Escritores Brasileiros Contemporâneos - n. 19 - dez/2020 - edição especial Memórias Paulistanas

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ESCRITORES BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS EDIÇÃO 19

Nº. 19

Dezembro/2020

Edição especial - MEMÓRIAS PAULISTANAS

E n t re v i s ta

D e n i se D e l V e cchio


No próximo mês de janeiro São Paulo completa 467 anos da sua fundação. Todos os anos a editora Matarazzo festeja a efeméride com publicação de livros e dois números especiais da revista Escritores Brasileiros Contemporâneos. Neste primeiro número comemorativo trazemos um presente especial: uma entrevista com a atriz Denise Del Vecchio. Na infância, a artista viveu entre os bairros da Mooca e Belenzinho. Ela compartilha conosco muitas memórias e fotografias do seu acervo pessoal. O jornalista Geraldo Nunes traz a crônica sobre os bondes do Brás e Belenzinho. A poeta e advogada Neide L. Ciarlariello, rememora seus tempos de menina no Belezinho em uma crônica deliciosa. Recordamos o poeta Paulo Bomfim. Destacamos o trabalho maravilhoso do Instituto Bixiga. E fechamos o número com poemas e contos dos nossos poetas-colaboradores: Luiz Negrão, Marcinha Costa, Sandra Regina Alves, Ricardo Cardoso, e Ricardo Baba. ► O bairro do Belenzinho será evocado em muitas páginas desta revista. Ao lado, vemos, o prédio do Educandário e Externato São José do Belém, localizado no número 1534 da Avenida Celso Garcia, o prédio está preservado. Foi inaugurado em 1909.

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Revista pertencente à Editora Matarazzo. Email: versejandocomimagens@gmail.com Telefone: (11) 3991-9506. CNPJ: 22.081.489/0001-06. Distribuição: São Paulo - SP. Diretora responsável: Thais Matarazzo - MTB 65.363/SP. Depto. Marketing: Ana Jalloul (11) 98025-7850 Depto. Jurídico: Tatiane Matarazzo Cantero. Periodicidade: mensal. Formato: digital. Capa: Denise Del Vecchio. Edição 19 - Nº 19 - Ano II - Dez./2020. A opinião e conceitos emitidos em matérias e colunas assinadas não refletem necessariamente a opinião da revista Escritores brasileiros contemporâneos. Contatos www.editoramatarazzo.com.br Facebook: @editoramatarazzosp Instagram: @editoramatarazzo

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EDITORIAL

Escritores brasileiros contemporâneos

EXPEDIENTE

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SUMÁRIO Editorial............................ 2

Poesias & Contos

Entrevista ..........................5 Memórias Paulistanas de Denise Del Vecchio

Praia de Paripueira. .........34 Alinhando Nossas Linhas .. 34 Luiz Negrão

Um city-tour de bonde entre o Brás e o Belenzinho. .....17 Geraldo Nunes

Círculo Sagrado. .............35 Ao redor da fogueira.......36 Marcinha Costa

Eu te amo São Paulo . ..... 19 Paulo Bomfim

Memórias das andanças .. 37 Sandra Regina Alves

Semana Paulo Bomfim. .....20 Thais Matarazzo

Guerreiro Negro..............39 Pedido de casamento!........39 Dois Povos ....................... 40 Ricardo Cardoso

Meu Belém de ontem... . .. 22 Neide Lopes Ciarlariello Lembranças da Barra Funda. ......................................26 Cris Arantes Jornada do Patrimônio SP 2020 . ................................ 27 Instituto Bixiga .............. 29

Lembranças de uma Vida ... 41 Ricardo Hidemi Baba




N

esta edição especial em homenagem às memórias paulistanas, temos a alegria e a honra de trazer para os nossos leitores uma entrevista descontraída com a atriz Denise Del Vecchio. Denise é uma atriz consagrada, realizou trabalhos memoráveis no teatro, televisão e cinema. Nascida na Mooca, tem raízes ligadas aos bairros operários da Zona

Leste. É, também, escritora, diretora, dramaturga e professora. Começou a carreira no Teatro de Arena em São Paulo. A partir daí, desenvolveu uma brilhante trajetória. Em 1974, estreou na TV Tupi, na telenovela Ídolo de Pano. Em seguida, atuou em dezenas de séries e novelas das emissoras Rede Globo, Record, Bandeirantes, Manchete e SBT.

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Memórias Paulistanas de Denise Del Vecchio

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Peça Feliz Ano Velho, 1985

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de Cetim; Governador do Estado (1985), por Lembranças da China; Prêmio Shell (2014), por Trágica. Em 2008, ganhou uma biografia, Memórias da Lua, pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, dentro da Coleção Aplauso, de autoria da atriz e escritora Tuna Dwek.

Denise, conte-nos um pouco sobre as origens das suas famílias materna e paterna. A minha avó materna, Alzira Aída, é nascida em Portugal, na freguesia de Torre de Montecorvo.

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Quem não se lembra de personagens inesquecíveis interpretadas por Denise na telinha, como Bárbara Ventura, de Força de um Desejo (1999), e Dona Mocinha em Chocolate com Pimenta (2003)? Seu papel mais recente foi o de Madalena, em Topíssima (2019), na TV Record. Desde 2006, Denise coleciona grandes trabalhos e participa das novelas da TV Record. Paralelamente também atua no teatro. É detentora de vários prêmios de melhor atriz no teatro, entre os quais: Molière (1981), pela peça Lua

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Fantasiada de espanhola em foto tirada no fotógrafo Roberto, no Belezinho

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D. Jurema e Denise

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Meu avô, José Dib, seu marido, é originário da Síria, de numa região quase fronteiriça com o Líbano. A avó Alzira veio menina para o estado de São Paulo. Casou-se numa cerimônia arranjada, aos 15 anos, com meu avô, recém-chegado e com 33 anos. Ela católica, ele muçulmano não praticante. Tinham uma venda de secos e molhados na Rua Caetano Pinto, no Brás. Os hábitos e a cultura de meu avô se perderam no meio dos espanhóis, portugueses e italianos que viviam naquela rua. Lembro-me do forte sotaque que carregava e da raiva que explodia quando era chamado de “turco”. Por conta da ocupação turca na região,

sua nacionalidade nos documentos foi alterada e ele guardava o rancor e a humilhação de ter tido sua terra invadida. Minha avó materna chamava Angelina De Vecchis e era de origem romana. Meu avô por parte de mãe, Vicente Falotico, era calabrês. Ela, de origem “nobre”, teve que fugir para se casar com um homem do sul da Itália. Meu avô Vicente eu não conheci. Era carpinteiro e fazia móveis lindos que conheci na casa de minha avó, na Rua Visconde de Parnaíba, perto da linha do trem [antiga ferrovia Central do Brasil] e quase ao lado da Hospedaria dos Imigrantes.

As avós de Denise, d. Angelina (italiana) e d. Alzira (portuguesa), seus pais d. Jurema e sr. Nelson, e o filho André Frateschi


Você se recorda dos endereços em que morou com sua família na Mooca e no Belenzinho? Nasci na Rua Wandenkolk, na Mooca. Morei lá, dividindo a casa com minha tia Raquel, irmã do papai e mãe de dois garotos, meus primos Gilberto e Vicente, com quem aprendi a jogar bolinha de gude na rua. Mudei para a Rua Padre Adelino aos 4 anos, quando nasceu minha irmã Alzira. Morávamos nos fundos da loja de joias e relógios

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► A família italiana é sempre alegre e unida. Quais são suas lembranças junto aos seus parentes nas reuniões e almoços de domingos? Na sua família, tinha algum artista? A família era grande e costumávamos nos encontrar todos os domingos. Além dos filhos, recebíamos visitas de parentes mais distantes. A primeira lembrança era chegar à casa da vovó e sentir o cheiro do molho do macarrão que estava no fogo desde 5 horas da manhã. Depois, era correr para o quintal e brincar com os primos e primas. Havia muita cantoria. A tia Inês tocava piano, a única da família, e lá vinham as canções italianas que todos os irmãos conheciam. Essas canções que até bem pouco tempo se ouviam nas cantinas tradicionais. A mesa era montada no quintal, pois éramos muitos. Uma

mesa comprida, feita de tábuas. Macarrão, salada e braciola. Em dias de festa, quando éramos muitos, tínhamos carne de cabrito. À noite, a vovó servia uma sopa de músculo maravilhosa, e ninguém se atrevia a voltar para casa antes de tomá-la. Natal, Ano Novo (com a esperadíssima corrida de São Silvestre na TV), Páscoa, Dia de São Pedro (com fogueira e balões feitos pelo meu pai), eram grandes festas. Cada família levava um doce e era muita alegria! Minha avó Angelina, desde a morte do meu avô Vicente, nunca deixou o luto. No máximo, usava um vestido escuro estampado com pequenas flores claras. Usava o cabelo preso em coque, calçava chinelas. Não lembro dela de forma diferente e nem de vê-la fora de sua casa.

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Tiveram oito filhos, papai sempre me falava da dificuldade enfrentada pela família, quando teve início, em São Bernardo do Campo, a produção industrial de móveis. Lembro com carinho e saudade daquela casa ampla com jardim, quintal, galinheiro e barracão, onde se fazia de tudo, desde macarrão até peças para algum eletrodoméstico da família.

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► Quando residiu no Belenzinho,

você estudou no Grupo Escolar Amadeu Amaral. Fora esse colégio, passou por outro? Comecei no Externato São José do Belém, na pré-escola. Depois,

Foi no Amadeu Amaral que você teve sua quase primeira experiência com o teatro? Sim, minha experiência frustrada. De fada da Bela Adormecida, fui rebaixada para... não me lembro que papel, pois preferi não participar da apresentação. Será que eu era péssima atriz?

Desde menina apreciava a leitura? Sim. Quando criança, não havia muito entretenimento e a leitura me encantava. Meus pais não puderam estudar muito, pois foram trabalhar desde cedo, mas gostavam muito de ler e eram assinantes do Clube do Livro. Todos os meses, recebíamos um livro em casa e isso era mágico para mim. No Natal em que fiz 7 anos, meu pai me deu a coleção completa do Monteiro Lobato, que tenho até hoje. Li encantada cada um dos 17 volumes. Depois, Moby Dick, A Moreninha, Iracema, e tudo do Machado de Assis.

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e acompanhava sua mãe, d. Jurema, ao cinema, quais eram as salas frequentadas? Minha mãe afirmou que íamos ao Cine Itapura, que ficava no Glicério e passava a programação da Metro. Tinha Tom e Jerry aos domingos e A viúva Alegre durante a semana. Minha mãe adorava! Adora cinema até hoje, aos 92 anos.

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► Quando você era pequenininha

fui para Escola Agrupada do Hipódromo, nuns barracões de madeira da Prefeitura, que tinha também um Parque Infantil onde estudava minha irmã. Na quarta série (quarto ano do Ensino Fundamental), fui para o Grupo Escolar Amadeu Amaral.

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da qual meu pai e seu irmão eram proprietários e trabalhavam. Minha mãe trabalhava em casa, pespontando sapatos finos. Cresci ouvindo radionovelas, o barulho da máquina de pespontar e o cheiro de cola de sapateiro. Em 1960, meu pai, encantado com a proposta de interiorização da Capital por Juscelino, resolveu ir a Brasília para a inauguração e tentar mudarse com a família para lá. Voltou decepcionado com as dificuldades que encontrou e, de todo modo, resolveu mudar de ramo e de bairro. Fomos para o Brooklin, na Zona Sul.

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“Essa foto da primeira comunhão foi tirada no fotógrafo ROBERTO, na Rua Silva Jardim, em cuja vitrine eu ficava encantada olhando as fotos das noivas. Todos os moradores do entorno fotografavam lá, saindo direto da comunhão para o fotógrafo, tinha o vários cenários para fazer o fundo de acordo com a ocasião”, conta Denise.


► Foi nesse período que você en-

trou para o teatro? Depois do desastre que foi o Beatíssima, fui fazer curso de Admissão, como se chamava na época, para prestar exame para cursar o ginásio numa escola estadual, que eram as mais concorridas. Com a

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► Com que idade mudou-se para a Zona Sul da cidade? Eu tinha 10 anos. Mudamos de bairro, meu pai mudou de profissão e eu e minha irmã mudamos de escola. Sofri num colégio chamado Beatíssima Virgem Maria. Só aguentei um ano.

ajuda da professora, d. Milde, ingressei no Instituto Estadual de Educação Prof. Alberto Conte. Aí comecei a entrar em contato com o teatro. O colégio tinha anfiteatro e aulas de canto, além de professores que incentivavam a apresentação de trabalhos através do teatro. Já no curso Clássico, o querido professor de Geografia, Gáudio, levava as classes para assistir a vários espetáculos. Era um momento efervescente do teatro paulista e nacional, com grandes autores e belas montagens. Pude assistir à montagem de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto; Roda Viva, de Chico Buarque; Édipo, o Rei, com Paulo Autran; Esperando Godot, com Cacilda Becker; O Balcão, de Jean Genet; Dois perdidos numa noite suja, de Plínio Marcos, e muitos outros espetáculos. Já havia feito cursos de e sobre teatro que a Folha de S. Paulo ministrava no seu auditório. Mas era uma jovem tímida, que tinha pouquíssimos amigos. Minha mãe, que sempre foi uma mulher extrovertida e uma atriz frustrada, eu acho, me inscreveu num curso que ela encontrou num anúncio de jornal. Era o curso do professor Emílio Fontana, no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Ao pisar naquele pequeno palco da sala de

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Durante a sua infância, costumava brincar na rua com a garotada do bairro? Quais eram as suas brincadeiras preferidas? Como já contei anteriormente, aprendi a jogar bolinha de gude com meus primos, na Rua Waldenkolk. Gostava também de bater bafo com as figurinhas do álbum de futebol. Maiorzinha, adorava pular corda e amarelinha na Rua Padre Adelino. Lá também gostava de brincar na casa de uma amiguinha, que era filha do alfaiate vizinho. Ficávamos sob a sua mesa de trabalho, que era enorme, recolhendo e juntando retalhinhos de pano. Não se iluda… nunca aprendi a costurar.

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Devia ser desafiador, instigante e altamente criativo interpretar as peças do Teatro Jornal. Era desafiador e perigoso, pois sempre corríamos o risco de sermos abordados ou agredidos pela repressão. Criativamente era muito rico, pois exigia rapidez de criação, improviso e agilidade. Para mim é inesquecível a experiência que adquiri com esse trabalho. Ganhei os instrumentos para seguir adiante na minha profissão.

► Entre tantos trabalhos de relevo em sua carreira, outro projeto, Teatro Núcleo Independente, também está ligado à história

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No período em que esteve no Teatro de Arena, atuou ao lado de outros artistas no Teatro Jornal, desenvolvido por Boal no fim dos anos 1960 e início dos 70, como forma de sobrevivência à censura imposta pelo regime militar. Como foi essa experiência? O Teatro Jornal foi a experiência mais rica da minha carreira. Um grupo remanescente do curso foi convidado pelo Boal para desenvolver uma pesquisa que ele estava tentando fazer havia algum tempo. O trabalho era escolher notícias do jornal e improvisar uma encenação sobre elas. Era uma forma de falar e discutir o dia a dia. Essa pesquisa foi o pontapé inicial para a extensa e rica pesquisa que Boal depois fez no exílio. O primeiro espetáculo se chamou Teatro Jornal, Primeira Edição, em 1971. Com notícias simples, publicadas no jornal, que havia sido censurado, mostráva-

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mos o que havia por trás da notícia e discutíamos os movimentos estudantis nos EEUU, a tortura no Brasil, as terríveis condições de trabalho nas minas de carvão e muitos outros. Era uma dramaturgia direta e emocional. Chocava o espectador pela coragem e força. O espetáculo foi apresentado no Areninha, um pequeno teatro sobre o Teatro de Arena. Depois, foi levado a outros estados e cidades do interior e quando Boal foi exilado, levamos para o Festival de Nancy, apresentamos em Paris, Toulouse e Marselha, na França.

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baixo daquele teatro, tive certeza que tinha encontrado meu lugar no mundo. Depois desse curso, fui estudar no Teatro de Arena, na Vila Buarque, com Augusto Boal, Cecília Thumin e Heleny Guariba. A partir desse curso, fiquei no Arena, num grupo de pesquisa de Teatro Jornal, e segui carreira.

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do teatro na Zona Leste de São Paulo. O ideal do grupo era levar o teatro até a periferia da cidade e contemplar a população que não tinha acesso aos equipamentos de cultura da região central? Com o Teatro de Arena, viajamos para o Festival de Nancy, no ano de 1971, levando Arena Conta Zumbi e Teatro Jornal. Eu e Celso Frateschi estávamos nos dois elencos. Augusto Boal era prisioneiro em São Paulo, mas devido à pressão internacional, acaba sendo libertado e vai encontrar-se conosco em Paris, e inicia seu longo exílio. Na volta da viagem, a situação do Teatro de Arena era cada vez mais frágil. Fomos obrigados a deixar o Teatro. Então, fomos acolhidos por Maurício Segal no Teatro São Pedro, na Barra Funda, na sala pequena que era chamada de “São Pedrinho”. Lá, fazemos A Semana, texto de Carlos Queiroz Telles, e direção de Fernando Peixoto. Trabalho que discutia as questões da Semana de Arte Moderna de 1922. Novamente, a repressão ataca e somos obrigados a deixar o Teatro São Pedro. Alugamos, então, uma sede numa casa abandonada na Rua 13 de Maio, na Bela Vista, e ali se consolida o trabalho do Núcleo.

Ensaiamos A Epidemia, também baseada em notícias de jornal, mas desta vez a pesquisa foi feita em jornais de 1918 e retratávamos a situação do país na época da Gripe Espanhola. Tão atual, quem diria! Passamos a levar para a Zona Leste os espetáculos e a ministrar cursos nas sedes do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Apresentávamo-nos em teatros da prefeitura (Martins Pena), escolas, igrejas e na rua, fomos ganhando a confiança da região. Saímos da Bela Vista e alugamos um enorme galpão na Estrada de São Miguel e ali construímos, nós mesmos, as arquibancadas e os praticáveis para o público e para servirem como palco. Fizemos um lindo trabalho chamado Os Imigrantes, que fez grande sucesso com o público da região, bem como recebeu ótimas críticas, inclusive uma de página dupla do inesquecível Sábato Magaldi no Jornal da Tarde. O espaço do Teatro na mídia impressa era bem maior. Nesse trabalho, tratávamos da situação de uma família vinda de Polignano a Mare, na Itália, tendo de enfrentar a dureza do trabalho na cidade de São Paulo. Mesmo com a sede, seguíamos nos apresentando nas ruas da região, praças, pátios de igrejas e até nos altares.


Medeia em Trágica.3

Medeia em Trágica.3

Série Hard da HBO, 2020

Caixa de Memórias, 2019

A personagem D. Mocinha da novela Chocolate com Pimenta, 2004. Um sucesso!


Já instalados no barracão na Estrada de São Miguel, o grupo, além das atuações, também oferecia cursos de formação e desenvolvia outras atividades? Sim. Nosso objetivo principal era formar grupos locais que produzissem seus próprios trabalhos. Grupos de teatro, música, ou grupos de discussão. Então utilizávamos muitas técnicas do Teatro Jornal para incentivar os interessados a reproduzirem suas realidades através do teatro. Tínhamos espetáculos infantis que geralmente eram apresentados nos pátios das igrejas.

No cinema você teve a oportunidade de trabalhar com o Mazzaropi, um artista paulistano também muito querido do público. Como surgiu o convite para atuar no filme “Jecão, um fofoqueiro no céu” (1977)? Tenho enorme orgulho de ter tido essa sorte de trabalhar com Mazzaropi, também filho de imigrantes. Fazia uma das minhas primeiras novelas na TV Tupi e no elenco estava a querida Geny Prado, que sempre foi a atriz que representava a mulher do Jecão. A indicação foi dela. Ele mesmo me chamou e me recebeu em seu escritório. Olhou para mim e me disse rapidamente do que se tratava o papel, pediu

que eu levasse um certo número de roupas para o figurino (risos) e lá fui eu para sua fazenda/estúdio/oficina /hotel em Taubaté, para filmar Jecão, um Fofoqueiro no céu.

► Quais são seus projetos futuros?

Hoje, assim como toda a muita gente, estou à espera que chegue a vacina que irá controlar essa pandemia. Tenho acompanhado muitos espetáculos on-line. Grandes trabalhos. Acho que um novo caminho está se abrindo, mas que não substituirá a velha trilha. Irá, certamente, se somar a ela. O teatro vive do contato social. É uma cerimônia profana que envolve todos os presentes e abraça todos os sentidos. Antes do teatro, é a nossa própria vida em sociedade que carece do contato, da presença da voz, do cheiro, do olhar.

►►► Para saber mais sobre a trajetória artística de Denise Del Vecchio, recomendamos a leitura do livro Memórias da Lua, de Tuna Dwek (266 páginas, Coleção Aplauso – Imprensa Oficial do Estado de São Paulo).


São Paulo

de todos os tempos

Geraldo Nunes

entre o

B rás

e o

B elenzinho

São dois bairros que eu conheci ainda menino pela vidraça do bonde camarão que fazia a linha 34 – Vila Maria, partindo da Praça Clóvis. O Brás e o Belenzinho, fazem parte da minha infância. Fui criança de colo até os 10 anos de idade, por causa da paralisia infantil. O Centro de Reabilitação do Sesi, ficava na Rua Catumbi, Belenzinho, mas ninguém pronunciava este nome. Todos diziam Belém. Para lá me levavam todas as semanas e graças a isso, mais os aparelhos ortopédicos, comecei a dar meus primeiros passinhos. O bonde descia a Avenida Rangel Pestana e atravessava a parte mais movimentada do Brás, entre o Largo da Concórdia e a Estação do Norte. Era gente circulando por todos os lados, em meio aos ônibus, carros e caminhões fazendo entre-

gas. A mais atraente das lojas era a Pirani, cujo slogan dizia: “A gigante de São Paulo”, e era mesmo. Havia até anúncios na televisão e cada letra do nome da loja tinha no letreiro uma cor diferente. Na vizinhança funcionava a concorrente Eletroradiobraz, outra potência. O Brás daquele tempo era mais atraente que o Centro e, de dentro do bonde, se via de tudo. Nas portas dos cinemas havia cartazes dos filmes em exibição e a cada semana tudo se modificava. Até o aroma da região era diferente dos outros bairros. O Brás cheirava a couro e o Belém a café, pela enorme quantidade de torrefações. No city-tour semanal, grudado na janelinha do bonde, se avistava a garagem da CMTC na Avenida Celso Garcia. Como estacionar bondes se eles só andam sobre os trilhos? Como fazer manobras ali dentro? Isso me intriga até hoje. O local dessa estação ainda existe e boa parte das construções

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city - tour de bonde

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Um

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Jornalista, escritor e blogueiro, participa das publicações da Editora Matarazzo desde 2016.

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► Bonde na Av. Celso Garcia, anos 1940. Foto: internet

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motorneiro se havia algum bonde subindo. Em caso positivo era preciso aguardar e o trânsito parava e o povo começava a reclamar. A cidade apressada fez o bonde sair de circulação. Fiquei triste no dia em que soube da retirada dos bondes. Começamos ir ao Sesi de ônibus, mas já não era a mesma coisa, as conduções começaram a ficar lotadas e nem sempre dava para viajar na janelinha. Anos depois fiquei sabendo que o Belém nunca existiu, o nome verdadeiro sempre foi Belenzinho, mas a palavra muito comprida não cabia no letreiro do bonde e assim a culpa pela confusão no nome do bairro também ficou para ele, esse velho injustiçado!

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também são as mesmas. A única mudança na paisagem foi a chegada do Templo de Salomão, do bispo Macedo, o restante ainda é parecido com o que existia há 50 anos num misto de nostalgia e decadência. A cidade quase não progrediu ali. Na esquina da Celso Garcia com a Rua Catumbi, o bonde virava à esquerda e descia na direção do Tietê e da Vila Maria. Naquele ponto os trilhos passavam a ter mão única. Um sinal indicava ao

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À esquerda, vemos, o bonde camarão na Av. São João na década de 1960. À direita, uma fotografia de 1967. Fotos: internet

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Eu te amo São Paulo

Fonte: www.paulobomfim.com/literatura/cronicas/eu-te-amo-s%C3%A3o-paulo.html

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Eu te amo São Paulo, em teu mistério de chão antigo, em teu delírio de cidades novas; e porque teus cafezais correm por meu sangue e tuas indústrias aquecem o ritmo de meus músculos; pela saga de meus mortos que vêm voltando lá do sertão, pela presença dos que partiram, pela esperança dos que vêm vindo – eu te amo São Paulo! Em teu passado em mim presente, em teus heróis sangrando rumos, em teus mártires santificados pela liberdade, em teus poetas e em teu povo de tantas raças, tão brasileiro e universal – eu te amo São Paulo! Pela rosa dos ventos do sertão, pelas fazendas avoengas, pelas cidades ancestrais, pelas ruas da infância, pelos caminhos do amor – eu te amo São Paulo! Na hora das traições, quando tantos se erguem contra ti, no instante das emboscadas, quando novos punhais se voltam contra teu destino – eu te amo São Paulo! Pelo crime de seres bom, pelo pecado de tua grandeza, pela loucura de teu progresso, pela chama de tua história – eu te amo São Paulo! Desfazendo-me em terra roxa, transformando-me em terra rubra, despencando nas corredeiras do meu Tietê, rolando manso nas águas santas do Paraíba, vivendo em pedra o meu destino nos contrafortes da Mantiqueira, salgando pranto, dor e alegria na areia branca de nossas praias, na marcha firme dos cafezais, nas lanças verdes do canavial, no tom neblina deste algodão, na prece de nossos templos, no calor da mocidade, na voz de nossas indústrias, na paz dos que adormeceram – eu te amo São Paulo! Por isso, enquanto viver, por onde andar, levarei teu nome pulsando forte no coração, e quando esse coração parar bruscamente de bater, que eu retorne à terra donde vim, à terra que me formou, à terra onde meus mortos me esperam há séculos; por epitáfio, escrevam apenas sobre meu silêncio, minha primeira e eterna confissão: – EU TE AMO SÃO PAULO!

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Paulo Bomfim

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Neste período em que vivemos o isolamento social devido a pandemia do Covid-19, pelas redes sociais encontramos intensamente os momentos #TBT relembrando o passado. Mexendo em fotografias antigas,

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Thais Matarazzo

encontrei as duas que ilustram essa página, são da Semana Paulo Bomfim, da qual tomei parte na organização e realização, em setembro de 2015. Uma homenagem aos 89 anos do nosso Poeta Amigo, Paulo Bomfim! Acho que a ideia do projeto partiu da Cristiane. Foi uma correria para montar a programação e fazer tudo acontecer. Por outro lado, foi super divertido e alegre! Lembro com imensas saudades do nosso querido Poeta, e com muito carinho daquela movimentação literária.

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S emana Paulo B omfim

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Nossa turma “invadiu” o gabinete do Poeta, no Palácio da Justiça SP: Serginho, Camila Giudice, Paulo Bomfim, Thais Matarazzo, Cristiane Cambria e o nosso sempre querido amigo, Zezinho D’Amico.

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A Escola Estadual Amadeu Amaral, originalmente denominada Escolas Reunidas do Belenzinho, e Grupo Escolar Amadeu Amaral, é uma das escolas mais antigas da zona Leste de São, criada em 1907. Quatro anos depois, a escola passou a funcionar em um prédio no Largo São José do Belém, na capital paulista, onde permanece até hoje.

Paróquia São José do Belém foi criada em 14 de julho de 1897 no largo São José do Belém. Fotos: Thais Matarazzo


M eu

belém de ontem ...

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que naquele espaço estava projetada uma grande avenida que ligaria o centro da cidade à Vila Matilde, e realmente em 1957 foi inaugurado o primeiro trecho da Av. Radial leste, na gestão do prefeito Prestes Maia. Havia uma grande área verde que se avistava da nossa casa, que conhecíamos como “prado” e onde os meninos iam caçar passarinho. Antigamente, muito antigamente, aproximadamente até o ano de 1941 ali estava instalado o Hipódromo da Mooca e as partes que avistávamos eram os fundos; posteriormente a área ficou sendo utilizada pela aeronáutica e finalmente criou-se ali o Parque Educacional e Esportivo e a Sub Prefeitura que, maravilhosamente, servem à comunidade até hoje. Minha primeira escola em 1945 foi a Álvaro Guião na Rua Silva Jardim, 260, os proprietários e diretores eram Sr. Francisco Ferreira e sua mulher d. Anna, onde em 1958, também cursei datilografia e taquigrafia. Nessa mesma Rua Silva Jardim, no nº 25 nasceu o meu avô materno em 1895, Roque Ricciardi, que na velha guarda musical de São Paulo

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Fui acolhida pelo Belém em 1944 quando meus pais saíram do emblemático bairro do Brás. Especificamente na Rua Siqueira Cardoso, área que os antigos moradores, denominavam de “Brejo seco”. Não me perguntem o porquê. A rua era de terra batida, o que permitia fazermos grandes fogueiras no dia de São João; sem asfalto e sem calçadas minha rua estava coroada com valetas onde corriam águas servidas e pluviais. Para ter acesso, do meio fio às casas, havia pequenas pinguelas. Em contrapartida encontramos uma vizinhança afável e amiga naquele quarteirão: família Octaviano, Pontes, Pastore, Felix Garrucho, Mantelli, Casangne, Testa e principalmente a família Gaspareto cuja amizade preservo até os dias de hoje. No final da minha rua havia grande área que era utilizada como chácaras e campos de futebol de várzea (Campo do Áz Preto – Campo do Pires do Rio), que terminavam do lado direito, nos grandes armazéns da Estrada de Ferro Central do Brasil, que chamávamos simplesmente de “linha do trem”. Meus avós diziam

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Paraguassú

E o Largo São José do Belém? Para chegarmos até ele era neces-

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sário ultrapassar a “linha do trem”, obedecendo o bimbalhar de uma porteira, posto que não existia ainda o Viaduto Guadalajara. Cursei o primário ali no Grupo Escolar Amadeu Amaral, que tinha na época como diretor o professor José; saudosa memória da minha professora do quarto ano, Maria do Carmo Monteiro Cunha, mestra por vocação. Havia uma troça que a meninada que estudava em outras escolas fazia para quem estudava nesse Grupo Escolar... “Amadeu Amaral, entra burro e sai animal.” Mas ninguém se ofendia, nem brigavam por isso; tudo era motivo de troça. No ano de 1946/1947 com vinte centavos eu comprava uma porção de “machadinho” ao sair da aula do

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era conhecido como Paraguassú – O Cantor das Noites Enluaradas.

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Grupo de alunas do 4º ano primário, no Grupo Escolar Amadeu Amaral, em 1948, com o diretor Prof. José e a professora Maria do Carmo Monteiro Cunha.

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apaixonada por ela, e por sorte, fui encontrá-la 40 anos depois, em Barequeçaba, e tive a alegria de gozar dessa convivência por mais de 10 anos, participando da festa de seu aniversário de 80 anos. Tínhamos também aulas de trabalhos manuais; para os meninos era tecelagem; lembro de meu irmão fazendo cintos e chaveiros com tiras plásticas, e para as meninas eram iniciações de costura manual e bordados (até hoje guardo meu pano de amostra). Além do uniforme azul e branco usávamos laços brancos que prendiam nossas tranças ou simplesmente os grandes laços que ornamentavam o topo das nossas cabeças. As meninas de hoje acham isso ridículo, mas nós gostávamos. No Belém havia o Colégio Saldanha Marinho, que inicialmente se chamava Academia de Comércio

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Neide em foto oficial do Grupo Escolar Amadeu Amaral

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Amadeu Amaral. O vendedor ficava com seu tabuleiro no Largo São José em frente ao Grupo; “Machadinho” era um doce estranho, não me perguntem do que era feito, lembro que era cor de rosa e muito duro, que para nos servir o vendedor usava uma machadinha e um pequeno martelo. O tal “machadinho” era o pavor do dentista do Grupo Escolar, que abominava esse nosso hábito. Belo mesmo preço, às vezes eu substituía o “machadinho” por um pirulito porque entre os pirulitos havia um prêmio maravilhoso que era uma bexiga. Naquele tempo no “Amadeu Amaral” tínhamos um consultório dentário que funcionava diariamente para atender os alunos dos três períodos diurnos, e um consultório médico aonde o Dr. Surerus vinha a cada dois ou três meses. Eu odiava quando ele vinha nos ministrar óleo de rícino. Cada um de nós tínhamos que levar uma laranja descascada e cortada ao meio para, após a ingestão do vermífugo abrandar aquele horrível sabor e textura. No “Amadeu Amaral” tínhamos aula de canto orfeônico com a professora Dona Virgínia. Uma negra, bonita, alta, elegante, imponente com seu guarda-chuva de cabo longo e uma voz maravilhosa. Eu era

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nhor Morto” da sexta-feira Santa, e da “Ressureição” no domingo de Páscoa. Transgressões inocentes da juventude. As família tradicionais e os comerciantes do Belenzinho se uniam para as comemorações da paróquia e entre elas havia a farmácia Bom Jesus do Belém, fundada em 1935 que por mais de sessenta anos funcionou com o mesmo dono, Sr. Antônio Teixeira, primeiramente na rua Herval esquina com Silva Jardim e depois no Largo São José. Uma história curiosa: ao saber que a igreja precisava de um novo sino a Sr. Iolanda matriarca da família Teixeira, socorreu-se de sua comadre Sra. Teresinha Fazzolari Campilongo e esta, por devoção ao Santo, doou o sino à igreja. ... E as matinés no Cine Teatro São José, e no cine Íris... Ah Belém, quanta saudade me dá!!!

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Saldanha Marinho e era oriundo da Escola Moderna nº 1 do período anarquista de 1920 e, depois de 90 anos encerrou suas atividades, tendo sido a primeira escola profissionalizante no bairro. E o Educandário e Externato São José do Belém? Ainda hoje suas alunas enfeitam o Belém com seus uniformes pregueados azul e branco, e entre os famosos alunos que por ali passaram está o Padre Júlio Lancellotti. Vejam os leitores que relato aqui o meu pequeno núcleo de vivência nesse bairro tão querido, posto que o Belém era e é muito maior que este quadrilátero de saudade. Quanta saudade me dá relembrando a juventude com as amigas, quando passeávamos ao redor da igreja nas noites de sábado para flertarmos com os rapazes do bairro. Aquele mesmo flerte inocente que praticávamos nas procissões do “Se-

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Pedagoga, poeta, cantora, musicista, artista popular. Possui um CD gravado com treze poemas autorais, participou de doze antologias, publica seus poemas em revistas físicas e digitais. Posta poemas em áudios e vídeos nas redes sociais. Apresenta-se em Saraus Literários e Musicais. Distribui seus poemas no seu “Varal de Poemas”. Membro da Academia de Letras, cadeira 12, patronesse Florbela Espanca.

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Maria Cristina Arantes

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Eu nasci na Barra Funda, bairro tradicional da capital. Estudei no Colégio Macedo Soares, palco de grandes profissionais do mercado de trabalho. Tivemos excelentes professores, foi uma época gloriosa. Participei da seleção de Vôlei e da Fanfarra durante quatro anos. Conquistei amigos queridos, que mantenho contato até hoje. Morei perto da Escola de Samba Camisa Verde e Branco. Escola tradicional do Carnaval Paulistano. Cresci ouvindo a bateria nota dez. As evoluções, os ensaios, eram feitos na rua. As fantasias eram muito simples, porém criativas. Os carros alegóricos com muita produção, com material barato, a ajuda governamental da época era insuficiente. Através de muita luta de seus fundadores Inocêncio Tobias e da sua esposa Dona Sinhá. Quando começavam os primeiros acordes, me arrepiava toda, os sambistas dominando o samba no pé. Escola de tradição defende o seu Pavilhão com muito respeito.

O casal mais bonito, que fazia muito charme para conquistar o público com o seu lirismo, o Mestre-sala e a Porta-bandeira. Sempre gostei das suas voltas magistrais, suas reverências, um verdadeiro balett. Em São Paulo meu coração é verde e branco.

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Lembranças da B arra F unda

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A palestra online “Memória do Largo das Perdizes”, de Thais Matarazzo, apresentada na Jornada do Patrimônio SP 2020, está disponível no Youtube, acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=3nW8rpMsBzU

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A palestra online “Capela Santa Cruz das Perdizes”, de Thais Matarazzo, apresentada na Jornada do Patrimônio SP 2020, está disponível no Youtube, acesse:

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https://www.youtube.com/watch?v=h75bEsKmtq8&t=2848s

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RolêSP “Territórios Negros no Bixiga - Lutas e Resistências no Quilombo Saracura”. (Igreja Nossa Senhora Achiropita, Bixiga, maio/2018)


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nos princípios do trabalho coletivo, utilizando metodologia essencialmente dialógica, inclusiva, respeitosa da diversidade, das diferenças e das semelhanças entre as culturas e os povos, fundada no incentivo à auto-organização e à autodeterminação. Os cursos de formação são resultados de uma ampla pesquisa histórica (bibliográfica, documental, iconográfica), com ênfase em quatro Linhas de Pesquisa: História Social da Educação e da Infância: atuamos desde 2010 realizando formações técnicas para serviços conveniados à SMADS/ PMSP, apresentando um panorama Histórico, Jurídico e Social do Tratamento da Infância e Juventude no Brasil História Social da Cidade: estudamos a formação do urbano no Brasil e suas transformações, explorando um amplo conjunto de fontes diversificadas em Mapeamento e Informação em Cidades (Cartografia Histórica, Dados Censitários, Mapas Temáticos e Colaborativos, Geoprocessamento), estimulando ações em Educação Patrimonial com valorização da

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O Instituto Bixiga – Pesquisa, Formação e Cultura Popular é uma associação de pesquisadores e professores independentes que desenvolve projetos de pesquisa, formação continuada e educação popular. Com a sede localizada no tradicional bairro do Bixiga desde o ano de 2015 (Rua dos Ingleses, 67), o Instituto Bixiga homenageia esse importante e histórico território central de São Paulo, preservando a memória popular desse espaço que vem sofrendo tentativas de apagamento desde sua renomeação de Bixiga para Bela Vista, oficializada em 1910. (Lei nº 1.242, de 26 de dezembro de 2010) Fundado por três pesquisadores/ professores de formações variadas, Dra. Danielle Franco da Rocha, Dr. Eribelto Peres Castilho e Dr. Edimilsom Peres Castilho, nossa experiência interdisciplinar contempla uma ampla pesquisa sobre a realidade brasileira e latino-americana, bem como a transmissão e popularização dessa produção científica, tecnológica e artística, com grande destaque para a Cultura Popular. Nossas ações fundamentam-se

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I nstituto B ixiga

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desse modo, para complementação dos conteúdos já desenvolvidos em sala, bem como para a interação das várias disciplinas através de uma abordagem interdisciplinar de temas socioculturais relevantes RolêSP “Retratos da Infância em São Paulo - 136 anos da Roda dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia”. para a compreensão crí(Museu da Santa Casa de Misericórdia de SP, novembro/2018) tica e reflexiva de nossa realidade social, étniMemória e do Patrimônio Cultural co-racial, econômica e Material e Imaterial. cultural. Essa atividade educativa História do Brasil e da América consiste em “Aulas de Campo” Latina: analisamos a política eco- interativas e dialogadas, que pernômica das Ditaduras Brasileiras mitem aos participantes relacionar e Latino Americanas, com ênfase os conceitos adquiridos em sala de no período da Ditadura Militar no aula com a vida cotidiana da cidaBrasil (1964-1985), assim como de, conhecendo in loco os temas as Lutas e Resistências Populares abordados. contra esses Governos AutocrátiO Instituto Bixiga também cos. realiza assessoria e consultoria no História do Trabalho e Resis- desenvolvimento de projetos cientência Popular: abordamos temá- tíficos e culturais, com experiência ticas do Mundo do Trabalho (A em curadoria de exposições e cenCategoria da Superexploração do tros de memória, sempre orientaTrabalho no Brasil) resgatando a dos pelas dimensões social, históHistória do Movimento Operário rica, cultural, artística, ambiental, no Brasil e seu desdobramentos. econômica e jurídica. Outro destaque de nossa atuaA preocupação com a formação ção é o projeto RolêSP, uma pro- humanística e técnica de agentes posta de atividade educativa que de educação social, cultural e povisa encurtar a distância entre a pular norteia nossos objetivos e sala de aula e o potencial cultural, consolida a articulação de atores social, natural e patrimonial da ci- sociais na produção de sua própria dade de São Paulo, contribuindo, História.

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RolêSP “Territórios Negros no Centro de São Paulo”. (Obelisco do Piques, Largo da Memória, março/2018)

RolêSP “Territórios Negros na Santa Ifigênia em São Paulo”. (Praça Antônio Prado, março/2019)


Fundadores

Doutor e Mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduado em Direito pela PUC-SP. Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/ USP). Pesquisador/Professor do Instituto Bixiga de Pesquisa, Formação e Cultura Popular. Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Faculdade Zumbi dos Palmares (FAZP). Professor do Curso de Especialização em História, Sociedade e Cultura da PUC-SP. Pesquisador do Núcleo de Estudos de História: Trabalho, Ideologia e Poder (NEHTIPO) e do Centro de Estudos de História Latino-Americana (CEHAL), ambos ligados ao Programa de Pós-Graduação em História Social da PUC-SP Email: eribeltopc@gmail.com Link Lattes: http://lattes.cnpq. br/9446519161719511

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Edimilsom Peres Castilho

Doutor e Mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Uberlândia (FAUeD). Pesquisador/ Professor do Instituto Bixiga de Pesquisa, Formação e Cultura Popular. Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Ibirapuera (UNIB). Professor do Curso de Especialização em História, Sociedade e Cultura da PUC-SP. Professor do Curso de Especialização em Arqui-

Eribelto Peres Castilho

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Doutora em História Social, Mestra em Ciências Sociais e Bacharel em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pesquisadora/Professora do Instituto Bixiga de Pesquisa, Formação e Cultura Popular. Professora do Curso de Especialização em História, Sociedade e Cultura da PUC-SP. Pesquisadora do Núcleo de Estudos de História: Trabalho, Ideologia e Poder (NEHTIPO) e do Centro de Estudos de História Latino-Americana (CEHAL), ambos ligados ao Programa de Pós-Graduação em História Social da PUC-SP. Email: danifrancobr@gmail.com Link Lattes: http://lattes.cnpq. br/7256378480507712

tetura e Urbanismo do SENAC-SP. Pesquisador do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade (NEHSC) e do Centro de Estudos de História Latino-Americana (CEHAL), ambos ligados ao Programa de Pós-graduação em História Social PUC-SP. Email: edimilsom@gmail.com Link Lattes: http://lattes.cnpq. br/1083671791457597

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Danielle Franco da Rocha

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Curso “Vilas Operárias: o domínio da fábrica na paisagem urbana de São Paulo”. (Vila Maria Zélia, janeiro/2019)

Curso “O Inventário de Florestan Fernandes das “culturas infantis” no bairro do Bixiga: trocinhas, folguedos, cantigas de roda, jogos, parlendas, pegas, pulhas, trabalengas...” (Museu Memória do Bixiga – MUMBI, março, 2017)


P oemas L uiz N egrão

Pertinho de Maceió, abre-se uma boca Cercada de coqueiros e areia de conchinha Que tem água verdinha E uma lua dorminhoca De ônibus jardineira e de jipe a Santo Antônio da Barra chegou-se... Força pouca! Pela Ilha da Broa passa-se até as falésias – sem nenhuma vendinha... Mas já na Praia do Carro Quebrado o esforço não vale nadinha Como passeio em jangada oca! Já no catamarã das Piscinas Naturais chegamos pulando como focas Dentre o mar onduloso como folhas de vinha Com a pressa que a curiosidade invoca Ouriço, estrela do mar, paguro, peixes, corais – não poucas Espécies convivem numa aparente harmonia. Ó rodinha De conchinhas que dançam ao redor desta joia louca!

Alinhando N ossas Linhas Em diversas cores as linhas Se cruzam num arranjo Valorizado – e na imaginação da rendeira – grandinha! É o filé – adorno alagoano que na camisa esbanjo...

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Paripueira

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de

Luiz Negrão Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (EPD), publicou os textos históricos: “125 do Café Jardim”, “Homenagem do Dia do Patrono do Fórum de Artur Nogueira e “A atuação do Ministério Público no Caso Emeric Levai”.

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Praia

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C írculo S agrado M arcinha C osta

É aprendizado ao redor da fogueira tradição oral de sábias senhoras contadoras de histórias

É herança dos antepassados traduzidos em valores que permanecem vivos presentes e sagrados

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A circularidade não tem fim é sabedoria ancestral memória coletiva riqueza espiritual

O círculo é um rodeado enfeitado de prosas um legado de vida onde os corpos dançam e as almas vibram

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Veio da África terra sagrada e na diáspora repousa em mim

Histórias nossas carregadas de magias de grande potencial são reconstruídas enaltecidas e transformadas em energia vital

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Vejo o círculo de longe de perto e sempre aqui

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Ao

redor da fogueira

¹ Expressão moçambicana utilizada ao iniciar o tempo das histórias orais. Quem começa a história grita Karingana wa Karinhgana e os ouvintes respondem Karingana!

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¬¬ Karingana Wa Karingana!¹ Essa é a história que vou contar ao redor da fogueira. Preparem-se para ver a chama da nossa existência. – Vó, essas histórias são àquelas que estão no livro da minha escola? – Não minha filha, as histórias do livro da sua escola são àquelas dos homens brancos que não falam de nós. – Ahhhh tá! Então que história é essa que a senhora vai contar? – É a história do nosso povo, das nossas tradições. – Que legal, Vó! Então já que os livros dos brancos não falam de nós, a gente podia queimar esses livros aqui na fogueira, não é mesmo? – Minha filha, a fogueira é sagrada e as histórias contadas ao redor dela são mais sagradas ainda. Portanto, não vamos amaldiçoar o fogo da nossa fogueira com o que foi escrito pelos outros. Eu vou contar histórias narradas por nós mesmos, repassadas de geração em geração, dos nossos antepassados. E vou protagonizar nossos heróis que não constam nos livros didáticos.

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M arcinha C osta

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M emória

das

A ndanças

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O que a memória me traz revivo-as agora, como um filme dos anos 70 passando em câmera lenta só pra não perder nada. Acrescento alguns detalhes Que me chamaram a atenção, a leitura sobre a Capela Santa Cruz das Almas dos Enforcados, no Bairro da Liberdade, que frequentei muito quando criança Seguem às memórias: Lembro-me perfeitamente descrevo essa magia em versos encantadores de parte da minha infância e da minha vida. Vejo a menina grude que acompanhava a mãe em muitos lugares. Viaduto do chá dava a passagem Visita à Igreja Santo Antonio na Praça do Patriarca. A primeira igreja da Cidade de São Paulo. As andanças não paravam ali, as compras de Natal pela rua General Carneiro, Rua São Bento Rua Direita, Loja Mariza, Lojas Clóvis, Hoje enxergo que, a poeta em mim já existia em um deslumbrar que me prendia, impedindo de acompanhar os passos da minha amada mãe. Todo aquele encanto conduzia o meu andar, olhando para o alto,

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S andra R egina A lves

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Admirando, arquiteturas, fachadas, viadutos, arranha-céus, que pareciam mesmo, tocar o céu, de tão altos. Na minha mente, as perguntas não paravam queria entender, como conseguiram construir? Nem imaginava o quão sofrido foi para o meu povo ser rejeitado no lugar onde construiu. As memórias de outrora, me levam para Praça da Liberdade, exatamente, na Capela dos Aflitos. Segunda-feira, dia das almas Velas para as almas, sempre nos velários, Nunca as acenda em casa, assim minha mãe dizia. velas para iluminar os parentes falecidos as almas aflitas, penadas, sofridas e esquecidas. Ao adentrar o velário a energia era forte que me arrepiava a pele velas estalando, e enfumaçando o local um entra e sai... eu ali sem entender, observando minha mãe, mexer a boca, sussurrando baixinho, rezando, como todos que ali estavam, na sua maioria senhoras negras. Depois vim saber que ali, foi o Pelourinho O Cemitério dos Aflitos. Negros, índios e enforcados foram enterrados após a morte de Chaguinhas no Largo da Forca. O povo gritou por sua Liberdade passou a ser a Praça da Liberdade Com a chegada da imigração japonesa o povo negro, dali foi retirado surge assim, o apagamento da história Existe o tombamento da Capela dos Aflitos Um memorial da história negra é esperado A luta continua.

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P oemas R icardo C ardoso

Menina, Você chegou de mansinho Com este teu sorriso meigo Com este teu jeitinho de menina Com este teu sonho de conto de fadas Tão menina, tão mulher Tão meiga, tão linda Tão sonhadora, tão menina Menina espera-te Que te farei Minha mulher Menina!

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de casamento !

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Guerreiro Negro Negro, tu foras tirado do teu chão Escravizado, humilhado, acorrentado Sentiu o gosto do fel A dor do tronco, cicatriz na alma Teus filhos arrancados Mulheres etária dos senhores Da senzala o frio Da fome, esperança Do quilombo, refúgio Da liberdade, relento Do relento, morro Do morro, senzala Ainda hoje, buscando tua liberdade És a maioria negra, sangue do meu sangue Orgulha-te negro, levante a cabeça Tu és um guerreiro vencedor

Pedido

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Guerreiro N egro

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Dois Povos Brilho no olhar Suspiro no ar Corpus laçado Calor na alma Dois povos Mãos trocadas Balé dos cisnes Lago que chora Pássaros que vi Crianças que senti

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Dois povos Um coração Dois corpos Um desejo Duas bocas Um beijo Dois povos Um suspiro Dois povos Futuro incerto Dois povos Um sorriso Dois povos Desejos!

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Prisioneira do flash No metal frio História de um povo

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Dois povos

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L embranças

de uma

V ida

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Quantas oportunidades deixamos escapar: Amigos tão maravilhosos que deixamos de valorizar As paisagens que não tivemos tempo de admirar As conversas que tanto adiamos A pureza das crianças que nem notamos A beleza do sol,do céu,do mar ,das flores, A vida passou e não a vivemos Importamo-nos tanto com afazeres, esquecemos valores, Valores como a família, os amigos,o ar puro que respiramos E nos cobramos por tudo que não realizamos, Tantos momentos sem prazer, Tantos sonhos sem viver, Tantos ideais perdidos O que eu poderia ter sido! Se ao menos tivesse parado um segundo, Para olhar o meu eu profundo, E de repente percebemos que tudo são apenas lembranças!

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R icardo H idemi B aba

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