professor, nós temos uma banda de música e a gente quer promover, temos composição nossa, música que produzimos e quere-

mos um espaço na rádio.” Eles iam no dia e tocavam ao vivo. A rádio tinha um telefone, e tinha o feedback. Alunos ligavam lá da Química, por exemplo, ouviam e diziam “ó, nós estamos ouvindo, está legal! Não está muito bom, aumenta o som...” A rádio era um pouco precária, mas funcionava. Tinha um pessoal que trabalhava na obra aqui, entrava às sete horas. Eles chegavam às seis horas com o programa deles no script, e o programa era de música sertaneja, chamava “Bom dia Universidade”. Tocavam todas, traziam as duplas, mandava abraço para mulher. Ele montava um programa que era para o setor dele, só que esse setor interessava também para outras áreas.

Tinha um horário fixo?

Tinha horário fixo, todas as tarde. Eu estou dizendo o período que eu coordenava. A rádio é democrática, só não pode tomar conta partido político, igreja... Teve um cara que montou um programa que era de seresta. Ele fechava a rádio às nove horas da noite. Vocês viram o tanto de fita que tem lá na minha sala? Eu ainda tenho as fitas, com prefixo da rádio: “Rádio Alternativa, o laboratório de Comunicação Alternativa da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, sintonize 107,7.”

Professor, falando agora da estrutura pedagógica, como ela era? Existia um padrão do MEC ou vocês criaram tudo do zero?

A comissão encarregada de criar o curso apresentou uma grade. Eu me recordo da época em que nós levantamos várias grades, nós consultamos vários cursos. Até pouco tempo, o pessoal achava estranho nós termos Jornalismo Científico.

Então não tinha um padrão do Ministério da Educação?

O Ministério da Educação (MEC) exigia as disciplinas base da formação do profissional, e as outras disciplinas nós fomos introduzindo de acordo com a necessidade, por exemplo, ter Comunicação Rural. Na época, eu sugeri Jornalismo Científico e Comunicação Alternativa, eu achava que era importante ter. Nós introduzimos essas disciplinas além das obrigatórias.

Foi uma opção do senhor não entrar logo como docente e esperar uma qualificação melhor?

Eu pensei “vou me capacitar porque eu quero dar aula nesse curso”. Fui embora para São Paulo, trabalhei na imprensa local e fiz o mestrado. Quando eu estava no final do mestrado, o curso foi criado. Só que antes da criação mesmo, teve um professor que me chamou e disse, “olha, nós va-

mos adotar tal procedimento aqui e a gente avisa que você vai ser um dos professores”, e eu disse, “como? Se eu ainda estou fazendo mestrado. Já vai ter concurso?” “Não vai ter concurso, mas nós vamos adotar um procedimento e vamos arrumar mais professores e você vai ser um deles. Então queremos saber se você aceita?” “Não.” “Por que como vocês vão colocar esse cara ali dentro, pela janela? Eu não quero. Estou fazendo mestrado, quero que abra um concurso, que eu venho fazer. Quero passar no concurso, ser professor efetivo da Universidade. Como eu tive um compromisso com a criação do curso, eu quero ter um compromisso com a manutenção da Universidade. Eu quero estar lá dentro, quero acompanhar.”

Professores qualificados que tinham formação em jornalismo demoraram a chegar?

Nós tivemos o primeiro grupo que foi selecionado, um concurso que aprovou seis professores, só que desses, só tinham quatro vagas, foram chamados e depois os outros dois. Depois demorou um tempão. Mas foram chegando aos poucos.

Mas o senhor chegou para turma de 89?

Quando eu fiz o concurso, eu não era mestre. Porque o concurso não exigia o mestrado, eu ainda era graduado. Tanto é que o último ano do meu mestrado eu fiz viajando. Eu trabalhava e fazia mestrado em São Paulo, quando passei no concurso, e voltei e comecei trabalhar aqui, viajava toda semana.

Sobre o Projétil, os primeiros anos.

O Projétil sempre acompanhou esse modelo de hoje, de três professores trabalhando. É um professor de Redação, um de Edição e um de Planejamento Gráfico. Sempre foi de uma forma aberta, para que o aluno pudesse participar e dar sugestões. Fizemos inicialmente um concurso para saber qual seria o jornal laboratório, e acabou saindo esse nome “O Projétil”. Os professores trabalham de forma bastante unida e aberta. Os alunos participam abertamente da pauta. Não me recordo como era tecnicamente o jornal, mas sempre foi tablóide, como é hoje.

O senhor saiu em 2010 e voltou em 2014, qual foi a maior mudança que o curso teve, na sua opinião?

Eu ainda não consegui assimilar. Mas o que eu percebo é que o curso é outro, o grupo de professores é um grupo novo. Os professores antigos ou estão aposentados, ou morreram... Dos professores antigos, tem eu e o Licerre, e o restante é tudo considerado professor novo. Quando eu saí em 2011, já

estavam chegando os professores Silvio e o Mario Luiz. Ter professores novos é uma diferença, mudou a cara do curso. Eu percebo também a diferença no perfil dos alunos, tem muitos alunos bons com perfil interessante, mas parece que o curso era mais político antes e perfil voltado para o social. O Projétil era mais social. Quando voltei, eu percebi que Comunicação Alternativa, essa coisa voltada para comunidade, foi cortada por alguma orientação interna do curso, dos professores. Percebi essa coisa do Projétil, de envolvimento político. Ele é bem feito dentro do processo e tal. Mas parece que os alunos, no processo, já não apresentam mais esse perfil.

Será que o fato de muitos novos estudantes serem de outros estados?

Também, as novas tecnologias, o fato de ter alunos de vários pontos que não conhecem a realidade cultural, social daqui, a mudança na grade curricular que teve. Quando eu saí em 2010, eu propus a criação de uma disciplina que substituía a Alternativa, que é dada no quarto ano, “Cidadania, Ciências e Tecnologias”. Porque em 2010 a gente entendia que as dificuldades dos anos anteriores para trabalhar com a comunidade,era não ter instrumentos para fazer um jornal, precisa de mimeógrafo, xerox, usava essas tecnologias para fazer o jornal e os movimentos não tinham dinheiro. Então, nós tratamos de propor essa disciplina, e para nossa surpresa, ela saiu do lugar, que era no primeiro ano. E foi parar no último. Porque você botaria o pé aqui na Universidade e seria uma disciplina de apresentaçãoa esses movimentos sociais, comunidades, o compromisso seria esse. Visitar, gerar relatório, fotografar, conhecer, para ele ter sob a mesa um menu de possibilidades para poder fazer um trabalho mais comunitário mais voltado para os movimentos social e sindical. Quando isso vai para o último ano, dá para fazer alguma coisa, mas o tempo já passou. Não há tempo para mais

”nada. Você deixa para o final, onde basicamente já definiu qual é seu projeto experimental. Então, como é que você vai fazer um projeto experimental com Comunicação Alternativa se só agora você foi apresentado à área?

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