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Responsabilidade social empresarial: além dos produtos e serviços
Empresas de Chapecó (SC) contribuem para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Escrito por Mirella Schuch e Natália Souza
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“Por mais de 30 anos, a ciência tem sido muito clara. Como vocês se atrevem a continuar ignorando isto?”. Este foi o questionamento da ativista sueca Greta Thunberg, na abertura do Encontro de Cúpula sobre Ação Climática, em 23 de setembro de 2019. No discurso, a jovem de 16 anos questionou os líderes interna
cionais sobre as atitudes tomadas até o momento para conter as mudanças climáticas e terminou com um aviso aos Chefes de Estado presentes: “E a mudança está chegando, quer vocês queiram ou não”.
O encontro, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), discutiu ações sustentáveis que contribuam para o cumprimento da “Agenda 2030”. O documento, assinado por 193 países em 2015, estabeleceu os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). São 17 objetivos e 169 metas a serem atingidos até 2030 em diferentes áreas, como a social, a ambiental, a econômica e a institucional.
Os ODS se baseiam nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e buscam trazer uma abordagem mais sustentável às primeiras metas, cuja validade expirou em 2015. Os 17 objetivos são, em resumo: erradicação da pobreza; fome zero e agricultura sustentável; saúde e bem-estar; educação de qualidade; igualdade de gênero; água potável e saneamento; energia limpa e acessível; trabalho decente e crescimento econômico; indústria, inovação e infraestrutura; redução das desigualdades; cidades e comunidades sustentáveis; consumo e produção responsáveis; ação contra a mudança global do clima; vida na água; vida terrestre; paz, justiça e instituições eficazes; parcerias e meios de implementação.
A adoção dos ODS pelos países-membros da ONU revela a aceitação de um caminho comum para o desenvolvimento do planeta. No entanto, este novo modelo de progresso não impacta somente os governos, mas também as empresas. O setor privado passou a ser cobrado por uma postura mais sustentável, aliada a uma atuação responsável. Neste cenário, não basta que o empresário tenha consciência dos problemas ambientais, ele também precisa pensar nas boas práticas sociais e na valorização do capital humano, indo além do fornecimento de produtos e serviços.
O econômico, o social e o ambiental, juntos, formam o chamado “tripé de sustentabilidade”. O termo foi cunhado por John Elkington, cofundador da organização não governamental internacional SustainAbility, em 1994. A relação entre estes três aspectos, bem como sua existência em si, criam um contexto de sustentabilidade no ambiente em que é aplicado, seja ele um país ou uma casa. No caso de aplicação em uma empresa, este equilíbrio está intimamente ligado a uma gestão ética e transparente.
O que as empresas têm a ver com isso?
A responsabilidade social empresarial (RSE) trata-se do compromisso da organização com a comunidade na qual a empresa está inserida. Segundo a especialista em responsabilidade social empresarial, Isabel Machado, as empresas precisam ser transparentes e éticas e implementar ações na comunidade onde estão inseridas, pensando na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. “Acredito muito que de nada adianta uma empresa saudável em uma sociedade doente. Essa é a fala do Peter Drucker, um grande estudioso, que em suas obras traz esse pensamento que as organizações devem ter”, destaca.
A RSE envolve a sociedade e tem relação com os ODS, que visam melhorar a qualidade de vida de toda a sociedade, em especial a das pessoas mais carentes economicamente. Isabel diz que mui-
tas vezes pensa-se que é preciso realizar ações grandiosas, mas que não é necessário. “Pequenas atitudes do dia a dia na organização, com olhar mais inclusivo, contribuem. Não precisamos salvar o planeta, mas fazer ações locais para melhorar o mundo que nos cerca”, destaca.
O questionamento crucial é: como contribuir para um planeta mais sustentável? A especialista em responsabilidade social empresarial explica que, primeiramente, as organizações precisam conhecer os ODS, os três principais pilares da sustentabilidade e compreendê-los. Então, devem avaliar o impacto que têm nas comunidades onde estão inseridas para, assim, estabelecer metas a serem alcançadas, através de indicadores de sustentabilidade. Alguns exemplos simples de como pôr em prática os pilares da sustentabilidade, de acordo com a especialista, são: sensibilizar a equipe em relação ao cuidado do meio ambiente e incentivar a economia de energia e água; o plantio de árvores; a alimentação saudável; a separação dos resíduos e o destino correto dos resíduos; a redução do uso de materiais que geram muito lixo; a participação em movimentos relacionados à questões ambientais e a implementação de energia renovável.
Isabel ressalta que as práticas devem ser adotadas tanto dentro da organização, como no ambiente familiar de cada colaborador. Outras maneiras de concretizar ideias sustentáveis são fazer campanhas, como doação de sangue, voluntariado e coleta de material para doações. Participar de ações da comunidade e fazer palestras em escolas e instituições são outras possibilidades. É importante acompanhar mês a mês o desenvolvimento da organização em relação à sustentabilidade, pois assim é possível identificar riscos, mensurar resultados e pensar novas estratégias para que a empresa impacte seu entorno cada vez mais de forma positiva.
Isabel afirma que empresas que trabalham a responsabilidade social empresarial na sua organização, terão resultados a longo e não a curto prazo, pois é preciso sensibilizar as equipes em relação à este tema. Para ela, quando a empresa trabalha a cultura da responsabilidade social empresarial na comunidade, ganha vantagem competitiva e gera imagem positiva da organização perante a sociedade. “Os clientes começam a olhar a empresa com outros olhos. Os colaboradores sentem-se mais satisfeitos, valorizados e motivados, pois estão participando e a comunidade em torno se envolve com a empresa”, explica.
A especialista pontua, ainda, que tudo o que a empresa realiza em termos de responsabilidade social empresarial, auxilia a organização a administrar e gerenciar as crises. “Se ela é ética com a sociedade, na possibilidade de surgir alguma crise, a própria comunidade vai defender a organização, pois confia e acredita no que a empresa sempre foi e mostrou que é: transparente”, expõe.
GISTotal: uma estratégia inovadora no Oeste Catarinense
A principal forma de apresentar os resultados das ações sociais, econômicas e ambientais de uma empresa é através de um relatório de sustentabilidade. É uma prestação de contas à sociedade e às partes interessadas sobre suas ações e práticas sustentáveis.
É por meio deste documento que a empresa divulga os impactos socioambientais causados pelas suas atividades cotidianas. Entre estas atividades,
está a geração de resíduos e a destinação dada à eles pela organização, bem como as práticas para diminuir a geração de detritos.
Atualmente, existem diversos modelos de relatórios à disposição das empresas. O mais popular entre elas é o disponibilizado pela Global Reporting Initiative (GRI), uma organização internacional que auxilia empresas, governos e outras instituições a relatarem e comunicarem os impactos socioambientais que as suas atividades causam.
O modelo GRI possui diretrizes que podem ser aplicadas a empresas de todos os tamanhos, tipos e setores do mercado. Elas identificam as informações a ser divulgadas, que são relevantes e essenciais para a maioria das organizações. Também estão alinhadas com a Declaração Internacional dos Direitos Humanos, ao Pacto Global, aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, aos padrões ISO e a códigos de conduta e de ética. No Brasil, o GRI está ligado ao Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bovespa, os Indicadores de Auto-avaliação do Instituto Ethos e as melhores práticas propostas pelo Instituto Brasileiros de Governança Corporativa (IBGC).
Foi com a finalidade de facilitar o desenvolvimento do relatório que nasceu o “Protótipo de um gerador de relatório de sustentabilidade conforme diretrizes GRI”, trabalho de conclusão do curso (TCC) da Bacharel em Sistemas de Informação e Especialista GRI Standards, Sílvia Vaccari. Ela escolheu o padrão GRI para desenvolver o protótipo, pois é o modelo mais utilizado e reconhecido mundialmente e recomendado pela ONU. “Conheci as dificuldades das organizações no processo de relatório e isso me motivou bastante, para que na área da tecnologia conseguisse fazer algo por essas empresas. Queria que meu TCC fosse útil e pudesse servir de estudo depois de finalizar o curso”.
A analista de sistemas estudou desde 2015, durante a graduação, a metodologia do GRI, que encontra-se na língua inglesa, para que, no final do ano de 2018, concluísse o processo do trabalho final. “Na graduação temos que desenvolver algo relacionado à tecnologia, mas eu precisava entender o tema para conseguir desenvolver o que eu queria. O protótipo é um conceito do que consegui assimilar nos estudos. Depois que terminei, consegui fazer outras certificações”, explica.
Sílvia é companheira de Rodrigo Holl, o também Bacharel em SIstemas de Informação e diretor executivo da DotSE Software Engineering, empresa de desenvolvimento de softwares, localizada na cidade de Chapecó (SC). Rodrigo teve o conhecimento da existência de relatórios de sustentabilidade a partir de Sílvia. Por conta do relacionamento, ele acompanhou o trabalho dela e ambos tinham a pretensão de desenvolver um software.
Em reunião na empresa, Sílvia apresentou o conceito do protótipo e como precisaria ser desenvolvido o software. A equipe acreditou na ideia e assim surgiu o sistema de gerenciamento de indicadores de sustentabilidade, o GISTotal, que tem em sua sigla a palavra “total” por ser possível cadastrar além da metodologia do GRI, outros modelos de indicadores.
O GISTotal auxilia no processo de elaboração do relatório de sustentabilidade e serve para acompanhar, medir e fazer a gestão dos indicadores de sustentabilidade da organização. Os relatórios emitidos pela ferramenta permitem que o gestor da empresa visualize o panorama como um todo da organização e tome decisões estratégicas para melhorar o desempenho da organização.
Silvia afirma que não encontrou software semelhante ao GISTotal no mercado brasileiro, mas que tem conhecimento de sistemas estrangeiros homologados pelo GRI. “Eles não têm a mesma pegada do GIS, que foi concebido para ser fácil de usar, mas para usá-lo é necessário ter conhecimento sobre indicadores de sustentabilidade”, explica.
O primeiro relatório de sustentabilidade emitido pelo sistema foi o da empresa DotSE, em 2019, referente às ações da organização do ano anterior. Rodrigo afirma que através do estudo de Sílvia percebeu a importância e necessidade de acompanhar e mostrar para a sociedade os impactos positivos e negativos da empresa no ambiente em que está inserida. “Emitir o relatório é uma questão de consciência, que é necessária, independente do setor empresarial, governamental ou da sociedade em geral. Se não atendermos os ODS, a tendência é que tenhamos problemas bem crônicos e isso afeta não somente a nossa geração, mas também as novas que vêm surgindo”, salienta.
Sílvia e Rodrigo esperam que muitos relatórios sejam emitidos pelo GISTotal e que o sistema venha a se tornar referência mundial. “Queremos trazer isso no Brasil, em Chapecó, e fazer com tecnologia e pessoas daqui, para que as empresas façam uma mudança disruptiva do conceito de sustentabilidade”, expressa.
Uma empresa interessada em emitir um Relatório de Sustentabilidade com base em GRI é a Estilo Verde. A proprietária Marina Petzen afirma que faz relatórios anuais das atividades do estabeleci
O Relatório de Sustentabilidade da DotSE é o primeiro emitido pela ferramenta GISTotal e possibilita a visualização dos impactos da organização no meio ambiente, na economia e na sociedade (divulgação/DotSE)
O Dia de Compartilhar incentiva os clientes a trocar peças de roupa, acessórios e outros objetos, de forma a dar uma nova utilizade a eles.(divulgação/ Estilo Verde)
mento, apesar de ser uma empresa pequena. “Eu não emito exatamente um Relatório de Sustentabilidade, pois os processos são um pouco atrapalhados e muitos dos resultados estão somente comigo. Porém, desejo muito ter um. É uma forma de participar deste processo importante, mesmo sendo uma microempresa”, afirma.
Com foco em moda e acessórios sustentáveis, o empreendimento é comprometido com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável desde 2018. “Somos signatários do movimento do Comitê local pelos ODS e do movimento nacional há dois anos. Eu sempre tive contato com o movimento, desde que eram ODMs. Depois que eu fundei a Estilo Verde, decidi colocar a empresa nesta linha”, comenta a empresária.
Sobre a Responsabilidade Social Empresarial, Petzen entende que ela deve existir para fazer bem à sociedade. A Estilo Verde tem várias iniciativas que buscam tornar a sua atuação mais sustentável. Um exemplo é o Dia de Compartilhar, que busca conscientizar sobre o consumo responsável. “As empresas são um reflexo. Elas têm papel bem importante de formadora de opinião e devem ser responsáveis, ao meu ver. No entanto, eu vejo que a Responsabilidade Social Empresarial é pouco praticada e, infelizmente, vista como obrigação”, completa Marina. A especialista em responsabilidade social empresarial, Isabel Machado afirma que as empresas que trabalham a responsabilidade social empresarial e temáticas voltadas à sustentabilidade dentro das organizações, estarão atendendo globalmente a comunidade e colaborando para atingir os ODS. “A Agenda 2030 com certeza é um caminho bastante extenso para se percorrer e se atingir todos os objetivos dentro dos percentuais estabelecidos pela ONU, mas se cada organização e cada pessoa fizer a sua parte, vamos conseguir alcançar os objetivos na sua totalidade e contribuir para uma sociedade melhor, mais justa e igualitária”, finaliza.