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Hortas urbanas
Chapecó, a cidade do agronegócio apresenta alternativas para uma alimentação saudável
Por Ana Vertuoso e Ícaro Colella
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Com o crescimento populacional e o avanço da industrialização, os seres humanos, ao longo dos anos, começaram a mudar vários hábitos. Uma das primeiras, e mais importantes, trocas se deu na forma de alimentação. A vida cada vez mais corrida e a verticalização das moradias fizeram com que o contato com a terra se perdesse no tempo. São poucas as pessoas que, em meio a grandes centros urbanos, sabem a origem do que consomem e, menos ainda, aquelas que produzem seu próprio alimento.
Foto: Ícaro Colella
Em Santa Catarina não é diferente. O estado, conhecido mundialmente por seu agronegócio, chega a confundir quem vai pesquisar sobre a produção de alimentos. Por um lado, é considerado pelo IBGE como o que mais usa agrotóxicos no Brasil, já que de 70% das propriedades rurais seguem esse estilo. Porém, ele também traz a contrapartida de ser o quarto maior produtor nacional de alimentos agroecológicos, segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).
Florianópolis, por exemplo, foi a primeira cidade do país a banir o uso de agrotóxicos. No entanto, não é apenas a capital que se destaca pelas atitudes agroecológicas. Chapecó, no oeste do Estado, é um bom exemplo. A busca por novas formas de alimentação é uma preocupação para cada vez mais pessoas no município. E, com iniciativas motivadas a conscientizar a população para formas mais saudável de consumo, um tipo específico de produção tem ganhado popularidade em grandes centros.
As hortas urbanas, assim como feiras orgânicas, são ideias que dão mais opções a população. Elas são responsáveis por inserir os orgânicos no mercado local, o que possibilita o contato com a produção agroecológica e ressignifica a alimentação, além de ensinar lições de cuidado com o meio ambiente e com a saúde. A grande maioria das hortas espalhadas pelos bairros são pequenas e mantidas no quintal das casas, geralmente, para consumo próprio. Porém, outras oferecem opções de consumo para a população.
Hortas em todo lugar
Em Chapecó existem algumas iniciativas no mínimo curiosas. Afinal, quem já imaginou uma horta orgânica no telhado de um shopping center? Pois bem, esse projeto existe e já está ativo há um ano. E, ao que tudo indica, têm dado muito certo. A horta instalada em parte da laje superior do Shopping Pátio Chapecó surgiu em 2018, com um projeto da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), em parceria com a ONG Verde Vida, uma empresa de venda de produtos orgânicos.
A ideia nasceu no aniversário de cinco anos do Shopping, e apesar de já ser aplicada em grandes centros, como é o caso de São Paulo, é pioneira em Santa Catarina. Intitulada de “Projeto Pátio Verde”, a iniciativa pretende ir além do shopping, e desafia os grandes empreendedores a aplicarem algum tipo de prática sustentável em seus espaços empresariais. Atualmente, a horta tem espaço de 400 metros quadrados para o plantio e usa os resíduos orgânicos gerados na praça de alimentação para gerar adubo. Segundo o professor de Agronomia da Unochapecó e responsável pelo projeto, Gelso Marchioro, a importância do trabalho é mostrar como é viável cultivar diversos alimentos para fim de consumo em espaços urbanos.
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Foto: Ícaro Colella
Os produtos da horta são consumidos por funcionários do Shopping ou doados á instituições carentes
Para cuidar das mudas, o projeto conta principalmente com a participação de um estagiário, contemplado com bolsa de pesquisa da universidade, e do professor Gelso. Alguns voluntários, que normalmente são estudantes de agronomia, também auxiliam na manutenção e irrigação da horta. O espaço ainda recebe diversos visitantes, entre escolas e outras instituições, que pretendem trabalhar e implantar uma horta orgânica, ao montar projeto similares.
No shopping é possível apontar que, desde o início do projeto, já é possível ver resultados. “Conseguimos uma redução nos materiais produzidos pelo shopping a partir da conscientização e destino correto do lixo orgânico”, declara Gerso.
Além de mostrar para empresas e sociedade em geral que é possível colocar o lixo no lugar certo, de volta a sua origem, com a reciclagem, este trabalho tem outros grandes pontos positivos. “Um deles, é a divulgação de uma ideia muito interessante. Outro, é que essas verduras são colhidas por funcionários das lojas, que normalmente levam para casa e podem consumir os produtos saudáveis. O restante dos produtos são destinados de forma gratuita a instituições carentes, entidades do Programa Mesa Brasil e até mesmo do Sesc”, comenta.
Ainda segundo o professor, o apoio da Unochapecó é importante. A Universidade tem o papel de provar que existe viabilidade no cultivo de diversas olerícolas sem o uso de agrotóxicos. No shopping, a horta já iniciou de forma orgânica. Lá, são produzidos alface, temperos, cebolinha, salsa, tuberosas, cebola, cenoura, beterraba, rabanete, couve flor, e outras hortaliças.
Ao ar livre
Outro exemplo de horta urbana em Chapecó supera a do Pátio em tamanho e é, sem dúvidas, bastante peculiar. Localizada na Penitenciária Agrícola da cidade, a maior horta que encontramos dentro da área urbana se estende por 220 mil metros quadrados. Sob responsabilidade de Adelmo Keller, há dois anos, o espaço produz uma grande variedade de grãos, hortaliças, frutas e, até mesmo, flores. A ideia de cultivar alimentos na Penitenciária é antiga, porém nem sempre teve a dimensão atual. Após anos de pouca produção, a horta foi repensada em 2016.
“O projeto agrícola foi retomado para que pudéssemos resgatar o nome de Penitenciária Agrícola. Então, recuperamos algumas áreas e já estamos no terceiro ano consecutivo. Dos 22 hectares destinados à área agrícola, uma parte é para a lavoura, uma destina-se a produção de frutas cítricas e outra à hortaliças. “
O Gerente de Atividades Laborais da Penitenciária conta ainda que a produção é orgânica. Para isso, a adubação é realizada com cama de aviário, comprada por meio de licitações. E, quando existe a necessidade de suplementação de nutrientes, o processo é feito por meio de fertirrigação, uma técnica e irrigação por gotejamento. Além disso, o controle de pragas utiliza somente métodos naturais. “Nós compramos produtos a base do óleo de neem, ou fazemos um composto natural com álcool, detergente neutro, fumo e água, que atua como controle natural de insetos. Então, posso afirmar sem medo que nossa horta tem alguns dos melhores produtos disponíveis no mercado de Chapecó”, salienta.
Em tempos de crise ambiental, técnicas menos prejudiciais ao meio ambiente são fundamentais. Porém, mais importante do que isso, é o papel social da horta. Diariamente, a partir das 6h da manhã, 14 detentos tomam seus cafés da manhã e seguem para os respectivos postos. São eles os responsáveis por realizar o plantio e a colheita dos alimentos em uma iniciativa que trouxe destaque nacional para a Penitenciária.
O ambiente de trabalho diferenciado proporciona mais momentos ao ar livre, algo raro no modelo prisional utilizado no Brasil, e, também, auxilia na reinserção dos presos em regime semiaberto. “Quem conhece o espaço fica impressionado com o que fazemos porque, geralmente, quando se fala no trabalho dos presos, todos imaginam um espaço fechado, em indústrias. Então, o trabalho da horta tem refletido positivamente e nós percebemos isso com os comentários das visitas que recebemos a nível de Brasil”.
Uma dessas visitas marcantes, aconteceu em junho deste ano, quando o Governador do Estado, Carlos Moisés (PSL), e o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, estiveram no complexo. Durante a ocasião, Moisés assinou um convênio com a prefeitura de Chapecó para a aquisição de alimentos. Com isso, até 10% do que é consumido na rede de assistência social e em programas de segurança alimentar do município são produzidos na Penitenciária.
“Essa foi uma ideia que surgiu em função da oferta de saladas e
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hortaliças que temos, e, também, em função da dificuldade que enfrentamos para comercializar esses produtos. Então, desenvolvemos esse projeto porque 30% dos alimentos consumidos na rede de educação têm que ser oriundos da agricultura familiar, e apesar desse não ser o caso, os produtos também não pertencem a nenhuma agroindústria grande”, explica Adelmo.
Atualmente, a horta atende supermercados, o banco de alimentos e os dois restaurantes populares do município, além das cozinhas do Complexo penitenciário e do Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório (Casep). Assim, ao mesmo tempo em que produz alimentos de qualidade, a Penitenciária desenvolve um trabalho social junto à comunidade.
Acervo Penitenciária
Ao todo, são 22 hectares destinados à produção de alimentos orgânicos
Planos para o futuro
As hortas ensinam as pessoas sobre a importância do contato com a terra, a alimentação saudável e o cuidado com o consumo. E, não existe fase melhor na vida para que esse ensinamentos sejam repassados, do que o período escolar. Pode parecer clichê, mas é verdade que as crianças são o futuro e, por isso, precisam de direcionamentos para que criem, desde pequenas, os hábito que irão acompanhar as próximas gerações.
Na Escola Municipal Ensino Fundamental Tancredo Neves, localizada no bairro Efapi, já existe um projeto que visa justamente isso. A criação de uma horta orgânica está com o planejamento concluído, e deverá ser implementada no mês de janeiro, de 2020. No entanto, esta não é a primeira iniciativa agroecológica da escola. Eles já possuem um horto, com plantas nativas e medicinais, cultivadas e mantidas pelos professores.
As plantas são usadas nas aulas de Ciências da Natureza, onde são passados para os alunos ensinamentos sobre plantas medicinais e como utilizá-las em benefício da saúde. O horto foi pensado com diversas finalidades. A primeira, para gerar envolvimento com a comunidade, resgatar conhecimentos populares e fazer o intercâmbio entre o conhecimento científico e o conhecimento popular. “Os estudantes do ensino fundamental e professores estão envolvidos por meio de projetos, e a escola trabalha com a metodologia de projetos. O horto serve como um espaço vivo permanente de aprendizagem, que também é aberto a comunidade”, comenta o professor de física do ensino fundamental e responsável pelo projeto, Itacir Carlos.
Além da função educativa, o horto serve para a preservação de plantas, criação de mudas e produção de chás. Segundo o professor, o horto possui um potencial de disseminação muito grande. “O horto serve para
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inúmeras atividades. Ele tem ganhado importância e se ampliado cada vez mais, ao passo em que as pessoas o conhecem. Isso não é graças somente a escola, mas também a toda sociedade. Além de ser subsídio para pesquisa, principalmente, para as disciplinas de Ciências, ele tem servido, permanentemente, para a coleta de chás para pessoas da escola e comunidade como um todo”, relata.
Depois da experiência positiva que tiveram com o horto, os professores decidiram expandir o experimento. Como a escola possui uma grande área disponí-
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Foto: Ícaro Colella
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vel, que irá comportar a horta no próximo ano. A comunidade e os professores, principalmente os de Química, viram naquele local uma opção não somente para a produção de hortaliças e verduras, mas também para a criação de um espaço permanente de estudo. A partir do ano que vem, o ensino de processos naturais, físicos, químicos e biológicos das plantas poderá ser feito de forma mais imersiva. A horta será usada como instrumento para as aulas práticas nas disciplinas e os produtos cultivados poderão ser utilizados em outros projetos da escola. A participação da comu
Devido a grande área disponível nos fundos da escola, a comunidade e os professores irão construir, em janeiro, uma horta para ser usada como campo de estudo nas aulas
nidade, assim como já é feito no horto, também irá contribuir no crescimento do conhecimento social dentro e fora da Instituição.
Deste modo, assim como acontece no Shopping e na Penitenciária, essa horta não terá apenas uma única função. Além de prover alimentos, ela também terá papel importante na conscientização das futuras geração. As crianças irão aprender, logo cedo, a importância de cuidar da terra e, principalmente, conhecer a origem do próprio alimento. E, essa consciência é talvez o maior benefício desse tipo de iniciativa.
Quem tem acesso a uma horta urbana, tem a possibilidade de se conectar com a terra, a natureza e consigo mesmo. Independente de morar a dezenas de metros do chão e passar grande parte do dia rodeado de carros, qualquer um pode dedicar um pequeno espaço em casa para o cultivo do próprio alimento. É claro que a ideia de plantar todo o necessário para sobreviver não passa de uma ilusão distante para grande parte dos que moram em cidade, mas uma pequena horta urbana em meio ao concreto já é um ótimo começo.