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CRITICAS VERSUS

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OMITIR

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ASPHYX

«Necroceros» (Century Media) Vou começar por assumir que não conheço a fundo o catálogo dos holandeses Asphyx. Apesar disso, tenho noção que dentro do death metal europeu são actualmente uma referência de topo. Seja pelo impacto do carismático vocalista Martin Van Drunen, ou pelas boas indicações que a história nos tem vindo a dar sobre eles, o quarteto lança «Necroceros», um disco gravado em pleno período de confinamento. Este é um trabalho extremamente competente e interessante, levando os próprios a afirmar que é o seu registo mais intenso, lançado até à data. E pode-se dizer que o é, sem margem para dúvidas, tanto no ataque devastador de “Botox implosion”, assim como em temas mais arrastados, onde podemos tomar “Molten black earth” como exemplo. Esta dicotomia patente em «Necroceros» é valor acrescentado. Confere dinamismo, profundidade e por isso este disco poderá cativar a atenção de qualquer fã do estilo, e não só, acredito eu. A coleção de riffs que aqui encontramos é digna de observação atenta. Sugiro que dêem uma primeira escuta no tema de abertura, “The sole cure is death”, que encerra todas estas dimensões. [8/10] EMANUEL RORIZ

AUTARKH

«Form in Motion» (Season of Mist) «Form in Motion» é a estreia dos Autarkh, formados por Michel Nienhuis, guitarrista dos óptimos Dodecahedron, e constitui uma aposta da Season of Mist, que continua a não brincar em serviço quando o assunto é sonoridades desafiantes e fora dos eixos. O que fazem os Autarkh, então?! “Metal meshuggástico” (vamos todos presumir que isto não necessita de mais explicações…) poderia ser uma fiel descrição, sobejamente evidente através de faixas como “Cyclic terror”, “Alignment” ou “Lost to sight”, que muito bebem do influente colectivo sueco nas suas dissonâncias. Mas desengane-se quem pense que os Autarkh são só isto. Não são. Feitas as contas, o quarteto holandês lança em «Form in Motion» sementes que, bem nutridas, podem fazer desta uma força a ter em conta no underground durante os próximos anos, isto, claro, partindo do princípio que Nienhuis se mostra interessado em fazer crescer este projecto em lugar de o abandonar à sombra dos Dodecahedron. Veremos o que o futuro reserva. Para já, o que temos aqui está bem cozinhado e executado, dentro dos exigentes parâmetros vanguardistas, extremos e exploratórios, resultando em (pouco mais de) três quartos de hora estimulantes para os canais auditivos. Nem tudo é ouro, porém: por vezes a caixa de ritmos desata a debitar maquinaria que nem sempre assenta da melhor maneira na música dos Autarkh e esse é um pormenor que vem retirar algum brilho a esta estreia. Exageros dos quais se espera uma correcção em trabalhos posteriores. [7.5/10] HELDER MENDES

CARCOLH

«The Life and Works of Death» (Sleeping Church Records) Quem tem saudades de um bom disco de doom metal? Daqueles que nos faz estremecer o equilíbrio, tal é a sentença que apregoa. Para todos esses, sirvam-se. Tomem este segundo disco dos Carcolh. «The Life and Works of Death» começa de forma pesada e arrastada, mas é ainda no primeiro tema, intitulado “From dark ages they came”, que o grupo francês expõe uma das suas maiores virtudes. Esse valor é a importância do poder do riff e a forma como a sua música transita de estados de maior suspensão para momentos com um groove agitado. Tudo isto guarnecido por uma exploração de melodias, que aqui e ali, irão certamente ficar coladas no nosso ouvido. Pode até ser um pouco saudosista, mas o prazer que é possível atingir ao ouvir este trabalho, confirma que os Carcolh são, actualmente, uma proposta interessantíssima dentro do espectro heavy/doom, capazes de aguçarem o apetite, mesmo a quem não morre de amores por esta vertente musical. [8.5/10] EMANUEL RORIZ

CRIPPLED BLACK PHOENIX

«Ellengæst» (Season of Mist) Ao longo dos anos Justin Greaves conseguiu com este projecto musical atrair atenções em muitos dos quadrantes do Rock/ Metal, e isso acontece porque o multi-instrumentista é um criador de mundos paralelos que, em muitos dos casos, não são assim tão paralelos. Ao mesmo tempo que foi lançando discos e criando uma espécie de culto ao seu redor, Justin e Crippled Black Phoenix, foram criando música para a alma e cujo rótulo não é fácil (o que é um elogio!). Ora bem, «Ellengæst» segue o caminho dos seus antecessores e, querendo ou não, este é um disco sobre um mundo perdido, feito de dicotomias que só passam despercebidos a quem ignora. Este é um disco para um mundo perdido em si mesmo e, por isso mesmo é um registo intenso e doloroso numa estranha mensagem de esperança. De nada vale rotular um disco com experimentalismo, algum post-black Metal e algum Doom, mas podemos dizer que «Ellengæst» é um disco para a alma. Como nota final, e apenas para se perceber o culto que o projecto tem, podemos destacar a presença de personas como Vincent Cavanagh (Anathema), Kristian Espedal (Gaahl) ou Jonathan Hultén (Tribulation), entre outros que assim engrandecem um disco que tem tanto de luz como de trevas. [7.5/10] NUNO C. LOPES

EMPYRIUM

«Über den Sternen» (Prophecy Productions) O velho aforismo que desaconselha o regresso ao local onde outrora experimentamos a felicidade acaba de se revelar um... mau conselho. Porque é exactamente através dos locais místicos e românticos do imaginário que os Empyrium nos deram a conhecer há vinte anos atrás, que este disco nos reconduz, com um sentimento renovado de deslumbramento. Sem cair na pretensão de repetir o passado, «Über den Sternen» captura, de forma genuína, o essencial do dark folk/metal contemplativo de «Where at Night the Wood Grouse Plays»(1999) e de «Weiland»(2002), com o regresso em força das guitarras acústicas, das vozes sussurradas e da flauta melancólica de Nadine, que, em conjunto, nos enchem de sensações transcendentes, de visões bucólicas e de alucinações fantasmagóricas saídas de contos de fadas. Até mesmo os momentos de black metal atmosférico, com a condizente voz áspera de Schwadorf, surgem aqui com mais frequência, e o resultado é nada menos que genial. Mas esta recuperação do passado mais remoto é feita num espírito de reconciliação com o trabalho mais recente: este sexto álbum de originais inclui, aliás, referências óbvias ao solene «The Turn of the Tides»(2014), como é o caso da doomy “The oaken throne”. No entanto, principalmente por causa do protagonismo das guitarras (em detrimento dos teclados), a sonoridade e o espírito são todos eles mais reminiscentes do período 1999-2002. O registo vocal clássico, soberbo, de Thomas Helm (solista da Ópera do Estado da Baviera, em Munique) remete também mais para a fase do mui erudito «Weiland» do que para o seu trabalho posterior. Se por um acaso infeliz a banda se dissolvesse agora (como aconteceu em 2006), este seria o mais perfeito dos cantos de cisne. [9/10] ERNESTO MARTINS

EXANIMIS

«Marionnettist» (Klonosphere Records) Exanimis, termo proveniente do latim, significa: morto, sem vida, sem fôlego. Este é o nome escolhido para um projecto de Death Metal sinfónico de Nancy, França. Foi criado em 2015 pelos músicos formados na Music Academy International: Alexandre Dervieux – vocalista, guitarra e arranjos orquestrais; Julien Marzano – guitarra; e Julien Prost – baixo e arranjos orquestrais. Em tempos de pandemia e de repetidos confinamentos, o acesso a recintos de espectáculos tem sido proibido. Nestes, como em muitos outros espaços, o contágio é galopante e há que proteger a humanidade de tais horrores epidémicos. Será?!... «Marionnettiste» (Titereiro, o que movimenta as marionetas), magistral álbum de estreia, abrenos as portas de um imaginário de pesadelo sinistro e de fantasia. A orquestração e a teatralização do álbum faz-me lembrar bandas os gregos Septic Flesh e os holandeses Carach Angren, respectivamente. Esta “tragédia grega” é constituída por nove actos e começa com um prólogo apenas instrumental, “Prélude du songe avant le cauchemar” (prelúdio do sonho antes do pesadelo), uma cadência de notas trágicas e misteriosas no piano, acompanhadas, essencialmente, pelo sofrimento do violino até culminar num coro que nos lança para o segundo acto – “The wrathful beast” (A besta colérica), um andamento vertiginoso, poderoso e raivoso, momentaneamente “aliviado” por um solo de guitarra que surge perto do fim. O terceiro e quarto actos – “Throne of thorns” (Trono de espinhos) e “Stampede of the 10,000” (Debandada dos 10.000) apresentam um instrumental mais orquestral com andamentos mais variados e coros em apoio às vocalizações distorcidas do Alexandre. Em “Entracte du sommeil pendant le cauchemar” (Intervalo de sono durante o pesadelo) surgem, novamente, o piano e o violino num diálogo enigmático, como a estabelecer

uma pausa no pesadelo, ainda que não lhe permita despertar... O pesadelo ainda não acabou… Sexto acto – “Cogs, gears and clockworks” (Rodas dentadas, engrenagens e mecanismos de relógio) é o tema mais teatral e tem subjacente um movimento das rodas dentadas de um relógio que não pode parar, tal como o tempo de vida, numa contagem decrescente até à morte. No final da música, surgem uns magistrais solos de guitarra entrelaçados. No acto número sete – “The slow flow of the spume on the shore”, saliento o início suave com uma vocalização límpida. O penúltimo acto – “Cathedral”, configura-se como o mais longo do álbum, com mais de dezasseis minutos, onde somos transportados para o interior de uma catedral, e a sonoridade de um órgão e cânticos corais estão presentes. Termina com as seguintes palavras (traduzidas): “manipulados pelas nossas fantasias mais profundas, estas acabam sempre por tornar-se pesadelos”. O último acto – “Epilogue de l’éveil après le cauchemar”, termina este pesadelo de sonho e desperta-nos, com as últimas melodias de piano e de violino, até desaparecerem do nada. Não tenho dúvidas de que estamos perante uma obra-prima, um álbum de excelência, talvez o melhor deste ano. [10/10] JOAO PAULO MADALENO

FIVE THE HIEROPHANT

«Through Aureate Void» (Dark Essence Records) Apesar de ser ainda um nicho no panorama geral da música pesada, o metal instrumental tem vindo a atrair um número crescente de bandas, sendo os Five the Hierophant uma das mais recentes formações a comprovar que a música pode valer só por si, sem o apoio de vozes. Quem ouviu o álbum «Over Phlegethon», de 2017, sabe do que estou a falar: uma estreia assombrosa feita dum cruzamento de sludge e post-metal psicadélico, combinando riffs cíclicos, atmosferas drone, linhas esquizofrénicas de saxofone e exóticas sonoridades de djembê, trompa tibetana e viola de arco – o veículo perfeito para uma trip singular pelos recantos mais sombrios da existência, a retomar e expandir em «Through Aureate Void». E de facto, o tema da arte de capa deste novo álbum, uma vez mais da mão do pintor norueguês Odd Nerdrum, sugere desde logo um vínculo conceptual ao primeiro disco, embora uma audição mais atenta revele claras divergências na música. O estilo hipnótico e doomy que conhecemos do trio britânico é o mesmo, mas este é de longe um trabalho mais acessível. As linhas de saxofone são aqui invulgarmente melódicas, mais próximas do jazz, e não tão abstractas e histriónicas como antes, o que é manifesto, por exemplo, em “Fire from frozen cloud” e “The hierophant II”. As percussões tribais surgem mais dissimuladas e as declamações spoken word que incutiram em «Over Phlegethon» um certo misticismo, são aqui escassas. Nas mantras doom e no intenso psicadelismo ácido dos quinze minutos de “Pale flare over marshes” o disco parece recuperar muita da negritude a que nos habituamos, mas no balanço final «Through Aureate Void» passa como um registo menos excitante, conquanto igualmente envolvente e com o potencial de oferecer um tipo de experiência sónica ao alcance de poucos. [7/10] ERNESTO MARTINS

GAMA BOMB

«Sea Savage» (Prosthetic Records) Saído no final de 2020 «Sea Savage» é o regresso do quarteto irlandês, naquele que é o seu sétimo registo em formato LP e, também, o primeiro sem o baterista Paul Caffrey. Se isto não chega para vos colocar a par do que são os Gama Bomb por estes dias, então cá vão mais duas novidades: este é o primeiro registo da banda para a Norte-Americana Prosthetic Records e, o substituto de Caffrey é, nada mais, do que James Stewart (Vader, Decapitaded). Posto isto, olhemos para o que é «Sea Savage» que, no fundo, é um conceptual a bordo de uma imaginária «S.S. Gama Bomb». O que temos nesta dúzia de temas é Thrash como mandam as regras, sem que a banda perca a oportunidade de mostrar as influências nas bandas da NWOBHM, como Iron Maiden ou Judas Priest. Com uma produção (propositadamente) analógica, o que o quarteto faz é criar uma viagem intemporal mas que se perdeu no tempo, tal como as grandes sagas marítimas. Percebe-se que o quarteto se queira manter fiel às suas raízes musicais, contudo, «Sea Savage», apesar de bem tocado e bem pensado isso só por si não chega e o disco esbarra em tudo o que já foi feito no género (mesmo por parte dos Gama Bomb). Fica a certeza de que este é um disco para fãs acérrimos do género! [7/10] NUNO C. LOPES

HARAKIRI FOR THE SKY

«Mære» (AOP Records) Há uma década atrás, os austríacos M.S. (Matthias Sollak) e J.J. (Michael V. Wahntraum), decidiram formar este duo – Harakiri for the Sky. O seu álbum de estreia foi lançado no ano seguinte – 2012. É considerada uma banda pioneira de Post-black Metal e afirma-se que as suas principais influências são bandas como Alcest e Wolves in the Throne Room. Este é o quinto

álbum. De referir que tiveram a contribuição na bateria de um músico convidado, também austríaco, o Kerim “Krimh” Lechner (actualmente, membro dos gregos Septicflesh). «Mære», constituído por dez temas, envolve-nos durante quase hora e meia num emaranhado de traumas, solidão, sofrimento e delírios expelidos por gritos desesperados do J.J., acompanhados por uma batida pontualmente feroz (de Black Metal), e embalados pelos riffs melódicos e harmoniosos da guitarra do M.S., provocando-nos explosões de emoções presas dentro de nós, acelerando o nosso ritmo cardíaco e fazendo-nos perder o fôlego. O primeiro tema do álbum, “I, pallbearer”, simplesmente fabuloso, abre-nos a porta para um ser profundamente triste (“deeply sad man”), a ideia da morte, o sofrimento, a dor, o vazio, a depressão, os traumas, as milhares de cicatrizes a cada dia, os sonhos que se esfumam... É o mote para o que vem a seguir… onde será difícil realçar um tema, dada a soberba qualidade e consistência musical de todo o álbum. No entanto, atrevo-me a destacar três temas: “Us against december skies”, “I’m all about the dusk” e “And oceans between us”. O álbum termina com uma cover atmosférica de “Song to say goodbye” (dos Placebo). Goodbye… [9/10] JOAO PAULO MADALENO

IOTUNN

«Access All Worlds» (Metal Blade Records) Já vai algum tempo desde a última vez que me senti tão positivamente abananado por um disco de power metal como este. Tropecei nesta jovem formação dinamarquesa, em 2016, através do thrashy «The Wizzard Falls», (um EP gravado no lendário Sweet Silence Studio de Copenhaga pelo icónico Flemming Rasmussen) mas este álbum de estreia é algo inteiramente diferente. «Access All Worlds» pode descrever-se como uma sofisticada fusão de power metal épico e death metal melódico, com várias insinuações progressivas e uma veia nórdica distinta. Reflete, antes de mais, uma notável progressão artística em relação ao tal EP, algo que deve ser creditado não apenas aos prodigiosos irmãos Jens Nicolai e Jesper Gräs, mas também ao novo frontman Jon Aldará. Na verdade é muito à custa da incrível versatilidade vocal de Aldará (já conhecido dos Barren Earth e dos Hamferd) que a música consegue transmitir toda a panóplia de emoções associadas à ideia de exploração espacial como metáfora de uma demanda filosófica interior. A grandiosidade que emana do pulsante tema de abertura “Voyage of the Garganey I” ou o efeito arrepiante induzido por “The weaver system” ficam muito a dever-se ao tom dramático do registo limpo bem como ao rugido tenebroso com que Aldará alterna graciosamente ao longo de todo o disco. A música, por sua vez, não pára de surpreender com a sua complexa malha de riffs empolgantes e leads criativos a desenrolar-se sobre uma imponente secção rítmica, mantendo-nos permanentemente de ouvido colado apesar da longa duração da maior parte dos temas. Enfim, um disco inteligente, sem momentos fracos, que se recomenda a quem procura algo de excepcional no gênero. [8.5/10] ERNESTO MARTINS

KAUNIS KUOLEMATON

«Syttyköön Toinen Aurinko» (Noble Demon) Kaunis Kuolematon (A Bela Imortal) tem toda a essência e qualidade das bandas finlandesas de Melodic Doom/Death Metal, com uma ambiência atmosférica, melancólica e depressiva, suportada, essencialmente, pelas guitarras melódicas de Ville Mussalo e Mikko Heikkilä, e umas teclas de piano trágico-depressivas. Optam por usar a sua língua materna nas letras das músicas. Este é o terceiro álbum de originais. Arrisca-se a ser um dos melhores deste ano. É mais um excelente álbum desta banda. O primeiro tema, cujo título é em latim, “Sub idem tempus” (Ao mesmo tempo), abre o álbum de forma épica com uma guitarra acústica melancólica, dedilhada lentamente e com suavidade, e, depois, vão entrando o piano, a guitarra eléctrica, o teclado… e um trautear do Olli Saakeli Suvanto, para terminar com um som de órgão. Seguese “Syttyköön toinen aurinko” (Deixe um novo sol iluminar) com uma cadência forte em crescendo para suporte dos vocais distorcidos do Olli. O terceiro tema, “Hautajaiset” (Funeral), apresenta uma toada mais depressiva e carregada de melancolia, com o “diálogo” entre o vocal mais rasgado do Olli e o vocal límpido do Mikko Heikkilä (também vocalista de Dawn of Solace). O tema que se segue, “Mustavalkoinen” (Monocromático), assim como, o sétimo tema, “Paha ihminen” (Pessoa Má), perfilam-se à medida da voz do Mikko. Tem um timbre de voz, simplesmente, fabuloso. Adoro! “Kylmä maa” (País frio) começa com umas teclas trágicas do piano até se libertar uma cadência intensa cheia de raiva e um vocal rasgado “Blackened” e, do nada, volta a cair no trágico piano para dar entrada a “Kuolevan surun alla” (Sob o luto da morte), onde se regista mais um “diálogo” entre o Olli e o Mikko e um instrumental em perfeita sintonia. “Hyvästi” (Adeus) encerra o álbum na perfeição. Para os apreciadores de Melodic Death Metal Finlandês como Insomnium e Wolfheart, este é um álbum obrigatório. [9/10] JOAO PAULO MADALENO

LES CHANTS DE NIHIL

«Le Tyran et l’Esthète» (LADLO Productions) Uma audição dos primeiros minutos deste disco bastou para detectar algo de invulgar no black metal praticado por este quarteto que nos chega da Bretanha francesa. Por um lado é o estilo único de composição, rico em conotações de música clássica, mas sem nunca recorrer propriamente a sonoridades sinfónicas. São as malhas, os riffs e as linhas de guitarra que, emergindo por entre descargas especialmente furiosas de blast beats, denunciam – à custa da grande competência técnica dos músicos – estas inclinações eruditas. Aspecto distinto neste trabalho são também os coros, que secundam ocasionalmente o registo diabolicamente crispado do vocalista, e cujo tom heróico se torna essencial na expressão do drama politico/bélico que se desenvolve neste trabalho conceptual, dividido em quatro actos, idealizado e composto (letra, música e até a pintura de capa) por Jerry, o mentor da banda. O hino “Ma doctrine, ta vanité”, cuja toada em jeito de marcha patriótica poderá estranhar-se à primeira audição, ilustra da melhor maneira a exploração com sucesso deste último artificio. Outro bom exemplo é o excelente tema-título do álbum, com as suas percussões marciais e coros militaristas. E há muito mais para descobrir em termos de musicalidade nos sumarentos 50 minutos deste quarto registo da banda gaulesa, como é o caso de “L’adoration de la terre”, composto em torno de duas passagens da “Sagração da Primavera” de Stravinsky, que denota bem a atracção que a banda nutre pelos clássicos. «Le Tyran et l’Esthète» assinala uma expansão significativa na paleta retórica dos Les Chants de Nihil, mas a brutalidade esmagadora que o envolve pode tender a desviar a atenção dos detalhes mais singulares. Não é disco para ouvir de ânimo leve. [9/10] ERNESTO MARTINS

ONDSKAPT

«Grimoire Ordo Devus» (Osmose Productions) Depois duma década de silêncio, já poucos esperavam um novo álbum dos Ondskapt e muito menos um regresso com a ferocidade devastadora que emana deste quarto registo de originais. O disco até já devia ter saído há mais de um ano, mas uma conjugação de dificuldades inesperadas (intervenção divina?) travou a sua erupção do sub-mundo blasfemo onde foi concebido. «Grimoire Ordo Devus» revela-se desde logo tão sinistro e intrinsecamente maléfico como o seu antecessor de 2010 «Arisen from Ashes», mas o muito tempo que separa os dois trabalhos teria de se traduzir em algumas diferenças inevitáveis, decorrentes, por exemplo, da formação renovada da banda. A entrada de J. Megiddo (que também integra o line-up dos Marduk) confere às guitarras um protagonismo vivido, técnico e inebriante que até agora não existia na sonoridade infernal da banda. Na verdade, as fantásticas linhas melódicas em tremolo, que brilham particularmente em “Ascension” e “Devotum in legione”, são um dos aspectos mais peculiares deste novo trabalho. A composição de Acerbus (agora o único membro fundador) e do novo baixista Gefandi Ör Andlät não se rege tanto pela abordagem diferenciada que pautou o álbum anterior, tendo resultado em temas não só mais rápidos e extremos mas também mais próximos do black metal de formações compatriotas como os Watain, Funeral Mist (ouçase “Possession”) ou mesmo Marduk (“Opposites”). Com cerca de uma hora da música mais extrema e venenosa que se possa imaginar, «Grimoire Ordo Devus» é não só um álbum sólido e bem conseguido, mas também uma declaração renovada de devoção ao lado negro, com o poder de transformar as capelinhas da vossa diocese num imenso braseiro. [7.5/10] ERNESTO MARTINS

PERENNIAL ISOLATION

«Portraits» (Non Serviam Records) «Portraits» é um daqueles raros discos com o dom de nos fazer recuar ao período mais criativo e excitante da história do black/death metal melódico. Portanto, desde logo, distingue-se por não ser mais um dos inumeráveis discos que apenas fustiga o ouvinte – pela milésima vez! – com os clichés mais estafados do estilo. Este novo registo dos espanhóis Perennial Isolation é, de facto, um festim para os tímpanos de quem vibra com as habituais descargas desenfreadas de blast-beats e guitarras em tremolo do género, mas que também gosta de ser surpreendido com riffs inteligentes, transições inesperadas, segmentos melódicos sonhadores (abundantes especialmente a partir da quarta faixa) e, em geral, composições muito bem conseguidas. O talento dos quatro músicos é por demais evidente, salientando-se aqui o prodigioso e multifacetado guitarrista Iván Ferrús, provavelmente o principal arquitecto do gigantesco salto qualitativo que a banda protagonizou entre o segundo álbum «Astral Dream» e o excelente disco subsequente «Epiphanies of the Orphaned Light», lançado em 2016, em relação ao qual este «Portraits» partilha claramente a mesma veia criativa, apesar do hiato de cinco anos que separa os dois discos. Outro aspecto que não passa despercebido são as qualidades vocais

superlativas do frontman (também baixista) Albert Batlle, cujo rasgado registo não fica nada a dever a um Thomas Backelin (Lord Belial), chegando até a fazer lembrar a qualidade crispada do grande Henke Forss (Dawn). Sem se afastarem muito dos cânones sónicos do melhor black/death oriundo do norte da Europa, os Perennial Isolation mostram aqui que há ainda muito espaço para criar música de grande classe com apelo comparável aos grandes clássicos do género. [7.5/10] ERNESTO MARTINS

PESTIS CULTUS

«Pestis Cultus» (Signal Rex) Black metal de Perth, Austrália, constituído por elementos dos já defuntos Snorri. Um disco que abraça a linhagem dos conterrâneos Bestial Warlust e Sadistik Execution, com muito substrato dos primórdios do black metal dos anos 80 à mistura. Estamos perante mentes ortodoxas (estilisticamente falando), como cedo se faz perceber. Para além da curiosa intro, o registo da banda é, na sua generalidade, “porrada nuclear”, sendo que a banda também consegue introduzir um dinamismo relativamente articulado, através de quebras e variações de tempo (como “Black tongue hymn”, com um mid-tempo muito semelhante a alguns dos melhores momentos dos Blasphemy). Chega mesmo a haver alguma sugestão de melodia NWOBHM (“Black mass”), esmagada entre colunas maciças de riffs inclementes. Um álbum, de resto, muito convidativo ao headbanging, com uma série de solos e algumas notas imponentes de baixo a adensar o já insalubre ambiente do disco (notáveis exemplos são “H.H.L.” e “To the old ruins”). As vocais, carregadas de efeitos de delay, conferem uma aura verdadeiramente desencarnada ao álbum, assumindo estas, inquestionavelmente, o protagonismo do mesmo. Como curiosidade, temos também a intro e a outro a cargo do norueguês Mortiis (ex-elemento dos Emperor… existe outro?). De notar a atmosfera do álbum, que é inflamada por uma produção que dificilmente seria mais suja e ultrajante. Em síntese, trata-se de um trabalho, nas palavras da banda: “para velhas almas”. [7/10] FREDERICO FIGUEIREDO

RAAT

«Raison D’être» (Avantgarde Music) Mesmo no final de 2020 saiu este segundo álbum de Raat e embora a nacionalidade seja indiana, isso pouco ou nada se nota nas composições de S. R., cujo post-black metal se insere perfeitamente na escola norte-americana ou europeia (portanto, ocidental) do género, sem – ao contrário do que se esperaria – apelos às tradições musicais que normalmente associaríamos à cultura hindu. O momento, quiçá mais étnico, por assim dizer, encontra-se no riff que dá início ao tema-título, com o seu sabor muito oriental; de resto, temas como “Aurora” são, isso sim, devedores de discografias como a dos germânicos Lantlôs. Por sua vez, os títulos em francês, quer dos dois álbuns lançados sob o nome Raat, quer de algumas músicas nestes incluídas, remetem inevitavelmente para os gauleses Alcest. Curiosamente, mesmo as músicas com designações gaulesas são, nos Raat, cantadas em inglês. Enfim, manias… Bem vistas as coisas, «Raison D’être» tem tudo para agradar aos que apreciam black metal a atirar para o shoegaze e não se assustam com faixas que se alongam no tempo de duração (“Envie” é a única faixa a não ultrapassar os cinco minutos). Para uma one man band proveniente da Índia, não está (mesmo) nada mal. Será a última bolacha do pacote?! Claro que não. Mas é «Raison D’être» bom e recomenda-se?! Absolutamente! [8/10] HELDER MENDES

SPLENDIDULA

«Somnus» (Argonauta Records) Splendidula é uma banda oriunda de Genk, na Bélgica, formada em 2008. Curiosamente, ainda antes do lançamento do primeiro álbum, passou a contar apenas com um elemento da formação original, o guitarrista David Vandegoor. As suas principais tendências musicais vagueiam por Stoner, Doom, Sludge Metal e Post-Rock. No entanto, em «Somnus», o terceiro álbum da banda, encontramos um som mais psicadélico, enigmático e trabalhado, com muitos pormenores subtis e minimalistas das guitarras rudes de David e Pieter Houben, estabelecendo um excelente contraste com as vocalizações melódicas da Kristien Cools. Em termos musicais destaco os seguintes temas: o de abertura, “Somnia”, que é fabuloso e talvez o melhor do álbum; “Void”, onde surge a voz distorcida do Pieter; “Incubus” apresenta bons contrastes entre as guitarras agressivas e a melodia vocal da Kristien; e, o último tema, “When god comes down”, com mais de nove minutos, tendo por base uma espécie de batimento cardíaco e as guitarras recriam-se em camadas de riffs incessantes e psicadélicos, novamente contrastando com melodiosa voz da Kristien. Nos sonhos ocorrem as mais variadas surpresas, algumas são, certamente, imperdíveis. Deixe-se entrar no sono… [8.5/10] JOAO PAULO MADALENO

STEVE HACKETT

«Under a Mediterranean Sky» (InsideOut Music) É incrível quando se consegue atingir uma perfeita ligação títulos, imagem e sonoridade que compõem um disco 100% instrumental. A localização do varandim ilustrado na capa é denunciada pela referência mediterrânea e a partir daí percebemos que musicalmente poderemos estar na margem sul europeia ou então no quente norte de África. A dimensão e presença geográfica é ainda ampliada pelo uso de instrumentos étnicos, que se juntam à enorme diversidade de harmonias em guitarra acústica que Steve Hackett desenhou para este «Under a Mediterranean Sky». Este trabalho apresenta ainda uma forte componente orquestral, criando momentos altamente cinematográficos, que nos carregam o imaginário com cenários e movimentos de acção bastante ricos, plenos de sabor a mediterrâneo. [8/10] EMANUEL RORIZ

SUR AUSTRU

«Obârsie» (Avantgarde Music) Formados a partir da mais recente encarnação dos lendários Negura Bunget, pouco depois do desaparecimento, em 2017, do seu mentor, Gabriel Mafa (Negru), os Sur Austru são confessos seguidores dos pergaminhos sónicos e temáticos trilhados de forma magistral ao longo de duas décadas pela supra citada lendária banda romena. A música contém evidentemente elementos de sonoridade extrema, mas o que a distingue mais profundamente é a envolvente e constante atmosfera ritualista de comunhão com a natureza, fortemente sugerida pelas sonoridades fascinantes de instrumentos como o bucium (semelhante à trompa alpina), a toaca (tábua suspensa percutida com pequenos martelos), o dulcimer (cimbado de cordas) e a flauta de pã, que surge aqui com especial predominância. Fundamentais são também os cantares entoados no romeno arcaico, cuja fonética exótica nos transporta – em espírito, pelo menos – para as misteriosas florestas da remota Carpátia, povoadas por poderosos Solomonarii, as enigmáticas entidades semi-divinas do folclore local (vide representação artística na capa) que a banda adoptou como tema central deste segundo registo, musicalmente mais folk do que «Meteahna Timpurilor», o álbum de estreia de 2019. A abertura, “Cel din urma”, cativa de imediato com o seu sedutor riff serpenteante pontuado por belos apontamentos de flauta. Pessoalmente, preferia que o resto do disco seguisse de perto esta estética, mas, apesar de não ser este o caso, devo salientar “Caloianul”, pelas extraordinárias vozes e pelo invulgar estilo de composição que deixa a sua marca, assim como o belíssimo instrumental “Codru moma”. Longe de aproximar o assombro de algo dos Negura Bunget, «Obârsie» carrega sem dúvida uma mística que encanta. E pode ser excelente companhia em noites solitárias de confinamento. [6.5/10] ERNESTO MARTINS

THE SCALAR PROCESS

«Coagulative Matter» (Transcending Obscurity Records) Este é um daqueles discos com o condão de seduzir, logo aos primeiros acordes, fãs daquele death metal técnico mais prodigioso personificado por colectivos como os Obscura os Beyond Creation, entre muitos outros. Mas o que é particularmente apelativo na música deste grupo de debutantes gauleses, que têm no virtuoso das seis cordas Eloi Nod o seu principal criativo, é a invulgar ênfase que colocam nos longos e emocionantes leads planantes de guitarra (e ocasionalmente de teclados) que emergem, de forma quase sistemática, por entre a metralha caleidoscópica em constante hiper-speed, perfazendo mesmo, por vezes, (quasi-) instrumentais completos, como é o caso de “Mirror cognition”, “Ouroboros”, entre outros mais. Os segmentos em andamento mais moderado e as transições bem colocadas – em particular – não escondem as qualidades superlativas do baterista Clement Denys (emprestado pelos compatriotas Fractal Universe) ficando também por demais evidentes os maleáveis dotes laríngicos de Mathieu Lefevre cujos rugidos se estendem até ao espectro do black metal. “Cosmic flow” e “Ink shadow”, por exemplo, incluem o suficiente em termos de destreza acrobática instrumental para não defraudar qualquer fã de tech death, isto já para não falar no carrossel progressivo de onze minutos que é o título-tema. O que é aqui menos atractivo é, paradoxalmente, o puro... death metal: as descargas mais brutais soam demasiado indistintas entre si, e com pouco em termos de elementos cativantes que motivem uma re-audição. Apesar disso «Coagulative Matter» não deixa de ser uma convincente mostra de talento de uma banda promissora, que vale a pena manter debaixo de olho. [7/10] ERNESTO MARTINS

THERION

«Leviathan» (Nuclear Blast) Outrora um dos grandes nomes do metal europeu, os Therion, de Christopher Johnsson, acabaram por, ao longo dos anos, se converter numa instituição do metal sinfónico. Longe do som agreste, embora sempre pincelado por apontamentos neoclássicos, umas vezes mais («Lepaca Kliffoth», «Theli»), umas vezes menos («Symphony Masses: Ho Drakon Ho Megas»), que os celebrizou em meados dos anos 90 do passado século, os Therion de hoje são polidos, domesticados e, há que dizê-lo, bocejantes. Nada contra o metal sinfónico em si, e os próprios Therion têm excelentes trabalhos dentro do género («Gothic Kabbalah», por exemplo), mas o problema desta novidade que dá pelo nome de «Leviathan» é um e apenas um: as músicas são quase todas desinspiradas. E quanto a isto, não há volta a dar. Christopher Johnsson está com dificuldades em reinventar-se e voltar a dotar os Therion daquela sonoridade dinâmica que os caracterizava quer quando ainda praticavam death metal quer quando derivaram para o metal sinfónico e neoclássico. A banda está numa espiral descendente e não é com lançamentos destes que irá redimir-se, infelizmente. Estamos no início de 2021 e talvez já esteja encontrada uma das grandes decepções do ano. Soporífero e sem grandes motivos de interesse, eis como se pode resumir o tempo dispensado a escutar este disco. Se o triplo álbum «Beloved Antichrist» já tinha deixado má impressão, com «Leviathan» os Therion afundam-se mais no pântano da falta de inspiração. [5/10] HELDER MENDES

TRIBULATION

«Where The Gloom Becomes Sound» (Century Media Records) O quarteto está de regresso, com aquele que é o seu quinto registo de originais de uma carreira iniciada em 2004. Senhores de uma carreira de respeito e cujo trajecto fala por si e não vale estar a falar de discos como «Down Below» ou «The Children of the Night». «Where the Gloom Becomes Sound» é, porventura, o registo mais ambicioso da banda que encontra na mística e na força dos elementos a força que lhes permite caminhar por florestas tenebrosas entre um nevoeiro denso que, tantas vezes, se dispersa no horizonte. Há o incenso de bandas como Sopor Aeternus mas há, sobretudo, um aprimorar de uma fórmula que irá permitir ao quarteto agradar a velhos e novos seguidores. Com uma produção de excelência e com temas fortes (“In Rememberance” ou “Inanna”) que não se esgotam numa primeira, ou mesmo segunda audição. Sem nada a recear o quarteto continua o seu caminho, e esse caminho é tragicamente sedutor. [8.5/10] NUNO C. LOPES

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