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A morte delas também é a nossa
A MORTE A MORTE DELAS DELAS TAMBÉM TAMBÉM É A NOSSA É A NOSSA
Sem a polinização feita pelas abelhas, a produção agrícola poderia ser reduzida em 30% a 40%
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Escrito por Laura Fiori e Valeria Cenci
Você conhece a importância das abelhas para a vida humana? Esses pequenos insetos, em sua busca por alimentação, viabilizam a fertilização de plantas ao visitarem jardins e plantações. O papel das abelhas como polinizadoras é de extrema importância principalmente na agricultura, já que, de acordo com um estudo realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), as abelhas são responsáveis pela fertilização de 33% da produção agrícola mundial.
Foto: Valeria Cenci
Mas, o que se vê atualmente são dados alarmantes que apontam um declínio no número de abelhas no mundo. Dentre os motivos para esta baixa está o uso de agrotóxicos em plantações.
De acordo com o engenheiro agrônomo e extensionista rural da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) de Formosa do Sul/SC, Vilmar Franzen, quando se trata dos agrotóxicos que podem afetar abelhas, é necessário primeiramente distinguir as três categorias desses produtos que são utilizadas na agricultura. São elas herbicidas, fungicidas e inseticidas. Segundo ele, são poucos os herbicidas que afetam as abelhas de forma expressiva, sendo rara a morte quando o produto é usado de forma correta. No caso dos fungicidas, eles podem afetar a abelha diretamente, matando-a, ou indiretamente, quando interferem na sobrevivência dos microorganismos na colmeia.
Segundo Franzen, quando se trata dos inseticidas, a situação é mais crítica. De acordo com ele, teoricamente os inseticidas de base química podem matar abelhas. Os produtos que se destacam dentro deste grupo são os neonicotinoides, como fipronil, imidaclopride e tiametoxam. Franzen destaca que estes princípios ativos estão presentes na grande maioria dos inseticidas utilizados atualmente na agricultura, sendo colocados tanto nas sementes quanto na pulverização de cultivos.
De acordo com Franzen, o inseticida não é o problema em si, mas a forma como ele é utilizado. “Tem que se entender o comportamento da abelha. A abelha não vai passear na lavoura. Ela vai aonde tem flor
que ela possa coletar néctar. Apenas isso, essa é a atividade dela e com isso ela realiza a polinização das plantas. Então onde está o problema? Quando é aplicado inseticida sobre plantas em floração. É importante ressaltar que não existe base legal para se recomendar a aplicação de inseticidas nessa fase do cultivo, de nenhum cultivo. Então quando é feito, foi orientado de forma irregular ou foi aplicado pelo produtor de forma irregular. Não se pode fazer isso” ressalta.
Segundo o engenheiro agrônomo da Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) de Rondinha/RS, Leandro Soares, os casos de mortalidade de abelhas nas áreas em que atua - Carazinho, Ronda Alta e Rondinha, no Rio Grande do Sul - não tem como motivo a intoxicação por agrotóxicos. “Chegamos a conclusão de que nenhum desses casos que teve mortalidade foi devido ao uso de agrotóxicos, nem de forma errada do uso do agrotóxico pelo agricultor ou apicultor. [...] Aqui na região,
De acordo com o site RFI, o inseticida fipronil é utilizado na agricultura para o controle de pragas que atacam o milho, o girassol e as maçãs verdes. Ele age nas células nervosas dos insetos, que morrem de hiperexcitação.
todos os casos que nós fomos visitar, que nós atendemos de mortalidade de abelhas, foi por erro de manejo ou por causas até desconhecidas”, aponta.
Segundo uma reportagem publicada na revista Época, testes realizados com recursos do Ministério Público estadual apontam a morte de 50 milhões de abelhas derivadas de agrotóxicos em janeiro de 2019 no estado de Santa Catarina. Segundo a reportagem, o fipronil é a principal causa dessas mortes.
Vida em desequilíbrio
“Imagine: você tem uma fábrica onde há uma linha de produção que segue um fluxo, onde entra a matéria prima e sai o produto acabado. Agora, você vai ter cerca de 20% dos empregados que vão trabalhar contra o fluxo, que vão derrubar produto no chão, que vão começar a discutir lá dentro e fazer uma confusão. Ainda com os outros 80% dos funcionários que vão trabalhar normalmente, não vai haver mais a mesma produtividade, o mesmo resultado”. Esta é a realidade de uma colmeia de abelhas após a intoxicação devido ao contato com agrotóxicos. A analogia é citada pelo engenheiro agrônomo e extensionista rural da Epagri de Formosa do Sul/SC, Vilmar Franzen.
Ele conta que situações como essa acontecem pois os agrotóxicos atuam nos neurotransmissores cerebrais das abelhas, o que afeta toda a colmeia, assim como as abelhas que vão ao campo, já que elas não acham o caminho de volta. Porém, neste caso, a intoxicação por agrotóxico seria crônica. Em situações em que a intoxicação é aguda, a colmeia colapsa, ou seja, morre.
Mas, de acordo com o engenheiro agrônomo da Emater de Rondinha/RS, Leandro Soares, não há mudança no comportamento das abelhas no contato com agrotóxicos. “No comportamento em si não tem influência nenhuma, a abelha continua sendo abelha e fazendo o serviço dela com ou sem agrotóxico”, afirma.
Ainda de acordo com Soares, a produção só seria prejudicada caso haja a utilização de forma errônea do agrotóxico por parte do apicultor. “Pode causar a mortalidade e reduzir o número de enxames dos apicultores e, obviamente, a produção de mel também acaba caindo. Pode também acontecer de ter uma contaminação pequena do enxame e ele baixar a produção, não chega a morrer o enxame, mas ter uma baixa na produção”, aponta.
Os impactos referentes a morte de abelhas podem ser diversos, mas nem sempre calculados. De acordo com o engenheiro agrônomo da Epagri de Formosa do Sul/SC, Vilmar Franzen, é difícil mensurar a perda de espécies na região em que atua. Mas, em locais onde ocorre a aplicação de agrotóxicos aérea e o produto é aplicado na lavoura e em parte das matas adjacentes, é possível identificar a morte das “abelhas de mel”, cujo nome é aphis mellifera, pois elas possuem um dono. Porém, a morte de espécies de abelhas como também de outros tipos de insetos que vivem nas matas, não pode ser contabilizada. “Outros insetos e outras abelhas que estão nas matas, simplesmente não se sabe onde estão e como estão. Eles vão morrer. Nós não vamos ficar sabendo [...] já que é um tanto inviável investigar isso de forma sistemática”, explica.
A abelha nativa do Brasil, também a mais popular, é a Jataí. Uma espécie sem ferrão e que pode ser encontrada em todas as regiões do Brasil, inclusive em centros urbanos. O manejo do tipo de abelha tetragonisca angustula pode ser considerado mais
A abelha nativa do Brasil, também a mais popular, é a Jataí. Uma espécie sem ferrão e que pode ser encontrada em todas as regiões do Brasil, inclusive em centros urbanos. O manejo do tipo de abelha tetragonisca angustula pode ser considerado mais fácil em função de ela não possuir ferrão. Costuma estar em troncos de árvores mais velhas e é responsável pela polinização de muitas plantas nativas. As abelhas jataí são conhecidas por sua robustez, assim, vivem no frio do inverno do sul do país e no calor do centro e norte do Brasil.
fácil em função de ela não possuir ferrão. Costuma estar em troncos de árvores mais velhas e é responsável pela polinização de muitas plantas nativas. As abelhas jataí são conhecidas por sua robustez, assim, vivem no frio do inverno do sul do país e no calor do centro e norte do Brasil.
Com relação ao uso de agrotóxicos e as consequências para a produção de mel e outros alimentos, Franzen conta que é uma realidade possível. “Frutas de maneira geral dependem da polinização cruzada que as abelhas acabam promovendo. Já cereais como milho, trigo, soja, não são dependentes de polinização, mas são favorecidos com a polinização cruzada. Porém, o que isso aumenta em termos de produtividade não afetaria a produção de alimentos. Mas frutas sim, nozes, castanhas, enfim. A própria diversidade ambiental das plantas nativas seria afetada”, afirma.
Em entrevista concedida para uma reportagem da revista Época, o agrônomo Rubens Onofre Nodari, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explicou que com a falta da polinização das abelhas, haveria uma redução de 30% a 40% na produção agrícola. Segundo Nodari, alguns pesquisadores apontam 73%. Ainda de acordo com a reportagem, não existem pesquisas nesse teor referentes ao estado de Santa Catarina. Porém a morte das abelhas ocasionaria a não existência de maçãs, frutas produzidas no Estado.
Luz no fim do túnel?
Entre as regiões do mundo em que a problemática das abelhas mais tem tido repercussão é a Europa. Esse movimento tomou força a partir de um estudo divulgado por uma obscura sociedade entomológica alemã, conforme consta em matéria da revista
Foto: Valeria Cenci
Piauí. O estudo aponta que as populações de insetos voadores nas reservas naturais da Alemanha haviam recuado 75% ao longo de 25 anos.
A pesquisa de 2017 desencadeou um debate sobre a questão. Atualmente na Alemanha a iniciativa popular “Salvem as abelhas” quer forçar o governo da Baviera a buscar soluções para a diminuição da biodiversidade. A proposta prevê o incentivo à agricultura orgânica, proteção de matas ciliares, a ampliação da ligação de habitats naturais e o banimento de agrotóxicos.
E no Brasil, quais as proposta de solução para esse problema? Com a liberação intensiva de agrotóxicos, muitos deles a base de Fipronil, reverter esse cenário se torna cada vez mais complexo. Para o engenheiro agrônomo da Epagri de Formosa do Sul/SC, Vilmar Franzen, temos que entender que as soluções passam pelo uso adequado de agrotóxicos. Se faz respeitando os prazos para aplicação dos químicos, “as épocas em que são registradas no Ministério da Agricultura, que no Brasil é exigente, como primeira medida. Em segunda medida, o mundo inteiro está investindo e passando a utilizar ferramentas, inseticidas de base biológica, controle biológico, com insetos que destroem pragas, fungos que afetam pragas, vírus, enfim”, explica. Para o agrônomo, os produtos de controle biológicos funcionam de forma efetiva e por esse motivo merecem incentivo.
Na quarta-feira, 27 de novembro, o Ministério da Agricultura publicou a autorização do registro de mais dois agrotóxicos inéditos, conforme divulgado pelo site G1. Além deles, foram liberados outros 55 genéricos - variações de produtos que já existem no mercado. Um dos dois novos produtos é um agrotóxico biológico e outro é considerado de baixa toxicidade conforme a nova metodologia de
Foto: Valeria Cenci
classificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O defensivo biológico é a vespa Telenomus podisi e poderá ser usado para combater o percevejo marrom.
Franzen explica que a morte das abelhas não ocorre exclusivamente pelo uso indevido de agrotóxicos. O manejo dos apiários por parte dos apicultores tem papel decisivo na proteção da vida destes insetos. “Não podemos esquecer que existem outros elementos que causam a morte das abelhas. Entre elas, quando o apicultor não faz aquilo que ele já sabe fazer. Existem três formas de matar qualquer organismo: de fome, por doença ou por envenenamento” comenta. Com a abelha não é diferente, o agrônomo conta que se ela estiver fraca, com fome, afetada por alguma doença em maior ou menor grau, se tomar uma dose de veneno, vai morrer muito antes do que se tivesse um organismo saudável. Na opinião de Franzen, há morte de abelhas na região em função do uso de inseticidas, da mesma forma que existe morte de enxames por fome, por falta de alimento na colmeia.
O engenheiro agrônomo que atende a Emater do município de Rondinha, Leandro Soares, traz questões parecidas e é ainda mais incisivo. Para ele, “os produtores não estão conseguindo aumentar os enxames por erro de manejo, e pior, muitas vezes estão colocando a culpa em outro fator e não estão resolvendo o problema. Então esse é um foco que nós temos nos últimos anos, de levar essa orientação para o produtor. O que ele tem que fazer para evitar a mortalidade, conseguir aumentar o número de enxames, conseguir aumentar a produção de mel e, lógico, também estamos levando para o produtor a questão dos agrotóxicos, o uso correto e adequado para evitar problemas”, explica.
Para Leandro a solução da mortandade de abelhas pode ser resolvida de forma muito simples. “Se foi mal utilizado o agrotóxico, as abelhas podem ser afetadas, mas isso é muito fácil de se corrigir, muito fácil de se resolver. É apenas conscientização e orientação dos produtores para não utilizar os produtos. São uma quantidade pequena de produtos que causam realmente a mortalidade das abelhas. Se esses produtos forem bem aplicados, não tem risco nenhum. O segundo fator é que sem o uso de agrotóxicos a gente também não teria comida”, comenta.
Porém a solução para esse problema é muito mais complexa do que parece. Com um ambiente tão desfavorável para a vida das abelhas, várias questões devem se adequar. A resolução passa por diversos setores da sociedade, desde órgãos públicos, até apicultores ou mesmo o consumidor de mel. Cada um tem uma fatia de responsabilidade neste problema com proporções tão catastróficas.
É necessária acriação de políticas que preservem as espécies de abelhas nativas, de forma especial. Além de um trabalho de conscientização da importância das abelhas, não só como produtoras de mel, com viés econômico, mas em especial como as principais responsáveis pela vida no planeta. Com consciência é possível reduzir o uso de agrotóxicos e, quando usados, serem aplicados de forma adequada. Assim será possível amenizar esse cenário devastador.