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Reaproveitamento de carcaças de grande porte
Impactos positivos e negativos de ter ou não tal prática
Escrito por Cristian Alflen e Gabriela Busatta
Desde sua colonização, o Oeste Catarinense vem crescendo nos setores da agricultura familiar até as agroindústrias. Não é surpresa para muitos que a produção que inicia nesta região tem um impacto significativo na economia do Estado e, por conseguinte, do país. Hoje, o agronegócio no Brasil é responsável por cerca de 23% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, segundo dados disponibilizados em 2018 pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Tais números apresentam uma percepção de que a produção de suínos, bovinos e aves aumenta a cada dia em determinadas regiões. Felizmente, esse também é o cenário do Oeste de Santa Catarina.
Mas em contrapartida, esses mesmos dados levam a indagar em cima de duas questões: toda essa produção é aproveitada? E se não é, para onde vai? Apesar de não ser do interesse de múltiplas pessoas, essas questões envolvem também o crescimento econômico do país e, principalmente, do meio ambiente. Portanto, esse trabalho foi desenvolvido no intuito de esclarecer dúvidas ligadas aos impactos positivos do reaproveitamento de carcaças de animais de grande porte e também os impactos negativos do descarte incorreto e o que isso pode afetar ao nosso derredor.
Métodos comuns de descarte das carcaças
Por muitos anos os métodos mais comuns para “se livrar” de uma animal que acabou morrendo inesperadamente ou dos restos de animais depois de matá-lo para consumo é enterrar a carcaça, queimar, ou jogar no meio do mato para que os urubus e outros animais devorassem. Essa era e é a forma que vários agricultores ainda fazem por não ter um destino adequado.
Na Linha São Francisco-Itá, um produtor que não quis se identificar comentou que quando morre algum animal em sua propriedade, independente do tamanho, a carcaça é jogada numa “pirambeira” perto de um de seus aviários. Já na Linha Rosina Nardi-Seara, o produtor Rodrigo Zanluchi afirma que nunca houve despejo ou enterramento de animais mortos em suas terras, pois sempre tiveram composteira. “Como nossa propriedade não é grande comparada a outras, não temos muito problema com isso”, ressalta Zanluchi. Ele salientou que não se importaria se tivesse que pagar uma pequena taxa para alguma empresa efetuar o recolhimento, pois se torna vantajoso para a empresa e para o produtor rural.
Em Linha Encruzilhada Santa Cruz-Seara, na propriedade de Gilson Bordignon, a compostagem foi “inaugurada” há alguns anos. Antes disso, costumavam enterrar as carcaças ou jogá-las num barranco íngreme para que outros animais as comessem. Embora atualmente a composteira só aguente animais de porte pequeno ou médio, já amenizou bastante o problema. “Há algum tempo enterramos uma vaca grande, pois a composteira não dava conta”, lembrou Bordignon.
Questionado se havia utilizado outro método, disse que não, pois embora o dano ambiental que a carcaça causa embaixo da terra, a queima ou outra forma poderia ser pior. “Esquartejar ou talhar o animal já morto e depois jogá-lo na composteira seria uma cena nada agradável”, disse Gilson em tom mais sério.
Nas duas propriedades, o sistema de compostagem é o mesmo. Uma casinha com dois “cômodos” para as carcaças e um terceiro para depósito de serragem. Basicamente, o animal é jogado num desses cômodos com serragem a pouco mais de 30 cm de altura, a carcaça no meio e mais serragem por cima. Independentemente se estiver com fraturas expostas ou com placenta por conta de eventuais partos. A serragem decompõe a carcaça de forma a não deixar nem mesmo a ossada. Quanto ao tempo de decomposição, depende de dois fatores principais. Um deles é o tamanho do animal e o outro é a situação em que a carcaça se encontra. “Já tive que revirar, remexer e jogar ainda mais serragem quando via que o animal não decompunha”, destacou Gilson. Não chega a causar cheiro. A composteira preferencialmente fica a uma distância considerável da residência e do chiqueiro ou aviário, ou ambos.
Quem regulariza o descarte?
Até o momento não existe nenhuma Lei que atende, fiscaliza ou dispõe regras aos produtores rurais em torno dos aspectos sanitários, ambientais e econômicos do destino correto das carcaças no Brasil. (sugestão de olho)
O que existe em volta disso em Santa Catarina é o projeto de lei 5851/2016, de autoria do deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC), que fala do aproveitamento de carcaças de animais de produção e seus resíduos para transformar em produtos não comestíveis.
Segundo Valdir Collato, esse projeto tem regras para o recolhimento, transporte, estocagem e processamento de animais mortos (exceto por doenças que comprometam o processamento). A intenção, conforme o deputado, é garantir a destinação correta, saneamento ambiental e saúde ao restante dos animais. Quem realmente pode se beneficiar desse projeto são os agricultores que não possuem uma forma segura de destinar as carcaças.
Com esse sistema, é possível transformar as carcaças em novos produtos, como: adubos, biodiesel, produtos de higiene e limpeza. Conforme Collato, somente em Santa Catarina é estimado anualmente 300 mil toneladas de aves, suínos, equinos e bovinos mortos no meio rural, portanto, “o projeto dará mais segurança sanitária, além de amenizar os impactos ambientais e econômicos”, afirma o deputado.
Composteira da propriedade de Gilson Bordignon. Foto: Cristian Alflen.
Projeto Recolhe
Segundo o projeto, eram recolhidos em torno de 170 toneladas de carcaças por semana, equivalente em média de 800 suínos e 70 bovinos.. Pode-se projetar uma média de 1 a 2 animais mortos por dia em todas as propriedades rurais. Quando iniciou o recolhimento, os produtores rurais encontraram ali a solução para a questão. Todos os produtores rurais e autoridades são unânimes quando se questiona da importância do recolhimento para a sanidade rural.
Fechamento do projeto Infelizmente, desde o início de 2019 a empresa Cbrasa de Seara que realizava esse trabalho teve que fechar as portas por prejuízos colossais causados por não ter o que fazer com o que era originado das carcaças desde que o Projeto Recolhe havia começado. A princípio, não há qualquer possibilidade da Cbrasa retornar às atividades. O assunto é de suma importância para a cadeia produtiva catarinense, pois a região e o Estado são impulsionados pela agricultura e pecuária. O presidente da Cbrasa, Leonardo Biazus, não se manifestou até o momento quanto à parte administrativa e de funcionamento da empresa, visto que os funcionários receberam férias coletivas.
Houve reuniões para discutir o tema com todos os envolvidos, desde autoridades até produtores rurais. O Deputado Estadual Mauro de Nadal (MDB), autor do Projeto Recolhe ainda em 2015, é uma das lideranças que ajudaram para conseguir a instrução normativa do Ministério da Agricultura. Na última reunião, de Nadal explicou que uma empresa do Oeste do Estado se propôs a montar a estrutura necessária, mas apenas uma agroindústria teria aderido ao projeto, o que torna a atividade muito cara de ser executada. “Fizemos uma projeção para atender todo o Estado, mas falta matéria prima”, salientou o Deputado do MDB. Ele argumenta que poderá sair uma posição final de todas as agroindústrias para que os trabalhos retornem o mais rápido possível. Um novo encontro deverá ocorrer nos próximos dias para novas diretrizes e para resolver pendências para o reinício dos exercícios.
Localizada entre Seara e Itá, empresa ainda nao retornou as atividades. Foto: Jornal FolhaSete.
De acordo com o diretor da empresa responsável pelo Projeto Recolhe, Edson Argenton, sem o apoio das agroindústrias em 2018, o prejuízo girou em torno de 3 milhões de reais. “Nós precisamos de viabilidade para a operação, pois o custo do projeto é alto”, ressaltou Argenton. Ele argumentou que a participação de todos é essencial para que a atividade volte a acontecer. Já o Deputado Fabiano da Luz, do PT, enfatizou que nas reuniões foi definido que o produtor rural não irá arcar com quaisquer prejuízos da atividade, uma vez que as agroindústrias e a empresa assumiriam as despesas.
O presidente da ACCS, Losivanio de Lorenzi, demonstrou grande preocupação com o fato de o recolhimento não ter retornado aos trabalhos. Um dos pontos principais citados por de Lorenzi, é de que as composteiras, onde são jogadas as carcaças na propriedade, não dão conta de aguentar tanto animal morto. Também falou sobre a questão ambiental, pois enterrar é extremamente prejudicial ao meio ambiente.
Outro fator importante lembrado pelo Presidente da ACCS foi o fato de que se antes não tinha a regulamentação do Ministério da Agricultura e Pecuária e tinha a empresa, hoje é o inverso. “A não ser que uma outra empresa inicie o recolhimento, estaremos em compasso de espera”, salientou de Lorenzi. Questionado sobre novos impostos, taxas ou outras questões governamentais após a normativa, disse que nada mudará sobre a questão. O governo só receberá o imposto das exportações. “Se tivessem liberado antes, o lucro seria interessante, pois temos vários países interessados no produto oriundo das carcaças”, finaliza Losivanio.
O Prefeito de Seara, Edemilson Canale, foi incisivo em vários pontos do tema. Comentou que os municípios ajudaram com mais de 1 milhão para a atividade. Frisou que caso a região perca esse recolhimento, é possível que ocorra uma peste suína igual ocorre na China. Salientou também que em todas as reuniões o objetivo principal era defender o produtor e a sanidade rural, visto que enterrar os animais é crime, mas não havia o que fazer. Destacou que se a atividade não retornar, é possível que haja quebra dos produtores e agroindústrias, pois o prejuízo está a nível nacional e afeta toda a cadeia produtiva. Disse também que os técnicos da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina, Cidasc, afirmaram que a farinha tem segurança sanitária e por isso não há risco e que o produto pode ser vendido sem problema algum. “Não é porque a empresa se localiza em Seara que estamos tão preocupados, mas sim com toda uma questão financeira, de sanidade e outros fatores que envolvem esse trabalho”, finaliza Canale.
O produtor que não quis se identificar explicou que se o Projeto Recolhe voltasse às suas atividades não precisaria jogar os restos do animal em qualquer lugar. Já Gilson Bordignon assim como os demais produtores rurais, espera que retorne, pois quando acontece uma ou mais mortes, é melhor que alguém venha buscar as carcaças.
Riscos ambientais e sanitários do descarte incorreto
Por não contar com uma legislação específica para o destino correto das carcaças, essa prática hoje no Brasil é um desafio em diversos setores da agropecuária. Infelizmente, o descarte incorreto de qualquer resíduo orgânico pode trazer danos irreparáveis, tanto do ponto de vista da saúde pública como também ambiental.
Como estamos falando de resíduos orgânicos altamente putrescíveis, que emitem odores que podem incomodar as comunidades próximas, o pesquisador da área de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Suínos e Aves (SC), zootecnista e agrônomo, Everton Krabbe, explicou que devemos adaptar outro método para destinar carcaças de animais de grande porte além daquilo que geralmente é o mais usado, a compostagem. Na sua visão, da mesma forma que as demandas desse setor aumentaram, é necessário requerer métodos que trabalham junto com a tecnologia com procedimentos mais eficientes e menos trabalhosos.
Everton explicou que um dos problemas de realizar o descarte de um animal de grande porte ou suas carcaças em um lugar aberto, além de afetar o solo e as águas, acaba atraindo agentes transmissores de doenças, como moscas, urubus, ratos e baratas. Tal ação além de gerar incômodo nos moradores e vizinhos, gera sérios riscos à saúde humana e também dos demais rebanhos. Além disso, esses restos se tornam uma grande fonte de contaminação para o solo, seus mananciais de água (seja de superfície ou subterrâneo) e no ar, conforme divulgação do Ministério da Agricultura e Pecuária.
Em Santa Catarina, uma boa saída para prevenir e evitar esses problemas é o Projeto Recolhe, pois além de realizar a destinação correta das carcaças, demonstrava comprometimento com o meio ambiente, pela diminuição da insalubridade e o aumento da segurança dos trabalhadores e produtores rurais e também pela prezava pela sanidade rural. Até o momento, não há possibilidade da empresa Cbrasa retornar aos trabalhos e as carcaças voltaram a ter o mesmo destino de quando ainda não vigorava o Projeto Recolhe.