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Editorial Religião e ódio... Que relação pode haver entre eles?
Editorial
Religião e ódio … Que relação pode haver entre eles?
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Todas as religiões são tidas como pregando o amor, a tolerância e a paz. No entanto, frequentemente, os membros de uma religião detestam os adeptos das outras, que lhes pagam com a mesma moeda. Mesmo aqueles que se baseiam nos livros sagrados – onde se ensina, também, o amor, a tolerância e a paz entre os povos – pregam, por vezes o ódio, frequentemente por detrás de “boas” causas, motivos “justos” e “nobres”. Como é isso possível?
Um poeta romântico do século XIX escreveu que “o coração do homem está atapetado de ódio”. Não pretendo ter uma visão “poética” do coração humano, mas penso que sob muitos aspectos os acontecimentos actuais confirmam esta opinião.
Bem entendido, o ódio não é prerrogativa da religião; ele toca muitos outros domínios. Também se aplica quando os habitantes de um país criticam e detestam os cidadãos de outro país, quando os apoiantes de um clube de futebol, olham de lado para os adeptos da equipa adversária. Mas todos os exemplos que podemos apresentar suscitam a mesma questão: porque é que sentimos, espontaneamente, a aversão por aqueles que são diferentes de nós? Donde vem este sentimento de rejeição? Será que vem do fundo do coração humano? É bem possível e foi o que levou Bertrand Russel 1 a interrogar-se: “Porque é que é muito mais fácil suscitar ódio do que simpatia?” Questão para a qual ele parece responder com a seguinte observação: “O que passa geralmente por idealismo é de facto o ódio ou uma ambição disfarçada”.
O ódio, sentimento próprio da natureza humana, alimenta-se de outros sentimentos como o medo, a insegurança, a insatisfação, a incerteza ou a injustiça. A isso junta-se, parece, a tendência que os homens têm a acreditar numa culpabilidade colectiva, com todas as trágicas consequências que isso comporta. Há na História numerosos exemplos de homens traídos que procuraram vingar-se não na pessoa que os traíram, mas em membros da sua família, do seu grupo étnico, da sua tribo, do seu país, ou da sua religião. De igual forma justificam-se vulgarmente, os actos terroristas invocando a culpabilidade e a responsabilidade colectivas.
Como já vimos, o ódio religioso está longe de ser a única forma de ódio. Contudo, uma vez que admitimos que as religiões devem pregar o amor e a tolerância, reconheçamos que o ódio religioso é, particularmente, revoltante.
O que fazer para remediar esta situação? A solução parece simples e ao nosso alcance… em teoria, pelo menos. Porque como disse Jonathan Swift 2 “Temos
suficiente religião para nos odiarmos, mas não a suficiente para nos amarmos uns aos outros”.
Na Primavera de 2007, a International Religious Liberty Association, em cooperação com várias outras organizações, organizou na Cidade do Cabo um Congresso Internacional, que tinha como tema: “Como fazer face ao ódio religioso”. O presente número da Consciência e Liberdade dá-nos conta desse acontecimento. Os textos de várias intervenções foram reunidos. Um dos discursos, extremamente emotivo, convidou os participantes a promoverem “a separação entre a Igreja e ódio” (church and hate), fazem assim alusão, através de um jogo de palavras à “separação da Igreja e do Estado” (church and state), expressão bem conhecida de todos nós. Assim como separando juridicamente a Igreja e o Estado se abrem as portas à verdadeira liberdade de consciência, de pensamento e à liberdade de escolher a sua própria religião, também, hoje, separando a religião e o ódio, se pode abrir a via do diálogo tão necessário, à tolerância e ao respeito entre os povos cujas convicções e formas de viver, diferem.
A seguinte história poderá ilustrar este propósito: “Desenrola-se dentro de mim um combate terrível – disse um idoso homem ao seu neto – um combate entre dois lobos. Um é mau e representa a arrogância e a intolerância, o amor ao poder e ao domínio, a cólera e o ódio. O outro é bom: representa o amor, a paz, a alegria, a humildade, a gentileza, a compreensão, a tolerância, a generosidade e a compaixão. O mesmo combate desenrola-se em cada um de nós”. Então a criança perguntou: “Mas, avô, qual é o lobo que vai ganhar?” O velho homem respondeu, simplesmente: “Aquele que tiveres alimentado”.
A nossa tarefa, o nosso objectivo e o nosso compromisso não será alimentar o lobo bom?
Notas 1. Matemático e filósofo inglês (1872-1970) 2. Escritor satírico irlandês de origem inglesa (1667- 1745)