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TÃO PERTO DE TERESA
A cantora e compositora carioca ganha nova – e merecida – dimensão durante o confinamento, com lives diárias disputadas por medalhões da nossa música que fazem explodir sua base de fãs e admiradores
por_ Kamille Viola | do_ Rio | fotos_ concepção e direção: Daniela Dacorso | clique_Luiz Alberto Macedo
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“Tudo era apenas uma brincadeira e foi crescendo, crescendo, me absorvendo…” Os versos de “Sonhos”, de Peninha (famosa na versão de Caetano Veloso), falam sobre o fim de uma relação amorosa, mas que bem que poderiam ser sobre uma das sensações musicais da quarentena: a live diária da cantora e compositora carioca Teresa Cristina. Aos 52 anos, com uma elogiada trajetória no samba, ela comemora a audiência na casa dos milhares e capas de importantes revistas país afora, sinal da projeção nacional que ganhou com o sucesso no formato.
Quando fez a primeira transmissão ao vivo, em 26 de março, ela não tinha grandes pretensões: só queria distrair a mãe, Dona Hilda, de 80 anos, que andava tristonha coam as notícias. Primeiro vieram as ‘Jovens Lives de Domingo’, que ainda acontecem semanalmente no YouTube da cantora. Depois, Teresa passou a entrar diariamente, primeiro após o ‘BBB’, e, com o fim do reality, às 22h. Com o boca a boca, a coisa foi crescendo, e a live da cantora foi se tornando um espaço concorrido, com gente querendo ‘ver e ser vista’ nos comentários — até paquera rola.
Ao mesmo tempo em que as lives muitas vezes causam frio na barriga de quem vai participar, pela quantidade de pessoas assistindo, por outro o clima é tão descontraído e despretensioso — com a artista indo às lágrimas com a presença de algum ídolo seu, como Gil ou João Bosco — que todos acabam relaxando também, eles juram. “As lives da Teresa Cristina são extensões da mesa do bar, do divã do analista, do recreio do colégio, da canga na areia num domingo de praia. Você se sente à vontade, você canta junto, você aprende com ela, com quem aparece lá, você chora quando Teresa chora, você lê os comentários e ri e entra numas e comenta de volta... E, daqui a pouco, Teresa conta um causo, saca uma pérola esquecida, apresenta uma cantora para a gente, é um passeio completo”, descreve Letícia Novaes, a Letrux.
Enquanto isso, ela bebe cerveja, come salgadinhos (muitas vezes enviados pelos ‘cristiners’, como os frequentadores são chamados) e chama artistas que aparecem por ali para participar, tudo de forma espontânea, no clima mais próximo possível, em tempos de isolamento social, de uma roda de samba. “Sinceramente, não esperava esse alcance. Até porque, quando eu comecei a fazer, já tinha muita gente reclamando: ‘Não aguento mais live!’. Acho que as pessoas também ficaram um pouquinho reclamonas na quarentena”, diverte-se Teresa, que acaba de lançar o DVD “Teresa Cristina Canta Noel: Batuque é Um Privilégio”, gravado ao vivo no Theatro Net Rio ano passado.
Ela não se lembra exatamente de quando se deu conta de que a coisa tinha tomado uma proporção grande, mas arrisca. “Não sei se foi no dia em que a Simone entrou. Eu estava fazendo uma live cantando Simone e Angela Ro Ro. De repente, as pessoas começaram a falar: ‘A Simone está aqui!’. Não acreditei que era ela. Ela falou: ‘Sou eu, sim. Eu vou tomar um banho e já volto.’ Fiquei com aquilo na cabeça: ‘Será que era ela mesmo?’. E era. Eu fiquei emocionada, porque é uma artista que eu acompanho desde muito nova. Não tinha ideia de que ela pudesse estar ali me assistindo.”
O fato é que cada vez mais estrelas foram dando o ar de sua graça nas transmissões ao vivo. De nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alcione e Baby do Brasil a talentos de gerações mais novas, como Duda Beat e Letrux, passando por Diogo Nogueira e Chico César. Os temas são bem diversos, como homenagem a Gil, Chico, Rita Lee, Lincoln Olivetti e temas de novelas, entre outros.
Teresa realizou até hoje cerca de 160 lives, entre Instagram e YouTube. Foram mais de 400 horas ao vivo. Quando tudo começou, a cantora tinha 98 mil seguidores no Instagram. Hoje, são 326 mil. “Ela começou a quarentena como uma grande cantora e sai como cantora e comunicadora das massas”, elogia Duda Beat. “E mais, ouso dizer que Teresa Cristina entrou para a história. Daqui a dez, vinte anos,ela será referência do que foi feito de mais criativo e revolucionário durante a pandemia de 2020. Tenho muito orgulho de ter participado por duas vezes, uma delas apresentando em primeira mão uma nova composição minha”, derrete-se.
Com o sucesso, Teresa recebeu seu primeiro patrocínio: fez duas lives no YouTube para uma marca de cerveja. “Nada na minha vida veio rápido. Pela minha condição, de mulher negra, tudo é difícil. Você ouve muito: ‘No momento, não, mas depois a gente te chama.’ Já cheguei a pensar: ‘Será que eu estou fazendo a coisa certa? O que tem de errado comigo?’”, desabafa. Agora, ela agradece e curte o momento. Diz que tem aprendido muito. E espera que o reconhecimento venha também em termos financeiros “As pessoas acham que elogio paga conta. Elogio não paga conta de luz, aluguel, plano de saúde. A gente teve muitos sambistas que morreram precisando de atendimento hospitalar. Ninguém precisa ser mercenário, mas tem um plano de dignidade, de qualidade de vida, que deveria existir.
GOSTO MUSICAL SUPERECLÉTICO
O conhecimento musical amplo e o gosto eclético de Teresa chamam atenção. Ela conta que, quando começou a cantar samba, trazia sucessos que conhecia do rádio, de nomes como Alcione, Beth Carvalho, Clara Nunes, Zeca Pagodinho, Almir Guineto e Jorge Aragão. Pedro Miranda, que era pandeirista do grupo que a acompanhava dos tempos de Semente, bar onde se projetou na Lapa, no Rio, tinha uma pesquisa de ritmos nordestinos, além de compositores como Geraldo Pereira. Gustavo Pacheco, que era colega de Miranda no Cordão do Boitatá, trazia raridades do samba. Cristina Buarque gravava fitas cassete para ela com outros tesouros escondidos do gênero.
Com a mãe, aprendeu a gostar de artistas como Tim Maia, Secos & Molhados (que Dona Hilda adora), Hyldon, Paulinho da Viola, Chico Buarque, Rita Lee, Gal Costa, Maria Bethânia e Roberto Carlos. Já o metal surgiu de um episódio triste na vida da cantora: fã da disco music, ela, que cresceu no subúrbio carioca da Vila da Penha (e, quando sua filha, Lorena, nasceu, há 11 anos, voltou para lá), frequentava as matinês do clube Olaria. Na hora da música lenta, nunca era chamada para dançar. “Isso por anos. Não foi um baile nem três. Eu me arrumava cada vez mais, achava que era alguma coisa que eu não tinha feito. E nada. Fui ficando triste”, diz. Era o que hoje se chama de solidão da mulher negra.
Parou de ir. Até que um dia foi a um show de metal e gostou do ambiente. “Não existia o momento romântico de algum cara chamar uma mulher para dançar, e as mulheres eram todas independentes e marrentonas. Falei: ‘Gostei.’ Comecei a ouvir e me apaixonei de cara pelo Van Halen e pelo Iron Maiden.”
Mais que uma anedota, a inesperada paixão de Teresa pelo metal é um símbolo da sua pluralidade. “Tereza é multimídia. Multitudo e todos. Seu conhecimento de música é visceral e orgânico, passa pelos gêneros com a simplicidade leve de quem não é pretensiosa. Do metal ao pandeiro, nos sacode de emoção, de aprendizado”, elogia Marcelo Castello Branco, diretor-executivo da UBC. “Tudo isso com seu talento de intérprete intrépida capaz e sagaz. E um sorriso no olhar que faz a diferença.”