10 minute read

Entrevista

Next Article
Espaço de Lazer

Espaço de Lazer

“A capacidade de abrir novos mercados está incutida no ADN das startups portuguesas”

Serviços, turismo, sustentabilidade e inteligência artificial são algumas das áreas em que surgem mais startups em Portugal. João Borga, diretor executivo da Startup Portugal, adianta que o ecossistema de empreendedorismo português está a crescer, ultrapassando as 2.000 empresas incubadas nas estruturas da Rede Nacional de Incubadoras. O gestor recorda que, em 2018, o impacto estimado deste conjunto de empresas no PIB era de 1,1% e destaca que a taxa estimada de sobrevivência de empresas incubadas é de 80%. Não sendo ainda possível perceber com rigor o impacto da pandemia nestas startups, importa sublinhar que estas empresas foram as primeiras a proporem novas soluções.

Advertisement

Texto Susana Marques smarques@ccile.org Fotos DR

Qual é o contributo das star- estudo. Estamos, neste momento, tups para o PIB português? focados em trabalhar num novo sisEm 2018, num estudo que a tema com a Autoridade tributária, Startup Portugal conduziu o Grupo de Estudos da Economia em colaboração com a Rede e a Agência de Modernização Nacional de incubadoras, estimámos Administrativa, que nos permitirá que as startups tiveram um impacto ter uma visão em tempo real da evode mais de 1,1% para o PiB. A par lução do setor, adicionalmente e no disso, percebemos que no mesmo ano imediato lançamos uma nova platao dinheiro levantado em investimen- forma que criámos em parceria com to por estas empresas representava a dealroom. Através desta parceria, perto de 0,1% do PiB, número que, será possível ver dados do ecossistema apesar das enormes dificuldades de e perceber de forma real a evolução 2020, foi possível repetir. Nos anos destas empresas e que impacto têm seguintes, não voltámos a fazer esse na economia nacional.

Como medem a taxa de sucesso das startups criadas em Portugal? Como estão a amadurecer, a evoluir e a internacionalizar a sua atividade? Quer destacar alguns exemplos? Há uma série de fatores a ter em conta quando se fala no sucesso das startups criadas e a operar a partir de Portugal, seja o volume de negócios, a sua taxa de sobrevivência, ou a capacidade de expansão. Estes dois últimos dados são extremamente importantes: sempre que se fala de startups, fala-se de empresas que tendencialmente procuram escalar

João Borga Diretor executivo da Startup Portugal

muito rapidamente e que, por isso, correm mais riscos e falham mais. Em cada 10 startups, nove falham. Nesse sentido, em 2019, a RNi estimou que a taxa de sobrevivência de empresas incubadas é de 80%– um fator digno de nota. Por outro lado, a capacidade de abrir novos mercados está incutida no AdN das startups portuguesas. O mercado nacional, comparativamente a outros países muito investidos em tecnologia, é muito pequeno, de apenas 10 milhões de pessoas, e as tecnológicas nacionais entendem muito bem a importância de abranger outros mercados. Felizmente, Portugal tem essa capacidade, tanto ao nível do talento (tendo algumas das melhores universidades da Europa) e culturalmente (uma grande capacidade de receber mão de obra qualificada e um elevado domínio do inglês). um exemplo exímio disto mesmo é a Outsystems, o nosso primeiro “decacórnio”, ou empresa avaliada em cerca de 10 mil milhões de dólares. Não é um exemplo único, e já vemos empresas com grande expressão nos EuA, como a definedcrowd, ou startups mais pequenas com um rápido crescimento em mercados europeus, como a Barkyn. Naturalmente, também o Web Summit tem o seu papel nesta tendência crescente, ao servir de montra para o talento nacional e permitir que as empresas portuguesas consigam fazer negócios com stakeholders internacionais, como o fez a dreamShaper em 2019, e conforme confirmam as empresas que participaram do programa da Startup Portugal, Road 2 Web Summit, em que cerca de 40% das 120 participantes da edição de 2020 confirma ter feito negócios ou iniciado contactos para levantar investimento durante a conferência.

Que balanço faz da atividade da Startup Portugal e do ecossistema de empreendedorismo? A Startup Portugal é uma consequência do crescimento do ecossistema e da tendência crescente do empreendedorismo tecnológico no país. O antigo Secretário de Estado da indústria João Vasconcelos entendeu, em 2016, que estes empreendedores, que correm riscos a partir do nosso país e o colocam nos radares todos, são as verdadeiras estrelas do país. claro que o nosso papel de apoiar estas pessoas, fomentar o crescimento destas empresas e reduzir o receio de tentar criar uma empresa, felizmente, também se tem traduzido positivamente no ecossistema, tanto por via de programas como o Startup Voucher (que apoia jovens empreendedores com um ordenado ao longo de um ano, de forma que se possam focar em criar um negócio),

ou como o Startup Visa (que atribui um visto de residência a empreendedores de fora do Espaço Schengen para abrirem empresa em Portugal), que não só contribui para o aumento do número de startups em Portugal, como, consequentemente, para os empregos que criam. E, na verdade, nota-se uma tendência de crescimento neste tipo de empreendedorismo: em 2016 estimava-se que havia cerca de 1780 empresas desta natureza incubadas na rede nacional de incubadoras, que na altura compreendia 121 estruturas, e em 2019 já se denotava um crescimento de 60% em relação aos três anos anteriores, com 2161 empresas nas já 162 incubadoras certificadas a operar no país.

Em que áreas de atividade têm surgido mais startups? Há uma grande tendência nas áreas do serviços, do turismo, da sustentabilidade e em inteligência artificial. claro, depende também de cada região e das estruturas existentes em cada uma delas. O que se nota é que os portugueses, no geral, entendem que criar uma startup é cada vez menos um risco e mais uma oportunidade. Se em lisboa a aposta no serviços e no turismo é enorme, com empresas como a landing.Jobs a Hijjify, ou a luGGit, em cidades como o Fundão, por exemplo, já abundam negócios mais ligados a economia circular e a tecnologias agrícolas, com destaque para a Shimejito, que em 2020 fez a ronda de investimento seed mais significativa de Portugal (10 milhões de euros).

Em que áreas necessitamos de mais inovação? Esse diagnóstico está a ser feito em articulação com o Estado, as universidades, os centros de investigação e as empresas? A pandemia da covid-19 revelou que os negócios em Portugal ainda precisam de se digitalizar e adaptar-se a uma realidade mais online. As PME nacionais sofreram muito, mas, felizmente, as startups não só demonstraram o caminho ao revelar uma enorme capacidade de adaptação, mas também a tomar a dianteira ao apoiar esses processos de digitalização, por via de iniciativas como a tech4covid19, ou por via de iniciativas públicas como o +cOESO digital, que fomenta a transferência de tecnologia entre instituições de ensino e empresas ou o digitaliza Já. Paralelamente, há, de facto, uma maior colaboração entre governo, agências de inovação e instituições de ensino, como é o caso do uPskill, que tenta colmatar uma falha que existe a nível de talento tecnológico, onde aí uma grande procura por mão de obra qualificada, e o Ai Moonshot challenge, que envolve esforços do Ministério da Educação e da ciência, da unbabel, da Portugal Space e da Agência Espacial Europeia.

De que forma a resposta a essas necessidades é estimulada pela Startup Portugal e pelas incubadoras da rede nacional? Qual é a estratégia para incentivar a inovação nas áreas em que Portugal mais precisa? A área da inovação, especificamente, não é o foco da Startup Portugal, que trabalha o empreendedorismo e que pode, de facto, ter consequência em inovação. contudo, essa área é trabalhada por agências como a ANi e o iAPMEi, que desenvolvem programas específicos para fomentar inovação. do ponto de vista das incubadoras, depende da natureza de cada uma delas e, claro, da sua vertical. A uPtEc, que tem uma ligação muito próxima à universidade do Porto, e o cEiiA, que trabalha especificamente inovação tecnológica, têm programas específicos para fomentar isso mesmo.

Como estão a trabalhar para atrair investidores e capital de risco para estas startups? É esse o ponto mais crítico do ecossistema de empreendedorismo nacional? Não diria ser um ponto crítico, porque Portugal está inserido num contexto europeu e as nossas startups, como já disse em cima, têm tendência para expandir rapidamente.

isto faz com que seja fácil levantar dinheiro a nível continental. isto, claro, sem desprimor para fundos de investimento nacionais que têm feito um trabalho notável, como é o caso da indico capital Partners e da Armilar. Ainda assim, a Startup Portugal tem um foco muito grande em atrair talento e investimento para o país, através de programas como os Startup e tech Visa, e através das missões de internacionalização, que ancoramos em iniciativas lançadas pelo Governo, como o fundo de co-investimento 200M. Nas missões de internacionalização, à semelhança do que se faz com o Web Summit, aproveitamos o portento das startups nacionais para fazer o pitch do país, ao mesmo tempo que fazemos parcerias com hubs de inovação e entidades estrangeiras. Paralelamente, ao promover o 200M, incentivamos a que as startups nacionais procurem investidores de fora do ecossistema para, possibilitando ao Estado entrar com 50% do investimento comprometido.

Quais são os principais desafios e fragilidades que os empreendedores enfrentam em Portugal? Os principais desafios são o reduzido mercado e a necessidade de acesso a mão de obra altamente especializada. Há, ainda, uma necessidade notória de programadores em Portugal, e é uma das áreas que deve ser colmatada, porque a procura é, de facto, imensa. O outro, e impossível de ignorar, é a dimensão do mercado nacional, que exige que estas empresas pensem, desde o dia zero, em mercados internacionais e que não se fiquem pela realidade nacional que conhecem. É desafiante, de facto, mas nota-se que os empreendedores portugueses não se coíbem de incutir essa necessidade na empresa.

Em que medida a pandemia está a afetar a atividade das startups em Portugal e o aparecimento de novos projetos? Esta é uma pergunta para a qual ainda não há uma resposta real. Notou-se, em 2020, que as startups e as empresas tecnológicas foram as primeiras a reagir positivamente à pandemia, a adaptarem-se ao dito “novo normal” e a proporem novas soluções. contudo, estes casos positivos não falam por todas as empresas e há que ter em conta a correlação que estas têm com a economia. Empresas de ecommerce ou de serviços digitais tiveram um ano excecional em 2020, mas as mais ligadas ao turismo e sem capacidade de adaptação contarão outra história.

Das startups identificadas, quantas foram constituídas por empreendedores estrangeiros? Considera que Portugal tem condições para atrair mais empreendedores estrangeiros? Nos exemplos que mencionei acima, a Shimejito é fundada por um empreendedor com Startup Visa. Podemos, ainda, falar do exemplo da Remote, co-fundada em 2019 por um holandês e por um português e a operar a partir de Portugal, ou da Seedrs, co-fundada em 2019 por um inglês e por um português. Há uma tendência crescente de empreendedores e investidores estrangeiros olharem para Portugal, não só porque, para quem vem da América, é o país mais a oeste da Europa e permite uma aproximação horária e física maior entre os dois continentes, como o talento disponível e o estilo de vida que o país permite se torna extremamente aliciante. Portugal é o terceiro país mais seguro do mundo, com uma das melhores redes de internet por fibra ótica da Europa e uma velocidade de internet média de topo, que permite empreender tanto a partir de uma grande cidade como lisboa, Porto, ou Braga, como a partir de polos mais pequenos, como o Fundão, ou a Ericeira. A isso acresce o facto de se falar relativamente bem inglês em todo o país e de, culturalmente, haver abertura a outras culturas– que se notou durante a própria pandemia, quando o Governo anunciou que qualquer pessoa em território nacional seria tratada como residente durante a pandemia da covid-19. São fatores singulares, que fazem de Portugal um ecossistema muito apetecível para o nómada digital, para o fundador de startup, ou até para investidores. 

This article is from: