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CRÍTICAS VERSUS

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DORDEDUH

DORDEDUH

AARA

«Triad I: Eos» (Debemur Morti Productions) Os suíços AARA mantêm com este «Triad I: Eos» a média de um álbum por ano e em boa verdade talvez não fosse má ideia o duo Fluss e Berg acalmar um bocadinho. O antecessor «En Ergô Einai», que também foi alvo de crítica aqui na VERSUS Magazine, era um trabalho mais interessante que esta algo desinspirada novidade. E a grande diferença consiste na falta de elementos dignos de destaque. Ouve-se este «Triad I: Eos» e, chegado ao fim, não há propriamente vontade de voltar a colocar o disco no leitor, pois as faixas soam insípidas e tardam em causar uma impressão duradoura no ouvinte. É como se estivéssemos a degustar um prato sem qualquer tempero: come-se, mas há qualquer coisa ali em falta. E isto é uma pena, pois os AARA estavam a mostrar potencial dentro do âmbito do black metal atmosférico e melódico, mesmo não se tratando de um conjunto capaz de revolucionar o género. Tendo em conta ainda que «Triad I: Eos», como o título deixa antever, constitui a primeira parte de uma trilogia, as expectativas agora estão niveladas mais por baixo. Veremos se os AARA conseguem dar a volta por cima e retomar um rumo que até aparentava ser promissor, elevando a fasquia nas partes que se seguirão a estas seis faixas de 2021. [6/10] HELDER MENDES

ÆNIGMATUM

«Deconsecrate» (20 Buck Spin) Tenho para mim que, no Metal, o ideal de beleza está na simbiose perfeita entre dois opostos: o virtuosismo delicado e o peso esmagador da sonoridade. Isto a propósito do novo opus dos Ænigmatum que cultiva este binómio com resultados assombrosos. Depois dum promissor disco de estreia publicado há apenas dois anos, o jovem quarteto norte-americano surpreende com um trabalho que promete encher as medidas de quem aprecia extremismos com musicalidade. Partindo duma fusão genética entre Death, Behemoth e Opeth antigo, a banda de Portland apresenta neste «Deconsecrate» um cocktail de death metal enegrecido que adquire um cunho particular graças a uma composição fluida feita de estruturas labirínticas e estonteantes, mas que integram a melodia essencial para tornar a audição permanentemente atractiva. A malha rítmica incorpora frenéticas e inesperadas mudanças de tempo, frequentemente em modo warp-speed sem dar tempo para respirar, outras vezes em compassados riffs quebra-ossos de onde emergem insanos esfarrapanços técnicos das mãos competentes dos guitarristas Kelly McLaughlin e Eli Lundgren, ou linhas serpenteantes do baixo fretless de Brian Rush. Inescapáveis são também os rolls frequentes do baterista Pierce Williams (integra também os Skeletal Remains), reminescentes da técnica de Steve Flynn dos Atheist, que acabam por sobressair como elemento distintivo na sonoridade geral do disco. Rico em substancia musical, algo progressiva, e com clara atenção depositada no mais ínfimo dos detalhes, «Deconsecrate» é um disco para degustar ao longo de muitas e prazerosas audições. A qualidade de reprodução é essencial para se apreciar todos os pormenores. [9/10] ERNESTO MARTINS

ANGEL DUST

«Into The Dark Past» (High Roller Records) Quando se fala de Angel Dust paira de imediato no ar a dicotomia estilística que os germânicos criaram ao longo da sua carreira. Depois da dupla de discos editados nos anos 80, a que se seguiu um hiato de cerca de 10 anos, os Angel Dust regressaram com uma abordagem ao power metal germânico, bastante popular então. Mas este «Into The Dark Past» foi o primeiro longaduração do grupo, editado em 1986 e que agora tem mais uma re-edição em vinil e CD, com toda a atenção que lhe é devida. Portanto, aqui falamos da fase thrash metal dos Angel Dust e esta nova edição é um portal que nos leva directamente à era de ouro do estilo. Em ’86 os Angel Dust apresentaram, sem dúvida, um trabalho muito interessante e competente, ao qual é merecido oferecer pelo menos um lugar para destaque junto dos pioneiros que todos bem conhecemos, Kreator, Sodom, Destruction, Slayer, Dark Angel…para citar apenas alguns. A sua imagem de marca estava aqui já bem definida. Muito criativos ao nível do riff marcante e de groove bem acentuado, já com tendência à exploração das melodias em determinados refrões. Acredito que talvez devido à paragem prematura logo depois do segundo disco, os Angel Dust não figurem de forma regular como referências no thrash metal. Mas, felizmente, há quem se dedique à sua obra e nos permita agora ter acesso, em formato físico, a este testemunho de adrenalina speed/thrash e a grandes canções como “Gambler”, “Legions of destruction” ou a slayeresca “Marching for revenge”. [8.5/10] EMANUEL RORIZ

ANNEKE VAN GIERSBERGEN

«The Darkest Skies Are The Brightest» (InsideOut Music) Não perderemos tempo a biografar a vocalista holandesa, cujo currículo é sobejamente conhecido. Mencionaremos apenas que «The Darkest Skies Are The Brightest» se enquadra nas divagações mais pop da carreira da ex-frontwoman dos The Gathering. O problema é não serem divagações excepcionais ou sequer acima da média enquanto pop. As músicas aqui apresentadas, à excepção de “Hurricane”, são pouco mais do que “pastilha elástica”: ouvem-se, esquecem-se e siga para diante. A voz de Anneke continua óptima, sim, pese estar mais delicodoce e com menos corpo que noutros tempos, falta-lhe talvez alguma selvajaria que ajudasse «The Darkest Skies Are The Brightest» a soar mais refrescante e menos padronizado. Assim o que temos nestas onze cançonetas é pop igual a milhões de tantas outras, sem particulares motivos de destaque. Não que tenhamos algo contra a pop em si; a própria Anneke, aliás, já tem composto músicas interessantes neste registo. Simplesmente há – como em tudo o resto – boas maneiras, e outras menos boas, de lançar um álbum/conjunto de canções dentro do género e, infelizmente, Anneke Van Giersbergen falha o alvo com este disco, pois as músicas não funcionam, e quando isso ocorre num conceito tão orientado para as canções como é o pop, pouco mais há a dizer, a não ser que, na encruzilhada exploratória da holandesa, com incursões pelo metal, pelo rock, pela pop, pela indie, este álbum não é dos momentos mais bem sucedidos. [5.5/10] HELDER MENDES

BAEST

«Necro Sapiens» (Century Media Records) Oriundos da Dinamarca o quinteto que dá pelo nome de Baest transformou-se de revelação para uma das mais imponentes bandas do país e do género. Depois da perfeição da estreia com «Danse Macabre» (2018) e com o disco seguinte, «Venenum» (2021), que lhes valeu, além de excelentes criticas a oportunidade de partilha os palcos com nomes como Abbath, Entombed ou Decapitaded. Ora, chegados ao, historicamente difícil, terceiro disco os Baest trazem um disco que, sem trazer surpresas ao género, traz uma banda mais capaz de esconder as suas influências de Morbid Angel ou Bolt Thrower e parece ter encontrado o seu caminho. «Necro Sapiens» é um rolo compressor que nos esmaga ao longo dos dez temas do disco. Há por aqui momentos como “Abbatoir” ou “Meathook massacre” que são uma verdadeira homenagem ao Death Metal e que são, de facto, um belo cartão de visita para um disco que, não roçando a perfeição, se escuta com a leveza de quem quer partir tudo à sua volta. «Necro Sapiens» é, por tudo isto, um excelente disco de Death Metal e, os fãs do género podem ficar descansados com a sobrevivência do género enquanto os Baest andarem por cá! [7/10] NUNO C. LOPES

BONGZILLA

«Weedsconsin» (Heavy Psych) Mais um álbum a tresandar a erva, cortesia dos potheads de Winsconsin que decidiram agruparse debaixo do nome de Bongzilla. Continuando na sua tripe sludge/doom com letras que invariavelmente tocam no tema do consumo e legalização de canabinóides (os apelos a “we must free the weed”, em “Free the Weed”, dificilmente poderiam ser mais explícitos), os norteamericanos em boa verdade não estão particularmente “inspirados” (sim, trocadilho!) neste «Weedsconsin», pois já fizeram melhor. Qualidade da erva, talvez?! Não é que as seis músicas não se oiçam com gosto, simplesmente não “batem” tanto assim, nem mesmo as mais viajantes e extensas como “Space rock” e “Earth bong/Smoked/ Mags bags”, ambas ultrapassando os dez minutos de duração. A sujidade característica dos Bongzilla está aqui, as incursões ao blues e ao stoner idem, mas muito provavelmente o prolongado hiato – mais de 15 anos sem lançar um álbum de originais! – teve as suas consequências e o trio norte-americano perdeu um bocadinho a mão. Ainda assim, «Weedsconsin» é engraçadote para quem aprecia este tipo de sonoridades, ou, por outras palavras, ainda serve para se apanhar uma moca ao longo destes pouco mais de 40 minutos de charro a rodar de mão em mão. Não se espere, contudo, uma pedra daquelas mesmo valentes. [6.5/10] HELDER MENDES

CIRCLE OF SIGHS

«Narci» (Metal Assault Records) Depois do não mais que mediano álbum de estreia «Salo», lançado há apenas um ano e descrito por muitos como uma espécie (discutível!) de fusão entre synthwave e doom metal, nada faria prever a surpresa que é este novo trabalho dos Circle of Sighs. Além de se pautar por uma composição, de longe, muito mais conseguida, «Narci» mostra que a enigmática banda (formada por três anónimos de continentes diferentes, sendo um deles português) enveredou, desta vez, por uma vasta gama de estéticas e vocabulários sónicos até agora inexplorados, com resultados não menos que admiráveis. Os dez minutos do emotivo “Spectral arms” dão logo a entender que estamos perante algo genial, seja pelos belos vocais aveludados sobre a hipnótica melodia de guitarra no início, os pesados riffs doomy que se seguem acompanhados de registos mais negros ou ainda pelas recorrentes linhas de piano, o baixo saliente e os arranjos de cordas, já no final, que carregam aquele vibe proggy dos 70’s à lá ELP ou Omega. O instrumental “We need legends” mantém o apelo e a veia inventiva, explorando agora guitarras esquizofrénicas, ritmos sintéticos destacados, samples de voz e muito trabalho de teclas. A industrial “A crystal crown of cosmic pain”, com vozes passadas a vocoder, é a primeira a fazer a ponte com «Salo». O psicadelismo inicial da versão de “Roses blue”, original de Joni Mitchell, dá lugar gradualmente a riffs arrastadões e vozes ásperas, que preparam o caminho para “Narci”, o tema mais Metal do disco, que surpreende no contexto, mas que se redime no desfecho com um adequado solo de sax. As duas faixas finais voltam a furtar-se a ortodoxias, reafirmando «Narci» como um trabalho que se eleva acima de fórmulas e categorizações. [8/10] ERNESTO MARTINS

CRESCENT

«Carving the Fires of Akhet» (Listenable Records) Depois do brilhante «The Order of Amenti», disco que em 2018 elevou a fasquia criativa dos Crescent para níveis inéditos, as expectativas relativamente ao que a banda egípcia iria apresentar a seguir subiram naturalmente para níveis... piramidais. E a verdade é que, três anos volvidos, o grupo não defraudou. A primeira constatação é que, apesar da turbulência causada pelas alterações de formação entretanto ocorridas, a identidade sónica da banda não se alterou. Embora não seja um trabalho tão imediato de absorver como o disco anterior, «Carving the Fires of Akhet» é outra exuberante besta de death metal tingido de black que se destaca da concorrência muito por conta das melodias exóticas baseadas em escalas e padrões rítmicos característicos do médio oriente, ocasionalmente embelezadas por sons discretos de instrumentos tradicionais, tudo isto sobre uma parede sonora de riffs esmagadores que conduzem a música para momentos de climax de proporções épicas. É notória a ausência pontual de elementos identificativos num ou outro tema, mas, em geral, a música mantém-se apelativa ao longo da totalidade do disco. Pela primeira vez o grupo decidiu homenagear duas das suas maiores influências, os Dissection e os Bolt Thrower (esta última influência ainda detectável no tom melodramático de alguns dos riffs mais lentos), com duas excelentes covers: “Xeper-I-Set” e “For victory”. Do alinhamento consta ainda uma versão renovada de “Dreamland” (original de uma demo de 1999) que revela de forma inequívoca a veneração marcante do génio de Jon Nödtveidt. Três faixas bónus, portanto, que fecham da melhor maneira um disco colossal, de criatividade acima da média, e por isso merecedor de toda a atenção. [8.5/10] ERNESTO MARTINS

HELLOWEEN

«Helloween» (Nuclear Blast) Qualquer álbum dos Helloween é, e será sempre, um anseio. A notícia de que Michael Kiske e Kai Hansen se juntariam ao grupo, para a digressão “Pumpkins United”, encheu toda o “mundo do metal” com a esperança de ver um álbum com toda esta malta junta. Em Junho saiu o resultado desta reunião, sob o título “Helloween”. Óbvio que a minha curiosidade (e, como é óbvio) de todos os fãs da banda, seria como iriam ser geridos as vozes. Andi Deris ainda é, se bem que muito injustamente, considerado um “patinho feio” comparativamente ao mais amado Michael Kiske. No entanto, a banda soube gerir isto de forma sublime, adaptando o “peso” dos temas à identidade de cada um dos vocalistas, inclusive ao terceiro vocalista, Kai Hansen. O álbum não defrauda expectativas, há tudo e para todos os gostos mas o que me agrada são mesmo as reminiscências que brotam de alguns temas. Desde logo o primeiro avanço, a “cereja no topo do bolo”, o “Keeper of the 7 Keys” ou “How Many Tears” dos tempos modernos - “Skyfall” - que será, por ventura, um dos melhores temas jamais compostos pelos Helloween, uma Ode ao que representa o Power Metal alemão. O que poderá estranhar-se (e não, entranhar-se) serão as tais reminiscências resultantes das duas personalidades musicais, bem diferentes, de Andi Deris e Michael Kiske. Por exemplo, “Fear of the Fallen” ou “Mass Pollution” são temas feitos à medida da “voz de tabaco” de Deris, impossível Kiske imprimir a mesma “agressividade” à música e, portanto, lá

vamos nós para a época do «Master of the Rings» ou «Time of the Oath». Por outro lado, o tema que abre o álbum e que acredito abrirá os concertos da próxima digressão - «Out of the Glory» ou “Best Time” são típicos dos agudos inconfundíveis e intemporais de Kiske – E outros há ainda cuja cantoria é dividida pelos três vocalistas, sempre com “corridas desenfreadas”, entre Weikath, Gerstner e Loebe. Não, não me esqueci de Markus Grosskopf, cuja entrevista sairá nesta edição da Versus e que tem um sonzaço absolutamente magnífico e do melhor que tenho visto produzido e tocado nos últimos tempos. Não é fenomenal, não foi descoberta a roda, mas é divertido, é Helloween e é um dos álbuns do ano! [9/10] EDUARDO RAMALHADEIRO

IN THE COMPANY OF SERPENTS

«Lux» (Petrichor) Os In the Company of Serpents encontram-se a comemorar uma década de carreira e este «Lux», o quarto álbum de originais, mantém o alto nível de doom/sludge que se associava ao (agora) trio norte-americano. «Lux» é um álbum pesado, tipicamente sludge, mas aqui e ali pincelado por apontamentos stoner e bluesy, como em “The chasm at the mouth of the all” ou nos interlúdios “Daybreak” e “Nightfall”, que lhe conferem uma certa aura de road movie americano sujo e decadente, mas ao mesmo tempo reconfortante, como se passássemos por sítios dos quais diríamos “isto é feio, mas não queria estar noutro lugar”. Há vários motivos de destaque ao longo destes quase três quartos de hora de duração, mas «Lux» é mesmo daqueles discos que pedem para ser escutados integralmente, tal é o equilíbrio e a coerência que encontramos desde a inicial “The fool’s journey”, um épico de dez minutos e indiscutivelmente dos melhores momentos que podem ser encontrados em «Lux», até ao término “Prima materia”. Para quem gosta de Crowbar, Cult of Luna, Mastodon nos seus primórdios, e doom/sludge em geral, este «Lux» é muito recomendado e não apenas por apresentar um grau de variedade (e, vá, sofisticação…) que nem sempre está presente em trabalhos deste subgénero, isto sem descurar o peso que, esse sim, será porventura o elemento quintessencial de qualquer disco com ganas de se aventurar por rumos doom e sludge. Que venham mais 10, 20, 30 anos e etc. assim. [8/10] HELDER MENDES

LUNAR SHADOW «Wish to Leave» (Cruz del Sur Music) Depois das mudanças sonoras que trouxeram no anterior registo, «The Smokeless Fires» (2019) o quinteto germânico parece ter encontrado o seu caminho enquanto banda. Este terceiro registo, composto por meia dúzia de temas, é o seguimento lógico do registo anterior e esse acaba por ser o ‘calcanhar de Aquiles’ deste terceiro (e sempre complicado!) disco. Com isto não queremos dizer que «Wish to Leave» é um disco mau, não vamos exagerar, aliás, o maior elogio que se pode dar é mesmo a leveza com que o quinteto nos apresenta os seus temas sobre solidão, desespero e isolamento. Por entre guitarras acústicas e a voz quente de Robert Röttig, que nos recorda uma espécie de Ozzy Osbourne ou Klaus Meine, «Wish to Leave» é um registo feito para as noites de insónia em que os pensamentos pedem outra companhia. Há por aqui alguns temas como “I will lose you” ou “And silence screamed” que são sublimes no transporte da sua dor e tornando a audição num passeio noturno. Fica a certeza de que os Lunar Shadow encontraram o seu caminho sonoro, contudo, ficará a dúvida sobre o que o futuro possa trazer. «Wish to Leave» é, por isso mesmo, um disco de afirmação. [7/10] NUNO C. LOPES

NORSE «Ascetic» (Transcending Obscurity Records) Já andam a dar nas vistas pelo menos desde o notável lançamento independente de 2012, «All is Mist and Fog», por causa da abordagem vanguardista que imprimiram no seu death/black metal de influências nórdicas. No álbum seguinte, «The Divine Light of a New Sun»(2017), abandonaram quase todos os traços melódicos, focando as suas composições em estruturas torcidas, dissonantes, e padrões rítmicos a roçar o caótico, num estilo próximo de bandas como Portal ou Deathspell Omega. O actual «Ascetic» (o quarto álbum) mostra que a banda australiana aprimorou a sua versão sui generis de extremidade sónica, agora ainda mais rombuda e cáustica, onde a melodia é rara e as composições incluem desta vez elementos pontuais mais apelativos que acabam por tornar o disco mais fluente. Isto sem prejudicar, note-se, o carácter não só perturbador mas também desafiante da música, aparentemente desarticulada, que se move entre segmentos de minimalismo rítmico e texturas monocromáticas mais elaboradas, quasi maquinais, por vezes avassaladoramente metralhadas e brutalizadas pelas vocalizações venenosas de ADR (Adric Ryan), que lembra vagamente o estilo demencial de Kvarforth dos Shining. A primeira metade do álbum incorpora tudo isto e muito mais e o resultado

é uma experiência estranhamente viciante embora, paradoxalmente, sempre algo desconfortável. Depois o disco perde algum momento e muito do seu interesse inicial nas faixas 5 a 7, só recuperando o ímpeto e a criatividade dos primeiros números no tema de fecho “Useless”. Mas apesar das partes menos conseguidas, «Ascetic» vale pela proposta intensa e refrescante de metal extremo que apresenta. [7/10] ERNESTO MARTINS

RAGE

«Resurrection Day» (Steamhammer / SPV) Desde há muitos anos, os Rage são, indubitavelmente, uma das minhas bandas favoritas e sempre que falo ou escrevo sobre estes germânicos, manifesto a opinião que são uma das bandas mais subestimadas no universo do Metal. Após o lançamento de «Wings of Rage», ainda antes da pandemia, que combinou todos os elementos estilísticos da banda, numa sonoridade homogénia e moderna, os Rage, em 2021 e bem no meio da pandemia, elevam ainda mais esse som moderno e surpreendem-nos com um álbum bem fresquinho: «Resurection Day». A juntar a esta versão Rage 2.0 há ainda o facto da banda se ter transformada num quarteto, algo que já não acontecia há muitos anos. Mais melódico do que nunca, sóbrio, inteligente, directo, influências muito interessantes de Thrash, como são os casos de “Virginity”, “The Age Of Reason” ou do tema que encerra o disco, “Extinction Overkill”, nunca deixando a técnica e a progressividade de lado – falando em progressividade, “Traveling Through Time” deverá ser um dos melhores temas compostos pela banda, soberbamente orquestrada por Pepe Herrero – e… falando em orquestrações e como seria de esperar, um álbum de Rage sem orquestrações, não seria álbum. Elas estão lá, impecavelmente enquadradas na música. Coincidência ou não, derivado à mudança para quarteto, o álbum parece estar bem “engrenado”, as músicas fluem como o vento, coerente, viciante e respirando melhor. Obviamente e como seria de esperar, um álbum de Rage sem orquestrações, não é álbum. Peavey e companhia excederam-se, deram-nos uma versão dos Rage 2.0, renovada e bem viva. Não sei como será o futuro, se no próximo álbum haverá mudanças outra vez, mas estou curioso para ver a evolução a partir de deste álbum e para os ver no festival “Milagre Metaleiro” [9/10] EDUARDO RAMALHADEIRO

SKYEYE

«Soldiers of Light» (Reaper Entertainment) Há estilos que já estão tão batidos que tentar trazer algo de novo e refrescante, sem cair num crossover de estilos, é uma tarefa quase impossível nos dias que correm. O Heavy Metal puro, em si, é um deles. O que os Eslovenos Skyeye conseguiram fazer com o seu segundo trabalho «Soldiers of Light», foi balizarem o que faz a essência do Heavy Metal e criar o seu próprio Heavy Metal, com um som único, dando-lhe ao mesmo tempo um toque de modernidade. O cerne dos Skyeye está na voz portentosa e limpa do seu vocalista, que faz lembrar um Bruce Dickinson dos seus melhores dias, combinada com uma atitude mais crua mas ao mesmo tempo apresentando riffs melódicos, criando assim a sua assinatura musical. As músicas são poderosas e repletas de postura, sempre com uma vertente melódica bem presente, fazendo lembrar aqui e ali os Iron Maiden dos anos 80, influenciado não por acaso pelo seu vocalista Jan, principalmente na faixa “Brothers under the same sun” ou “Eternal starlight”. Um dos interesses dos Skyeye, reside neste cheirinho nostálgico à lá Iron Maiden, mas sem se colarem de qualquer forma descarada e evidente à banda da NWOBHM, apenas mais por pura coincidência tímbrica, podendo facilmente os Skyeye serem vistos como uns Maiden de hoje. Isto está bem patente na faixa de 14 minutos “Chernobyl”, a mais ‘Maiden’ de todas, mas também a mais bem conseguida faixa do álbum. Os Skyeye são uma banda recente que nos apresenta um Heavy Metal reminiscente dos famosos Iron Maiden, mas levado mais além, que é a sua maior força mas ao mesmo tempo a sua maior fraqueza, por comparação. [8.5/10] CARLOS FILIPE

TAAKE

«Avvik» (Dark Essence Records) «Avvik» é uma compilação de temas resultantes da participação de Taake em três split-EPs com as bandas Whoredom Rife, Deathcult e Helheim. Este sortido representa uma banda em fase de transição, apresentando uma seleção musical relativamente heterodoxa. Pode mesmo chegar a fazer-se uma cisão entre os três primeiros temas e os restantes. “Ubesiret” e “Heartland”, as primeiras faixas do álbum, foram extraídas do split com Whoredom Rife. O primeiro tema denuncia uma maior complexidade nos arranjos musicais, com articulada destreza composicional e floreados acústicos, sendo sintomático do percurso que se anuncia. “Heartland” consiste numa versão de um original dos Sisters of Mercy, maculado pela deselegância do black metal, sem contudo desfigurar o seu lustro gótico original. De referir a participação da

Dr Mikannibal dos Sigh no saxofone, trazendo igualmente alguma complexidade à abordagem. A terceira faixa, “Nattestid ser porten vid I” apresenta uma versão acústica do tema clássico da banda, em que Gjermund introduz algumas variações em estilo blues ao registo original. “Slagmark” e “Ravnajuv” revelam a faceta mais primitiva da banda, sendo a última, uma versão de um tema de Darkthrone, sem grandes acrescentos. As restantes faixas não apresentam surpresas significativas, mantendo-nos em território hostilmente familiar. “Avvik” revela-se assim, como uma curiosidade para colecionadores, um aperitivo para o próximo álbum de originais da banda… ou uma distração, enquanto fazemos tempo para ouvir o mais recente trabalho dos Darkthrone. [6/10] FREDERICO FIGUEIREDO

THE MONOLITH DEATHCULT

«V3 – Vernedering» (Human Detonator Records) Os holandeses The Monolith Deathcult estão de volta com «Vernedering» (humilhação), o sétimo álbum de originais e o último da trilogia “V”, que também inclui «Versus», de 2017, e «Vergelding» (retaliação), de 2019. Ouvindo toda a sua discografia, desde 2002, é visível uma evolução consistente da banda dentro do Death Metal, tendo criado um estilo muito próprio e pouco convencional: no início, essencialmente brutal e, actualmente, cada vez mais atmosférico e com apontamentos electrónicos de industrial, a fazer lembrar-me os emblemáticos Ministry, principalmente em “Connect the goddamn dots” e “They drew first blood”. Este álbum começa com uma faixa falada, “Infowars”, numa sátira e humorística associação ao site americano de notícias falsas e de teorias da conspiração de extrema-direita do polémico Alex Jones (não posso afirmar que seja a voz do próprio), desenvolvendo uma teoria de conspiração sobre a própria banda. Ao longo do álbum encontram-se mais excertos falados. Quiçá é uma crítica aos críticos da banda. Os recursos musicais e rítmicos utilizados são infindáveis. Nada é deixado ao acaso. O álbum é poderoso, intenso e minimalista – a cada audição, vou-me apercebendo de mais pormenores. É me difícil escolher uma faixa que se destaque das restantes. São todas de elevado nível. Em suma, temos aqui um álbum de audição obrigatória, sozinho ou em conjunto com os restantes da trilogia. [9/10] JOAO PAULO MADALENO

TOMAHAWK

«Tonic Immobility» (Ipecac Recordings) Sabem aquele sentimento quando o vosso espírito começa a desmoronar-se perante tudo o que absorve do meio que o rodeia? Aquele sentimento de impotência ou aquela angústia de estar preso? Pois bem, é isso mesmo que este regresso dos Tomahwak pretende ser, aquele grito e aquela bipolaridade que uma qualquer bipolaridade pandémica causa. Depois de oito anos de silêncio a banda de Mike Patton, Duane Denison, John Stanier e, claro, Trevor Dunn regressa com um disco de Rock feito à medida para este ‘novo normal’. É claro que com músicos deste calibre e cuja carreira nem vale a pena dissertar, só poderia sair um disco de pura esquizofrenia mas, ao mesmo tempo, de uma beleza sonora que, curiosamente, se inicia com uma capa repleta de uma falsa tranquilidade. Patton continua a ser um dos mais geniais e talentosos vocalistas do universo Rock e o melhor é que se rodeia de outros músicos que não o deixam tomar as rédeas e desafiam as suas regras. «Tonic Immobility» é, por isso mesmo, um resumo (quase) fiel do que a banda tem vindo a produzir desde o homónimo de 2021. É claro que as artimanhas continuam aqui mas feitas à velocidade da luz, seja através dos singles “Business casual” ou “Dog eat dog” (este a fechar o disco) o que fica é a sensação de que estes senhores só sabem fazer as coisas de uma maneira: a correcta. Os Tomahawk de 2021 são a versão musical de um Western Spaghetti, com temas “Predators and scavengers” (delícia para ouvir em repeat) que se misturam com “Doomsday fatigue” (um alívio mental). Se há uma banda que o Mundo precisa em 2021 essa banda pode muito bem ser os Tomahwak. Obrigatório. [9/10] NUNO C. LOPES

TUESDAY THE SKY «The Blurred Horizon» (Metal Blade) Quando ouvi que Jim Matheos tinha um projecto novo, lá esfreguei as mãos de contente: aqui vem mais um álbum de Metal Progressivo de qualidade. No entanto, o guitarrista dos Fates Warning, surpreendeu-me com um álbum bastante… intrigante. Em 2017, Matheos pegou em todos os temas que não tiveram lugar nos Fates Warning e demais projectos, tais como OSI, John Arch ou Arch/Matheos e lançou-se a compor novos temas que resultaram no álbum «Drift». As influências que o movem são de todo inesperadas - isto para quem conhece a música de Jim Matheos – Brian Eno ou Sigur Ros. «The Blurred Horizon» é a continuação, uma evolução, se assim lhe quisermos chamar – Uma mistura de post-rock, bastante selecto,

introspectivo, calmo, sereno e tranquilo, “salpicado” com alguns elementos eletrónicos. Num dos temas lembrei-me de imediato da banda sonora de Angelo Badalamenti, da série Twin Peeks. O álbum é totalmente instrumental, com excepção do tema “Everything is Free” que é uma cover de Gillian Welch e David Rawlings. Praticamente todos os temas como que “levitam”, com excepção de “Hypneurotic” (e que pode ser quase visto como um interlúdio), tal é a sobriedade e, sonicamente, o álbum é excelente. Álbuns instrumentais são sempre mais complicados de se ouvir, dado que se podem tornar, de alguma forma… monótonos. «The Blurred Horizon» necessita do estado de espírito para ser “digerido”, absorvido e compreendido. Não deixa de ser, no entanto, um excelente registo. [8.5/10] EDUARDO RAMALHADEIRO

WITCHFYNDE

«Give ‘Em Hell» (reedição) (High Roller Records) Lançado originalmente em 1980, em pleno boom da NWOBHM, este é um daqueles clássicos menos famosos que ainda dá gosto recordar. O colectivo britânico em causa foi um dos mais influentes no que toca ao imaginário ocultista que viria a inspirar correntes mais extremas de metal, muito embora praticassem um hard rock/heavy metal ao estilo de Thin Lizzy, Budgie, Diamond Head e Judas Priest dos 70s, com algumas influências mais sofisticadas de rock progressivo. «Give ‘Em Hell», o primeiro álbum e o mais emblemático da discografia, é um festim de guitarradas orelhudas e refrões sumarentos, que gruda logo em “Ready to roll” mantendo-se apelativo até ao último dos dez temas. O dedilhado electrizante que conduz “Pay now, love later” é absolutamente irresistível e é possível que o riff eriçado que abre “Divine victim” tenha inspirado os Budgie no metálico «Power Supply». Há aqui um pouco de tudo, desde temas directos como “Gettin’ heavy” ou o infeccioso titulo-tema do disco (que me ficou para sempre no ouvido desde que o escutei no inesquecível Lança Chamas, da Rádio Comercial), marcado pelo estridente registo vocal de Steve Bridges (não muito distinto dum Burke Shelley ou Sean Harris), até números mais envolvidos como o épico “Unto the ages of the ages”, que inclui deliciosos momentos de aparente jam a puxar ao psicadélico e onde as influências de Rush (tal como no melancólico “Leaving Nadir”) são mais do que evidentes. Repescada duma obscura gravação de 1977, “Telestai” é a mais saliente das três faixas bónus que fecham esta nova reedição (já houveram várias) deste clássico de heavy metal primordial, que aí está para recordar como tudo começou. [8.5/10] ERNESTO MARTINS

XAEL

«Bloodtide Rising» (Pavement Music) Para os amantes de Death Metal sinfónico, esta banda estado-unidense é uma agradável surpresa e não se pode deixar de ouvir este «Bloodtide Rising», o seu segundo álbum. A primeira vez que o ouvi fez-me viajar até «Codex Omega», o álbum mais orquestral dos Septiflesh, e, ao mesmo tempo, a «Veleno» dos Fleshgod Apocalypse pela abordagem mais rude e “Technical”, com grande aceleração da bateria. Voltando ao início, a banda formou-se em 2017 e, no ano seguinte, lançaram o álbum de estreia: «The Last Arbiter». Xael tem na sua formação vários elementos com participação noutras bandas, nomeadamente, Nile e Wehrwolfe. “Suun rai aru” (Paixão gera ruína) tranquilamente faz a abertura do álbum com um diálogo de harmonias vocais, para sermos assaltados de surpresa pela batida bruta e vertiginosa do segundo tema - “As decreed: the law of Vuul Athmar”. Várias faixas contêm apontamentos acústicos, como é exemplo da terceira faixa, “The waste of dreadrift”, que começa com o dedilhado de uma guitarra acústica. A seguir, “Srai - The demon of Erring” e “Dark world mirrors” são, talvez, as faixas mais sinfónicas. O sexto tema (dá nome ao álbum) é mais uma vertigem. “The red odyssey” tem duas partes. É um bom tema, mas penso que faria mais sentido a primeira parte ser a abertura de outro álbum que fosse conceptualmente desenvolvido a partir daí. Por último, “The odium and the contrition” contém vários apontamentos orquestrais muito interessantes. [8.5/10] JOÃO PAULO MADALENO

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