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Guardiãs de um legado: a luta das mulheres pela preservação da cultura cabocla

GUARDIÃS DE UM LEGADO

A luta das mulheres pela preservação da cultura cabocla

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Escrito por Alexsandra Zanesco e Ana Laura Baldo

Do trabalho árduo e diário, da simplicidade e da luta incansável pela preservação do meio ambiente, os caboclos construíram uma sociedade simples, que visa o amor pela terra e pela vida. No Oeste catarinense, eles chegaram de todos os lugares do Brasil, a procura de um lugar onde pudessem trabalhar e viver em paz. Como explica a doutora e mestre em antropologia, Arlene Renk, “A cultura cabocla é complexa, e é definida de forma abstrata. Diria que tem como marco histórico a colonização, momento em

que ‘sentiu na carne’ a diferença em relação ao colonizador, instante em que houve a expropriação das terras e do modo de vida para ceder espaço aos ‘novos moradores’”.

Os caboclos, trabalhavam preocupados com a sua subsistência, nunca em busca de acúmulo de riquezas, apenas desejavam uma vida saudável. A professora Arlene relata seus estudos sobre o modo de vida deste povo, “De modo geral, não partilhavam dos valores e perspectivas econômicas do colonos e colonizadores. Seguiam a lógica de fazer para viver. O importante não era acumular”. Assim, os caboclos, como retrata a história, produziam seus próprios alimentos, em suas terras, dentre eles o arroz, feijão, milho e erva-mate, além disso mantinham alguns animais para uso de seus derivados e sua carne. Eles levavam a sério a partilha da amizade, se preocupavam com a “mão amiga”, já que a solidariedade sempre foi uma das principais qualidades do povo caboclo.

As ações dos caboclos tiveram um contato especial e direto com a natureza, o comportamento do povo, explica como a sua cultura é essencial e fundamental para a preservação do meio ambiente. As casas dos caboclos eram construídas em morros e encostas de rios, o espaço podia ser utilizado para sua subsistência.

Originado da língua tupi, o termo caboclo, é usado para designar a descendência da miscigenação dos indígenas, de origem distintas (Kaingang ou Guarani), escravos, e egressos das fazendas de Palmas, Lages e Rio Grande do Sul, com os europeus brancos. O termo caboclo, é usado com frequência para falar sobre o modo de vida, por alguns momentos, a questão racial é deixada em segundo plano.

A vida e o trabalho, que nunca foram fáceis, eram de suma importância para os caboclos, eles eram responsáveis por plantar, cuidar dos animais, realizar a extração da madeira e da erva-mate. Foi difícil conseguir um pedaço de terra onde o povo pudessem se instalar e viver em comunidade. As tradições que são passadas de gerações a gerações, são uma das características mais marcantes dos caboclos.

Os ensinamento desenvolvidos no trabalho, no modo de vida e na religião, são levados a sério por aqueles que cultivam os frutos desta cultura. “Nas últimas décadas, houve uma faccionalidade em relação à religião. Parte dos caboclos converteram-se ao pentecostalismo e desprezam as narrativas e crenças de outras religiões, inclusive, o popular catolicismo”, como explica Arlene. No Oeste de Santa Catarina, a valorização da cultura é marcada pelos museus que contemplam as obras que relembram à cultura cabocla. Como o Museu Histórico de Pinhalzinho e o Centro de Memórias do Oeste de Santa Catarina (Ceom), que por diversas vezes abre seu espaço para exposições, que retratam esta cultura.

Arlene Renk reforça a importância da valorização deste conhecimento deixado na região, “Creio que nas universidades e casas de memória, a cultura cabocla passou a receber um tratamento respeitoso. O Ceom publicou o ‘Inventário da Cultura Imaterial Cabocla’. Além disso, Pinhalzinho tem uma casa da memória, que fez um belo trabalho”.

Outros espaços têm se mostrado disponíveis para a cultura cabocla, como explica Arlene, “Nas universidades, tem sido escritas dissertações de mestrado muito interessantes sobre os caboclos. No ambiente acadêmico há relativa visibilidade”. Ela reforça que é preciso conquistar mais visibilidade “Fora desta atmosfera acadêmica, há um silêncio. Caberia investigar a mídia local para saber qual o tempo dedicado aos cabloco, e comparar com a área concedida à cultura gaúcha”.

Preservar a cultura cabocla e os alimentos que vem dessa cultura significa, resistência. Foto: Ana Laura Baldo

Sementes da solidariedade

Originárias e produzidas com o cuidado, e dedicação da agricultura familiar, assentados da reforma agrária, quilombolas ou indígenas, as sementes crioulas, tradicionais, da paixão ou da solidariedade, são variedades desenvolvidas por comunidades agrícolas, com características bem determinadas e reconhecidas pelos respectivos produtores. Segundo o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (Nead), estas sementes, são passadas de geração em geração, e são preservadas em bancos de sementes que espalhados por todo o Brasil.

Em meio a problemas, que podem ocorrer, os bancos de sementes trabalham como forma de garantia para os produtores rurais, pois até mesmo os melhores exemplares sofrem com problemas climáticos e epidemias agrícolas. Na possibilidade de uma safra ser prejudicada, os agricultores contam com as sementes estocadas para recuperar a sua produção.

Com pensamento para o futuro, o Governo Federal compreende a importância de apoiar e fortalecer o armazenamento das sementes tradicionais. As mesmas são uma forma de auxiliar a ampliação das bases genéticas disponíveis para os agricultores. Apesar da disseminação das sementes híbridas e transgênicas, milhares de famílias do campo resistem e espalham as sementes crioulas por todos os cantos do país, com o intuito de conservar a agrobiodiversidade. Juntas, essas famílias e comunidades compartilham conhecimentos, práticas e crenças. A população do campo passou a se organizar em associações e estabeleceu redes e parceiros, como forma de solucionar suas próprias demandas.

As sementes da paixão podem ser encontradas em bancos de sementes individuais, coletivos ou institucionais, que visam preservar e disseminar essas produções agrícolas, de forma adequada. Elas estão disponíveis ainda, em feiras ou eventos de troca de sementes, organizados por movimentos sociais, cooperativas da agricultura familiar e sindicatos rurais. A internet também é uma forma de adquirir essas iguarias, que estão disponíveis em sites de doação, troca ou compra de sementes.

Da colheita ao armazenamento: um ato de amor

O preparo da terra é primeiro passo para produção das sementes crioulas, já que as mesmas não recebem nenhum tipo de adubo químico. O espaço precisa ser afastado da poluição e dos agrotóxicos. O melhor adubo para o solo, é o verde, como feijão de porco, amendoim forrageiro, feijão guandu e fava. Essas plantas são responsáveis por fixarem o nitrogênio na propriedade, além de cobrirem o espaço, de forma a evitar a erosão e a perda da água. A adubação pode ser complementada com resíduos de alimentos, estercos de animais e rochas moídas, como, calcário e fosfato natural.

A etapa seguinte é separar as sementes boas para o plantio, dessa maneira diversos problemas no desenvolvimento da planta, são evitados. É preciso ainda, realizar o teste de germinação antes da semeadura. O teste consiste em semear diversas plantas pelo campo. Após alguns dias, contar as que germinaram de maneira normal, em seguida, dividir por quatro, para encontrar o percentual de sucesso do cultivo no solo desejado.

Em meio ao desenvolvimento das plantas, é preciso evitar as pragas e doenças, sem o uso de agrotóxicos. A urina de vaca e os biofertilizantes são alternativas para os agricultores, além de mais baratos, não fazem mal para a saúde dos produtores e consumidores. A colheita, deve ser realizada assim que as plantas atingem a maturação ou o ponto de colheita. Dessa maneira, é possível encontrar as sementes sem ataque de insetos e sem danos causados pelo clima.

É preciso realizar a secagem das sementes, para que possam ser armazenadas de forma correta, já que a colheita não será consumida de forma integral. O processo consiste em espalhar uma camada fina de sementes sobre uma lona ou algum plástico, que permita a circulação do ar. Elas devem ficar expostas ao calor, evitando o período de sol mais quente e o sereno, pois pode diminuir a germinação. Para evitar o superaquecimento, é necessário realizar a movimentação periódica das sementes.

Na resistência de preservar a cultura cabocla, muitas das semenstes cultivadas são doadas para a população. Foto: Ana Laura Baldo

Após limpas, as sementes podem ser guardadas em vasilhames, tambores ou sacos plásticos bem fechados. Os recipientes devem ser armazenados em um local coberto e fresco. As plantas que foram colhidas para o próximo plantio devem ser armazenadas em frascos separados. As embalagens devem ser identificados com a data de colheita e o nome da planta. Para conservar as sementes por mais tempo, não é necessário o uso de produtos químicos, pois a própria natureza fornece esses conservantes. O cal, a cera de abelha, as cinzas de madeira, a casca de laranja seca e moída, os dentes de alho, as folhas de eucalipto ou de louro, são alguns exemplos de produtos naturais, que prolongam a duração das sementes, previnem pragas e doenças, tudo isso, sem causar danos à saúde e ao meio ambiente.

Cores, aromas e sabores que preservam

Dona Rosalina Nogueira da Silva, carinhosamente chamada de Rosa, herdou de sua avó, sua mãe e suas tias, a árdua missão de resgatar e preservar o cultivo e a disseminação das sementes crioulas, além de conceder espaço a cultura cabocla pelo Oeste de Santa Catarina. Ela sempre soube que sua tarefa não seria fácil, por isso reuniu um grupo de mulheres da sua comunidade, a Linha Faxinal dos Rosa, que compartilhavam sua preocupação. São 43 anos de luta pela preservação da história das sementes crioulas, em meio a essa batalha, surgiu a Associação Pitanga Rosa. O trabalho do grupo é reconhecido legalmente a quatro anos, quando conquistou o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).

Fundada em 1976, a Associação Pitanga Rosa é resultado da preocupação de dona Rosa e algumas mulheres da comunidade, com a preservação, o cultivo e a conscientização das sementes crioulas. O nome foi definido junto de todas as participantes do coletivo, e é uma referência a pitanga, planta nativa da região, que é usada para fins alimentícios e medicinais. A pitanga é conectada há uma homenagem da comunidade para a dona Rosa, idealizadora da ideia.

A iniciativa é constituída por 40 mulheres e suas famílias, com base em um trabalho voluntário e coletivo. A contrapartida, além do amplo conhecimento, consiste em receber de forma gratuita cursos, palestras, remédios fitoterápicos, mudas e sementes. Essas atividades transformaram a região Oeste em um importante campo de estudo da cultura cabocla. Os encontros ocorrem duas vezes na semana, às segundas e quintas-feira, e são destinados ao trabalho coletivo das mulheres, que envolvem o plantio, cultivo, colheita, secagem, processamento e armazenagem de sementes e plantas medicinais crioulas.

O trabalho desenvolvido pela Associação Pitanga Rosa já têm frutos por todos os cantos. Todo mês, cerca de 980 pessoas visitam a Linha Faxinal dos Rosas, para conhecer e aprender junto do trabalho desenvolvido pelo coletivo, que hoje beneficia centenas de pessoas através de suas ações. Além de fazer um bem incalculável para o meio ambiente.

Os encontros do coletivo acontecem em um espaço localizado na parte mais afastada da Linha Faxinal dos Rosas, longe do acúmulo da poluição e dos agrotóxicos. No local, as mulheres e suas famílias se reúnem para realizar o processamento, preparo e conservação das plantas e sementes, além de executar capacitações e formações. Para a pesquisado Arlene Renk, produzir e cultivar as sementes crioulas é um ato de resistência. “A partir da perda das sementes nativas, faz-se todo o esforço em recuperar elas, isso é um ato político merecedor de atenção”.

Os produtos desenvolvido pela Pitanga Rosa são distribuídos para as voluntárias, o excedente da produção é partilhado ou comercializado, por um valor simbólico, na sede do grupo, nos encontros do Movimento das Mulheres Camponesas e em eventos culturais e comunitários. Além das sementes em natura, o grupo produz remédios homeopáticos, essências, compostos, xaropes e cápsulas fitoterápicas. Para colaborar, é preciso participar das formações oferecidas pelo grupo, adquirir os produtos desenvolvidos pelo coletivo, visitar e divulgar o trabalho desenvolvido pela Pitanga Rosa.

Sem medo de ser mulher: um movimento de resistência

Dentre as organizações responsáveis pela preservação e discriminação das sementes tradicionais, o Movimento de Mulheres Camponesas se destaca. O coletivo surgiu na década de 80 no Oeste de Santa Catarina. Na resistência, às integrantes lutam pela construção de uma sociedade com equidade de direitos e pelo fim do modelo capitalista e patriarcal impostos ao longo dos séculos. Elas são responsáveis pela preservação e conservação da agrobiodiversidade por todos os cantos do país.

O nome do coletivo, Movimento de Mulheres Camponesas, visa incluir as agricultoras, pescadoras, extrativistas, quilombolas, indígenas, sertanejas e caboclas. A organização é essencial para a construção de uma sociedade livre de opressão, na qual a luta pela preservação do meio ambiente é excepcional.

O movimento se faz presente em lutas que visam a emancipação da mulher. Elas constituíram a organização, motivadas pela bandeira do reconhecimento e valorização das trabalhadoras rurais. Suas lutas, sempre foram voltadas pela libertação da mulher, sindicalização, documentação, direitos previdenciários (salário maternidade, aposentadoria), participação política, na busca sempre incansável pela libertação, como afirmam em seu site.

Desse modo, o coletivo moldou-se e inclui outros movimentos sociais. Em 1995, foi criada a Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais, que uniu as mulheres de vários movimentos sociais, dentre eles, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Pastoral da Juventude Rural (PJR), o Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), o Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Como diz no site do MMC, “Lutamos por uma sociedade baseada em novas relações sociais entre os seres humanos e deles com a natureza”.

O MMC se caracteriza por ser um coletivo de cunho social, feminista, democrático, que visa a liberdade da mulher de todas as formas de opressão. A luta pela vida e autonomia feminina, pela preservação do meio ambiente e também pela preservação da cultura, fazem o Movimento de Mulheres Camponesas, junto com outros coletivos feministas e ambientais, fontes de força e resistência. Como diz a frase que ganhou as redes sociais, em meio aos momentos difíceis, “Ninguém solta a mão de ninguém”.

Rapadura de farinha tiririca

Ingredientes

- 1 kilo de açúcar mascavo - 3 ovos - Meia colher de banha - Farinha de mandioca

Modo de fazer

Quebre os ovos em uma tigela, coloque o açúcar. Faz-se uma gemada, derreta a banha na panela e coloque no fogo para cozinhar a gemada, mexendo sem parar. Quando estiver fervendo coloque a farinha até dar o ponto. Despejar em uma forma. Quando estiver frio corte e sirva.

Foto: Divulgação

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