Caderno do Festival de Cinema de Vitória - Homenageada Nacional - Bete Mendes

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Bete Mendes 21 HOMENAGEADA NACIONAL

Ministério do Turismo, Secretaria da Cultura e EDP apresentam

Bete Mendes Homenageada Nacional Vitória - ES, setembro de 2022

A atriz Bete Mendes é uma pessoa cuja intensidade dos vínculos afetivos é uma de suas marcas pessoais mais evidentes. Por isso, mergulhar em sua trajetó ria artística é também uma forma de atravessar por todas essas relações mantidas amorosamente por ela ao longo do tempo. Seja nos palcos, seja diante das câmeras

ou em sua ação militante, ela sempre cultivou parcerias e amizades com muito cui dado e zelo - característica que torna intangível qualquer medida de sua relevância para a história brasileira.

Uma das personalidades mais importantes para as artes cênicas e para o audiovi sual no Brasil, a atriz Bete Mendes teve participação central em diversos momen tos da produção cultural brasileira ao longo dos seus mais de 50 anos de carreira. Em seu currículo, somam-se 80 trabalhos no cinema, na televisão e no teatro, nos quais contracenou com outros importantes nomes da nossa dramaturgia.

Paulista da cidade de Santos, Bete Mendes, como muitos artistas da cena, iniciou sua carreira no teatro. No mesmo ano em que se destacava na peça A Cozinha (1968), com direção de Antunes Filho, estreou na Rede Tupi na novela Beto Rock feller, um marco na teledramaturgia brasileira. Entrou para a TV Globo em 1974, em O Rebu, de Bráulio Pedroso, e na emissora participou de importantes produ ções teledramatúrgicas, como Tieta (1989/1990), Anos Rebeldes (1992), O Rei do Gado (1996/1997), A Casa das Sete Mulheres (2003) e o Sítio do Picapau Amarelo (2007), entre muitas outras. Também participou de trabalhos nas emissoras Rede Manchete, Rede Bandeirantes, TV Cultura e SBT.

No cinema, constam 13 trabalhos em que foi dirigida por diretores relevantes do cinema brasileiro. Um de seus momentos mais marcantes é, sem dúvidas, sua par ticipação no filme Eles Não Usam Black-Tie (1981), de Leon Hirszman, adaptação do texto de Gianfrancesco Guarnieri. Também fazem parte de sua contribuição para o cinema brasileiro os filmes As Delícias da Vida (1974), de Maurício Rittner, um dos primeiros trabalhos da atriz nas telonas, realizado ao lado de Vera Fischer, Brasília 18% (2006), de Nelson Pereira dos Santos, e Introdução à Música do Sangue (2017), de Luiz Carlos Lacerda.

Aguerrida em tudo que faz, Bete Mendes também tem uma relevante atuação na política desde os anos 1970, quando lutou contra a ditadura militar, e nas décadas seguintes, quando atuou como parlamentar no Congresso Nacional, inclusive du rante a Constituinte. Paralelamente à carreira artística, também foi Secretária da Cultura do Estado de São Paulo e presidente da Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro, sempre em defesa da cultura e dos trabalhadores da cultura no país.

É uma grande satisfação para o Festival de Cinema de Vitória, em sua 29ª edição, homenagear essa grande mulher e atriz, uma verdadeira personificação do talento e da resistência da produção cultural brasileira!

Lucia Caus - Diretora do 29º Festival de Cinema de Vitória

Sumário Apresentação · 07

A menina que se inventou artista · 11

De guerrilheira a parlamentar pela redemocratização do país · 17

Uma atriz pronta · 33

Operária da televisão · 39

Um cinema de encontros · 54

Trabalhos · 65

Depoimentos · 79

Legendas e créditos das imagens · 82

Apresentação

Pequena ode de um fã à musa Bete Mendes, minha amada amantíssima

Meu primeiro encontro com a atriz Bete Mendes se deu há mais de uma década no Festival Guarnicê de Cinema de São Luís-MA. Diante de uma mulher por quem tinha profunda admiração e res peito, fugiu-me a coragem de tentar uma aproximação para declarar todo o meu afeto. Com uma câmera Nikon analógica, fiz algumas fo tos mantendo um certo distanciamento, temendo o olhar cuidadoso de Marcão, companheiro de Bete. Os astros tramaram ao meu favor e eis que, através de amigos em comum, estávamos todos sempre à mesa dos botecos ludovicenses.

Nasceu, assim, uma grande amizade que se prolonga até hoje. Com raras idas minhas ao Rio e vindas de Bete à capital da Paraíba, onde escolhi viver com os demais Lira, mantivemos contato frequente. Bete entrou em definitivo para a família. Conhece toda a “Lirolândia” (como os amigos nos chamam, inclusive ela), sempre perguntando por cada um nas nossas conversas. A relação de Bete com a Paraíba se estreitou a partir desses vínculos. Mais amigos paraibanos foram se agregando a essa rede de afetos: Heleno Bernardo, Corrinha Men des (in memorian) e a família Mendes, Marcus Vilar, Ana Sofia Maia e Sandra Elorza, entre outros.

Minha admiração profissional por Bete Mendes, a musa “amada amantíssima”, se deu com o filme de Leon Hirszman Eles Não Usam Black-Tie (1981). Antes explico o porquê de chamá-la “amada aman tíssima”. Foi um retorno ao carinho expresso nas suas falas, sempre iniciando nossas conversas com “Bertrand, amado amantíssimo”, um afago e tanto. Voltando ao filme, cuja estreia se deu dois anos de pois da minha entrada na universidade no curso de Jornalismo e dois anos do início da “lenta e gradual” abertura política no país, ocasião em que tive conhecimento dos horrores da Ditadura Militar no país.

Jovem de Cajazeiras-PB, 22 anos, “inocente puro e besta” e crente que “este é um país que vai pra frente” e no “Ame-o ou deixe-o” da ditadura fascista, fiquei impactado com o filme de Hirszman e com

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as figuras dos belos protagonistas (Bete Mendes e Carlos Alberto Riccelli) nos papéis de Maria e Tião. Todavia, foi a trama e o Brasil que estavam na tela que me atordoaram. Maria é uma mulher forte e de forte consciência política do seu corpo e do seu papel nas incon táveis peças da engrenagem desse sistema opressor. Um contraponto perfeito ao belo e alienado Tião. Baseado na peça de Gianfrancesco Guarnieri escrita em 1958, Guarnieri é o líder sindical Otávio, pai de Tião, e corroteirista com Hirszman. Eles Não Usam Black-Tie teve forte impacto no Brasil da abertura política e representou o país no Festival Internacional de Cinema de Veneza, onde recebeu o Prêmio Especial do Júri, o segundo mais importante concedido pelo festival. Bete Mendes já era atriz consagrada pela novela Beto Rockfeller (19681969), da qual tenho vaga lembrança – não tínhamos aparelho de TV em Cajazeiras, ainda um artigo de luxo para pouquíssimos –, e por O Rebu (1974-1975). Sua beleza estonteante povoava o imaginário e o sonho masculino e feminino da época. Também pelo mesmo motivo não assisti a o Meu Pé de Laranja Lima, como muitas crianças em 1970 e 1971, exibida pela TV Tupi. Eles Não Usam Black-Tie foi o tema da minha tímida abordagem a Bete em São Luís. Acredito que ela tenha ficado impressionada pelo fato de eu não ter iniciado nossa conversa falando sobre as novelas de grande repercussão, mas de um filme muito mais difundido entre os cinéfilos.

A sensibilidade de Bete está à flor da pele. Presenciei algumas vezes sua emoção aflorar. A primeira vez ainda no prelúdio de nossa ami zade num passeio a São José de Ribamar, terceiro município mais populoso do Maranhão. Uma mulher que mendigava, provavelmente reconhecendo a Donana do Araguaia de O Rei do Gado, ofereceu um dos seus filhos para ela criar, sonhando com uma vida digna para a criança. Bete se desmanchou em lágrimas, comovendo a todos nós. A segunda vez aconteceu em Paris, de frente à catedral de Notre Dame. Ela realizava um sonho acalentado há anos de conhecer a cidade. Or ganizamos uma viagem entre amigos e viajamos em maio de 2008. A razão de sua comoção é que a ativista política e cultural se exilaria na França se não fosse pega pelo aparelho repressor da Ditadura Militar.

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O horror daqueles anos de chumbo Bete sentiu literalmente na pele, com sessões de tortura intermináveis. Bete Mendes foi desumana mente sequestrada, presa e torturada no DOI-CODI, em 1970, no paroxístico momento de recrudescimento da Ditadura no Brasil. O famigerado Brilhante Ustra era expertise no terror. É doloroso falar disso, todavia necessário reavivar nossa memória num país onde um capitão covarde e sádico enaltece facínoras e um regime brutal. Um fato excruciante na vida da atriz foi o encontro com seu algoz num evento oficial na embaixada do Brasil em Montevidéu em 1985, mo mento de distensão e transição do regime militar. O ignóbil Ustra, torturador também de crianças, adido militar do governo Sarney no Uruguai, estava presente no mesmo evento onde Bete Mendes, en quanto deputada federal pelo Rio de Janeiro, era integrante oficial da comitiva. A repercussão negativa foi tamanha, demonstrando que essa ferida aberta jamais cicatrizaria.

A amada amantíssima Bete Mendes, muito maior do que seus algo zes, figura orgulhosamente na história desses tristes trópicos. Eles, ao contrário, estão na lata de lixo envergonhando as presentes e fu turas gerações. Diferente deles, Bete é humana, talentosa, admirada e amada por quem a conhece tanto como figura pública (atriz de teatro, cinema e televisão, deputada federal, secretária de estado de cultura de São Paulo e presidente da Fundação de Artes do Rio de Janeiro) como mulher de caráter, amiga, companheira e irmã. Dor mirá, sempre tranquila, o sono dos justos, quer por suas qualidades nobres de ser humano, quer por sua militância política na defesa de valores como justiça, democracia, igualdade social, racial e de gênero que sua prática cidadã e cotidiana tão bem atesta. Mais do que orgu lho, sinto-me gratificado de desfrutar de sua amizade amorosa.

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Bertrand Lira, cineasta e professor

A menina que se inventou artista

Nascida em Santos (SP) em 11 de maio de 1949, Elisabete Mendes de Oliveira é filha de militar com dona de casa, criada em um modo de vida simples, informal e praiano. Seu pai, Osmar Pires de Oliveira, era suboficial da Aeronáutica, embora nunca tenha sido para Bete um pai autoritário, mas sim um homem gentil com quem ela construiu uma relação de parceria. Passou para a filha inspirações como a paixão por cinema e música, por Frank Sinatra e Bing Crosby, além de ter sido um pé de valsa que cultivou com a filha momentos alegres de quando dançavam juntos. A mãe, a dona de casa Maria Mendes de Oliveira, legou a Bete inspirações como o fascínio por Elvis Presley, o amor pelo samba, o jeito alegre e festivo. E deixou boas memórias de infância, como a dedicação à natação e o hábito de ir à praia, inspirando a filha a cultivar uma relação profunda e terapêutica com o mar desde cedo.

Entre diversas referências e hábitos herdados de cada um, Bete relembra seus pais com afeto, pelas inspirações e oportunidades que potencializaram sua criatividade e curiosidade pela arte e pela vida desde cedo. Como lembra a atriz: “Tenho a impressão de que foi a curiosidade e o bom senso da minha mãe e do meu pai que me botaram para aprender a ler muito cedo, que me levaram à paixão pelos livros. Desde pequena, ficava atazanando meus pais, querendo saber o que era isso e o que era aquilo”. 1

A infância de Bete Mendes reúne vivências e aprendizados entre dois mundos distintos que compõem sua família. De um lado, o mundo simples e rústico de sua família materna, que descendia de indígenas Guarani. E de outro lado, o mundo sofisticado da família paterna, de ascendência portuguesa e francesa. Por parte de sua “avó índia”, como ela a chama carinhosamente, Bete passou uma infância perfumada pelos aromas das receitas caseiras e naturais, das árvores frutíferas no quintal, dos chás de ervas que curavam todos os males, que vinham da sabedoria e das raízes indígenas 1“Bete Mendes: o Cão e a Rosa”, de Rogério Menezes (Coleção Aplausos, 2004, p. 27).

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da avó. Com ela, a atriz vivia comendo frutas do pé, ou fascinada nas histórias, nas fábulas e nos contos mágicos transmitidos de geração em geração. Já do lado paterno, cultivou uma relação com a madrinha Jacira, tia do seu pai, que encantava a sobrinha com a atmosfera nobre e culta, cheia de livros, mesa posta e decorada com delicadeza, o comportamento doce e requintado que impressionava a menina Bete – que vinha da família simples e praiana para visitar os tios paternos em São Paulo.

Mesmo criada em uma família na qual nenhum parente tinha a arte como ofício, a identificação da Bete criança com o mundo artístico foi um impulso natural, orgânico e repentino. O gosto pelo mundo artístico floresceu muito cedo nela. Uma das primeiras paixões que surgiram espontaneamente foi a leitura, que já fisgava Bete por volta de três anos e meio de idade, iniciada nos jornais e depois ávida por uma variedade de gêneros literários. Em seguida, aos cinco anos de idade, ela se percebeu apaixonada pela música. Ao acompanhar seu pai nas idas ao cinema, inspirada pelo gosto dele por cinema norteamericano, Bete foi desenvolvendo seu fascínio musical a partir de trilhas de filmes como Lili, musical estadunidense de 1953. Ao mesmo tempo, dedicava-se ao canto em todas as oportunidades que podia, nas paradas do Sete de Setembro, nos eventos da escola e em todos os corais para os quais era chamada.

Ao longo de seu crescimento, a carreira da jovem no canto se estendeu e se somou a mais uma linguagem artística que fisgou a menina Bete: seu encontro com o teatro. A iniciação nas artes cênicas veio também de forma orgânica, a partir do colégio primário. “Quando fui para o colégio, no chamado primário na época, nós fazíamos encenações teatrais. Eu já comecei um aprendizado cênico sem saber, porque eu era uma aluna aplicada, era muito serelepe e participava de tudo, dos jogos, das festas. Havia muitas festas e nós fazíamos encenações.”

A pequena Bete também aprofundou-se ainda mais no canto através de suas aulas de Canto Orfeônico na escola, disciplina que foi implantada como obrigatória nas escolas de ensino regular

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brasileiras por volta da década de 1930, por meio de um projeto de educação musical do músico Heitor Villa-Lobos durante sua atuação no governo de Getúlio Vargas, na Superintendência de Educação Musical e Artística. Esse marco histórico da importância da música na educação básica foi vivenciado com alegria por Bete Mendes, que aproveitava as aulas para desenvolver seu talento e envolver cada vez mais pessoas por meio da arte – assim como Orfeu, personagem músico da mitologia grega que inspirou o nome da disciplina, que encantava animais e pessoas com seu cantar.

“Villa-Lobos conseguiu colocar o Canto Orfeônico nas escolas, e isso era genial. Nas aulas de Canto Orfeônico, nós desenvolvíamos não apenas a voz, mas a colocação da voz. E também os rapazes, que eram mais tímidos do que nós, acabavam se abrindo para o cantar, então isso era muito bacana. E a gente cantava peças maravilhosas, desde os clássicos até o jazz, passando pela música erudita brasileira, então isso era muito importante na minha formação. Tínhamos vários espetáculos maravilhosos”, conta a atriz.

A partir daí, o teatro tornou-se parte fundamental da sua vida. Em 1960, sua família se mudou para o Rio de Janeiro, e ela ingressou no Colégio Mendes de Morais para cursar o ginásio. Esse período foi um marco na vida de Elisabete pelo encantamento e desenvolvimento no teatro. Começou a fazer parte do grupo teatral criado pela professora de História, Regina Carvalhal, que também contava com futuros atores, como Ângela Leal, Miguel Falabella e Bemvindo Sequeira. Assim, Bete foi atravessada pelo teatro, de modo que frequentava bibliotecas e acervos emprestados de amigos para devorar livros de diversas peças teatrais clássicas e fundamentais na história das artes cênicas. Aos doze anos, já lia Dostoiévski e Tolstói, além de todas as tragédias gregas.

Por volta de seus 14 anos, escreveu sua primeira peça teatral para o Dia das Mães no colégio: “Eu já era tão ousada que escrevi uma peça para uma comemoração do Dia das Mães do colégio. Eu fazia o texto, era protagonista, fazia tudo na peça. Tinha coleguinhas que interpretavam comigo e fazíamos o espetáculo. Tínhamos vários

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espetáculos maravilhosos”. A peça trazia inspirações de Bete em sua própria história, com memórias afetivas da história de sua mãe e de sua avó materna, a quem tanto admirava.

Outro momento marcante do seu potencial no teatro, quando ainda era adolescente, ocorreu quando foi escolhida para protagonizar o papel do Pequeno Príncipe, baseado na renomada obra de SaintExupéry, no mesmo grupo teatral do colégio. A seleção para o papel feita pela professora Regina Carvalhal foi para Bete um reconhecimento inesperado, pois acreditava que o papel seria dado a uma amiga loira dos olhos verdes, mas foi ela a selecionada pela professora por conta do jeito ‘moleque’ com que a atriz interpretava o menino principal da peça.

De volta para Santos (SP) por conta de uma nova transferência do trabalho de seu pai, passou a atuar no teatro infantil fora do colégio. “Minha primeira experiência em teatro infantil foi uma peça de um autor santista, Oscar Von Pfuhl, que era A Árvore que Andava, eu fazia a coelhinha Naná. Era maravilhoso, a gente adorava o público, adorava tudo, e era uma experiência que já estava me ganhando”, conta a atriz.

Essa experiência se somava a uma vida ativa e movimentada, que se dividia entre dias de praia, idas a diversas peças de teatro e mostras de cinema, e vários programas junto aos jovens intelectuais de Santos. A jovem vivia engajada em atividades escolares para as quais se dedicava ativamente, envolvida no grupo teatral do colégio, em grupos de festas e no grêmio estudantil. Nesse período, cursando o Clássico – etapa colegial anterior à reforma que instituiu o Ensino Médio no Brasil –, Bete também já havia começado a trabalhar. Para juntar seus trocados, atuou como secretária de um advogado e dedicava o tempo ocioso no escritório para a leitura e a manutenção de livros antigos. Em seguida, cursou datilografia e atuou como datilógrafa no Sindicato dos Motoristas em Guindastes do Porto de Santos.

Em meio ao seu terceiro ano Clássico, a separação dos pais gerou nela o impulso de se mudar para São Paulo. Ela, que sempre se

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comportou com certa autonomia e gostava de ser “dona do próprio nariz”, foi para a capital paulista em 1967 em busca de independência e de finalmente viver por conta própria. Com isso, foi transferida para o Colégio de Aplicação, ligado à Universidade de São Paulo (USP), na época um dos melhores colégios do estado.

A própria Bete buscou contato com o diretor para solicitar uma vaga na concorrida instituição. No colégio, Bete alavancou sua experiência no teatro e em diversas mobilizações, debates e atividades, fortalecendo o potencial questionador e criativo que já pulsava na atriz. “No Colégio de Aplicação, nós fazíamos roda na classe. Em vez de as cadeiras ficarem enfileiradas, fazíamos um círculo e recebíamos autores e diretores teatrais para debate sobre peças.” Num desses debates, o encontro com o diretor teatral Ademar Guerra, convidado para a atividade escolar, marcou a trajetória de Bete. De tanto que a jovem ia ao teatro assistir à peça dirigida por Guerra, seu rosto foi para ele familiar, o que levou a uma conversa com desdobramentos imprevisíveis: a partir dali, Bete foi convidada para o teste de um papel em A Cozinha, de Arnold Wesker, para o qual ela foi selecionada, e teve sua primeira oportunidade como atriz profissional.

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De guerrilheira a parlamentar pela redemocratização do país

Além do fazer artístico que florescia da personalidade inventiva de Bete, também se manifestou o seu engajamento político, que se deu a partir de sua forma de olhar o mundo e de entender as relações, como lembra ela: “Antes de ser atriz, eu já tinha começado na política ainda estudante, então eu tive essa consciência, que chamo de cidadania, de poder participar desde o colégio”.

A partir dessa premissa que guiou seus feitos ao longo da vida, a atriz e militante acredita na política em todo o sentido amplo desta palavra, que vai muito além apenas do significado partidário e está ligada à valorização da consciência cidadã, ao bem-estar social, ao diálogo e ao afeto nas interações sociais. Assim, ela carrega consigo o que chama de “compreensão cultural da política”, que ela traduz da seguinte forma: “É a gente sair e dar bom dia para quem a gente encontra, por exemplo, o porteiro do prédio, o vendedor de quem você compra o seu pão, o seu leite, a pessoa que te atende todos os dias. As pessoas perderam esse hábito que eu acho cultural da maior importância. Você dizer ‘bom dia’, você falar com gentileza com as pessoas. Eu tenho tido muitos exemplos dessa gentileza, porque nós temos essa gentileza dentro da gente. Mas nós temos, lamentavelmente, fortalecido ainda o discurso da violência, e o discurso da violência não é só comprar armas e matar, o que já é terrível, mas também é as pessoas se agredirem, é as pessoas não terem um olhar afetivo sobre o outro”.

Ao mesmo tempo que sempre se relacionou com afeto, doçura e cuidado com todos à sua volta, Bete também sempre fez questão de saber dos ‘porquês’, de debater e argumentar diante de diversas injustiças que cruzavam seu caminho. Antes de se tornar ativista pelos direitos sociais, sua vontade de reivindicar a verdade e a igualdade foi expressa em diversas circunstâncias. Sua infância e adolescência foram marcadas por discussões que anunciavam a futura militante, lutando por justiça e igualdade.

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Num desses episódios, ela entrou em defesa de uma amiga que lhe pediu cola em uma prova escolar. Apesar de não ter passado as respostas, sua amiga foi acusada por outra colega para o professor, que ameaçou punir a amiga dela e também a turma inteira pela confusão causada. Bete, então, iniciou uma discussão cheia de argumentos contra a delação estimulada pelo professor. “O senhor não pode estimular uma acusação, uma delação, como o senhor está fazendo”, dizia a jovem, furiosa. A resistência de Bete à atitude do professor foi escutada e surtiu efeito: na sala da diretoria, a diretora compreendeu a situação e apontou o exagero que fora causado pelo docente, advertindo-o para que aquilo não se repetisse. Apesar disso, a turma de Bete se voltou contra ela, pelo constrangimento que causara à colega que acusou sua amiga. “Tenho um pouco de medo disso, dessa minha necessidade de ir fundo na verdade, de ir fundo na verdade com uma dureza muito grande. Acho que, naquele dia que apavorei a garota que dedurou a colega, talvez tenha sido muito violenta na defesa de minha posição”2, lembra ela.

Outro episódio semelhante, no período em que Bete estudava no Colégio Mendes de Morais, no Rio de Janeiro, foi quando a jovem presenciou uma grave situação de preconceito racial, que a fez se posicionar fortemente contra a discriminação e em defesa da amiga que fora vítima de racismo. Sua amiga Josilda, uma menina negra e pobre, foi proibida de entrar pela porta da frente na casa de outras colegas de turma, simplesmente pelo fato de ser negra. Revoltada com a situação, Bete esbravejou: “Aquela pessoa que não pode entrar pela porta da frente é a pessoa que mais amo no mundo. Vou tomar banho com ela, vou dormir com ela na minha cama, vou lhe dar de comer na boca. Essa pessoa que está ultrajando a minha amiga não merece nem olhar pra minha cara, nem olhar pra cara da minha amiga, e que a gente nunca mais vai voltar nessa casa, nem quero ver a cara dessa pessoa, e que essa pessoa não merece respeito porque está destratando um ser humano”. Em seguida, a atriz rompeu com a colega responsável pela discriminação.

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2 Ibidem, p. 48
“Nós, artistas, trabalhamos em conjunto com milhares de outros artistas e de outros profissionais, as figurinistas, as costureiras, as cenografistas, os técnicos, o pessoal da manutenção, todo mundo está trabalhando artisticamente, e a gente não pode ser tolhido de dar a opinião política.”

De volta a Santos, cursando o Ginásio no Colégio Canadá, a jovem Elisabete já chamava a atenção de colegas de classe por sua disposição e desenvoltura para as lutas políticas no movimento estudantil: um desses colegas admirados com a militância precoce dela era Ney Latorraca, também santista. “O Ney, querido amigo com quem eu fiz Introdução à Música do Sangue, do maravilhoso Luís Carlos Lacerda, falava assim em forma de piada: ‘Bete era uma ditadora desde novinha, enquanto eu tava querendo brilhar, usar plumas e paetês, ela tava fazendo o grêmio do colégio’”. Assim, suas incursões políticas se iniciaram desde cedo e tornaram-se mais intensas na adolescência no Colégio de Aplicação, numa época em que o Golpe Militar já havia ocorrido em 1964. Diversos setores da sociedade já se mobilizavam contra o militarismo e a repressão, inclusive educadores progressistas que inspiravam Bete e que também já sofriam com a perseguição política dos militares. Diante da crescente repressão policial que restringia diversos direitos sociais e políticos, Bete Mendes, já com uma formação e vivência intelectual, política e cultural voltada para a luta por igualdade social, dedicava-se cada vez mais à guerrilha e à resistência contra a violência e a censura militar que se alastravam pelo país. Ao entrar para a peça A Cozinha, Bete também enfrentou a precarização de sua profissão, e o jeito questionador novamente se fez presente quando a jovem se deparou com um salário baixo pago pelo espetáculo. “Eu já era muito estudiosa, conseguia conciliar o trabalho teatral com a preparação para a USP. E daí a dona Bete já era briguenta, porque pedi aumento e o Antunes [diretor da peça] não queria me dar aumento. Acabei tendo uma briga severa com ele e ganhei o primeiro aumento, que era de 10%, mas foram fundamentais porque eu pagava pensão, condução, refeições etc.”

Com o desejo de cursar Sociologia, em meio à rotina árdua e às dificuldades financeiras, Bete estudou incansavelmente para conquistar uma bolsa integral em um curso de pré-vestibular para tentar uma vaga na Universidade de São Paulo (USP). Assim, a vida múltipla se tornou ainda mais intensa, anunciando a variedade de papéis com os quais ela se envolveria cada vez mais: passou a ser a estudante pré-vestibulanda, a atriz iniciante e a ativista política – tudo isso atravessando as dificuldades

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financeiras e de moradia no centro da capital paulista. Com o sucesso da peça A Cozinha, foi convidada para fazer uma temporada teatral no Rio de Janeiro, mas precisou sair da peça para prestar vestibular na USP, sua única opção, já que não poderia arcar com faculdades pagas. Com apenas 18 anos, Bete se desdobrava entre muitos turnos e funções, com os propósitos de conquistar seus próprios sonhos e de alcançar o sonho coletivo de um Brasil democrático.

Ao ingressar no curso de Ciências Sociais da USP em 1969, Bete já atuava em novelas e sua rotina tornou-se ainda mais intensa. Era uma “maratona absurda”, como lembra ela. A rotina diária se resumia em expedientes de gravação na TV durante o dia todo; depois, corria para pegar duas conduções de ônibus para chegar às aulas do curso noturno na USP; e ainda conciliava tudo isso com as reuniões e mobilizações da militância política. “As gravações eram intensas e os horários não existiam. Eu perdia muitas aulas e continuava fazendo a novela. Então era uma barafunda muito doida. Como se não bastasse, eu, que já estava em todos os protestos contra a ditadura, contra a censura, contra os militares, me aliei a uma organização revolucionária, a VAR-Palmares, e era estudante, atriz e guerrilheira, tudo junto – era uma confusão geral.”

Assim, ao mesmo tempo em que levava a vida de atriz de televisão, Bete enfrentava dias e noites não dormidas, em manifestações contra a ditadura, fugindo da polícia e driblando a perseguição militar. Seu ingresso na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VARPalmares), organização de esquerda dedicada à guerrilha armada no combate à ditadura militar, deu-se no mesmo ano de 1969. Com isso, a atriz passou a levar um comportamento extremamente discreto e cuidadoso para que não chamasse a atenção dos militares, correndo o risco ainda maior por já ser relativamente conhecida na televisão, o que aumentava as chances de denúncia contra ela e arriscava a segurança de todos os integrantes da organização. Na medida em que a fama foi chegando, inesperadamente, ela já não podia mais fazer parte do movimento estudantil nem participar de manifestações na faculdade. A estratégia para não ser pega a fez adotar o codinome Rosa, em homenagem à filósofa e economista marxista Rosa Luxemburgo.

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A luta armada de enfrentamento contra a ditadura se intensificou com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que ordenou o fechamento do Congresso Nacional, das instituições e dos aparelhos democráticos do país, consolidando a censura e a tortura como práticas recorrentes da repressão militar. Esse momento histórico em que Bete lutou ativamente por resistência ficou marcado na sua memória como um momento de dor e violência sem precedentes: “Naquela época em que eu estava vivendo, havia sido decretado o AI-5, que era um ato institucional que proibia tudo, tudo! Ninguém podia conversar na rua nem nada, a gente tinha que conversar meio escondido, fazer as coisas meio escondido. Hoje a gente tem a liberdade graças às lutas que foram feitas e à Constituição cidadã de 1988”. Os colegas de televisão de Bete não imaginavam seu lado guerrilheiro, já que a atriz fazia questão de não expor essa parte de sua vida para que não colocasse ninguém em risco. Como lembra, ela jamais tentou atrair qualquer colega para a organização guerrilheira, nem mesmo partilhar qualquer detalhe sobre sua atuação na militância. Assim, foi de forma inesperada que chegou nos bastidores da TV a notícia de que ela havia sido presa, em 1970, em meio à gravação da novela Super Plá, da Rede Tupi. Como lembra a atriz, as reações diante de sua prisão foram de surpresa, por não imaginarem que a Bete ‘gracinha’ era também associada a uma ‘terrorista’ – alcunha dada a diversas pessoas tidas como opositoras do governo militar na época, ainda que não necessariamente praticassem atos violentos.

Essa foi sua primeira prisão pela repressão militar, em que foi detida como suspeita após ter encontrado um conhecido que era infiltrado da repressão militar no movimento estudantil da USP. A atriz passou por quatro dias de tortura psicológica em uma solitária, com interrogatórios repletos de diversas ameaças, sem poder comer e quase sem beber água, dentro do Departamento de Operações Internas — Centro de Operações para a Defesa Interna (DOI-CODI) de São Paulo. “Eu fui presa como suspeita e fiquei quatro dias no DOI-CODI, que na época era operação Bandeirantes, e que era ligado ao Segundo Exército em São Paulo. Não me torturaram fisicamente, mas me deixaram quatro dias na solitária.”

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Após a prisão, o retorno de Bete para a TV levou a pressões dos chefes, temendo que a atriz estivesse envolvida em qualquer movimentação que pudesse colocar em risco a empresa. Ameaçada, a atriz não tinha qualquer pessoa íntima com quem pudesse compartilhar o que estava passando e continuou disciplinada para que sua vida dupla não fosse descoberta. Posteriormente, após ter presenciado de longe a prisão de um companheiro de sua organização em São Paulo, ela sentiu que seria presa novamente. Sabendo desse risco, a atriz passou a se preparar rapidamente, e de todas as maneiras que podia, para fugir do país.

Compartilhou o que estava acontecendo com seus pais, irmão e alguns colegas. Entre eles, o diretor de novelas Walter Avancini, que havia dirigido a novela Super Plá e já era grande amigo. Ele lhe deu um grande apoio financeiro, a partir da coleta de ajudas de diversos amigos da televisão, para que ela pudesse fugir por terra, diante do risco do controle militar nos aeroportos. No entanto, antes que Bete pudesse fugir, foi detida e passou um mês intensamente doloroso, em que foi vítima de tortura brutal pelos militares. “Eu estava me preparando pra fugir, mas lamentavelmente um companheiro – e não culpo ninguém, porque a tortura é a pior coisa que há na vida humana – foi torturado e acabou dizendo onde eu estava escondida, e eles me pegaram. Aí foi uma barra muito pesada, passei um mês sob tortura violentíssima. Como éramos muito jovens, queriam que nós fôssemos à televisão pra denunciar os professores da USP e a intelectualidade de esquerda. A guerra era nesse patamar, e eu me recusei, foi muito difícil, mas acabei não indo.”

Após sair da prisão, foi imposto a Bete o cumprimento de liberdade condicional antes do julgamento. Um ano após o ocorrido, o julgamento levou a diversas formas de censura e repressão, inclusive proibindo que ela concluísse seus estudos na USP: “No Superior Tribunal Militar, eu fui julgada um ano após, e fui considerada inocente, porém fui inscrita no Conselho de Segurança Nacional e tinha a seguinte determinação: eu não podia voltar a nenhuma faculdade pública, não podia me manifestar de nenhuma maneira sobre o que tinha acontecido, não podia denunciar nada, não podia dar entrevista sobre o que ocorreu”.

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A saída da prisão também é lembrada como um momento muito dolorido de sua vida. Ela se deparou com todo seu dinheiro e diversos objetos pessoais roubados – entre eles, peças que escreveu e discos aos quais tinha apego especial. Assim, Bete foi aos poucos se reconstruindo com atendimento médico, diversas formas de terapia e o apoio e a empatia de amigos – tais como o ator Carlos Zara, que brigou na televisão para que ela fosse aceita de volta na TV Tupi, para atuar em O Meu Pé de Laranja Lima. Ainda assim, a perseguição militar continuou a fazer parte do cotidiano da atriz por um bom tempo. Inclusive, era recorrente que Bete se deparasse com censores militares assistindo aos ensaios de peças teatrais das quais ela participava, tendo que lidar com a intensa censura em diversos momentos de sua carreira nessa época. O trauma das diversas formas de tortura deixou em Bete marcas profundas, que ela sente como “indestrutíveis” e “inesquecíveis”.

Os anos posteriores, que sucederam os momentos traumáticos de Bete com a repressão militar, foram também marcados por uma intensa produção artística e cultural da atriz, em busca de se reconstruir e se ocupar para que o trauma não a levasse à loucura. A partir daí, ao longo dos anos 70, a veia política de Bete Mendes passou a ser dedicada às lutas sindicais, em especial no Sindicato dos Artistas. A atriz, acostumada a reivindicar melhores condições de trabalho na televisão e no teatro desde seus primeiros papéis, agora se envolvia mais fortemente em lutas pela regulamentação da sua própria profissão, por direitos de imagem e com diversos movimentos sociais, tais como movimentos feministas e por igualdade racial.

Sua luta política foi incansável e incessante, e se intensificou com seu envolvimento nos movimentos sindicais ligados à greve dos metalúrgicos do ABC, em São Paulo, por volta de 1978 a 1980. “Na política é interessante, porque eu tinha sido guerrilheira e sempre estava trabalhando como atriz, fazendo minhas aulas de dança, de voz, de canto, tudo, mas eu não ficava quieta. Então me metia em tudo que acontecia, todos os movimentos. E quando aconteceu a greve do ABC em São Paulo, a Dona Bete foi correndo pra lá, pra ser solidária

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com a greve… Aliás, muitos artistas foram solidários. E aconteceu uma coisa extraordinária, porque eu participei da formação do PT com vários companheiros e companheiras.”

O encontro com os companheiros e companheiras do movimento sindical levaria a uma grande virada na vida de Bete: em direção ao papel fundamental da atriz na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e, mais tarde, a sua eleição como deputada federal pelo PT de São Paulo, em 1982. A ideia para sua primeira candidatura surgiu naquele mesmo ano, proposta pelo próprio expresidente Lula, como relembra ela: “A gente estava no enterro do nosso querido Travassos.3 Ele morreu num acidente de carro, era uma quarta-feira de cinzas. Estávamos todos lá pra reverenciar nosso amigo que se foi. A gente estava na lanchonete do cemitério, no ano eleitoral de 1982, e o querido companheiro Lula falou assim ‘companheira, você vai ser candidata a deputada federal’, e eu falei ‘você tá maluco, companheiro?’, e ele falou ‘não, pensa nisso, tô falando sério’. E nesse ‘pensa nisso’ eu acabei achando que era uma função necessária, porque eu era uma pessoa conhecida, totalmente entrosada no movimento, e eu me candidatei a deputada federal e ganhei a primeira eleição”. Nesse seu primeiro mandato como deputada federal, de 1983 a 1987, a atriz experimentou uma rotina árdua de lidar com os jogos de poder do Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, ainda exercer sua profissão artística. Seu mandato foi dividido entre um momento em que esteve afastada das atividades como atriz e em outro período em que, atuando na novela Tieta, teve mais uma vez uma vida múltipla, e conciliava a rotina em Brasília com uma árdua rotina de gravações de TV no Rio de Janeiro. Nesse período, Bete foi ativa enquanto parlamentar, tendo sido titular das comissões de Educação e Cultura e de Transportes da Câmara dos Deputados. Nesse mesmo período, sua atuação também foi intensa durante o movimento político das Diretas Já, lutando pelo retorno das eleições diretas no país.

3 O ativista Luís Gonzaga Travassos, que lutou contra a ditadura militar e foi integrante do Partido dos Trabalhadores.

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Após esse mandato, Bete voltou a ocupar o cargo de deputada federal em 1987, dessa vez pelo PMDB. Nesse período, dedicou-se à integração na Assembleia Nacional Constituinte de 1987, que gerou a Constituição de 1988, consolidando a redemocratização do país após o fim do regime militar. “Nós tivemos um avanço maravilhoso no país, que foi a luta pela Constituinte, a luta pelas Diretas Já, a luta contra a censura, a luta pela Anistia. E nós tivemos em todas essas lutas uma evolução que esperávamos que continuasse. Além de ter participado da Constituinte com muito orgulho, eu, anos seguidos, comprava exemplares da Constituição e levava pra todos os lugares onde eu tinha palestra, para ensinar às pessoas. Eu dizia assim ‘vocês são religiosos? Leem a Bíblia? E essa bíblia aqui ninguém lê?’. Tem que ler, esse livro também tem que fazer parte do cotidiano de vocês. É essa consciência que a gente precisa dar para a população. Não quero que ninguém decore a Constituição, mas quero que as pessoas tenham essa ‘bíblia’ como defesa, porque é importantíssimo esse conhecimento.”

De 1987 a 1988, Bete atuou no Poder Executivo como Secretária Estadual de Cultura de São Paulo. Sobre essa experiência, somandose aos demais feitos no poder público, a atriz foi marcada pelos desafios enfrentados para implantar políticas públicas que deixassem legados contínuos na sociedade. Como descreve ela: “E quando fui para o Executivo foi uma experiência absolutamente forte, como eu digo que foi a do Congresso. Foram duas escolas muito ricas e muito duras. Porque ali nós tínhamos e temos duas sínteses da sociedade brasileira. Então foi uma lição muito dura para ver e fazer as propostas que não eram nada contra eles [os parlamentares], mas eram para favorecer a classe trabalhadora, favorecer o Estado brasileiro e as condições de instituições públicas – eram muito difíceis e hoje são piores ainda, nós estamos vendo isso. No Executivo, digamos que essa ‘síntese’ é mais pesada, porque é direto, e a experiência da Secretaria de Cultura de São Paulo foi muito rica e muito difícil. Porque você tem um trabalho imenso a ser realizado, e existe muito o ‘posar e não trabalhar’, mas eu sempre fui do trabalho. Estava com a minha equipe trabalhando, mas não agradava, porque a gente estava criando condições que eu achava que deveriam ser condições

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perenes, projetos que ficassem no Estado quando eu saísse, porque existe uma coisa muito séria: alguém está numa instituição pública e cria um projeto, aí esse projeto anda maravilhosamente. A pessoa sai, vem outra e derruba e faz outro. Então a nossa preocupação não era projeto ‘da Bete’, e sim com um projeto que fizesse acontecer aquela instituição para benefício da sociedade”.

Em 1999, a atriz voltou à gestão pública cultural quando presidiu a Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj), na qual Bete atuou pela implementação de políticas culturais. “Na Funarj, teve um dia que tinha uma reunião de secretários, eu, como presidente, tinha que estar presente. A gente estava discutindo alguma coisa e eu estava precisando de mais recursos para diversos setores da Funarj, os teatros, as escolas, os museus. A Funarj administra muitos museus e muitas escolas no Rio de Janeiro, muita coisa é concentrada na capital embora haja fora da capital. Então estava pedindo mais um aumento orçamentário, e eles estavam rindo, brincando e teve uma hora que eu comecei a chorar e todo mundo se assustou, e falei ‘não estou aguentando, estou com um déficit por falta de dinheiro público que existe’. Por acaso, o meu nervoso e meu choro deram certo e aumentaram, mas foi uma situação terrível para mim. Porque é isso que é a dificuldade, é você ter os interlocutores, não só as pessoas sob a sua direção, mas os interlocutores, nas secretarias, no estado, no governo, pra poder fazer as coisas. A história da minha participação política foi sempre por minha conta, eu fui convidada para ser candidata, mas eu já estava dentro da história. Quando fui secretária, fui convidada, mas já estava dentro da história, que era uma pessoa da cultura e tal. E aqui no Rio a mesma coisa, então me sinto muito feliz e muito bem comigo mesma, porque não devo nada. Fui fazendo a minha história do jeito que foi dando, e ela tá dando certo. Eu quero agir, eu quero participar, seja como artista, seja como cidadã politicamente.”

Ao longo do tempo até os dias de hoje, Bete fortaleceu ainda mais o seu legado enquanto artista dedicada à transformação política e social. Neste ano de 2022, a atriz realizou campanhas pela derrubada, pelo Congresso Nacional, do veto do atual presidente às leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, de incentivo às atividades culturais por meio

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de estados e municípios. “São leis de socorro para uma emergência que nós estamos vivendo como toda a sociedade brasileira. Acho que é aí que a gente deveria se juntar com todos os setores para trabalhar em função de democracia, de liberdade.” Assim, a Elisabete dos dias de hoje, uma mulher que traz em sua própria trajetória uma boa parte da história do teatro, da televisão, da arte e da luta política por direitos sociais no país, reafirma sua militância diária ao defender o envolvimento de artistas nessas lutas sociais. “A gente tem que lutar para criar mais espaços culturais, lutar por uma educação pública cada vez mais ampliada. E eu não estou falando por causa de partido, porque partidária eu sou, sim, mas eu estou falando por uma questão de civilização, uma questão de democracia e de viver em paz. Nós, artistas, trabalhamos em conjunto com milhares de outros artistas e de outros profissionais, as figurinistas, as costureiras, as cenografistas, os técnicos, o pessoal da manutenção, todo mundo está trabalhando artisticamente, e a gente não pode ser tolhido de dar a opinião política.”

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Uma atriz pronta

O ano de 1968 começou difícil para Bete Mendes, e ela passava por dificuldades financeiras para sobreviver estudando e trabalhando na ‘selva de pedra’ que era a capital paulista. A atriz morava em uma pensão no centro de São Paulo que ela classifica como ‘um horror’, onde dividia quarto com mais quatro pessoas. Suas colegas de quarto eram empregadas domésticas, prostitutas, mulheres separadas, alcoólatras. “Essa convivência – só percebi isso muito depois – foi muito enriquecedora em termos de observação da alma humana, mas nessa época estava era mesmo completamente apavorada em viver num lugar assim.”4 Com uma renda limitada que cobria de forma muito precária seus gastos com condução e alimentação. Por vezes, Bete não podia pagar o sanduíche nos lanches do colégio, e seus colegas lhe ofereciam. Ainda assim, persistia no movimento estudantil.

Foi quando surgiu uma oportunidade que mudou sua história: ela fez teste para uma produção teatral e foi aprovada. Assim, ela estreou nos palcos sob a direção de um dos nomes mais icônicos das artes cênicas brasileiras: Antunes Filho. O espetáculo era A Cozinha, de Arnold Wesker, com tradução do escritor e dramaturgo Millôr Fernandes, em que ela dividiu a cena com nomes como Irene Ravache e Juca de Oliveira. “Foi a minha estreia profissional no teatro, registrada em carteira de trabalho, que me apresentava como comerciária. Na época, a profissão de atriz ainda não havia sido regulamentada.”5

A Cozinha acompanha um dia de trabalho em um restaurante e se torna uma metáfora sobre a Babel do mundo contemporâneo. A personagem era pequena, mas com talento e sagacidade Bete foi construindo as suas oportunidades. “Eu estava no último papel da peça, que era uma garçonete. Era uma cozinha de um restaurante onde havia os cozinheiros, as garçonetes, o mestre, e era um debate na hora do rush”, relembra a atriz. “O espetáculo foi um sucesso absoluto. Uma atriz que fazia o chamado penúltimo papel da peça –

4 Ibidem, p. 64

5 Ibidem, p. 65

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porque eu não tinha fala, eu só tinha uma ação cênica – ficou gripada e teve que ser substituída. Eu fui chamada e fiz o espetáculo.”

Esse trabalho também marcou o encontro de Bete com uma das maiores atrizes brasileiras, Eva Wilma, que era assistente de direção de Antunes Filho, e traz uma das primeiras memórias profissionais e de estímulo à sua carreira. “Nesse espetáculo eu tive um dos primeiros presentes da minha vida. A Eva Wilma reuniu o elenco para colocar as questões que deveriam ser qualificadas para melhorar o trabalho. Ela estava falando com todos juntos, era um elenco muito grande. Aí ela virou e falou pra mim assim ‘você está pronta, você é uma atriz’. Fiquei emocionadíssima e felicíssima.”

Em função dos inúmeros compromissos que surgiram na televisão depois da sua estreia teatral, a atriz só retornou aos palcos em 1974 com o espetáculo As Desgraças de uma Criança, de Martins Penna, sob a direção de Antonio Pedro. Dividiam a cena com a atriz Marco Nanini e Camila Amado, além do estreante Wolf Maia. “Era um elenco maravilhoso. Eu estreei em São Paulo substituindo a Marieta Severo. Foi um sucesso fantástico, absoluto. Estávamos em cartaz, felizes. Eu fazia televisão e teatro, dava pra conciliar com muito esforço, porque era uma correria danada.”

Na sequência, em 1975, ela participou de outro momento histórico da cultura brasileira ao integrar o elenco do espetáculo Gota D’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, a partir do texto de Medeia, de Eurípedes. “Nós estreamos. Foi um escândalo! Foi um sucesso! O teatro tinha 500 ou 600 lugares, não lembro bem. Além das cadeiras, eram as escadarias, gente de pé... Explodiu a plateia! Naquela época fazíamos terça, quarta, quinta e sexta. Sábado e domingo duas sessões. A gente ficava exausto, mas feliz. O espetáculo explodia.”

O convite para participar da peça veio quando a atriz interpretou Lia, na novela O Bravo!, de Janete Clair. E o ritmo de trabalho era frenético. “Eu era a protagonista. A gente gravava das sete e meia da manhã às oito horas da noite, de 50 a 60 cenas por dia. Era essa máquina maluca, alucinante. Me chamaram para a peça e eu fui para os ensaios no teatro Tereza Rachel, em Copacabana. Eu

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ensaiava de madrugada. Como a Globo era no Jardim Botânico, a minha locomoção era rápida. Às nove horas eu estava no teatro, ensaiava até duas da manhã, dormia um pouquinho, levantava, ia gravar. Sempre essa correria.”

Uma das memórias de Bete, ainda sobre a formatação de Gota D’Água, foi o ensaio para a censura que, na época do regime militar, aprovava ou não a estreia de um espetáculo. “Íamos estrear e tinha o ensaio pra censura. Três censores, dessa vez uma mulher e dois homens, sentaram na primeira fileira para avaliar se a gente estava certo, correto e aquelas bobagens. Como se eles fossem críticos de teatro. Como se eles entendessem alguma coisa do que a gente fazia no palco. Na verdade eles queriam censurar, cortar, proibir. O risco da proibição era para todos nós. Todas as produções eram mais ou menos corporativas. Ninguém tinha condição de produzir com apoiador, ninguém apoiava. Era no grito e na vontade. Se o espetáculo fosse censurado, ia ser um caos para aquele elenco enorme, para os músicos, para o diretor, para todo mundo. A gente foi fazer o ensaio pra censura e, como a peça é em versos, a gente fez o pior ensaio da vida da gente. A gente falava quase sussurrado.”

Depois de uma alteração, a retirada de um palavrão no texto da peça, o espetáculo foi liberado e se tornou um clássico da dramaturgia brasileira. Mas Bete Mendes saiu logo depois dos primeiros meses da estreia, em função de uma estafa pelo excesso de trabalho. “Eu tive um problema de saúde ainda nos ensaios da peça. Porque eu gravava de segunda a sábado e ensaiava de segunda a domingo, sem tempo nem pra dormir direito. Fui para o hospital, fiquei no oxigênio, uma coisinha ‘revigora moça’. Mas, depois de três meses, começou a me dar uma fraqueza, eu fui ao médico e ele disse que eu precisava dar uma parada. Aí eu tive que sair do espetáculo, que continuou brilhando. E Bibi Ferreira [protagonista de Gota D’Água] brilhando anos seguidos.”

Dois anos depois, ela retornou ao teatro com uma encenação extremamente original. “Eu sempre estava querendo experimentar, no teatro e no cinema. Nessa época eu fui chamada pelo Aderbal Freire Filho para fazer A Morte de Danton (1977), de George Büchner.

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E era um espetáculo maravilhoso. Só que nós representamos nas obras do metrô da Glória”, conta a atriz, que, alguns meses depois, precisou deixar o projeto. “Então era uma loucura em termos de saúde, porque era muita poeira. Aí por problemas de saúde eu tive que sair do espetáculo.”

No ano que encerrou a década de 1970, após o término do seu contrato na Rede Globo, Bete Mendes retornou para os palcos em A Calça (1979), do dramaturgo alemão Carl Sternheim, e teve a direção de Maurice Vaneau, que foi um dos diretores do Teatro Brasileiro de Comédia, o histórico TBC, na década de 1950. No trabalho, a atriz dividiu a cena com nomes como Ítalo Rossi, Jacqueline Laurence e Natália do Valle. “Era maravilhosa a peça, eu estava no teatro, precisando muito financeiramente, porque eu vivia do meu trabalho.”

Na década de 1980, ela encenou Patética (1981), de João Ribeiro Chaves Neto, com direção de Celso Nunes. A peça conta a vida do jornalista Vladimir Herzog, morto durante o período da ditadura militar. No ano seguinte, ela foi uma das estrelas do espetáculo Pegue e Não Pague, de Dario Fo, que marcou seu reencontro com Gianfrancesco Guarnieri, diretor da peça e parceiro no filme Eles Não Usam Black-Tie. “Era uma delícia de espetáculo. O Dario Fo ganhou o Nobel, né? Ele é genial. E nós adorávamos fazer. Era uma brincadeira em cena extraordinária. O espetáculo durava mais de três horas porque a gente improvisava muito, principalmente Guarnieri e Renato Borghi, e o espetáculo ia porque ninguém queria parar. E o público ficava e assistia, adorando.”

Em função da sua carreira parlamentar e de alguns trabalhos na televisão, Bete Mendes só voltou ao teatro quase uma década depois no monólogo Ária de Serviço (1991), escrito pelo multiartista Victor Giudice, sob a direção de Marco Antonio Braz. Em 1993, ela fez As Primícias, um texto de Dias Gomes sobre uma fábula da Europa medieval. Com direção de Sidney Cruz, a encenação atualizou a dramaturgia – escrita originalmente na década de 1970 – e se tornou um musical com canções de Aldir Blanc e Guinga. Nos palcos com a atriz, Bemvindo Siqueira, Suely Franco e outros 14 atores. Dois anos

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depois, ela reencontrou Ítalo Rossi (com quem atuou em A Calça), desta vez como diretor, na versão brasileira do texto de Harold Pinter, À Luz da Lua (1995), ao lado de Selton Mello e Cláudio Corrêa e Castro. O espetáculo aborda a dificuldade do ser humano em trocar afeto e se comunicar.

Nos anos 2000, Bete Mendes atuou na peça Momentos, Beijos (2000). O espetáculo é uma adaptação de sete crônicas da coluna A Vida Como Ela É, escrita por Nelson Rodrigues, feita por Braz Chediak e Nelson Rodrigues Filho, que também assina a direção. No ano seguinte, ela fez a peça Bárbara do Crato (2001), de Heloneida Studart, com direção de Wilma Ducetti. Seu trabalho mais recente nos palcos é Anjo Negro (2005), texto clássico de Nelson Rodrigues. O espetáculo tem como tema central o preconceito e o racismo e foi dirigido por Nelson Rodrigues Filho.

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Operária da televisão

1968 é um ano lendário no Brasil. Esses 365 dias entraram para a história por marcarem um período intenso de manifestações estudantis contra a ditadura militar, como a famosa Passeata dos Cem Mil. Em dezembro do mesmo ano é instituído o Ato Institucional nº 5, que instaurou o período mais sombrio e duro da ditadura militar no país.

Foi nesse ano simbólico que a também guerrilheira Bete Mendes estreou profissionalmente como atriz no teatro e, na sequência, integrou o elenco de teledramaturgias na Rede Tupi em São Paulo. Depois de uma participação no episódio O Rapto, na série Águias de Fogo, produzida e dirigida pelo cineasta Ary Fernandes (e considerada um marco na produção seriada de dramaturgia para a televisão brasileira), ela integrou o elenco de sua primeira novela: Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso. A produção modernizou a forma de se fazer telenovelas no país ao abandonar os dramalhões mexicanos e aproximar as tramas do cotidiano dos espectadores. “O Bráulio tinha essa artimanha para fazer as histórias. Era uma novela passada na atualidade, então a trilha sonora era com músicas da época, como os Rolling Stones. A novela mexeu muito com a cabeça de todo mundo”, conta a atriz.

Bete interpretava Renata, que era a amiga da mocinha da história. Mas o talento da atriz ampliou sua importância na trama e o final feliz ao lado do protagonista, além do carinho do público. “Foi uma explosão de sucesso maluca ao ponto de eu ter amigos e até parentes próximos, não parentes diretos, cujas filhas foram nomeadas como ‘Renata’ em homenagem à personagem que eu fazia”, conta ela. “Meu personagem cresceu e o final da história foi o amor da Renata com o Beto Rockfeller.”

Ainda longe da forma industrial como as telenovelas são feitas na atualidade, com roteiros entregues com antecedência e capítulos gravados com semanas de distanciamento do que está no ar, a produção televisiva na década de 1960 era realizada de uma maneira

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completamente diferente. “Era muito duro, porque os capítulos saíam dia a dia, então a gente tinha que ir na televisão pegar o capítulo, ver se tinha a cena, decorar e entrar em cena. Não tinha toda a preparação e as exigências que nós fizemos depois pela qualidade do trabalho, era tudo muito artesanal.”

Na sequência de Beto Rockfeller, a atriz integrou o elenco de Super Plá (1969), com a mesma equipe do sucesso anterior: Bráulio Tavares (junto com Marcos Rey) era o autor, Walter Avancini o diretor (ao lado de Antônio Abujamra e Benjamin Cattan). Bete Mendes era Albertina Guimarães, a Titina. “Era uma história extraordinária de um rapaz chamado Plácido, que tomava guaraná e virava o ‘Super Plá’. Era uma brincadeira com as histórias em quadrinhos. E tinha os personagens malvados, Baby Stompanato e a Jandira Martini, que eram interpretados pelo Hélio Souto e pela maravilhosa Marília Pêra. Era uma beleza, uma delícia. Eu acho que essa novela deveria ser refeita, ou como minissérie, ou o que fosse, porque ela tinha umas ideias maravilhosas.”

Depois dos primeiros sucessos, Bete Mendes continuou a participar de algumas produções na extinta TV Tupi. Entre os anos de 1970 e 1973, integrou o elenco de novelas como Simplesmente Maria, O Meu Pé de Laranja Lima, Nossa Filha Gabriela, Na Idade do Lobo, A Revolta dos Anjos, A Volta de Beto Rockfeller e As Divinas… e Maravilhosas, em que ela atuou ao lado de Nathália Timberg e Nicette Bruno.

Em 1974, Bete passa por dois momentos, ao mesmo tempo marcantes e distintos na sua vida. O primeiro foi um acidente. “A gente ia viajar com a peça e aí eu tive um traumatismo craniano, que foi uma coisa gravíssima. Os amigos, a família e a classe artística foram extraordinários em termos de solidariedade, porque um grande amigo que já faleceu também localizou um extraordinário neurologista. Ele foi até Bauru, onde eu estava no hospital, conseguiu helicóptero pra me levar pra São Paulo, porque o hospital não tinha condições. Eu passei por uma operação seríssima. A expectativa era de morte, ou paralisia, ou cegueira, ou um monte de coisas. Fui salva. O cirurgião foi extraordinário, o neurologista maravilhoso. Saí do hospital, que era privado, numa situação financeira da pior qualidade.”

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O segundo momento foi sua entrada na Rede Globo. “Quando eu estava em cartaz com uma peça no Sesc de São Paulo, o Daniel Filho foi assistir, junto com o segundo diretor das organizações Globo de São Paulo. Viram o espetáculo, ele gostou muito e quis conversar comigo. Aí aconteceu o acidente e tive que parar, e eles quiseram me contratar. O acidente foi em abril de 1974. Em agosto eu fui pra Globo.”

Após estrear na emissora em um “especial maravilhoso da Leilah Assumpção, onde eu contracenava com Marcos Paulo”, ela participou de um dos maiores sucessos da sua carreira televisiva: O Rebu. A novela de Bráulio Pedroso (o mesmo autor de Beto Rockfeller) revolucionou a teledramaturgia ao situar sua trama – com mais de 100 capítulos – em um enredo de 24 horas. “O Bráulio novamente me deu um presente com um personagem maravilhoso, que era a Sílvia. Eu tive a felicidade de contracenar com Ziembinski, que foi um dos maiores diretores da história do teatro brasileiro. No elenco tinha Mauro Mendonça, Tereza Rachel... Só tinha feras. Assim como na Tupi, eu entrei contracenando com maravilhosos atores. Aprendi muito também com eles; na Globo foi a mesma coisa, foi outra escola de coração com esses atores geniais.”

Depois ela interpretou Lia, na novela O Bravo! (1975), de Janete Clair. E o ritmo de trabalho era frenético. “Eu era a protagonista. A gente gravava das 7h30 da manhã às 8h da noite, de 50 a 60 cenas por dia. Era essa máquina maluca, alucinante.” Em 1976, Bete retorna à televisão para participar do clássico O Casarão, novela escrita por Lauro César Muniz e dirigida por Daniel Filho. A trama acontecia em três períodos: de 1900 a 1910; de 1926 a 1936; e no tempo presente, que era 1976, fase em que a atriz entrou na trama interpretando Vânia. “Foi uma experiência lindíssima. Eu tive a felicidade de contracenar com Paulo Gracindo e com grandes atores nessa novela, porque era em três períodos que ela se passava. E era maravilhosa.”

Apesar das ótimas lembranças do trabalho, Bete também relembra os cortes que o texto de O Casarão sofreu em função da censura. “O Lauro [César Muniz, autor da novela] tinha que escrever,

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enviar para a equipe da Globo aprovar e depois ir pra gravação. E às vezes eles aprovavam, a gente gravava e cortavam na censura federal. Os capítulos eram cortados. E a minha personagem, que era uma repórter, teve cortes inimagináveis nessa novela pela censura”, recorda a atriz. “Mas foi outro grande trabalho que me deixou muito feliz apesar desse problema que eu estava falando da censura.” Em 1977, ela participou da novela Sinhazinha Flô, uma adaptação da obra de José de Alencar, feita por Lafayette Galvão. “Eu tive a felicidade de contracenar com a Ruth de Souza, com meu querido Eduardo Tornaghi, grande amigo até hoje. E era uma gostosura fazer essa novela.”

Entre 1978 e 1979, Bete Mendes deu vida a Vera Bastos, uma operária contestadora na novela Sinal de Alerta, de Dias Gomes. Exibida no extinto horário das 22 horas, a trama abordava a temática ambientalista e o perigo da poluição nas grandes cidades. “Era uma novela que falava sobre poluição. Tinha uma trama maravilhosa. Nós éramos operários. Na história aconteceu uma coisa muito bonita. Eu mudei a trajetória da minha personagem. Ela foi crescendo na consciência da situação, da poluição, de a gente protestar para ter condições de trabalho. Foi um prazer imenso fazer essa novela”, conta a atriz, que trabalhou com atores como Paulo Gracindo e Eduardo Conde, profissionais de quem ela lembra com saudade. “Quando a gente atinge certa idade, vai se recordando de muitos que se foram, mas que permanecem nos trabalhos e na nossa memória afetiva.”

Após a participação em Sinal de Alerta, Bete não teve seu contrato renovado com a emissora carioca. “Pelas minhas posições, que sempre foram de cidadã e de artista, eu brigava muito na Globo. Porque eu queria horas de trabalho razoáveis, nós brigamos durante anos até a regulamentação da profissão. E quando ela aconteceu, eu brigava muito também na Globo pelo horário de trabalho, por horas extras, por condições saudáveis de trabalho. Sempre tinha problemas e a gente tinha que enfrentar. Como eu era protagonista nas novelas, a briga ficava mais pesada. Porque eu não era a protagonista delicada, digamos assim. E isso criou algum estresse. Em 1979 a Globo disse ‘adeus’ pra mim.”

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“Nesse espetáculo eu tive um dos primeiros presentes da minha vida. A Eva Wilma reuniu o elenco para colocar as questões que deveriam ser qualificadas para melhorar o trabalho. Ela estava falando com todos juntos, era um elenco muito grande. Aí ela virou e falou pra mim assim ‘você está pronta, você é uma atriz’. Fiquei emocionadíssima e felicíssima.”

Entrando nos anos 1980, Bete retornou à televisão, desta vez na TV Bandeirantes, e participou de duas telenovelas. A primeira foi Dulcinéa Vai à Guerra, de Sérgio Jockyman. Depois ela fez Pé de Vento, de Benedito Ruy Barbosa, em que interpretou a enfermeira Terezinha, que se envolvia com o corredor Edmar, papel de Nuno Leal Maia. “A trama era sobre a maratona do fim do ano, a corrida de São Silvestre. A história sinteticamente era isso. Ele era o corredor e eu era a namorada. A novela era uma delícia.” Ainda nesse ano, a atriz vivenciou outro momento marcante na sua trajetória. Em 10 de fevereiro ela participou da fundação do Partido dos Trabalhadores. “Junto com a novela, eu já estava na formação, desde 1979, do Partido dos Trabalhadores. Já estava em apoio à greve do ABC, à greve dos metalúrgicos. Eu continuava fazendo muita coisa ao mesmo tempo.”

Depois, em 1981, ela retornou para a televisão, desta vez na TV Cultura, na minissérie Floradas na Serra, de Geraldo Vietri, para viver Elsa Maia. “Esse papel havia sido feito no cinema por Cacilda Becker. Então vocês imaginam a responsabilidade.” Em 1982, Bete foi eleita deputada federal e cumpriu dois mandatos: de 1983 a 1987; e de 1987 a 1991. Nesse período, sua participação como atriz se tornou mais espaçada, pois só podia gravar nos períodos de recesso parlamentar. E foi o que aconteceu em 1985 na adaptação da obra de Érico Veríssimo O Tempo e o Vento. “Fiz essa minissérie maravilhosa também no recesso parlamentar. Direção do Paulo José. Queridíssimo. E eu fazia uma das personagens, a Maria Valéria, que era incrível.” No final do mesmo ano, ela participou da novela De Quina pra Lua, escrita por Alcides Nogueira, com argumento de texto de Benedito Ruy Barbosa. “Foi uma delícia de gravação, uma delícia de novela. E eu continuei voltando pro Congresso.”

Depois disso, ela só retornou para a telinha três anos mais tarde, em 1989, em Tieta, adaptação da obra de Jorge Amado feita por Aguinaldo Silva, em que interpretou Aída Pires. Uma das memórias desse período está ligada ao seu parceiro de cena na obra. “Tieta foi maravilhoso. Até porque contracenei com Armando Bógus. Todo mundo adorava o Bógus. Uma pessoa incrível, um ator genial. Ele era o meu marido na novela. E a gente se divertia muito. Era uma delícia

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gravar. Eu consegui conciliar o final do mandato com a gravação de Tieta, que foi um sucesso. Foi muito gostoso.”

Durante a década de 1990, Bete Mendes participou de inúmeros trabalhos de sucesso na TV Globo, como a novela Lua Cheia de Amor (1990), de Ana Maria Moretzsohn, Ricardo Linhares e Maria Carmem Barbosa, em que interpretou Emília, antagonista de Marília Pêra, em um dos poucos papéis cômicos de sua carreira. Na sequência, fez O Mapa da Mina (1993), última novela de Cassiano Gabus Mendes; e Pátria Minha, de Gilberto Braga (1994). Também em 1994, ela fez a minissérie Memorial de Maria Moura, adaptação de Jorge Furtado e Carlos Gerbase para a obra de Rachel de Queiroz. Em seguida, ela esteve em Quatro por Quatro (1995), de Carlos Lombardi, um dos maiores fenômenos do horário das 19 horas. “Foi arrebatador de sucesso. Foi uma loucura.”

No ano seguinte, Bete volta a interpretar um texto de Benedito Ruy Barbosa, com a clássica O Rei do Gado (1996). “Foi um trabalho especialmente querido para mim. Luiz Fernando Carvalho dirigindo. Eu contracenei com Stênio Garcia, Antônio Fagundes, Patrícia Pillar, Walderez de Barros, um elenco maravilhoso. Era maravilhoso de fazer. Eu adorei, foi um sucesso.” Fechando a década, ela fez uma participação especial no primeiro capítulo de Terra Nostra (1999), também de Benedito Ruy Barbosa, em que trabalhou novamente com Gianfrancesco Guarnieri, com quem havia contracenado no cinema, em Eles Não Usam Black-Tie (1981), e no teatro, em Pegue e Não Pague (1982).

Um dos trabalhos mais importantes na carreira de Bete Mendes, na década de 1990, foi a minissérie Anos Rebeldes, que completa 30 anos em 2022. A trama, que se passa na cidade do Rio de Janeiro no período de 1964 a 1979, é uma das primeiras produções televisivas a abordar a luta contra o regime militar no país. “Eu achei muito importante que a TV aberta, que vai para todo mundo, estivesse tratando de um momento histórico da nossa vida no Brasil que nunca havia sido tratado de maneira nenhuma. Era uma ficção, mas com uma retrospectiva muito boa.” Bete participou ativamente

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como guerrilheira na luta contra as atrocidades do Estado durante o regime militar. Então, mais do que uma atriz que ajudou a contar essa história, ela foi a materialização no elenco da figura que brigava pela liberdade de um país democrático e igualitário nessa fase nebulosa da história do país.

O convite para sua participação foi feito pelo autor, Gilberto Braga, e pelo diretor, Dennis Carvalho. “Foi muito importante, porque o Dennis me fez um pedido para que eu trabalhasse com jovens atores, conversando com eles sobre o que eles não haviam vivido. A Malu Mader, o Marcelo Serrado, a Claudinha Abreu, que fazia uma jovem revolucionária, e todos os jovens que estavam na novela”, conta a atriz, que foi uma espécie de consultora do elenco jovem. “Nós fizemos algumas reuniões e eu comecei a contar para eles como era na época em que eu era uma ativista política contra a ditadura e o que acontecia. Só como exemplo: três pessoas conversando na rua, acreditem, era perigoso. Qualquer pessoa que tivesse alguma dúvida sobre alguma coisa tinha receio de fazer perguntas, porque havia infiltração dos agentes da repressão nas universidades, no trabalho, havia perseguição na rua, era uma loucura. E eu fiquei contando isso para os jovens, e eles ficaram abismados. Eram jovens tão lindos, e eu ficava conversando com eles e eles ficavam espantados com o que eu e outros milhares havíamos vivido.”

Diferentemente do período como guerrilheira, a atriz guarda apenas boas lembranças dos bastidores da série. “Começamos as gravações e foi um clima muito, muito legal. Foi um trabalho muito bem feito, muito sério. O Gilberto Braga pediu a assessoria do Silvio Tendler [professor, cineasta e historiador brasileiro], que fazia a documentação e todo um trabalho de reprodução do que havia acontecido, até para auxiliá-lo. Tinha todo um trabalho de fazer uma reconstituição de época, e da diretora de arte da minissérie, que foi maravilhosa. Existia um cuidado também com as locações, para fazer como se fosse na época. Foi muito bem feito. Foi uma experiência maravilhosa, achei muito importante.”

Ainda na década de 1990, Bete Mendes teve uma experiência de

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trabalho traumática. A atriz integrou o elenco da novela Brida (1998), interpretando a personagem Diva. A obra, baseada no livro de Paulo Coelho, foi terminada antes do fim e marcou o encerramento das atividades da TV Manchete. “Foi uma tristeza imensa. Aconteceu uma tragédia. A Manchete, que foi revolucionária com Pantanal, que mexeu com a estrutura da Globo, já estava decaindo. Porque já tinha falecido o senhor Adolpho Bloch, e a emissora estava decaindo. As gravações foram indo de mal a pior, foram interrompidas, e a novela parou de ser exibida. Foi uma tristeza. Nós ficamos pedindo direitos, salários atrasados, e a Manchete acabou. Faliu. Foi muito triste isso.”

Bete começa os anos 2000 sendo dirigida novamente por Jayme Monjardim em duas produções da TV Globo. Na minissérie Aquarela do Brasil (2000), de Lauro César Muniz, ela interpreta Olga. Em 2003, ela vive Dona Ana Joaquina, uma das protagonistas de A Casa das Sete Mulheres, adaptação de Maria Adelaide Amaral e Walther Negrão para o livro homônimo de Letícia Wierzchowski. Gravada no Rio Grande do Sul, a minissérie acompanha a história das mulheres da família de Bento Gonçalves que viveram na estância familiar durante os dez anos da Guerra dos Farroupilhas. Em 2004, ela participou da novela Seus Olhos, no SBT. “Era câmera velha, iluminação velha, cabo de luz que quebrava, não tinha tapadeira para cobrir cenário, não tinha camarim, não tinha nada! A gente foi nessa aventura e graças a Deus o meu personagem era uma pequena participação. Precisava trabalhar, precisava de um contrato, mas foi uma passagem rápida que me aliviou.”

No ano seguinte, ela retornou à Rede Globo para interpretar Fátima em América (2005), novela de Glória Perez que acompanha, em sua trama principal, o trajeto de brasileiros que têm o objetivo de migrar ilegalmente para os Estados Unidos. Na sequência, ela viveu a irmã Natércia em Páginas da Vida (2006), de Manoel Carlos. Em 2017, deu vida a uma das personagens mais cativantes do universo literário infantojuvenil, a Dona Benta, do Sítio do Picapau Amarelo. “Eu adorei, Monteiro Lobato é maravilhoso. A Rosa Colin, que fez a Anastácia, é uma atriz e cantora divina. Nosso relacionamento foi muito bom durante as gravações, e as crianças eram muito legais, foi muito gostoso fazer Dona Benta, lamento que tenha acabado.”

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Depois ela viveu Maria Piedade, em Caras & Bocas (2009), trama das 19 horas assinada por Walcyr Carrasco. Em 2011 ela retoma a parceria com Gilberto Braga em Insensato Coração. Em 2012, teve a oportunidade de dividir a cena com uma das atrizes mais respeitadas do Brasil, a veterana Laura Cardoso, no remake de Gabriela. Na trama, adaptada do clássico de Jorge Amado, ela é Florzinha, uma das fofoqueiras da cidade de Ilhéus. Em Flor do Caribe (2013), de Walther Negrão, Bete interpretou Olívia, a mãe do protagonista, Cassiano (Henri Castelli), e casada com Chico, personagem de Cacá Amaral.

Com mais de 50 anos de carreira, Bete Mendes também participou de vários projetos especiais e até de uma temporada de Malhação, como uma defensora do meio ambiente. Em 2017, ela fez suas participações mais recentes na televisão. Na supersérie Os Dias Eram Assim, de Angela Chaves e Alessandra Poggi, ela viveu ela mesma. A atriz dá um depoimento ao lado de outras vítimas que sofreram violências durante o período da ditadura militar no Brasil para o documentário ficcional, produzido pela personagem Cátia, interpretada pela atriz Bárbara Reis. Já em Tempo de Amar (2017), de Alcides Nogueira e Bia Corrêa do Lago, ela foi a Irmã Imaculada, a madre superiora do Convento dos Santos Anjos.

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“Assim como na Tupi, eu entrei contracenando com maravilhosos atores.
Aprendi muito também com eles; na Globo foi a mesma coisa, foi outra escola de coração com esses atores geniais.”

Um cinema de encontros

A estreia de Bete Mendes no cinema também aconteceu no ano de 1968. Ainda estudante, ela participou de Sandra Sandra, de J. Marreco, trabalho a que ela infelizmente não teve acesso. “Esse filme eu não sei onde está, se ele existe, o que aconteceu com ele”, lamenta a atriz. Seu retorno ao cinema se dá seis anos depois, em 1974, com o filme As Delícias da Vida, de Maurício Rittner, ao lado de Vera Fischer e Ewerton de Castro. A comédia fala sobre o início da TV, na primeira metade dos anos de 1970, quando o veículo ainda não era de domínio popular como nos dias atuais. “O filme era uma adaptação de uma peça teatral que tinha sido premiada num concurso que, se não me engano, era da TV Cultura para o teatro.”

Cinco anos depois, ela protagonizou, ao lado de Helber Rangel, o longametragem Os Amantes da Chuva (1979), de Roberto Santos. O filme conta a história de um casal que, misteriosamente, faz chover toda vez que se encontra, e eles se tornam celebridades após serem descobertos por um repórter em um programa de televisão. “Esse trabalho foi uma delícia e um carinho só. Era uma historinha romântica. A gente o fez todinho em São Paulo. Fizemos uma gravação no Pacaembu que foi inigualável na minha memória. Porque era uma loucura aquele estádio inteiro com água, água, água. Eram caminhões e caminhões-pipas jogando água pra gente ficar na chuva. É muito gostoso esse filme.”

Outro projeto realizado na sequência foi J.S. Brown: O Último Herói (1980), de José Frazão. “É um filme maravilhoso. Eu adorei porque eu era apaixonada pela Bahia e, nessa correria toda, eu mais trabalhava, lutava e fazia essas coisas todas e não tinha férias ou momentos de lazer. Então eu ‘matei’ a equipe. Porque eu estava tão, tão vidrada em conhecer tudo, que eu não dormia. ‘Agora vamos lá pro Bonfim, agora vamos lá pro Abaeté…’. Eles só diziam ‘Bete!’ [risos]. Aí eles substituíram as pessoas da equipe para me acompanhar, para ir passeando. E foi assim que eu conheci pela primeira vez a Bahia. Depois eu voltei muitas vezes.”

Em 1981, ela estrelou um dos filmes mais importantes da sua carreira como atriz e uma das obras mais emblemáticas da história do cinema

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brasileiro, Eles Não Usam Black-Tie, que ganhou o Prêmio Especial do Júri do Festival de Veneza, além de ser considerado um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos, segundo a Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Dirigido por Leon Hirszman, o longa é baseado na obra teatral de Gianfrancesco Guarnieri, que é um dos protagonistas da obra, e parte de uma greve operária para colocar em cena os conflitos de moradores de uma favela e os problemas socioeconômicos vividos pela comunidade. “Eles Não Usam Black-Tie foi um convite extraordinário do querido Leon Hirszman e do Guarnieri”, relembra Bete. “Eles me deram o roteiro, que tinha uma cena fortíssima, maravilhosa, em que eu tenho uma discussão com o Carlos Alberto Riccelli sobre a traição, que quase perdi meu filho, porque eu estou grávida no filme. Eu li a cena e falei assim ‘vocês não prestam, né?’. A gente tinha intimidade, ambos muito queridos, estão em algum lugar olhando para nós. Eles falaram ‘quer ou não quer?’. Eu falei ‘claro que eu quero, né?!’. Aí já entrei na parada.”

No elenco, além de Bete, Carlos Alberto Riccelli e Gianfrancesco Guarnieri, estavam Fernanda Montenegro e Milton Gonçalves. As filmagens aconteceram no bairro Vila Brasilândia, localizado na zona norte do município de São Paulo. Ao lembrar dessa época, a atriz se emociona. “As filmagens foram durante três meses intensos. Era maravilhoso. O Leon… ai, tanta emoção. O Leon e o Lauro Escorel, que foi o diretor de fotografia, desenhavam o set de filmagem e, quando a gente chegava, estava tudo pronto: as câmeras, os trilhos, a iluminação, a disposição do cenário. Ator ser bem tratado assim é uma glória. E, além de tudo, o Leon dirigia muito bem a nós, atores. Ele conversava baixinho, chegava junto e falava com você. E tudo dava certo. Tudo funcionava magnificamente. Eu tenho uma memória muito afetiva e acho que o filme ficou lindo, ganhou o prêmio especial em Veneza, foi maravilhoso, e eu sinto muito orgulho de ter participado. Em termos de cinema, eu acho lindíssimo. O Leon foi um extraordinário cineasta. É – vou dizer no presente – um dos grandes cineastas brasileiros.”

No ano seguinte, em 1982, ela participou de Insônia (1982), um filme em episódios dirigido por três cineastas, entre eles, Nelson Pereira

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dos Santos e Luiz Paulino dos Santos. Baseado na obra de Graciliano Ramos, o longa leva o mesmo nome da trama e foi dirigido por Emanoel Cavalcanti. “Eu contracenei com Nelson Dantas, que eu adorava e que não está mais entre nós. Foi uma delícia participar dessa filmagem.”

Uma década depois, Bete Mendes retornou ao cinema como narradora do documentário A Cobra Fumou, de Vinicius Reis (2002). Em 2004, ela integrou o elenco do filme Vestido de Noiva, de Joffre Rodrigues, inspirado na obra homônima de Nelson Rodrigues, pai do diretor. “Eu acho muito importante esse filme, retratando Vestido de Noiva, um ícone do teatro brasileiro e quiçá mundial. Eu tive o prazer de participar da filmagem como mãe das duas meninas, Simone Spoladore e Letícia Sabatella. Contracenar com todo o elenco foi maravilhoso, especialmente com o ator Luiz Furlanetto, que fazia meu marido no filme. Filmamos em uma casa antiga com vista para todo o Rio de Janeiro. Um espaço que a gente podia sonhar que era um ambiente do Vestido de Noiva. Sem falar de todo o elenco, que era profissional e adorável, teve a participação magnífica de Marília Pêra.”

Seu trabalho seguinte, Brasília 18% (2006), foi a última ficção dirigida por um dos maiores cineastas brasileiros, o paulistano Nelson Pereira dos Santos. “Esse filme eu diria que tem aquela verve, aquele humor, aquela ironia de Nelson Pereira dos Santos, que também é autor do roteiro. Eu fiz uma participação, que foi maravilhosa pra mim. É uma leitura sagaz dos negócios, dos trâmites políticos e do que vale a vida nessa confusão toda. Eu acho muito bacana Brasília 18% e foi uma alegria ser dirigida por Nelson Pereira dos Santos.”

No ano de 2010, aconteceu seu encontro com a cineasta Tizuka Yamazaki, em Aparecida – O Milagre. “Tizuka é uma diretora que eu admiro há muito, muito, muito tempo. Uma diretora extraordinária com obras magníficas. E fora todo mundo com quem eu contracenei, principalmente o protagonista, o Murilo Rosa. Eu tive uma vivência muito especial nesse trabalho. Ficamos em Aparecida muitos dias, e eu pude conhecer não apenas o Santuário, mas toda a basílica, que é extraordinária. Conheci toda a circunstância de vida daquele povo de fé que me ajudou a construir a personagem que eu interpretei.”

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Além do trabalho, Bete lembra de uma passagem afetiva que aconteceu durante as filmagens do longa-metragem no município do interior de São Paulo. “Eu tive um momento muito, muito especial, porque o reitor da basílica (o bispo que administra a basílica) premiou a mim, a Tizuka e a Murilo Rosa com imagens de Nossa Senhora Aparecida benzidas por ele. As reproduções são exatamente iguais à imagem que está no altar. Foi muito emocionante participar de Aparecida. Eu gostei demais.”

Em 2013, ela retomou a parceria com o ator Murilo Rosa no longametragem Vazio Coração. “Foi outra experiência adorável. Alberto Araújo, diretor e roteirista, o responsável pelo filme, que é autoral, quando estivemos juntos pela primeira vez, me contou que sua mãe o inspirou a me chamar. Eu achei lindo. As filmagens todas foram em Minas Gerais, em um hotel extraordinário, e onde se passa toda a ação principal desse filme que fala da música feita pelo personagem de Murilo Rosa e toda a repercussão causada por essa música chamada de sertaneja.”

Esse trabalho também marcou o reencontro de Bete Mendes com um parceiro de longa data. “Eu tenho um momento muito especial nesse filme, porque eu contracenei com o extraordinário ator Lima Duarte. Não nos víamos há muitos anos e foi um grande prazer estarmos juntos. Conversarmos, passarmos a limpo coisas do passado, lembrando de músicas, programas em que estivemos juntos, dos trabalhos que fizemos. Foi especial ser esposa de Lima Duarte nesse trabalho.”

O filme Introdução à Música do Sangue (2017) marcou a primeira parceria da atriz com o diretor Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, em um trabalho baseado em texto do escritor Lúcio Cardoso. “O filme é lindíssimo. Filmamos no interior de Minas Gerais. Um ambiente maravilhoso. Com os atores Greta Antoine, Armando Babaioff e meu querido conterrâneo Ney Latorraca, com quem eu contracenei a maior parte do tempo. Foi maravilhoso. O filme é um grande tributo à obra de Lúcio Cardoso e à cinematografia de Luiz Carlos Lacerda. Eu fiquei muito feliz de participar.”

Seu trabalho mais recente, e ainda inédito, é o curta-metragem Esta Noite Seremos Felizes, de Diego dos Anjos. O filme recebeu o prêmio de Melhor Projeto Carioca de Curta-Metragem no Laboratório de

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Projetos do Festival Curta Cinema 2017, mas só foi rodado em junho de 2022, na cidade do Rio de Janeiro. “O roteiro é lindo. Eu interpreto uma senhora que tem Alzheimer no primeiro estágio, e o Othon Bastos é o meu marido, que quer me tratar para que eu não perca totalmente a consciência e a memória. O filme se passa num baile, que acontece toda quinta-feira, no lar de idosos em que minha personagem está internada. E o marido vai lá toda semana e a gente dança. Tem o médico, que é o Roberto Frota, que é adorável também, e vários outros atores maravilhosos. Esse é o argumento e o roteiro do filme.”

O curta também marca a primeira parceria de Bete Mendes com o ator Othon Bastos. Embora sejam amigos de longa data e estejam no elenco de filmes que integram a filmografia de ambos, eles nunca tinham estado juntos em cena. “Tive a felicidade de trabalhar com Othon, com quem eu nunca tinha contracenado. A gente é amigo, ele, a Marta – esposa dele – e eu. Somos amigos há anos, mas nunca havíamos contracenado. A gente se encontrava em festival, se encontrava aqui, ali e dessa vez contracenamos, e foi uma delícia.”

Diante do argumento sensível do projeto, as filmagens do curtametragem transcorreram na maior tranquilidade e harmonia. Segundo a atriz, o clima foi de admiração mútua. “A gente filmou num clube que não existe mais e que se chama Casa da Montanha, no Alto da Boa Vista, no alto da Tijuca. Que lugar lindo. Filmamos lá. Eu filmei nove dias. Foi adorável trabalhar, porque toda a equipe é jovem, gracinha, gracinha. Profissionais seríssimos, atentíssimos e muito cuidadosos com a gente. Ficamos bobos com eles, nos tratavam magnificamente durante as filmagens. E foi essa delícia. No final, nos homenagearam, me fizeram chorar de emoção. Todos adoráveis, nos presentearam, deram flores, deram vinho. E falei ‘gente, para com isso’. O diretor me abraçava, me agradecia, e falava ‘que presente que eu recebi’. Eu acho que o filme vai ficar bonito.”

Olhando em perspectiva sua trajetória no cinema, Bete Mendes se mostra orgulhosa e disposta a seguir atuando na telona. “O que me deixa orgulhosa de participar de um filme é que eles são Cinema. Não é cópia de alguma coisa que se fez. Todos têm identidade, têm um argumento forte, um roteiro maravilhoso e todos são muito bem feitos.”

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“O que me deixa orgulhosa de participar de um filme é que eles são Cinema. Não é cópia de alguma coisa que se fez. Todos têm identidade, têm um argumento forte, um roteiro maravilhoso e todos são muito bem feitos.”

Teatro

ATRIZ

1968 A Cozinha Personagem: Diana Texto de Arnold Wesker Direção de Antunes Filho

1974 As Desgraças de uma Criança Personagem: Rita Texto de Martins Penna Direção de Antonio Pedro

1975 Gota D’Água

Personagem: Alma Texto de Chico Buarque de Holanda e Paulo Pontes Direção de Gianni Ratto

1977 A Morte de Danton Person agem: Lucília Texto de George Büchner Direção de Aderbal Freire Filho

1979 A Calça Texto de Carl Sternhein Direção de Maurice Vaneau

1981 Patética Texto de João Ribeiro Chaves Neto Direção de Celso Nunes

1982 Pegue e Não Pague Personagem: Margarida Texto de Dario Fo Direção de Gianfrancesco Guarnieri e Renato Borghi

1991 Ária de Serviço Personagem: Alice Texto de Vitor Giudice Direção de M. A. Braz

1993 As Primícias Personagem: Donana Texto de Dias Gomes Direção coletiva

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Cinema

1995 À Luz da Lua

Personagem: Bel Texto de Harold Pinter Direção de Ítalo Rossi

2000 Momentos, Beijos Texto de Nelson Rodrigues Direção de Nelson Rodrigues Filho

2001 Bárbara do Crato Personagem: Bárbara Texto de Heloneida Studart Direção de Wilma Ducetti

2005 Anjo Negro Personagem: Tia Texto de Nelson Rodrigues Direção de Nelson Rodrigues Filho

ATRIZ

1968 Sandra Sandra Personagem: Sandra Direção de J. Marreco

1974 As Delícias da Vida Personagem: Eva Direção de Mauricio Rittner

1979 Os Amantes da Chuva Personagem: Isabel Direção de Roberto Santos

1980 J. S. Brown, o Último Herói do Gibi Personagem: Cris Direção de José Frazão

1981 Eles Não Usam Black-Tie Personagem: Maria Direção de Leon Hirszman

1982 Insônia Direção de Emanoel Cavalcanti

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Televisão

2001 A Cobra Fumou

Narradora Direção de Vinícius Reis

2004 Vestido de Noiva Personagem: Dona Lígia Direção de Jofre Rodrigues

2006 Brasília 18%

Personagem: Francisca Gonzaga Direção de Nelson Pereira dos Santos

2010 Aparecida - O Milagre Personagem: Julia Resende Direção de Tizuka Yamasaki

2013 Vazio Coração

Personagem: Luíza Alves Direção de Alberto Araújo

2017 Introdução à Música do Sangue

Personagem: Ernestina Direção de Luiz Carlos Lacerda

2022 Esta Noite Seremos Felizes Personagem: Deise Direção de Diego dos Anjos

REDE TUPI

1968 Águias de Fogo

Episódio: O Rapto Série criada e dirigida por Ary Fernandes Beto Rockfeller

Personagem: Renata Lins Novela de Bráulio Pedroso Direção de Lima Duarte e Walter Avancini

1969 Super Plá

Personagem: Albertina Guimarães (Titina) Novela de Bráulio Pedroso Direção de Walter Avancini

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1970 Simplesmente Maria

Personagem: Angélica Rios Novela de Benjamin Cattan e Benedito Ruy Barbosa Direção de Benjamin Cattan e Walter Avancini

O Meu Pé de Laranja Lima

Personagem: Glória da Silva (Godóia) Novela de Ivani Ribeiro Direção de Carlos Zara

1971 Nossa Filha Gabriela Personagem: Rosana Novela de Ivani Ribeiro Direção de Carlos Zara

1972 Na Idade do Lobo Personagem: Carina Novela de Sérgio Jockymann Direção de Walter Avancini e Carlos Zara

A Revolta dos Anjos Personagem: Stela Novela de Carmem da Silva Direção de Henrique Martins e Luiz Gallon

1973 A Volta de Beto Rockfeller Personagem: Renato Novela de Bráulio Pedroso Direção de Oswaldo Loureiro

1974 As Divinas… e Maravilhosas Personagem: Catarina (Cath) Novela de Vicente Sesso Direção de Oswaldo Loureiro e Egberto Luiz

REDE GLOBO

1974 O Rebu

Personagem: Sílvia Mahler Novela de Bráulio Pedroso Direção de Walter Avancini e Jardel Mello

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Caso Especial

Episódio: Reviravolta Texto de Leilah Assumpção Direção de Oswaldo Loureiro e Antônio Abujamra

1975 O Bravo! Personagem: Lia Novela de Janete Clair e Gilberto Braga Direção de Fábio Sabag

Caso Especial

Episódio: Tudo Cheio de Formiga Texto e direção de Alberto Salvá

1976 O Casarão

Personagem: Vânia Novela de Lauro César Muniz Direção de Daniel Filho e Jardel Mello

1977 Sinhazinha Flô Personagem: Sinhazinha Flô Novela de Lafayette Galvão Direção de Herval Rossano

1978 Sinal de Alerta Personagem: Vera Bastos Novela de Dias Gomes e Walter George Durst Direção de Walter Avancini e Jardel Mello

1979 Aplauso

Episódio: Marcados Texto de Lenita Plonczynski

Carga Pesada

Personagem: Laura Gonzaga Blota Episódio: A Estrada Seriado de Dias Gomes, Gianfrancesco Guarnieri, Walter George Durst, Carlos Queiroz Telles e Péricles Leal Direção de Milton Gonçalves, Gonzaga Blota e Alberto Salvá

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1981 Obrigado Doutor

Episódio: O Cartão Cinza

Seriado de Walther Negrão, Walter George Durst, Roberto Freire, Moacyr Scliar, Ferreira Gullar e Ivan Ângelo Direção de Fabio Sabag e Walter Avancini

1982 Caso Verdade

Episódio: Por Uma Fresta de Sol Texto de Chico de Assis, Direção de Walter Campos

1985 De Quina pra Lua

Personagem: Patrícia Novela de Alcides Nogueira com argumento de Benedito Ruy Barbosa Direção de Atílio Riccó, Mário Márcio Bandarra e Ricardo Waddington

O Tempo e o Vento

Personagem: Maria Valéria Minissérie de Doc Comparato Direção de Paulo José

1986 Caso Verdade Episódio: O Difícil Caminho

1989 Tieta

Personagem: Aída Novela de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares

Direção de Reynaldo Boury e Luiz Fernando Carvalho

1990 Lua Cheia de Amor

Personagem: Emília Novela de Ana Maria Moretzsohn Direção de José Carlos Pieri, Flávio Colatrello e Fred Confalonieri

1992 Anos Rebeldes

Personagem: Carmem Minissérie de Gilberto Braga Direção de Dennis Carvalho

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1993 O Mapa da Mina

Personagem: Carmem Rocha Novela de Cassiano Gabus Mendes Direção de Gonzaga Blota

Você Decide

Personagem: Gilda Sabino Episódio: Relações Delicadas

1994 Quatro por Quatro

Personagem: Fátima Novela de Carlos Lombardi Direção de Ricardo Waddington Memorial de Maria Moura Personagem: mãe de Maria Moura Minissérie de Jorge Furtado e Carlos Gerbase Direção de Denise Saraceni, Mauro Mendonça Filho, Marcelo de Barreto e Roberto Farias

Pátria Minha Personagem: Zuleica Novela de Gilberto Braga Direção de Dennis Carvalho, Roberto Naar, Ary Coslov e Alexandre Avancini

1996 O Rei do Gado

Personagem: Donana Novela de Benedito Ruy Barbosa Direção de Luiz Fernando Carvalho

Você Decide

Personagem: Clarice Nunes Episódio: Pobre Menina Rica Texto de Tiago Santiago

1999 Terra Nostra Personagem: Ana Novela de Benedito Ruy Barbosa Direção de Jayme Monjardim e Carlos Magalhães

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2000 Aquarela do Brasil

Personagem: Olga Minissérie de Lauro César Muniz Direção de Jayme Monjardim e Carlos Magalhães

2003 A Casa das Sete Mulheres

Personagem: Dona Ana Joaquina Minissérie de Maria Adelaide Amaral e Walther Negrão Direção de Jayme Monjardim e Marcos Schechtman

2005 América

Personagem: Fátima Novela de Gloria Perez Direção de Marcos Schechtman

Malhação

Personagem: Filó Seriado de Izabel de Oliveira e Paula Amaral Direção de Mário Márcio Bandarra e Roberto Vaz

Linha Direta Justiça Episódio: Caso Vladimir Herzog

2006 Páginas da Vida Personagem: irmã Natércia Novela de Manoel Carlos Dirão direção de Jayme Monjardim, Fabrício Mamberti

2007 Sítio do Picapau Amarelo

Personagem: Dona Benta Seriado adaptado da obra de Monteiro Lobato com redação final de Cláudio Lobato Direção de Carlos Magalhães

2008 Casos e Acasos

Personagem: Hilda Episódio: O Colchão, a Mala e a Balada Seriado de Daniel Adjafre e Marcius Melhem Direção de Marcos Schechtman e Jayme Monjardim

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Faça Sua História

Personagem: Iracema Episódio: Todo Mundo Louco Seriado de João Ubaldo Ribeiro e Geraldo Carneiro Direção de Alexandre Boury e Mauro Farias

2009 Caras & Bocas Personagem: Piedade Novela de Walcyr Carrasco Direção de Jorge Fernando

2011 Insensato Coração Personagem: Zuleika Novela de Gilberto Braga e Ricardo Linhares Direção de Dennis Carvalho e Vinicius Coimbra

2012 Gabriela Personagem: Florzinha Novela de Walcyr Carrasco Direção de Mauro Mendonça Filho

2013 Flor do Caribe Personagem: Olivia Novela de Walther Negrão Direção Leonardo Nogueira

2017 Tempo de Amar Personagem: Irmã Imaculada Novela de Alcides Nogueira Direção de Jayme Monjardim

REDE BANDEIRANTES

1980 Pé de Vento

Personagem: Terezinha Novela de Benedito Ruy Barbosa Direção de Arlindo Barreto e Plínio Paulo Fernandes

Dulcinéa Vai à Guerra Personagem: Jerusa Novela de Sérgio Jockyman Direção de Henrique Martins

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TV CULTURA

1981 Floradas na Serra Personagem: Elza Novela de Geraldo Vietri baseada no romance homônimo de Dinah Silveira de Queiróz Direção de Atílio Riccó

REDE MANCHETE

1998 Brida Personagem: Diva Novela de Jaime Camargo baseada no romance homônimo de Paulo Coelho Direção de Walter Avancini

SBT 2004 Seus Olhos Personagem: Edite Novela com texto original de Inés Rodena escrita por Ecila Pedroso, Noemi Marinho, Marcos Lazarini, Conchi, Aimar Labaki, Mário Viana e Fábio Torres Direção de Henrique Martins

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Política e Gestão Pública

1983 a 1987 Deputada Federal pelo Estado de São Paulo / Partido dos Trabalhadores

1987 a 1991 Deputada Federal Constituinte pelo Estado de São Paulo / Partido do Movimento Democrático Brasileiro

1987 a 1988 Secretária da Cultura do Estado de São Paulo

1999 Presidenta da Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj)

Quando minha competente produtora executiva, Débora Torres, mar cou com Bete Mendes para lhe fazermos o convite de participação no nosso longa Vazio Coração, lá em 2010, preparei-me para encontrar com a musa da novela O Rebu e outras tantas personagens marcantes, como dona Ana Joaquina na minissérie A Casa das Sete Mulheres. Passava também por minha cabeça a Bete Mendes de filmes, como: Eles Não Usam Black-Tie, Aparecida – O Milagre, entre tantos ou tros trabalhos. Isso sem falar na Bete Mendes ativista política, presa pela pelo Doi-Codi naqueles “anos de chumbo”. Felizmente, o tempo vai indo e se incumbe de varrer, mesmo que lentamente, as mazelas de um país de homens e mulheres de fibra, como Bete Mendes, que, mais tarde, desenhou sua própria trajetória política. Mas voltando ao encontro para o convite, deparei-me com uma mulher cuja nobreza está na simplicidade, no dom de ouvir e na capacidade de se mostrar inteira, sem frescura, carinhosa com um roteirista e diretor desco nhecido, fora do eixo Rio-São Paulo, aqui de Goiânia. A sintonia ime diata entre diretor e atriz percebe-se em sua brilhante participação em nosso filme Vazio Coração, que, com a presença de Bete Mendes, ficou cheio de ternura e de amor, como se pode conferir em algumas cenas do filme. Minha querida Bete, Débora Torres, Lauro Moreira, Seu Timóteo, minha mãe e o Brasil inteiro te amam de verdade. Um beijo grande!!!!

Tive a honra e a felicidade de conhecer e trabalhar com Bete Mendes por ocasião de nosso filme Esta Noite Seremos Felizes (em fase de fi nalização), e poder ver Bete em cena tão de perto é arrebatador. Que poder ela transmite com sua delicadeza, quanta força nas sutilezas. Ao longo dos takes, era impressionante ver como cada pequena variação de olhar, cada ligeira mudança de postura, de movimento ou de ento nação carregavam tanto, diziam tanto. Creio que a razão disso esteja no fato de Bete ser uma artista (e uma alma) das mais generosas. Desde nossas primeiras conversas por telefone, passando por todo o proces

Depoimentos

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so de leituras, ensaios e filmagens, Bete nos presenteou não apenas com toda sua experiência, técnica e talento, mas também com muita curiosidade, encantamento e fascínio pela personagem, pelo tema, pelo projeto. Tudo com o objetivo de juntos construirmos o melhor filme possível, juntos fazermos arte. Em tempos tão sombrios, foi um privilé gio resistir e ser artista ao seu lado. Estar diante de uma figura histórica para a cultura e a política brasileiras como é a Bete, com sua gentileza, delicadeza, força e resistência, acalenta nosso coração, ilumina nosso passado e, com sua luz, nos enche de esperança pelo que pode ser nosso futuro. Parabéns por esta merecidíssima homenagem, Bete!

Diego dos Anjos, diretor e roteirista

A visceral atriz dos filmes de Roberto Santos e de Leon Hirszman, entre outros diretores de marcantes filmes da História do cinema bra sileiro; do Teatro e da dramaturgia de nossa TV, Bete Mendes, tem a sua inseparável atuação como cidadã e como política. Conhecida defensora da Democracia, da Cultura, da Liberdade e dos Direitos Humanos, marcada pelo episódio da denúncia da presença de um tor turador da ditadura num cargo diplomático no exterior, que revela a sua coragem como parlamentar naquela ocasião. Tive o privilégio de contar com seu talento e disciplina no filme que dirigi Introdução à Música do Sangue e que selou a nossa amizade para sempre.

Parabéns, Bete !

Luiz Carlos Lacerda, diretor

Meu amor por Bete Mendes vem do berço, e isso não é apenas uma forma de expressão. É fato. Nasci em 1966, e em 1968 Bete estrelou Beto Rockfeller, a novela que revolucionou o gênero, e assim ela pas

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sou a fazer parte de minhas memórias mais profundas, aquelas ante riores à linguagem. Alguns anos depois, assistindo à ousada novela O Rebu, me apaixonei por sua linda e andrógina personagem de cabelos curtíssimos. Em Eles Não Usam Black-Tie, ela foi a escolha perfeita não só pelo seu talento, mas por seu engajamento político. Bete nunca foi apenas a mocinha linda, cativante e carismática. Sua preocupação com as questões sociais deu outra dimensão ao seu ofício. Tive a sorte de contracenar e conviver com Bete no papel de sua filha na minissé rie Anos Rebeldes, onde nós do elenco contamos com sua experiência e generosidade ao dividir momentos dramáticos vividos por ela no período da ditadura militar. Nunca vou me esquecer de uma cena gra vada no Doi-Codi em que ela e eu visitávamos o personagem do Ge raldo Del Rey na prisão. Foi muito forte viver esse momento com ela, num lugar que, mesmo já estando desativado há algum tempo, ainda guardava a atmosfera de terror do período mais violento da ditadura militar. Impossível imaginar mãe mais doce e acolhedora. Bete jamais perdeu uma postura positiva e terna diante da vida e do trabalho.

Conheci Bete Mendes na década de 70 na TV Tupi, em São Paulo. Par ticipávamos de novelas diferentes e, por isso, não tive a oportunidade de contracenar com ela, o que lamentei muito, pois sempre a considerei uma excelente atriz. Nós nos encontrávamos sempre nos corredores da emissora ou no restaurante da esquina, ponto de encontro para almoço ou lanche, aí então batíamos longos papos! Tempos depois, viemos a trabalhar no mesmo filme, Vazio Coração, de Alberto Araújo. Outra vez não tivemos a oportunidade e o prazer de contracenar. Finalmente, agora, em 2022, no filme Esta Noite Seremos Felizes, de Diego dos An jos, aí sim, contracenamos. O que foi um grande prazer! Nada mais justo e merecedor que Bete Mendes seja homenageada neste Festival.

Othon Bastos, ator

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Legendas e créditos das imagens

Capa - Foto de Selmy Yassuda / Acervo IBCA-Galpão Produções (2022).

Pág. 2 - Foto de Selmy Yassuda / Acervo IBCA-Galpão Produções (2022).

Pág. 4 - No Filme Eles Não Usam Black-Tie (1981) / Frame do filme.

Pág. 6 - Na novela O Rebu (1974) / Acervo Rede Globo.

Pág. 10 - Bete Mendes na primeira comunhão (1955) / Acervo pessoal de Bete Mendes.

Pág. 16 - Na minissérie Anos Rebeldes (1992). Na imagem acima com Malu Mader; abaixo com Mila Moreira, Cássio Gabus Mendes e Malu Mader / Acer vo Rede Globo.

Pág. 21 - No filme As Delícias da Vida (1974) / Acervo pessoal de Bete Mendes.

Pág. 31 - Na peça A Calça (1979) / Acervo CEDOC Funarte.

Pág. 32 - Com o ator Ítalo Rossi na peça A Calça (1979) / Acervo CEDOC Funarte.

Pág. 38 - Eva Wilma, Douglas Massola, Bete Mendes e Nicette Bruno na nove la O Meu Pé de Laranja Lima (1970) / Acervo pessoal de Bete Mendes.

Pág. 45 - Com a atriz Ruth de Souza na novela Sinhazinha Flô (1977) / Acer vo Rede Globo - Nelson Di Rago.

Pág. 53 - Com o ator Marcus Vinícius no filme J.S. Brown, O Último Herói do Gibi (1980) / Acervo Cinemateca Brasileira.

Pág. 61 - Com o ator Carlos Alberto Riccelli no filme Eles Não Usam Black-Tie (1981) / Frame do filme.

Pág. 62 e 63 - Com o ator Othon Bastos no filme Esta Noite Seremos Felizes (2022) / Still de Raúl Tamayo Estrada.

Pág. 64 - Na peça As Desgraças de uma Criança (1974) / Acervo pessoal de Bete Mendes.

Pág. 66 - Com o ator Helber Rangel no filme Os Amantes da Chuva (1979) / Frames do filme.

Pág. 68 - No filme Introdução à Música do Sangue (2017) / Foto de Rafaela Lima.

Pág. 78 - Acima, com as atrizes Angela Rebello e Laura Cardoso na novela Gabriela (2012). Abaixo, com os atores Vitor Mayer e Rosa Marya Colin no seriado Sítio do Picapau Amarelo (2007) / Frames de trechos das obras cita das no site Memória Globo.

Pág. 82 - Foto de Selmy Yassuda / Acervo IBCA-Galpão Produções (2022).

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CADERNO DO FESTIVAL DE CINEMA DE VITÓRIA HOMENAGEADA NACIONAL / 21ª Edição

Projeto Editorial - Lucia Caus e Paulo Gois Bastos Edição - Paulo Gois Bastos Reportagem - Laís Rocio, Leonardo Vais e Paulo Gois Bastos Redação - Laís Rocio e Leonardo Vais Projeto Gráfico - Paulo Prot Diagramação - Gustavo Binda Revisão de Texto - Patricia Galetto

Especificações Gráficas

Tipografia - Gandhi Serif (opensource)

Papéis - Offset 180 g/m² para miolo e Supreme 250g/m² para a capa

Impresso em Vitória|ES

O Caderno do Festival de Cinema de Vitória - Homenageada Nacional é uma publicação do 29º Festival de Cinema de Vitória, evento realizado de 19 a 24 de setembro de 2022 em Vitória-ES. O Festival é uma realização da Galpão Produções e do Instituto Brasil de Cultura e Arte.

Nosso endereço e contatos:

Rua Professora Maria Candida da Silva, nº 115-A - Bairro República - Vitória/ES, CEP 29.070-210 Tel: +55 27 3327 2751 / producaofcv@ibcavix.org.br www.festivaldecinemadevitoria.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Caderno do Festival de Cinema de Vitória : Bete Mendes / Laís Rocio, Leonardo Vais da Silva. -- 21. ed. -- Vitória, ES : Galpão Produções Artísticas e Culturais, 2022. -- (Caderno do Festival de Cinema de Vitória - Homenageado Nacional ; 21)

“Bete Mendes Homenageada Nacional Vitória - ES, setembro de 2022”. ISBN 978-65-992666-4-5

1. Cinema - Festivais 2. Documentário (Cinema) 3. Festivais de cinema - Brasil 4. Festivais de cinema - Vitória 5. Festival Nacional de Cinema I. Silva, Leonardo Vais da. II. Título III. Série.

22-128016 CDD-791.4309

Índices para catálogo sistemático:

1. Festivais de cinema : História 791.4309

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

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