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CAbo vErdE
O arquipélago de Cabo Verde, composto por dez ilhas de origem vulcânica, localiza-se a sul da região atlântica da Macaronésia. O seu povoamento iniciou-se a partir da Ilha de Santiago, pouco depois da sua descoberta, e expandiu-se após 1466, quando D. Afonso V concedeu ao seu irmão D. Fernando o direito de comércio com os povos da costa da Guiné entre o rio Senegal e a Serra Leoa. A resistência à ocupação do arquipélago ficou a dever-se à natureza hostil das ilhas, à pobreza dos recursos, à falta de água e às secas periódicas que impediam o cultivo da terra e a fixação dos homens. Porém, quando, no século XVI, o Atlântico se constituiu como um espaço de circulação e de trocas comerciais, Cabo Verde adquiriu valor geoestratégico e posicionou-se como o mais importante espaço de comércio de escravos negros entre a costa ocidental africana e os portos da América do Sul.
Durante os séculos XV e XVI, o povoamento fez‑se a partir da fixação de pequenos núcleos, concentrando-se as populações em áreas litorais que permitiam a aproximação protegida das embarcações. Neste período, foi fundada a Ribeira Grande, na Ilha de Santiago, e São Filipe, na Ilha do Fogo, que se constituíram como principais portos de apoio às rotas comerciais do Atlântico Sul. A partir do século XVII, quando as relações mercantis com a Guiné enfraqueceram, as povoações litorais reforçaram as suas fortificações, ficando confinadas à defesa do território. No interior, as populações começaram a fixar‑se em áreas onde a fertilidade do solo permitia o assentamento de comunidades agrícolas, mas de forma mais dispersa e sem aglomerações urbanas significativas.
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A ideia de transformar o arquipélago na principal plataforma giratória do Atlântico dominou um período de prosperidade económica no século XIX, refletindo‑se na afirmação do povoamento do território e num forte investimento do Estado para o desenvolvimento das duas principais cidades, a Praia e o Mindelo. A primeira metade do século XX correspondeu a uma crise económica resultante do declínio da atividade portuária e da ausência de investimento por parte do Estado central que, desinteressado no desenvolvimento de Cabo Verde, fomentava uma política de emigração. Com a abertura de novas infraestruturas portuárias nas ilhas Canárias e no Senegal e com a tardia modernização dos portos em Cabo Verde, a situação agrava-se e as cidades entram numa fase de decadência.
Apesar do crescimento demográfico que se registou no arquipélago de Cabo Verde durante a
década de trinta, neste período não foi delineada uma política de apoio ao desenvolvimento das cidades ou das pequenas aglomerações urbanas. A ausência de instrumentos urbanísticos e as necessidades agravadas em matéria de salubridade, higiene e de condições de conforto justificaram que, em 1938, o Governo da Província tivesse adaptado o diploma nacional de 1934, procurando impor a realização de Planos de Urbanização para todas as povoações com mais de 50 casas. O esforço feito pelo Governo da Província não teve resultados imediatos na execução de instrumentos para o ordenamento dos núcleos urbanos. Dentre as principais dificuldades, refiram‑se a inexistência de levantamentos topográficos atualizados dos aglomerados populacionais, a falta de técnicos qualificados para apoiar localmente o desenvolvimento dos trabalhos e, entre outros condicionalismos, o desinteresse do Estado num território sem recursos naturais, o que conduziu Cabo Verde a um estado de progressivo abandono. Em 1950, a Repartição Técnica de Obras Públicas foi incumbida pelo Governador da Província de Cabo Verde da elaboração de um estudo para o desenvolvimento de um Plano Geral de Obras destinadas a promover o crescimento económico do arquipélago. A partir deste documento procurou-se construir um programa de ações para as grandes infraestruturas, as atividades socioeconómicas e, sobretudo, para as cidades e núcleos de povoamento. Porém, só na década de sessenta, quando, através dos Planos de Fomento Nacional se retomou a ideia de construção de uma plataforma giratória do Atlântico, Cabo Verde voltou a registar novos investimentos.
Assim, na segunda metade do século XX iniciou-se a elaboração sistematizada de planos que suportaram o desenvolvimento de propostas em diferentes graus de intervenção. Ao nível da província foi implementado um plano rodoviário para o arquipélago, a fim de ligar o litoral ao interior das ilhas. Nos núcleos litorais foram modernizadas as infraestruturas portuárias existentes e, pontualmente, foram previstos novos portos de ligação entre as ilhas. À escala urbana foram elaborados os planos de urbanização que previam ações de reordenamento e de expansão das cidades, a criação de novos bairros, a localização de novos equipamentos coletivos e a qualificação de áreas degradadas.
ESTUDO
prÉvIo dA ACHAdA prINCIpAl
LOCALIzAçãO: IlHA dE sANTIAgo, CIdAdE dA prAIA | DATAS E FASES: 1961, ElAborAção AUTOR: josÉ luÍs AmorIm [ArQuITETo]
ENTIDADE: Câmara Municipal da Praia; Direcção de Serviços de Urbanismo e Habitação da Direcção-Geral de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar (DSUH/DGOP-MU, 1958-1974) | FONTE: Arquivo Histórico Nacional, Cabo Verde
Urbanização da Praia. Célula 1.
Vista da Entrada na Cidade da Praia.
O Estudo Prévio da Achada Principal – Célula 1 foi a primeira de três propostas desenvolvidas para a área antiga da cidade da Praia durante a década de sessenta. A proposta abrangia o núcleo central e tinha como objetivo a transformação do tecido urbano existente num novo Centro Cívico, de acordo com as orientações do Plano Diretor elaborado pelo mesmo autor em 1960. A intervenção no tecido urbano pressupunha a redefinição formal dos quarteirões e a redução do número de arruamentos existentes, adaptando-os para uma circulação automóvel mais eficaz. A solução imprimia uma maior regularidade na configuração dos espaços públicos da cidade. Definia um novo acesso à Achada Principal, em túnel, com uma chegada monumental à Praça Alexandre Albuquerque, e reorganizava o núcleo urbano em função de um novo conjunto espacial constituído por duas praças regulares, com diferentes dimensões, que se articulavam por uma única via transversal.
Vista Panorâmica da Cidade da Praia.
Rua de D. Luiz, atual Rua 5 de Julho.
PLANO DIRECTOR BÁSICO
urbANIZAção dA CIdAdE dA prAIA
LOCALIzAçãO: IlHA dE sANTIAgo, CIdAdE dA prAIA DATAS E FASES: 1969 – 1973, ElAborAção AUTOR: mArIA EmÍlIA CArIA [ArQuITETA]
ENTIDADE: Câmara Municipal da Praia; Direcção de Serviços de Urbanismo e Habitação da Direcção -Geral de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar (DSUH/DGOP -MU, 1958 -1974) FONTE: Arquivo Histórico Ultramarino | Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD)
O Plano Diretor Básico da Cidade da Praia fez parte de um conjunto de quatro Planos Diretores realizados para as cidades da Praia e Mindelo durante os anos sessenta. Estes documentos, de carácter estratégico, constituíam um conjunto de normas e de orientações que guiavam a produção do solo urbano e a gestão funcional da cidade. Considerando a ocupação já existente no território da Ilha de Santiago, o plano propunha a divisão da área de intervenção em zonas de utilização predominante que conduzissem ao desenvolvimento, à modernização e à consolidação do espaço urbano da capital da província. O zonamento era estruturado por uma rede viária hierarquizada a partir da qual era definida a estrutura urbana. Enquanto instrumento de intervenção, o plano programou três tipos de operações a desenvolver em áreas específicas: Zonas para uma Futura Expansão, Zonas para uma Expansão a Considerar e Áreas a Remodelar.
Urbanização da Cidade da Praia. Plano Director Básico. Zonamento e Equipamento Previsto.
ESBOCETO DE
urbANIZAção do mINdElo
LOCALIzAçãO: IlHA dE são vICENTE, mINdElo | DATAS E FASES: 1959 AUTOR: joão ANTóNIo AguIAr [ArQuITETo]
ENTIDADE: Direcção de Serviços de Urbanismo e Habitação da Direcção -Geral de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar (DSUH/DGOP -MU, 1958 -1974) FONTE: Arquivo Histórico Ultramarino
Urbanização da Cidade do Mindelo. Esboceto
Vista Panorâmica da Cidade do Mindelo.
Vista Panorâmica da Cidade do Mindelo.
Vista da Baía do Porto Grande. No final dos anos cinquenta, o Mindelo distinguia duas áreas urbanas de natureza muito distinta. Uma delas era caracterizada pela estrutura fundacional da cidade, determinada pela condição portuária do sítio e pela matriz regular e ortogonal do traçado urbano que se dispôs ao longo de uma baía, entre os morros que pontuavam as vertentes suaves do relevo litoral. Neste contexto, os quarteirões retangulares e estreitos eram alinhados em função da linha de costa e ocupados maioritariamente por edifícios mistos, mas também por programas habitacionais ou de equipamentos públicos.
João Aguiar propôs uma solução que dotasse a cidade de todas as funções administrativas, potenciasse o seu papel económico e mediasse as relações com o interior de São Vicente, controlando uma área alargada na sua envolvente. Assim, optou-se por ensaiar neste esboceto um sistema de organização da cidade apoiado numa rede de circulação que previa a independência dos tráfegos pesado e ligeiro, no qual se incluía também o turístico.
O Esboceto do Plano de Urbanização do Mindelo procurou, sobretudo, aflorar as principais questões a considerar na definição de uma nova imagem para a cidade, formulada a partir da conciliação entre diferentes lógicas e sistemas de composição urbana e, especialmente, numa atitude eclética como paradigma para o desenho da cidade.