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Sexta-feira Santa ao vivo

Já houve tempo, acredite, em que feriados como o da Sexta-Feira da Paixão eram realmente “dias de guarda”. Como durante muito tempo a igreja recomendava a seus fiéis que sequer ligassem o rádio, muitas emissoras nem entravam no ar nesse dia, enquanto outras apresentavam uma programação de música sacra. A Rádio Rio Preto PRB-8, por sua vez, programava todo ano a dramatização da Paixão de Cristo ao vivo, direto de seus estúdios na Boa Vista. A radiofonização durava horas. Os principais papéis eram destinados, é claro, aos locutores experientes, mas uma história com tantos personagens requeria o envolvimento de todos os funcionários da emissora, dos operadores de som às meninas do escritório e da portaria. Porém, para essas pessoas sem tanta familiaridade com o microfone, a tarefa de recitar ao vivo mesmo uma pequena fala, às vezes uma única frase, transformava-se em alguma coisa próxima do suplício. Se o tarimbado Alexandre Macedo, o intérprete de Cristo, nem ao menos se preocupava em passar os olhos pelo texto antes de entrar

no estúdio, os funcionários de outras áreas improvisados como atores passavam alguns dias antes da Sexta-Feira Santa lendo, relendo e interpretando suas falas. Ao sonoplasta Rudger Moreira, o “Gim”, foi dada a incumbência de interpretar José de Arimateia, o membro do supremo tribunal judaico que pede a Pilatos o corpo de Jesus para colocá-lo em um sepulcro nos jardins de sua propriedade, em uma esplanada do Gólgota. Gim, pessoa humilde, avessa ao microfone, levou a sério a tarefa de memorizar a única fala que lhe cabia no drama, uma resposta objetiva a Pôncio Pilatos: — Eu sou José de Arimateia, membro do alto Sinédrio! Ele foi visto, dia após dia, repetindo a frase pelos corredores da PRB-8, até que chegou o grande dia. Dizem que, suando frio e trêmulo de nervosismo, entrou no estúdio e esperou sua vez de falar. Repetia mentalmente a frase, não ia ter erro. E então... — Quem és tu? — Indaga Pilatos. — ... — Não ouvi — insiste o locutor experiente, fazendo sinais com as mãos e com a cabeça para que seu interlocutor desembuchasse. — Hein? — Voltou a perguntar, já sem muita paciência. Olhos esbugalhados, boca seca, olhar fixo no infinito, e então Arimateia finalmente tenta balbuciar alguma coisa, mas não consegue lembrar-se da frase. Deu branco. - Xiiiiiiiiii, esqueci. É Zé alguma coisa, mas eu não lembro...

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