Joanna Marini
CONEXÃO BRASÍLIA
Roberto Nogueira Ferreira
S
SOBRE BULAS E CARDÁPIOS. As bulas impressas em seu labirinto
e fosse só produzir e vender. Atender pedidos e imprimir. Dar ao papel conteúdo, cor e forma. Transformar o branco do papel em documento essencial. Tudo seria simples e fácil como sempre foi. Sim, porque a indústria gráfica há mais de dois séculos informa e eterniza o que interessa à sociedade brasileira. De repente, não mais que de repente, eis que a tecnologia chega, avança, ocupa espaços, para o bem e para o mal. A bula impressa, quieta em seu canto, cumprindo indispensável papel social, se vê comparada ao cardápio de um botequim qualquer, com todo respeito que eles, os botequins, bares e restaurantes merecem. O parlamentar que propõe o fim da bula impressa parece desconhecer as desigualdades no acesso à Internet. Desconsidera, por outro lado, que o consumidor é em regra um ser vulnerável tecnologicamente e que, portanto, cabe ao fabricante o ônus de lhe fornecer todas as informações necessárias, que hoje presentes estão na bula impressa. Que informações seriam essas? Por exemplo: O que é essencial saber antes de usar o medicamento. Como o medicamento age em seu organismo. Quando e em que situações o medicamento não deve ser usado. Quais são as advertências e as precauções necessárias que o consumidor idoso deve ter. O que fazer frente a reações adversas. Qual é a dosagem recomendada. Enfim, são informações básicas que protegem o consumidor e, também, o fabricante, por isso elas devem estar impressas no documento que formaliza essa relação, no caso, a bula. Papel impresso é documento, para ambas as partes. Outro aspecto que permeia debates quando se trata de papel impresso, e não é de hoje, é o falso argumento sobre a “devastação de florestas nativas”. A tecnologia, no caso, poderia favorecer os mal informados, ainda que bem intencionados. É só pesquisar no Google que
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janeiro /março 2022
lá se encontra: 100% da celulose utilizada no Brasil, que se transforma em papel, são derivadas de árvores plantadas exclusivamente para fins industriais. Não se derruba árvore nativa para fazer papel. Outra pesquisa disponível e necessária pode evidenciar a realidade aos parlamentares e demais interessados em “bula eletrônica”. A referência é sobre como a bula é vista aos olhos do mundo. Vejamos alguns países em que a bula impressa é obrigatória por Lei: Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Áustria, Finlândia, Estônia, Hungria, Itália, Suécia, Suíça, Países Baixos, Portugal. E tantos outros mais. A proposição, além de equívocos formais no texto original do Projeto de Lei, em parte contornados no Substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados no apagar das luzes de 2021, continua a carecer de debates profundos no âmbito do Congresso Nacional — exame em Comissões Técnicas e Audiências Públicas —, para se conhecer o posicionamento das entidades de defesa do consumidor, da classe médica/hospitalar, dos fabricantes, dos órgãos responsáveis pelas políticas públicas de saúde, de representantes do poder judiciário, pois, muito além do avanço tecnológico, estamos a falar, ao fim e ao cabo, de vidas humanas e não humanas, inserindo-se o universo dos animais. Medicamentos e filé com fritas são incomparáveis. Mitigar os riscos, construir uma proposta final que contenha avanços tecnológicos é natural e saudável. Foge à naturalidade propor o fim da bula impressa em um país que tem 14 milhões de desempregados e 20 milhões de cidadãos vivendo abaixo da linha de pobreza. Todos, potenciais e efetivos consumidores de medicamentos. Muito provavelmente, sem acesso à internet. Roberto Nogueira Ferreira é consultor da Abigraf Nacional em Brasília roberto@rnconsultores.com.br