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INTrodução

Intro dução

A (...)“apresentação da cidade indica, por si só, o interesse da análise dos motivos da sua instalação, das fases da sua expansão, da situação actual e das perspectivas que orientam o seu desenvolvimento, sobretudo depois das alterações de ordem política e social resultantes da independência ocorrida em 1975. Esta linha de pesquisa não pode ainda esquecer que os centros urbanos estão inseridos num quadro mais vasto – regional, nacional e internacional – e que o papel por eles desempenhado nestes diferentes níveis reflectiu‑se não apenas na sua estrutura interna, mas é também o indicador do grau de desenvolvimento económico do espaço por eles organizado.”

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Maria Clara Mendes *

* (1985) Maputo antes da independência. Geografia de uma ci‑ dade colonial, Instituto de Investigação Científica e Tropical, n.º 68, p. 27.

URBANISMOS DE INFLUÊNCIA PORTUGUESA é a exposição que sintetiza os resultados de um projeto de investigação elaborado entre 2005 e 2008 no seio da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, com financiamento da Fundação para a Ciência e para a Tecnologia, e com o título ”Urbanismo Colonial – Os Planos de Urbanização nas Antigas Províncias Ultramarinas, 1934‑74”. Este projeto constituiu um importante contributo para o conhecimento da evolução conceptual e metodológica da prática urbanística portuguesa num período significativo do século XX e para o estudo das influências que se estabeleceram entre Portugal e as antigas colónias, que traduzem a vasta e intensa produção urbanística de um período que nos está próximo e que ainda oferece um amplo campo de investigação por explorar no âmbito da área disciplinar do urbanismo. A limitação temporal do estudo foi balizada por dois momentos marcantes da história contemporânea da cidade portuguesa – a publicação do Decreto-Lei 24 802, de 21 de Dezembro de 1934, que foi o primeiro diploma nacional relativo aos Planos Gerais de Urbanização e a introdução do regime democrático em Portugal, em 1974, data a partir da qual foi preparado o processo de independência das colónias que viria a ser concretizada no ano seguinte. O projeto de investigação teve como objetivo construir um inventário de planos de urbanização que permitisse, de modo expedito, identificar o tipo de documento e as características de desenho inerentes às operações que propunham, mas também os organismos onde foram desenvolvidos, os seus autores e as influências teóricas que os informaram. O desenvolvimento do trabalho de investigação permitiu constatar que grande parte da documentação relativa ao período colonial se encontra dispersa, entre os arquivos de Portugal e de Cabo Verde, mas principalmente muitos processos estão incompletos nos arquivos e são vários os casos em que existem peças soltas de documentos

que à partida são difíceis de identificar e associar. Assim, considerando a importância dos planos identificados para a história contemporânea do urbanismo de influência portuguesa, o desafio foi também juntar fragmentos e conferir-lhes nexo. E, apesar das dificuldades, foi possível construir uma base de dados capaz de garantir o conhecimento e o acesso de informação a todos os interessados no tema em causa.

A pesquisa permitiu identificar, recolher e tratar a informação relativa a 450 estudos urbanos que constituem uma primeira aproximação ao mapeamento do tema e, embora sendo um arquivo em permanente atualização, formam uma amostra representativa das diferentes posições sobre a produção da cidade e da evolução da cultura urbanística de influência portuguesa.

A dimensão geográfica dos territórios abrangeu realidades diferentes em África e no Oriente, sendo possível identificar etapas em que os planos realizados correspondem a modelos bem identificados da urbanística nacional. A legislação relativa aos planos gerais de urbanização publicada em 1934 substituiu o diploma de 1864, que criara a figura de Plano Geral de Melhoramentos, mas muitos trabalhos realizados nas ex-colónias durante a década de trinta e princípios da de quarenta correspondem àquele modelo. Contudo, a par destes, foram-se criando novas cidades delineadas por planos quase sempre realizados por engenheiros militares e agrimensores e, simultaneamente, ao abrigo da nova lei, realizaram-se Planos de Urbanização. Estes, que expressam a influência da urbanística formal da escola francesa, adotaram configurações elaboradas a partir de malhas radiais e ortogonais que, muitas vezes, procuravam conferir às realidades existentes uma qualificação do seu desenho, quer em áreas de expansão quer na reestruturação dos aglomerados existentes.

Do ponto de vista conceptual, os planos deste período propunham a profunda reformulação do tecido existente, a monumentalização do centro onde, a par dos principais edifícios administrativos, a igreja era sempre um elemento presente, o rasgo de grandes eixos viários sempre arborizados, a criação de bairros residenciais de baixa densidade com predominância de habitação unifamiliar e espaços verdes, com uma rede viária interna para garantia de privacidade, significando assim um exercício de conciliação entre o urbanismo formal e a cidade-jardim. Estes planos de urbanização foram instrumentos úteis porque foram eficazes na sua implementação. Embora rígidos, permitiram a criação de solo urbano para as expansões, o desenho do espaço público e a implantação do edificado num contexto desprovido de preexistências e de condicionantes relativas à propriedade do solo. No final da década de cinquenta e princípios dos anos sessenta, os planos foram claramente influenciados pelo Movimento Moderno na metodologia proposta, nos princípios de composição urbana e no processo de integração do desenho em várias escalas de projeto. As intervenções pressupunham uma sucessão de planos que variaram entre a escala regional e a de planos de pormenor. Muito embora não tivesse havido al-

teração legislativa ao diploma de 1934, os planos passaram a assumir um faseamento hierarquizado, destacando-se o aparecimento dos Planos Diretores, cujo conteúdo consistia em orientações estratégicas e estruturais que enquadrariam o posterior desenvolvimento de estudos de pormenor. Nas vilas e cidades de pequena dimensão as propostas dos planos centraram-se na consolidação do tecido existente, na definição de novos perímetros urbanos e de áreas de expansão, na criação de zonas industriais e centros cívicos que correspondiam quase sempre a uma praça ou um largo, na consolidação da rede viária e sua articulação com o sistema regional. Muitas destas intervenções relacionaram-se com a instalação de equipamentos que deveriam servir as populações das grandes áreas agrícolas envolventes.

O desenvolvimento económico e o rápido crescimento dos aglomerados urbanos e para-urbanos de Angola justificou a criação de um tipo especial de plano, o Plano para Zonas de Ocupação Imediata (PZOI) que, como a designação sugere, correspondia a um plano de expansão cujo conteúdo deveria permitir uma rápida e fácil implementação. Até ao momento da independência foi realizado um elevado número de planos deste tipo, respondendo à pressão do crescimento económico e à necessidade de controlo territorial.

Neste tipo de planos expeditos que se queriam simples e “rápidos” inserem‑se também os planos de ordenamento rural da Guiné que, tendo características semelhantes de conteúdo e implementação, se justificaram por motivos de segurança, uma vez que pressupunham a concentração da população em áreas estratégicas para o controlo militar colonial.

O surto económico e os investimentos realizados nas grandes cidades no final dos anos sessenta explicam que, na última fase do colonialismo, os planos já elaborados por equipas multidisciplinares contemplassem sempre uma dimensão supra-urbana. Foram planos de escala regional, orientadores e flexíveis, que abordavam as questões com graus de pormenor muito diferenciado. Delineavam as infraestruturas, definiam e hierarquizavam o sistema viário e os equipamentos estruturantes e indicavam as áreas de ocupação preferencial, utilizando a análise urbana e o reconhecimento das particularidades do habitat local para informar o desenvolvimento das propostas.

O material analisado neste estudo traduz as alterações de paradigma registadas nos planos urbanísticos coloniais e, embora se identifique um processo paralelo ao ocorrido em Portugal, a quantidade de documentos encontrados permite refletir sobre a riqueza de uma experiência urbanística ímpar e cuja realização marcou indelevelmente os territórios para onde foram desenhados.

Esta exposição é uma amostra expressiva da influência do pensamento urbanístico português e dos seus atores, tendo sido selecionados planos que representem essa produção em diferentes territórios. As peças escolhidas e a disposição com que são apresentadas procuram levar o visitante a uma viagem no tempo e no espaço, com

recurso a várias peças desenhadas ou iconográficas, e a compreender o pensamento urbanístico como resposta às condições políticas, sociais e económicas. Na organização da documentação na exposição agruparam-se 30 planos de urbanização em três grandes conjuntos, primeiramente pela localização geográfica, depois, os planos desenvolvidos para a cidade capital e os planos para os outros núcleos urbanos foram dispostos sequencialmente de acordo com as datas em que foram realizados. A exposição organiza-se principalmente ao longo de três paredes – sul, nascente e norte –, onde, por ordem alfabética, são dispostos os planos de cada um dos países, entre as paredes sul e norte. Complementarmente, a colocação de fotografias aéreas das cidades no pavimento da sala de exposição procura pôr em confronto o tempo e as propostas dos planos urbanização com a atual realidade construída. Na parede nascente, utilizaram-se várias peças originais para ilustrar os meios, os recursos e os resultados associados à elaboração destes estudos urbanos: o material de base que era utilizado para a realização dos planos, como as Plantas Cartográficas e as vistas das cidades retratadas pela pintura, mas também a expressão gráfica que era frequente, com a Planta de Apresentação para comunicar a síntese de uma ideia aliada à prática do desenho como ferramenta de trabalho. São exemplos a planta da cidade de Nova Goa (1888), a planta da cidade do Mindelo (1906), a planta da cidade de Luanda (1900), o original pintado da planta de apresentação do Plano de Urbanização de Luanda da autoria dos arquitetos Etienne de Groer e David Moreira da Silva (1944), e Planta Geral do Plano de Urbanização de Nova Lisboa – Huambo, da autoria do arquiteto João Aguiar (1946), a única cidade de fundação do século XX, e ainda uma pintura de uma vista de Macau de finais do século XIX, de autor desconhecido.

O plano de uma cidade, entendido no âmbito estrito do projeto, é sempre uma reflexão sintetizada numa proposta. É também resultado da tensão entre uma ideia e o contexto, onde por vezes as preexistências assumem um certo protagonismo. Sobretudo a partir do século XX, os planos de urbanização para os territórios aqui em causa passam a lidar também com os vestígios de uma ocupação herdada, primeiro, reagindo contra a cidade construída e depois aceitando a sua memória e procurando aprender com a sua existência. O reconhecimento dos valores culturais dos sítios implicou que os planos de urbanização se posicionassem em relação às preexistências e, por isso, se complementa a exposição e estas etapas do saber-fazer através de duas maquetas – da Igreja de Santana, Talaulim, em Velha Goa (1577‑1695) e do Forte de Santiago de Quíloa (1505), na Tanzânia –, expressões construídas de um património que antecede em muito o tempo da elaboração destes planos. Um outro ponto de vista sobre os Urbanismos de Influência Portuguesa é possível através do vídeo elaborado com recurso a filmagens de épo-

ca (do arquivo da RTP), que introduzem a expressão animada dos ambientes urbanos e procuram mostrar que uma cidade é, essencialmente, um espaço que serve de suporte à vida pública e coletiva dos Homens. Esta exposição propõe uma viagem pelo mundo. Não tem um itinerário, propõe antes que cada um encontre o seu mediante as suas afinidades e interesses. Independentemente dos trajetos prováveis, será sempre possível estabelecer leituras comparativas nas derivações que dele sejam feitas, sobretudo quando nos movermos pelo fascínio pelas cidades e pelos modos de as imaginar ou de as fazer.

Maria Manuela da Fonte e Sérgio Padrão Fernandes Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa

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