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Nem tudo era verdade
Nada brincou tanto de misturar o real e o fictício quanto as antigas radionovelas, portadoras de um fascínio misterioso capaz de fazer o ouvinte confundir o que era real com o que não era. No rádio, um punhado de grãos de arroz despejado sobre uma folha de jornal era chuva. O papel celofane amassado bem próximo ao microfone era incêndio. O ruído dos lábios em contato com a palma da mão era beijo. Locutor era galã, mesmo que a voz grave e pausada nem de longe permitisse supor ali um sujeito barrigudo, às vezes careca... Entre o final dos anos 1950 e o começo dos anos 1960, os rio-pretenses se deixaram enlevar por essa doce combinação de situações melodramáticas e efeitos sonoros convincentes. A rádio Difusora, mais tarde cassada pelo governo militar, notabilizou-se pela produção de memoráveis radionovelas, transmitidas ao vivo de seu auditório, na Bernardino. A maioria das histórias radiofonizadas era escrita aqui mesmo, por um autor cuja vida, em si, já era uma novela: Lisbino Pinto da Costa, que chegou a Rio Preto para cumprir pena
Reprodução/Arquivo Público de São José do Rio Preto
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Foto publicada no jornal A Notícia, edição de 12 de novembro de 1960, que anunciava o lançamento da radionovela A Estrela de um Condenado, de autoria de Lisbino Pinto da Costa (último à direita), estrelada por César Muanis e Marina Montez
no IPA pela morte da mulher. Livre de lá, tornou-se diretor artístico da Difusora e até foi eleito vereador de Rio Preto entre 1964 e 1968. Os contemporâneos referem-se a ele como “um gênio”, alguém que teria chegado a noveleiro global, se não tivesse morrido em acidente automobilístico na BR-153. Em uma época em que a criatividade era severamente subjugada pelos modestos recursos radiofônicos, a ousadia tornou-se uma marca desses pioneiros. Em agosto de 1962, o último capítulo da radionovela Em Cada Coração, uma Esperança – estrelada por nomes como Hitler Fett, Daura Scaramboni, Neusa Silva e pelo próprio Lisbino – foi transmitido ao vivo diretamente do alpendre da casa da ouvinte Ida Barros, na Vila Ercília, como prêmio de um concurso promovido pela emissora entre aqueles que acertassem o final da trama. Uma multidão tomou conta da rua em frente à casa da ouvinte para conhecer seus ídolos sem rosto. As radionovelas da Difusora iam ao ar à noite, entre 20h30 e 21h. Quando não escrevia, Lisbino produzia e dirigia, como no caso de Ben-Hur, patrocinada pelo Pastifício Rio Preto. Ben-Hur era interpretado por César Muanis.