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Documentos Nações Unidas – Comissão dos direitos do homem – 59ª Sessão (17 de Março a 25 de Abril, de 2003 – Audiência de 4 de Abril – Ponto 11 e) – A intolerância religiosa

Nações Unidas Comissão dos direitos do homem

59ª sessão (17 de Março a 25 de Abril de 2003) Palácio das Nações Unidas, Genebra

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Audiência de 4 de Abril de 2003 Sob a presidência de Abelfattah Amor, Relator especial das Nações Unidas sobre a liberdade de religiosa e de convicção

As ameaças actuais aos direitos da liberdade de religião e de convicção

Intervenção oral de Maurice Verfaillie, Secretário geral da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa

Tenho de agradecer calorosamente a Abdelfattah Amor pela actividade constante que ele exerce em favor da promoção e do progresso do respeito pela liberdade da religião e de convicção, no mundo. Agradecer também o seu relatório sobre a visita à Argélia. Não é necessário ler nas entrelinhas para se perceberem as forças da resistência que existem no seio dos componentes da sociedade civil e religiosa na Argélia estorvando a prática total e igualitária deste direito fundamental.

A nossa Associação tem uma longa história de colaboração no domínio da promoção da liberdade religiosa com os Relatores Especiais sobre a Declaração da ONU de 1981. Regozijo-me com o facto de essa colaboração prosseguir com Abdelfattah Amor.

É neste quadro que se inscrevem também os congressos e os colóquios que a nossa Associação organiza um pouco por todo o lado, tal como o que teve lugar há um mês, de 8 a 11 de Março em Sofia,na Bulgária. O tema foi “Direitos do homem e liberdade de religião: liberdade religiosa e segurança”. Tivemos o prazer de ver diariamente mais de uma centena de participantes assistiram ás cinco sessões que se realizaram. Membros do governo, altos representantes dos diversos ministérios, do Parlamento, autoridades civis da capital búlgara, bem como dirigentes de todas as religiões, tiveram uma parte activa nos debates que se seguiam às intervenções dos especialistas vindos da universidades de Coimbra (Portugal), Complutense (Madrid), de Roma e Sienna (Itália), da Sorbonne (Paris),de Lovaina (Bélgica) e diversos especialistas búlgaros, um dos quais delegado pela Comissão europeia para a luta contra o racismo e a intolerância (ECRI).

O tema da segurança, com o imenso e difícil problema da luta contra o terrorismo, ocupa, mais do que nunca antes, a atenção dos responsáveis civis, políticos e religiosos em todo o mundo.

A nossa Associação, em colaboração com a International Religious Liberty Association, empreendeu, no ano passado, uma reflexão académica sobre a questão de saber se há uma relação entre a liberdade religiosa e a insegurança. Foi a liberdade religiosa atingida pelas consequências das tensões e dos conflitos que se seguiram aos atentados de 11 de Setembro de 2001? Esta reflexão será reanalisada no próximo mês de Junho na Universidade de Lovaina, na Bélgica, com a participação de professores universitários vindos de vários países.

Não tenho e intenção de traçar aqui um quadro das violações da liberdade religiosa no mundo. Os relatórios anuais de Abdelfattah Amor à Comissão dos direitos do homem das Nações Unidas fazem-no de uma maneira bastante clara. Outras fontes também proporcionam informações muito eloquentes para sublinhar a importância do que está em jogo.

No âmbito do tema desta audiência “Ameaças de hoje aos direitos da liberdade de religião e de convicção”, limitar-me-ei a chamar a vossa atenção para algumas interrogações que emergem das novas tendências no domínio da protecção da segurança face ao terrorismo, que se poderiam, no futuro, revelar subtilmente subversivas para a liberdade religiosa e que poderiam torna-se no futuro portadoras de novos e enormes desafios para este direito fundamental.

I. A nova lei búlgara sobre a religião (dita Lei sobre as Confissões)

Dado que regressei recentemente da Bulgária, abordarei, em primeiro lugar, a questão da nova lei búlgara sobre religião (dita Lei sobre as confissões). Nonosso entender, revela-se muito preocupante.

Foi votada pelo Parlamento búlgaro em 2 de Dezembro de 2002. O Director dos Cultos, sob a tutela do Conselho de Ministros da República da Bulgária, declarou, durante o nosso colóquio em Sofia, que ela tinha entrado em vigor e Janeiro de 2003, não obstante o facto de ter sido impugnada no Supremo Tribunal da Bulgária.

E preocupante porquê? - Ela contém disposições contrárias às obrigações da Bulgária face ao Direito Internacional, assim como face à Convenção europeia dos direitos do homem e aos seus compromissos assumidos quando da adesão da Bulgária ao Conselho da Europa em 1992. - É preocupante, particularmente, sobre a posição privilegiada estabelecida por esta lei em favor de uma organização religiosa específica, a Igreja Ortodoxa da Bulgária (preâmbulo e artigo 10 § 1) embora seja afirmado no mesmo artigo que “nenhum privilégio nem preferência de nenhuma natureza podem ser concedidos pela lei”. (artigo 10 § 3). - Também preocupante pelo facto de que a lei prevê um processo de registo para as organizações religiosas que não a Igreja Ortodoxa, designada

Nações Unidas noArtigo 1 § 3, ao mesmo tempo que é afirmado que nenhuma descriminação pode ser autorizada (artigo 1 § 4) - É preciso também lamentar que esta lei, antes da sua adopção não foi apresentada para consulta, nem ao Conselho da Europa, nem aos especialistas das Nações Unidas apesar das preocupações expressas pelos dois relatores do Conselho da Europa (David Atkinson e Henning Gjellerod) no decurso do processo de seguimento (monitoring), durante as suas visitas à Bulgária.

II. Religião e segurança depois do 11 de Setembro de 2001: perspectiva sombria

Em segundo lugar, a minha intervenção inspira-se em alguns aspectos do problema tirado de uma análise feita pelo professor Silvio Ferrari, da Universidade de Milão. - Uma vez que se tornou claro, depois dos anos 90, que as religiões ocupam de novo um lugar importante na esfera pública, os políticos não têm hesitado em utilizar a religião para mobilizar os espíritos para as causas políticas e para as lutas nacionais e étnicas, por vezes violentas. - Em muitos conflitos actuais, uma nova forma de comprometimento dos combatentes surgiu e tende a espalhar-se: eles cometem os seus actos de violência com a firme esperança de uma recompensa religiosa sobrenatural; estão prontos a morrer porque estão convencidos de que Deus os recompensará, dando-lhes a vida eterna. A questão que se põe é saber se a religião é o verdadeiro motivo, ou se a religião é manipulada para recrutar militantes e um meio mais seguro de dar larga ressonância aos seus actos.

Estas considerações não são sem importância. Para adoptar a melhor estratégia na luta contra a insegurança e o terrorismo, é essencial compreender quais são as verdadeiras motivações daquelas que lhe são a causa. Alguns estão efectivamente, de coração, convencidos de que há situações em que é legítimo matar em nome da Deus e sob o ponto de vista de um pesquisador interessado no domínio da religião e da lei, é este últimoaspecto que constitui o ponto mais importante de todo o quadro. Neste estádio de reflexão, o problema não é novo; já no passado envenenou a história das religiões incluindo a do cristianismo.

Osacontecimentosde11deSetembrode2001modificaramcompletamente a relação de equilíbrio entre segurança e liberdade, portanto liberdade religiosa, dado que, com estes acontecimentos, – verdadeiro sinal de mudança na nossa história – um novo vínculo surgiria entre religião e violência. E, tenhamos a certeza de que isso ficou reforçado nos espíritos com a guerra dos Americanos contra os Iraquianos, com as invocações mediatizadas pela ajuda de Deus, dos dois lados dos beligerantes. A religião é assim, cada vez mais, identificada como sendo uma das forças directrizes subjacentes a estas crises. 3. A liberdade religiosa é hoje afectada por uma reivindicação de segurança, cada vez mais proclamada. Já têm sido impostas restrições à liberdade religiosa nestes três últimos anos, em nome das exigências da segurança nacional.Isso tem acontecido de três maneiras:

Nações Unidas a) de uma maneira geral: - com o objectivo de lutar contra o terrorismo, leis restringindo certas liberdades fundamentais (liberdade de movimentação, liberdade de associação, etc.) já foram adoptadas, ou estão em vias de o ser por vários Estados (Austrália, Canadá, Estados Unidos, França, Índia, Hong-Kong, Japão, Grã-Bretanha). A partir daí, por certos aspectos da sua aplicação, elas entravam as práticas necessárias ao exercício da liberdade de religião e de convicção. Por exemplo, as actividades missionárias a serem realizadas no estrangeiro têm-se tornado cada vez mais difíceis: limitação à concessão de vistos, impedimentos à transferência de dinheiro necessário à sua manutenção,obstáculos ao registo de organizações estrangeiras, etc. O direito à propagação de uma religião ou de uma convicção é também afectado. b) de uma maneira indirecta: - praticam-se certos actos de violência sob a capa da religião para beneficiar das liberdades garantidas à religião pelo Estado. As autoridades públicas são então levadas, nas suas intervenções, a ultrapassar os limites impostos pelo direito à liberdade de religião e da convicção, a investigar o que se passa no interior desses meios. Disposições neste sentido já foram tomadas nos Estados Unidos. É de esperar um alargamento do controlo do Estado sobre a vida religiosa dos cidadãos e das comunidades religiosas. c) de uma maneira directa: - é hoje inegável que, com o fanatismo,a religião pode ser utilizada para motivar actos de violência e pôr a segurança pública em cheque. É um facto que numerosos terroristas se consideram como agentes da vontade de Deus. Os seus actos são altamente condenáveis pela sociedade. No entanto, o facto de que muitas vezes o fazem com convicção e todo o ardor de uma fé religiosa completamente desviada suscita uma das mais delicadas questões, porque a situação criada invade o domínio da religião e da convicção.

O facto de uma doutrina, em certos pontos, estar em desacordo com as orientações políticas da sociedade, justifica reforçar o poder do Estado ao ponto de facilmente pôr em causa a recente conquista da primeira de todas as liberdades, a liberdade de religião e de convicção.

Verifica-se pois, que importantes questões são suscitadas pelo medo de abordar a questão do equilíbrio entre religião e segurança depois dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001.

III Conclusão

Não há soluções pré-fabricadas e perfeitas para responder a estes problemas. De nada serve escudarmo-nos atrás de declarações de princípios, reafirmando, por exemplo, o carácter inalienável da liberdade de consciência e de religião, ou, pelo contrário realçar que a segurança pública é uma condição prévia ao gozo de todos os direitos do homem. Estas duas afirmações são correctas, mas pouco ajudam para encontrar um equilíbrio entre os dois valores, liberdade e segurança. “A liberdade das práticas, embora secundária, em relação à liberdade de religião, não o é, pois é o lugar exacto onde se manifesta melhor esta liberdade. É vulgar verificarmos que a liberdade de

consciência e da religião não se torna visível e perceptível pelo Direito, senão no momento em que ela se manifesta pelas práticas.” *

Parece-nos, pois que o estudo do estatuto das práticas religiosas é, fundamentalmente o que está em jogo. Da mesma maneira, o exame das condições que podem reconciliar liberdade religiosa e segurança, a fim de garantir simultaneamente o máximo de segurança com o máximo de liberdade possível, constitui a outra face deste problema.

Pedimos, pois, à comissão que dê os passos necessários para a análise deste problema afim de proporcionar aos Estados as orientações convenientes para a gestão do equilíbrio entre a liberdade religiosa e a segurança.

Estou convencido de que a verdadeira liberdade religiosa contribui para o desenvolvimento do sentido da vida em comum, na harmonia e na tolerância que constituem as bases de uma sociedade estável e segura. Porém, pregar a liberdade religiosa sem dar a uma sociedade verdadeiramente democrática os meios de prevenir a sua exploração, pode desaguar num caminho que conduziria à supressão da própria liberdade religiosa.

* Patrice Rolland,: “Ordem pública e práticas religiosas”, in A protecção da liberdade religiosa, Edições Bruylant, Bruxelas, 2002, página 231.

Ponto 11e) a intolerância religiosa

Intervenção oral do Secretário Geral da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religioso, Maurice Verfaillie

Senhora Presidente

Permita-me expressar aqui o nosso apreço ao Relator Especial pela actividade que ele exerce em favor da progressão do respeito pela liberdade de religião e de convicção no mundo.

É o tema da segurança, com o imenso e difícil problema da luta contra o terrorismo, que hoje, mais que nunca, preocupa os Estados no mundo.

Neste contexto, a nossa Associação quer chamar a atenção da Comissão para as ameaças que, as novas orientações, que têm tendência a generalizar -se no domínio da protecção e da segurança nacional e que se podem revelar subtilmente subversivas para esta liberdade, fazem pesar sobre a prática da liberdade religiosa.

Os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 – verdadeiro sinal de uma mudança na nossa história – modificaram completamente a questão do equilíbrio entre segurança e liberdade – incluindo liberdade religiosa – visto que uma nova relação teria aparecido entre religião e violência. É certo que isso foi reforçado nos espíritos com a guerra no Iraque pelas

O Secretário Geral da AIDLR (ao centro). Foto Bianco

Nações Unidas invocações mediatizadas do apoio de Deus dos dois lados dos beligerantes. A religião é assim cada vez mais identificada como sendo uma das forças directrizes subjacentes às crises.

A liberdade religiosa é já hoje afectada pelos dispositivos jurídicos tomados no decurso destes três últimos anos em nome das exigências da segurança.

a) Duma forma indirecta:

Com o objectivo evidente de lutar contra o terrorismo foram adoptadas ou estão a ponto de o ser em vários Estados (Austrália, Canadá, Estados Unidos, Índia, Hong -Kong, Japão, Grã -Bretanha) restringindo certas liberdades fundamentais (liberdade de movimento, liberdade de associação, liberdade de expressão, etc.). Desde logo, por certos aspectos da sua aplicação, elas entravam práticas necessárias ao exercício da liberdade de religião e de convicção.

Mencionarei entre outras, o futuro sombrio para a liberdade religiosa que, a aplicação dos dispositivos do artigo 23 da lei sobre a protecção da segurança nacional publicada a 23 de Fevereiro de 2003 pelo governo de Hong -Kong, promete. Pela falta de definição das expressões empregues e a névoa mantida sobre a natureza dos delitos sujeitos a sanções, esta lei sobre a segurança nacional abre a via mais ao arbítrio dos funcionários do que ao respeito pelos direitos do homem.

a) Duma forma directa:

É necessário mencionar também as inquietações que a nova lei búlgara levanta sobre a religião (a chamada Lei sobre as confissões). No nosso entender, ela apresenta -se muito preocupante. Foi votada pelo Parlamento búlgaro em 2 de Dezembro de 2002. Preocupante, porquê? Em resumo, o espírito desta lei reflecte, ao mesmo tempo, um medo exagerado de perturbações à segurança nacional e a descriminação das religiões no país.

Senhora Presidente, na procura duma estratégia para melhor salvaguardar a ordem pública e assegurar a segurança, será necessário que o poder do Estado se reforce ao ponto de estar em condições de, facilmente, pôr em causa as modernas conquistas da primeira de todas as liberdades, a liberdade de religião e de convicção?

Importantes questões são levantadas com a maneira de abordar a questão do equilíbrio entre religião e segurança, sobretudo após os acontecimentos do 11 de Setembro e a existência da luta contra o terrorismo.

Não existem ainda soluções para responder a estes problemas. De nada serviria o refugiarse por detrás das declarações de princípios, reafirmando, por exemplo, o carácter inalienável da liberdade de consciência e de religião, ou pelo contrário, sublinhando que a segurança pública é uma condição prévia para usufruir de todos os direitos do homem. Estas duas afirmações estão correctas, mas de pouco valem para encontrar um equilíbrio entre os dois valores, liberdade e segurança.

“A liberdade das práticas, mesmo que seja colocada após a liberdade

Nações Unidas de religião, não é secundária, porque é o lugar próprio onde melhor se manifesta esta liberdade. É banal o notar que a liberdade de consciência e de religião não se torna visível e compreensível pelo direito senão no momento em que ela se manifesta pelas práticas.”

Conclusão

Parece -nos assim, que o estudo do estatuto das práticas religiosas é um desafio fundamental. Sob o mesmo aspecto, o exame das condições que podem reconciliar liberdade religiosa e segurança, afim de assegurar, ao memo tempo, a maior segurança e a maior liberdade possível, constitui a outra face do desafio.

Assim, pedimos à Comissão que tome as iniciativas necessárias para a análise deste problema a fim de fornecer aos Estados as orientações úteis à gestão do equilíbrio entre a liberdade religiosa e a segurança.

Obrigado, Senhora Presidente

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