23 minute read

de Junho de 2003 sobre o tema “Segurança Nacional e liberdade religiosa: alterações tácticas ou elementos complementares? Uma análise dos novos princípios directores e recomendações

Declaração final do grupo de especialistas reunidos em Lovaina, Bélgica, de 9 a 11 de Junho de 2003 sobre o tema “Segurança Nacional e Liberdade Religiosa: mudanças tácticas ou elementos complementares?” Uma análise de novos princípios directores e recomendações *

Jonathan Gallagher**

Advertisement

É fácil encontrar desculpas, sobretudo se o argumento subjacente parece não poder ser posto em questão. Mesmo se pode ser usada uma desculpa para restringir uma liberdade, sobretudo a liberdade religiosa, o argumento deve poder ser posto em questão, mesmo quando se invoca a segurança nacional.

Nem se trata de incompatibilidade entre direitos e liberdades. A segurança nacional é, sem qualquer dúvida, um assunto preocupante. Contudo, não deve ser considerada como um trunfo que tem vantagem sobre as outras cartas. Porque, em nome da segurança, podem ser cometidos muitos abusos, e porque a sociedade nesse caso ficará infinitamente empobrecida. A História está cheia de exemplos em que os direitos civis foram abandonados em troca de uma certa medida de segurança para o indivíduo e a sociedade.

No dia 11 de Setembro de 1773 – seria uma coincidência de datas? – Benjamim Franklin escrevia a Josiah Quincy: “Aqueles que podem sacrificar a liberdade fundamental para gozar de segurança nem merece nem uma nem outra”.

Em contrapartida, a ideia expressa não faz do objecto uma coincidência. A liberdade e a segurança não podem e não devem ser consideradas como moedas de troca.

Este princípio fundamental situa -se bem no âmago do documento preparado durante meses pelo grupo de especialistas composto por representantes da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, da International Religious Liberty Association, da Academy for Freedam of Religion and Belief e da International Comission on Freedom of Conscience e encerrada após a última reunião que teve lugar em Lovaina, na Bélgica de 9 a 11 de Junho de 2003. Uma vez que um grande número de países reagiu à ameaça do terror, receamos que a liberdade religiosa não venha a tornar -se, inadvertidamente, numa vítima, uma espécie de “dano colateral” da sociedade. E porque o grupo de especialistas está convencido de que a liberdade de consciência é uma componente vital da segurança – e que controlar mais severamente a expressão religiosa não fará mais

Jonathan Galagher, Secretário Geral adjunto, sa AIDLR, com Mary Robin‑ son, antiga alta‑comissária para os Direitos do Homem das Nações Unidas e nova Presidente do Comité de Honra da AIDLR. Foto IRLA

do que desestabilizar a sociedade, exactamente o contrário do objectivo pretendido – que passou várias horas a redigir estas recomendações.

Na introdução do documento final, “Princípios Directores e Recomendações sobre a segurança e a Liberdade Religiosa”, pode ler -se: “A Liberdade Religiosa implica a segurança, assim como a verdadeira segurança implica a liberdade religiosa”. Um pouco depois: “(…) elas são interdependentes; reforçam -se mutuamente, não se excluem, não se obstruem e não entram em conflito uma com a outra. Frequentemente, para responder ao terrorismo religioso têm -se desenvolvido esforços tendo em vista melhorar a segurança daqueles que dependem da liberdade religiosa. Estas respostas têm -se revelado, frequentemente, contraproducentes e têm levado à violação das normas internacionais em matéria de direitos humanos,

Por conseguinte, o documento chega à seguinte conclusão: “Os governos, os grupos religiosos, os crentes e todos aqueles que se acham real-

Declaração final do grupo de especialistas que se reuniram em Luvaina, Bélgica mente ligados aos direitos humanos devem opor -se a tais violações, que reduzem, ao mesmo tempo, a segurança e a liberdade religiosa”.

As associações participantes têm a intenção de difundir, o mais vastamente possível, este documento fazendo -o chegar, inclusivamente, aos governos, às organizações governamentais encarregadas da segurança, às organizações internacionais e às comunidades religiosas, para servir às estratégias apropriadas que melhorem a segurança sem restringir os direitos fundamentais. É crucial o envolvimento inequívoco em manter a liberdade religiosa, que não pode ser objecto de uma “derrogação”, mesmo quando é invocada a segurança nacional. De facto, o documento cita acordos internacionais que confirmam este princípio vital:

“As normas internacionais explicam claramente quais são as raras circunstâncias em que os Estados podem, legitimamente, limitar a liberdade de religião ou de convicção. O grupo de especialistas confirma a validade das raras restrições cuidadosamente definidas e autorizadas pelo artigo 18 do Pacto Internacional relativo aos direitos civis e políticos e pela interpretação oficial do Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas, retomada no parágrafo 8 da Observação geral nº 22 (48) que especifica, entre outras que as restrições baseadas unicamente na segurança nacional são interditas.”

Como James Madison observou com perspicácia: “Creio que não há razão para redução da liberdade das pessoas alargando -a gradual e discretamente por parte daqueles que chegaram ao poder como através de uma usurpação repentina e violenta”. Através de acções cada vez mais alargadas e frequentes, os Estados arriscam -se a comprometer, intencionalmente ou não, as liberdades religiosas e a destruírem, finalmente, a liberdade que reclamam com veemência. A sociedade civil tem o papel de relembrar aos seus dirigentes e aos seus legisladores que os direitos fundamentais não podem ser, nem restringidos nem reduzidos, sem causar danos mais graves, não apenas no funcionamento da própria sociedade, mas igualmente em matéria de segurança nacional. Uma sociedade reprimida é, por natureza, instável, e seja o que for digam, a esse respeito, os especialistas em segurança, numerosas restrições relativas às liberdades serão, inevitavelmente, contraproducentes.

Tendo em conta o comentário de Thomas Jefferson segundo o qual “o processo natural é que a liberdade se incline e o governo ganhe terreno”, a AIDLR não pensa que seja necessariamente assim que é necessário entender. Ao difundir a ideia de que a liberdade de consciência e as liberdades civis são essenciais para a segurança e o bem -estar de toda a nação, as associações participantes convidam todas as partes a respeitar os acordos internacionais relativos à liberdade religiosa, não apenas para si, mas no interesse da nação.

Este é o objectivo destes princípios directores e destas recomendações. Uma vez que se trata de um documento de trabalho, não pretendemos ter a última palavra. Todavia este documento descreve um conceito: a seguran-

Declaração final do grupo de especialistas que se reuniram em Luvaina, Bélgica ça e a liberdade religiosa não devem ser consideradas como estando em conflito. Bem ao contrário! AAIDLR continua a acreditar nas palavras de Franklin D. Roosevelt: “No verdadeiro sentido do termo, a liberdade não pode ser concedida; deve ser obtida”.

O presente documento é difundido na esperança que a comunidade internacional o acolha favoravelmente, porque sem liberdade religiosa, sem direitos civis e uma liberdade de consciência real, nenhuma nação está, verdadeiramente, em segurança.

______________

*Os encontros de Lovaina, encerrados a 11 de Junho de 2003, marcaram o ponto culminante de um ano de estudos e de diálogos intensos que, por ocasião das reuniões precedentes, reuniu especialistas em Washington e em Paris. O grupo de especialistas foi constituído por chefes religiosos, especialistas em Direito Canónico e universitários cujas convicções cobrem um largo espectro. ** Secretário -Geral adjunto da AIDLR

Bert B. Beach, vice -presidente da International Liberty Association, Estados Unidos Lee Boothby, Boothby & Yangst, Estados Unidos Jean Arnold de Clermont, presidente da Federação Protestante de França, França Pauline Côté, professora, Departamento das Ciências Políticas, Universidade de Laval, Canadá Cole Durham, professor de Direito, Bringham Young University, Estados Unidos Sílvio Ferrari, professor de Direito Canónico, Institute of International Law, Itália Jonathan Gallagher, Secretário Geral Adjunto, Director da Ligação com as Nações Unidas, International Religious Liberty Association, Estados Unidos John Graz, Secretário Geral, International Religious Liberty Association, Estados Unidos Alberto de la Hera, Director Geral das Relações com as Instituições religiosas, Ministério da Justiça, Espanha Rosa Maria Martinez de Codes, professora de história, Universidade Complutense, Espanha Gerhard Robbers, Director do Instituto de Direito Constitucional Europeu, Alemanha Rik Torfs, Deão da Faculdade de Direito, Universidade Católica de Lovaina, Bélgica Mitchell A. Tyner, conselheiro jurídico, International Religious Liberty Association, Estados Unidos Maurice Verfaillie, Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, Suiça

Declaração final do grupo de especialistas que se reuniram em Luvaina, Bélgica

Princípios orientadores e recomendações sobre a segurança e a liberdade religiosa

Documento preparado pelo grupo de especialistas composto por representantes da International Religious Liberty Association, da Association international pour la défense da la liberté religieuse, da International Academy for Freedom of Religion and Belief e a International Commission on Freedom of Conscience

Segurança e liberdade religiosa: o reforço das suas relações

A liberdade religiosa implica a segurança, tanto como a verdadeira segurança implica a liberdade religiosa. São interdependentes, reforçam-se mutuamente, não se excluem, não se opõem uma à outra e não entram em conflito. Frequentemente, responde -se ao terrorismo religioso através de meios que visam melhorar a segurança, à custa da liberdade religiosa. Estas respostas têm -se revelado, muitas vezes, contraproducentes e levaram à violação das normas internacionais em matéria dos direitos do homem. Os governos, os grupos religiosos, os crentes e todos aqueles que estão, na verdade, ligados aos direitos do homem devem opor -se a tais violações, que reduzem quer a segurança, quer a liberdade religiosa.

O presente documento1 examina a questão da liberdade religiosa em relação com as respostas aos actos terroristas do 11 de Setembro de 2001 e aos acontecimentos que se lhe seguiram. Propõe princípios orientadores e recomendações, a fim de ajudar as autoridades públicas e as comunidades religiosas a resolverem os seus problemas.

O terrorismo pode revestir -se de numerosas formas. Sem entrar na questão complexa de definir o terrorismo, é importante identificar as diversas situações em que se encontra o terrorismo. Este pode surgir num Estado -Nação quando um governo totalitário oprime uma população ou um grupo minoritário. Uma população oprimida pode recorrer a actos terroristas contra um exército de ocupação ou um regime tirânico. Outras formas de terrorismo utilizam a violência contra inocentes a fim de criar um clima de medo, de desafiar os governos e de desestabilizar as sociedades no seu todo. O presente documento trata das reacções que sucederam aos actos terroristas baseados na religião tal como os perpetrados a 11 de Setembro de 2001.

De igual forma, o termo “segurança” abrange vários aspectos, entre os quais: – “a segurança do indivíduo”2, assegurando o respeito pela liberdade e a integridade individuais, quer física, quer psicológica; – “a segurança pública”3, garantindo a segurança colectiva num Estado de direito. As autoridades nacionais têm o dever de fazer observar e de proteger estas dimensões individuais e colectivas da segurança;

Declaração final do grupo de especialistas que se reuniram em Luvaina, Bélgica – “a segurança internacional”4, encorajando a paz e a estabilidade entre as nações.

O terrorismo baseado na religião ameaça cada um dos aspectos da segurança: individual, nacional e internacional.

A importância da liberdade religiosa para a segurança

Numerosas nações reagiram aos recentes acontecimentos assim como ao apelo das Nações Unidas, através de diversas Resoluções, lutando contra o terrorismo, aderindo a pactos e protocolos internacionais pertinentes, adoptando leis e pondo em prática outras medidas tendentes a lutar contra o terrorismo.

Consciente quer da necessidade de agir firmemente a fim de impedir o terrorismo, quer da complexidade das questões que lhe estão ligadas, o grupo de especialistas inquieta -se com o facto de que certas respostas têm tido como resultado actos inadequados que violam direitos fundamentais do homem – em particular o direito à liberdade de religião ou de convicção. Por exemplo, notou -se um endurecimento excessivo das regras para o registo que se aplicam às associações religiosas, a intrusão, não autorizada, nos assuntos internos de grupos religiosos, o estabelecimento de perfis religiosos e étnicos, a utilização abusiva da segurança nacional para limitar o pluralismo religioso, a utilização de leis reprimindo o ódio religioso a fim de limitar a liberdade de expressão e a aplicação de leis restritivas em matéria de emigração de forma a impedir a livre circulação do pessoal religioso.

A segurança não poderá reinar enquanto não se preocupar com as causas do terrorismo, entre as quais figuram a injustiça, a humilhação, a pobreza, a ditadura, o ódio contra outras nações, etnias, grupos religiosos e as violações dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, em particular da liberdade de religião ou de convicção. A luta contra o terrorismo deve ser travada contra as raízes, contra as causas dos actos terroristas e não apenas contra as suas consequências violentas.

Numerosos terroristas declararam publicamente que os seus actos se baseavam em convicções religiosas. Além disso, servem -se, ainda, da religião para alimentar as ameaças e as acções terroristas. Se não se liga a importância das convicções religiosas na motivação dos actos terroristas, a segurança estará comprometida. Não respeitar, e não ter em conta a liberdade religiosa têm consequências que ameaçam a estabilidade e a segurança na sociedade.

Para inúmeras pessoas, a religião, a sociedade e o Estado estão tão intimamente ligados que não concedem senão poucas ou nenhumas liberdades aos outros (religiões, sociedades e Estados). A religião pode, para alguns, tornar -se num credo político. Frequentemente, influencia o modo de vida. Mesmo para aqueles que já não aderem aos dogmas de um sistema de crença particular, a religião pode ser uma fonte de identidade pessoal e colectiva. As respostas ao terrorismo e às acções que ameaçam a segurança devem tomar a sério estes aspectos da religião.

Declaração final do grupo de especialistas que se reuniram em Luvaina, Bélgica

O respeito pela liberdade religiosa tornar -se -á mais efectiva obtendo a lealdade dos cidadãos, assim como a paz e a segurança mais depressa do que recorrendo às armas e às medidas coercivas. De igual forma, as comunidades religiosas devem compreender que a autêntica liberdade religiosa não lhes confere o direito de impor as suas convicções, nem de ignorar os direitos e as liberdades de outrem.

As autoridades reconhecem a importância vital da liberdade religiosa esforçando -se por manter a segurança. As respostas às diversas situações deveriam ser desenvolvidas caso a caso, estudando atentamente as consequências imediatas, e a longo prazo, das restrições eventuais aplicadas às liberdades fundamentais.

Princípios pertinentes do Direito Internacional

A comunidade internacional partilha valores e princípios que alimentam a compreensão mútua e a cooperação nas sociedades plurais. Entre os instrumentos internacionais que apoiam estes valores universais, encontra -se a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos de 1966, a Declaração sobre a Eliminação de todas as Formas de Intolerância e de Descriminação Baseadas sobre a Religião e a Convicção de 1981 e a Declaração dos Direitos das Pessoas que Pertencem a Minorias Nacionais ou Étnicas Religiosas e Linguísticas de 1992.

A “segurança do indivíduo” tanto como a vida e a liberdade, assim como a “liberdade de pensamento, de consciência e de religião” são direitos fundamentais do homem5 que jamais devem ser separados uns dos outros quando se trata do problema do terrorismo baseado na religião.

Da mesma maneira, “a utilização da religião ou da convicção com fins incompatíveis com a Carta e os outros instrumentos das Nações Unidas (…) não (é) admissível”6

As normas internacionais explicam, claramente, quais são as raras circunstâncias em que os Estados podem, legitimamente, limitar a liberdade de religião ou de convicção. O grupo de especialistas confirma a validade das raras restrições, cuidadosamente definidas e autorizadas pelo artigo 18 de Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos e pela interpretação oficial do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas retomado no parágrafo 8 da Observação Geral nº 22 (48)7 que especifica, entre outras, que as restrições fundadas unicamente sobre a segurança nacional são interditas.

Conservando plenamente o espírito de que isto procede, o grupo de especialistas formula tendo em atenção as autoridades públicas, nacionais e internacionais, assim como as comunidades e chefes religiosos, as recomendações os seguintes princípios orientadores:

Princípios e recomendações Responsabilidades da sociedade

1. A sociedade tem o direito de se proteger das agressões por meios preventivos legais ou perseguindo os responsáveis pelos delitos. As auto-

Declaração final do grupo de especialistas que se reuniram em Luvaina, Bélgica ridades públicas têm o dever de assegurar a segurança, compreendendo a integridade física, psicológica e moral. Num Estado de direito, onde os poderes legislativos, judiciais e executivo são separados e exercem controlo uns sobre os outros, é necessário proteger a segurança tanto como assegurar o respeito pela liberdade e pelos outros direitos do homem. 2. Quer seja ao nível nacional ou internacional, as causas subjacentes do terrorismo, que incluem mas não se limitam à partilha desigual do conhecimento, das tecnologias e dos recursos económicos, devem ser ultrapassados encorajando as interacções na pela via sócio -económica e cultural, as negociações e o diálogo. 3. A opressão deve ser tratada seguindo os mecanismos legais mencionados na Carta das Nações Unidas e sobre as quais se colocaram de acordo, e não pela via do terrorismo. 4. A segurança não deve nunca tornar -se o único valor de uma sociedade, mesmo sob a ameaça do terrorismo. Os regimes fundados sob os auspícios da “segurança Nacional” têm -se revelado repressivos e incompatíveis com a cultura dos direitos do homem. 5. Seria útil empreender um estudo comparativo e uma análise das leis que visam lutar contra o terrorismo adoptadas por diversos países. Poder-se -ia assim verificar a sua compatibilidade com as normas internacionais relativas aos direitos do homem, compreendendo a necessidade de respeitar as únicas restrições mencionadas no artigo 8, parágrafo 3, do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos e, igualmente, identificar as melhores estratégias e as formas mais eficazes de as aplicar.

As responsabilidades do Estado na luta contra o terror

6. A segurança das pessoas e a segurança pública, assim como a dos valores, garantida pela lei, podem ser defendidas recorrendo à força. A força pública é um meio legal de assegurar que a lei prevaleça. O recurso à força pela polícia ou o exército, será proporcional ao objectivo visado. 7. Na luta contra o terrorismo, o Estado deveria evitar adoptar medidas excepcionais tais como detenções massivas, aprisionamento por longos períodos sem acusação formada, o novo recurso a tribunais militares ou secretos que poderia ser contraproducentes, considerados como excessivos e dar origem a novas tensões. O Estado deveria submeter estas medidas a um exame minucioso, a fim de assegurar que elas melhorem, realmente, a segurança sem terem consequências desproporcionais, nem invadir a liberdade religiosa. 8. Mesmo que certas medidas possam, de facto, melhorar a segurança – por exemplo, reforçando a cooperação entre os serviços da polícia e os serviços de espionagem – os Estados não devem pôr em perigo a segurança desviando -se, de uma forma geral, daqueles que são os próprios a ajudar a combater o terrorismo despertando a sua hostilidade. O Estado deverá provar que as suas medidas são eficazes, necessárias e não contraproducentes.

Os participantes do quarto encontro de especialistas reunidos em Washington em Novembro de 2002. Foto IRLA

9. Os Estados minam a segurança a longo termo, quando visam uma segurança e outros objectivos incompatíveis com o respeito pelos direitos do homem e do Estado de direito. 10. Como resposta ao terrorismo, o Estado não pode impor sanções senão por actos e não por pensamentos, convicções ou uma identidade religiosa. As acções do Estado, que têm como efeito submeter indivíduos à descriminação ou a sanções baseadas unicamente sobre convicções ou por pertencer a uma organização religiosa, são inaceitáveis. 11. As autoridades Públicas não deveriam imputar, cegamente, a responsabilidade de actos terroristas a órgãos religiosos ou a membros não culpados e considerá -los responsáveis de crimes cometidos por certos indivíduos, mesmo se esse terrorismo é tido como tendo sido praticado em nome de uma religião ou de um grupo. Se for provado que esse terrorismo é directamente, ou intencionalmente, provocado pelo ensino dispensado

Declaração final do grupo de especialistas que se reuniram em Luvaina, Bélgica pelos chefes religiosos, estes poderão ser objecto de perseguição pelas suas acções pessoais ou por incitamento ao crime. O Estado não deve rejeitar, nem negar, a existência jurídica de órgãos religiosos sem que seja provado que estes ameaçam directamente a segurança, a saúde e a ordem pública ou os direitos de outrem. 12. As definições jurídicas e os elementos que constituam um crime deverão ser estruturados de forma a eliminar os termos vagos ou demasiado abrangentes e evitar um domínio de responsabilidade excessivo que poderia envolver inocentes. Dever -se -ão estruturar, em particular, as normas criminais estabelecendo a responsabilidade parcial, tal como a Lei dos atentados e das conspirações, e outras leis que punam a criminalidade de grupo, a legislação sobre o branqueamento de capitais e outras leis similares, com o objectivo de reduzir os riscos de que os cidadãos e as organizações observando a lei, infrinjam o Direito Penal. 13. Quando os Estados têm problemas com indivíduos cuja detenção ou prisão está ligada a questões de segurança nacional, estão na obrigação de respeitar os direitos do homem, compreendendo o direito à liberdade de religião ou de convicção das pessoas envolvidas. 14. As autoridades públicas preocupadas com a segurança deveriam consultar os chefes religiosos e os especialistas em direitos humanos concentrando -se, particularmente, sobre o direito fundamental à liberdade de religião ou de convicção. Assim os numerosos problemas serão resolvidos caso a caso.

Responsabilidades dos chefes religiosos, dos crentes e das comunidades religiosas

15. Os chefes religiosos e os crentes deveriam exprimir -se de forma responsável e com conhecimento de causa, quando falam de outras religiões e dos membros dessas religiões. Deveriam, particularmente, evitar atribuir a outros grupos religiosos intenções que eles talvez não tenham. 16. Os chefes religiosos têm a particular responsabilidade de denunciar o terrorismo baseado na religião se o vêem nascer no seio da sua própria comunidade religiosa. 17. No decurso da história, as religiões têm inspirado a paz e a compreensão mútua entre os homens; têm também, largamente, contribuído para reforçar a solidariedade na sociedade. Porque ele exerce uma função moral e encoraja a paz, a religião é uma aliada poderosa no reforço da segurança. 18. A religião jamais deveria servir de pretexto para o ódio, para a falta de respeito para com os outros ou para a violência. Se bem que a religião tenha, no passado, sido utilizada para justificar a violência, as sociedades nas quais muitas religiões e culturas coexistiram necessitam que os textos sagrados, doutrinas e tradições sejam interpretados pelas religiões de acordo com o que precede, isto é tendo em vista uma coexistência pacífica. 19. O direito à liberdade religiosa não autoriza o incitamento às per-

Declaração final do grupo de especialistas que se reuniram em Luvaina, Bélgica seguições religiosas ou à violência, mesmo se se baseiam nos escritos sagrados, ou sobre um Direito religioso. Os chefes religiosos, os crentes e as comunidades deveriam cooperar com as autoridades públicas a fim de proteger a segurança pública, a justiça e os direitos de cada indivíduo.

Lovaina (Bélgica) 11 de Junho de 2003

Anexo

Análise jurídica da clausula de restrição do artigo 18 do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos

O artigo 18(3) do Pacto Internacional relativo aos direitos civis e políticos estabelece um frágil equilíbrio entre a protecção da liberdade religiosa e as restrições necessárias. Os riscos de actividades terroristas eram conhecidos por ocasião da adopção dos principais instrumentos internacionais, e os princípios enunciados nestes instrumentos permanecem válidos.

Estas normas puseram em evidência a importância da liberdade de religião ou de convicção estipulando que mesmo um perigo público “não autoriza nenhuma derrogação do artigo […] 18”. No artigo 4, parágrafo 2, do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, a liberdade de religião, sob esta perspectiva, é diferente de outras liberdades fundamentais tais como a liberdade de expressão, de assembleia pacífica, e de associação podem ser objecto de derrogação durante os períodos de excepcional perigo público.

Segundo o artigo 18 do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos “toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”. O direito de crer interiormente é absoluto e não pode ser objecto de restrição pelos Estados. Apenas o facto de “manifestar a sua religião” pode ser objecto, e isso unicamente segundo condições especificadas no parágrafo 3 do artigo 18, que estipula: “A liberdade de manifestar a sua religião ou as suas convicções não pode ser objecto senão das restrições previstas pela lei e que são necessárias à protecção da segurança, da ordem e da saúde públicas, ou da moral ou das liberdades e direitos fundamentais de outrem”.

O comentário geral 22(48), parágrafo 9, estipula o que segue:

“O artigo 18(3) não autoriza as restrições às manifestações da religião ou das convicções senão se as ditas restrições estão previstas pela lei e necessárias para proteger a segurança, a ordem e a saúde públicas, ou a moral, ou as liberdades e direitos fundamentais de outrem. Nenhuma restrição pode ser aplicada à liberdade de ter, ou de adoptar uma religião ou uma convicção na ausência de todo o constrangimento nem à liberdade dos pais e dos tutores assegurarem, aos seus filhos, uma educação religiosa e moral. Interpretando o alcance das cláusulas relativas às restrições autorizadas, os Estados signatários deveriam inspirar-se na necessidade de proteger os direitos garantidos em virtude do Pacto, envolvendo o direito à igualdade e o direito de não ser objecto de nenhuma discriminação baseada sobre os motivos especificados nos artigos 2, 3 e 26. As restrições impostas devem estar previstas pela lei e não devem ser aplicadas de uma forma a viciar os direitos garantidos pelo artigo 18. O Conselho faz notar que o parágrafo 3 do artigo

Declaração final do grupo de especialistas que se reuniram em Luvaina, Bélgica 18 deve ser interpretado no sentido restrito: os motivos da restrição que não estão ali especificados não são admissíveis, mesmo no caso em que o seriam, por causa de outros direitos protegidos pelo Pacto, como, por exemplo, tratando-se da segurança nacional. Estas restrições não devem ser aplicadas senão para os fins pelos quais não estão prescritos e devem estar em relação directa com o objectivo específico que os inspira e proporcionais a estes. Não podem ser impostas restrições com fins discriminatórios, nem de forma discriminatória.” Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas, Observação Geral nº 22(48) adoptada pelo Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas a 20 de Julho de 1993, U.N. Doc. CCPRJC/21/Ver.1/add.4 (1993), reimpresso sob U.N. Doc. HRI/GEN/1/Ver.1 a 35 (1994) 1

A observação geral sublinha que as restrições, em matéria de liberdade religiosa que não se baseiem nos motivos explicitamente mencionados no artigo 18, não são permitidas. O Comité dos Direitos do Homem explica que por isso, os limites fundados unicamente na segurança nacional não são autorizados. Isso significa que as vagas inquietações sobre a segurança nacional não são suficientes para justificar a limitação do direito à liberdade de religião ou de convicção. Este direito não pode ser quebrado senão quando o Estado toma medidas após uma ameaça real e concreta perante “a segurança, da ordem e da saúde públicas, ou da moral ou das liberdades e direitos fundamentais de outrem”. No momento em que actos terroristas individuais podem muito bem entrar nesta categoria, a luta generalizada contra o terrorismo não autoriza os Estados a derrogar a liberdade religiosa, nem a de se entregar a práticas que a restrinjam.

Da mesma forma, o significado generalizado de afronta à ordem pública, no sentido da ordem em público, não é suficiente. Bem entendido, a violência terrorista viola a ordem pública, no sentido mais restrito de que causa uma desordem real num local público e as leis visam reprimir este tipo de violência são, evidentemente, aceitáveis. Contudo, mesmo quando as restrições são aceitáveis, devem ser definidas precisamente e proporcionais ao objectivo visado.

A cláusula que define as restrições do artigo 18 permite, portanto, aos Estados atacar actos terroristas, sendo aí compreendidos os actos baseados na religião, mas insiste para que as leis que autorizam este tipo de restrição sejam redigidas com cuidado, a fim de reduzir ao máximo as interferências com a liberdade de religião ou de convicção.

Nota

1. N.T. Versão portuguesa: “O direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião (art. 18): 30/07/93. CCPR Observação geral 22. Site do Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas: http://unhchr.cr/tbs/doc.nsr/(Symbol)/2069 0181c9f4b70a80256523004b5db0?Opendocument

This article is from: