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J. Robert Será necessário prover um ensino religioso nas .... escolas públicas?

III. Quinta Sessão

“A educação para a tolerância como antídoto contra as violações religiosas da liberdade de religião e de convicções: discursos e publicações incitando à violência, medias e manipulações, autoridades centrais e locais e instruções ao tema religioso”

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Será necessário prover um ensino religioso nas escolas públicas?*

Jacques Robert**

No conceito estrito de um laicado tradicional bem compreendido, a escola pública não tinha que dar aos seus alunos um qualquer ensino confessional, mas devia, na formação dos seus horários e no arranjo das salas, prever a possibilidade, aos seus alunos de seguirem um. Respeitar as crenças, não é opor -se às manifestações e exercícios que supõem certos, mas facilitá -los.

As horas previstas para a catequese fora das horas de aulas, como a vinda de padres do exterior ou a presença de capelães entram nesta noção dum laicado salvaguardado mas aberto.

Será conveniente hoje ir mais longe?

Alguns problemas se colocam:

1) Haverá uma nova procura? 2) Que deve ser ensinado exactamente? 3) Quem se encarregará deste ensino?

1) Haverá uma nova procura?

– Sim. Em França o ministro da Educação Nacional desejava desenvolver um tal ensino para suprir o “défice cultural” dos jovens em matéria de religiões, para preencher a sua “ignorância”.

O governo realizou em Novembro de 2002 um seminário sobre este assunto e ali estiveram reunidos 300 responsáveis pedagógicos.

– Mas a tarefa é difícil porque

os alunos têm crenças diferentes

e não devem ser melindrados. E depois, como se deslocar do passado ao presente? Se se fala do Islão, podemos nós rejeitar Bin Laden?

Quando se trata de filosofia em que se ensina ao aluno a pensar por si mesmo, não haverá tensão entre o religioso e o filosófico? – Uma outra diferença vem dos próprios ensinos da psicologia.

Estão reticentes a falar do cristianismo – em nome das velhas lembranças dum anticlericalismo virulento – mas consideram natural hoje falar do Islão aos seus alunos porque ele lhes aparece como uma religião sacrificada.

Enfim, uma outra dificuldade consiste na insegurança dos próprios professores. Eles sentem -se pouco seguros pela sua falta de cultura, e por isso mesmo frequentemente pouco entusiastas.

Para além disso o que pensam

os próprios alunos? Eles são, na globalidade curiosos e ávidos de ver abordar na sua presença estas religiões das quais não ouviram falar com frequência senão pelos seus pais e que eles aceitaram – mesmo sem saberem – postos de alguma maneira, desde o baptismo, sobre os carris, pelos seus pais. E depois eles seguiram-nos. Em famílias em que ninguém tinha fé, o problema, para os jovens, nunca se levantou. A sua infância e a sua adolescência desenvolveramse sem Deus. Para eles o Céu estava vazio. Será que eles levantavam a questão de saber por quem e como o mundo fora criado? Muitas vezes é no momento do casamento que a questão surge brutalmente. Casar-se somente diante do oficial do Registo Civil? É demasiado simples mesmo para aqueles que não crêem em nada. E depois o futuro conjugue – que foi educado/a religiosamente. Então, para lhe dar prazer!... Para muitos, certamente, esse foi, o primeiro encontro com um homem de Deus, para preparar a cerimónia do casamento.

Sem dúvida as coisas hoje são um pouco diferentes;

O facto religioso operou bruscamente uma intrusão na escola

através do lenço islâmico ou da prática do ramadão. Mas esta exteriorização de pertença a uma comunidade – qualquer que ela seja, étnica, religiosa ou política – não é para alguns só por si incómoda?

Para muitos alunos (do 5º ou 6º ano) as referências faltam para compreender as religiões. A sua única referência, encontra -se para alguns dentre eles, e já é melhor do que nada, no catecismo. Questionam -se sobre a existência de Deus, sobre a imortalidade da alma, sobre a concepção de Jesus.

Mas, por outro lado, o que

pensam as igrejas? Elas estão divididas. Nem todas são queixosas. Apesar de tudo muitas se lembram que em 1982, foi a Liga do ensino que se pronunciou, no decorrer dum congresso nacional, em relação ao ensino laico e cultural das religiões.

Mas quando se trata das religiões, o que é um ensino laico e cultural?

Se quase toda a gente está de acordo em reconhecer que o facto religioso deve estar mais presente

nos programas escolares, que métodos utilizar?

As perguntas e as respostas levantam aqui problemas éticos e políticos delicados.

2. O que ensinar exactamente?

Várias possibilidades; vários métodos. Portanto, várias abordagens. a) A abordagem prudente e pontual.

A que até agora tem sido adoptada. Não abordar a religião senão através das obras que dela falam; seja na literatura, música, pintura ou escultura... e aproveitar do estudo destas obras para proceder a algumas incursões frutuosas num mundo que mete medo aos leigos impenitentes mas que é mesmo assim parte integrante da nossa herança.

Que isso agrade ou perturbe, existe mesmo assim, depois de mil anos em França catedrais nas cidades (góticas, romanas, barrocas, modernas...), obras de arte sagrada nos museus, música religiosa nos repertórios, festas de calendário, maneiras diferentes de computar o tempo através do planeta. Poderemos nós fazer abstracção de tudo isso?

É impossível fazer história sem introduzir Deus. Aí se descobre a Bíblia e a Odisseia. Fazer literatura sem folhear A Religiosa de Diderot ou o Génio do Cristianismo. De trabalhar sobre a estrutura do tempo sem encontrar o Natal, Páscoa, o Dia de Todos os Santos, o 15 de Agosto.

Enfim, não ensinar a religião como tal, mas como que por ricochete, quando uma obra não pode ser compreendida senão por seu intermédio. Quando ele se impõe à evidência porque ele esteve na origem de tudo.

Que, finalmente, cada disciplina seja o pretexto duma abertura sobre o facto religioso e que esta abertura, ou antes estas aberturas, sejam então largamente exploradas.

Aliás, já algumas disciplinas estão a inflectir; os seus programas são modificados. Eles abrem -se, por exemplo em história, sobre os principais momentos que marcam a elaboração da civilização ocidental. Porque não assinalar entre esses principais momentos o nascimento e a difusão do cristianismo?

Como podemos nós apresentar um mapa do Mediterrâneo do século XII sem lembrar que ele foi a encruzilhada de três civilizações: o cristianismo ocidental, o império bizantino e o islão? b) A abordagem objectiva ou factual.

Ter certamente em conta a existência do facto religioso. Mas não ensinar senão os factos. Nada de falar em Deus na escola. O ensinamento dos factos religiosos não constituirá uma nova disciplina. Isso não será um ensino confessional.

A dificuldade contudo consiste em que o facto religioso não é senão o vestígio e o arquivo. Ele refere -se a factos e a acontecimentos actuais. E sobretudo ele é inseparável da fé.

Regis Debray tem razão quando refuta a oposição entre “a ordem dos factos” que seria “sólido, consistente, atestável” e “ a ordem das crenças” que seria “imaginária, evanescente ou subjectiva”.

Ele lembra com a delicadeza que se lhe conhece que se a existência do paraíso não pode ser atestada e ainda menos o seu acesso aos mártires, o próprio facto de se ter podido crer e que se crê ainda talvez, fez não somente galopar milhares de cristãos até à Terra Santa, mas, sem dúvida, colocou também um punhado de suicidas islamitas fanáticos, em aviões, com destino a Nova Iorque (Ver Regis Debray, “Relatório sobre o ensino do facto religioso na escola laica”)

Não estaremos nós então no direito de pensar que estes mitos são sintomas de regressão e ignorância mas que a ignorância destes mitos seriam também um sintoma de regressão e de ignorância? c) A abordagem confessional

Tratar-se-ia aqui de ensinar uma nova disciplina que seria “a história das religiões”. Não uma disciplina simplesmente histórica que se contentaria em lembrar os factos notáveis da evolução no mundo das principais religiões, mas que tentaria explicar o que são estas religiões, não somente a sua organização e o seu funcionamento mas sobretudo, através da mensagem da qual elas são portadoras, o que as diferencia, o que as aproxima, enfim a razão porque elas existem e permeiam as nações.

Mas vemos imediatamente os obstáculos que se levantam diante de um tal projecto.

Ensinar as religiões? Certamente. Mas quão difícil é já reconhecer e praticar uma só!

A igualdade exige à evidência que todas sejam tratadas de maneira igual. Mas como fazer uma lista exacta e exaustiva para não esquecer nenhuma, quando vemos que é quase impossível dar de cada uma delas uma definição precisa? O catolicismo tratado num só capítulo, como os baptistas, os pentecostais, os adventistas... as testemunhas de Jeová!

Compreendemos a razão porque a hierarquia católica é rigorosamente hostil a um tal ensino que a colocaria no mesmo plano das outras religiões e, de alguma forma, a banalizaria.

E depois, quem se encarregaria dum tal ensino?

3. Qual ensino?

O problema varia de intensidade segundo a abordagem.

Se se trata de explicar simplesmente uma obra que evoca uma religião ou de comentar um facto histórico da qual ela foi o centro, pode -se confiar nos professores de literatura, de história ou de artes plásticas... que poderiam por eles mesmos, sem ter necessidade de qualquer incitamento, colocar a obra ou os acontecimentos no seu contexto eventualmente religioso.

Mas se se trata de ensinar uma nova disciplina que seria “a história das religiões” o problema muda não somente de amplitude mas de natureza. Porque o projecto é totalmente diferente. Torna -se de alguma forma “político”.

Não se pode, de forma alguma, falar com toda a objectividade e inocentemente dos fenómenos religiosos. Ensina -se a física, a química, uma língua estrangeira ou educação visual, sem ter que exprimir um qualquer julgamento. Mas não se ensina a fé, tanto a sua própria como a dos outros.

Como podemos pedir a um descrente para explicar com toda a objectividade aos seus alunos os valores fundamentais das grandes crenças, os seus princípios, os seus dogmas, os seus ritos, as suas certezas?

Como podemos, da mesma maneira, exigir a um católico praticante que demonstre, com uma convicção que ele não tem, o contributo considerável que o protestantismo deu para o pensamento contemporâneo?

Então será necessário afastar deste ensinamento os militantes leigos como os crentes mais sinceros? Para confiar a tarefa a quem?

Compreendemos a Igreja Católica que não quer de forma alguma arriscar que o ensino da sua doutrina e da sua história caia nas mãos dos marxistas ou dos ateus.

Haverá voluntários e quais? O risco – no espírito de muitos – seria muito grande.

Mas a recusa dum tal ensino específico, não elimina de forma alguma a questão, fundamental, da formação de futuros professores para o ensino do facto religioso e da laicidade! Porque os dois estão ligados.

O facto religioso ultrapassa as disciplinas. Todos os professores já estão confrontados com ele.

Já foram feitas experiências. Inscrever na formação inicial de todos os docentes um ensino da filosofia da laicidade e da história das religiões.

Vários institutos universitários de formação de professores (IUFM) programam módulos sobre o facto religioso para os seus estagiários.

Não se trata de cursos intensivos mas de estudos de casos. Alguns organizam verdadeiras formações sobre as grandes religiões para os seus estagiários, obrigatórias para os alunos de história, de francês e de artes plásticas. Alguns propõem generalizá -los a todos.

Mas alguns ainda permanecem com alguma reserva. A Europa não quis inscrever na sua Carta de direitos nenhuma referência à herança religiosa. O facto religioso, presentemente, não seria uma urgência. Deve -se esperar que as coisas se definam. Talvez 2005 seja o ano de um grande debate e de uma reflexão comum quando for comemorado o centenário da fé de separação entre a Igreja e o Estado.

* Esta intervenção não poude ser apresentada oralmente. O autor, no entanto, aceitou que aqui publicássemos o texto ** Presidente honorário da Universidade Panthéon -Assas, antigo membro do Conselho Constitucional, Paris

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