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T. van Boven O 25º aniversário da Declaração das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e de descrimunação baseadas na religião ou na convicção

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Abordagem Geral

Abordagem Geral

O 25º Aniversário da Declaração das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e de discriminação baseadas na religião ou na convicção

Théo van Boven*

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Resumo histórico

Tendo participado nos anos 1960-1970, nos primeiros esforços para dotar as Nações Unidas de um instrumento jurídico completo em matéria de liberdade de religião ou de convicção e de não discriminação religiosa, sinto-me particularmente feliz que me seja dada a oportunidade de submeter à vossa atenção algumas reflexões, neste dia que marca o 25º aniversário da Declaração das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e de discriminação baseadas na religião ou na convicção.

Convém, desde já recordar que em 1962, após uma vaga de incidentes antisemitas ao nível mundial, a Assembleia-Geral das Nações Unidas pediu, para duas declarações paralelas, a redacção de uma declaração e de um pacto sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e de uma declaração e de um pacto sobre a eliminação de todas as formas de intolerância religiosa. Perante as práticas políticas da época, é, no entanto, estranho constatar que os dois textos sobre a discriminação racial foram adoptados pelas Nações Unidas respectivamente desde 1963 e 1965, embora seja necessário esperar por 1981 para que apareça um acordo sobre a declaração relativa à intolerância religiosa. Mas o pacto sobre a intolerância religiosa nunca viu a luz do dia, se bem que tenha sido viva e continuamente defendido pelas partes interessadas. Voltarei a este assunto, mais adiante.

Se a redacção dos textos sobre a liberdade de religião ou de convicção e sobre a não discriminação religiosa tem progredido lentamente, não é, certamente, por falta de um sólido trabalho de preparação. Os princípios fundamentais estão já inscritos no artigo 18 de Declaração Universal dos Direitos do Homem, assim como no Pacto Internacional Relativo aos Direitos civis e políticos. Por outro lado, a Sub-Comissão da luta contra as medidas discriminatórias e da protecção das minorias empreendeu trabalhos preparatórios de grande qualidade, baseados no excelente estudo realizado pelo Relator Especial, Arcot Krishnaswami. A

razão desta lentidão era essencialmente política, no sentido em que o tema da liberdade religiosa foi eclipsada, no seio das Comissão dos Direitos do Homem, pelos desacordos Este-Oeste da Guerra Fria. Este foi uma grande fonte de frustração para aqueles que desejavam ver avançar a promoção da protecção da liberdade religiosa. Mas graças aos esforços incessantes de um certo número de governos e ao apoio das organizações da sociedade civil, a esperança de um resultado positivo tem sido mantida. Desejo, aqui, prestar uma homenagem particular, ao advogado senegalês, o saudoso Abdoulaye Dieye, que, em 1981, presidiu com competência e autoridade ao comité de redacção da Comissão dos Direitos do Homem. Ele conseguiu, com efeito, ultrapassar uma série de obstáculos e fazer pressão para que um verdadeiro e concreto processo de decisão fosse realizado. Foi, finalmente, nesse ano que deu o passo decisivo para a adopção da Declaração pela Assembleia-Geral. Ainda hoje, sinto uma grande satisfação quando penso que se chegou a este estágio há vinte cinco anos, quando eu era director da Divisão dos Direitos do Homem, nas Nações Unidas.

Um pacto, em breve?

Como já mencionei anteriormente, o pedido da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 1962, para a adopção de um pacto sobre a eliminação da intolerância religiosa, não teve êxito, apesar das demonstrações de apoio que suscitou. Num relatório escrito em 1989 por conta da Sub-comissão da luta contra as medidas discriminatórias e da protecção das minorias, recomendei que se agisse com prudência e que se insistisse particularmente no diálogo inter-religioso e na procura de uma base de ética comum, que ultrapassasse as barreiras religiosas, culturais e sócio-políticas. Sugeri, igualmente, que se não se chegasse a produzir um novo texto obrigatório, seria, talvez, preferível sob a forma de um protocolo adicional ao Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, em vez de ser como um novo tratado.

Não ignoram que hoje se levantam menos vozes, do que no passado, para reclamar um pacto tal como foi encarado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 1962. Isto é, talvez, devido, em parte, ao facto de que passámos o estádio da redacção de normas para chegar à sua aplicação – ainda que não possamos, verdadeiramente, afirmar que o processo de redacção de normas tenha terminado. Em contrapartida, é um trabalho, bem mais concreto, que se realiza através dos cuidados de órgãos tais como a Comissão dos Direitos do Homem e pelo Relator Especial sobre a Liberdade Religiosa ou de Convicção, que são hoje os garantes, mais eficazes e influentes da liberdade e da não discriminação religiosas. Refiro aqui o Comentário 22 adoptado pela Comissão dos Direitos do Homem em 1993, que explica em detalhe o artigo 18 do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos. Quanto ao Relator Especial sobre a Liberdade de Religião e de Convicção, este viu o seu mandato e as suas actividades consideravelmente reforçados e ampliados desde 1985. Ele vigia para que a

O Palácio das Nações Unidas em Genebra, Suíça. Foto Karel Nowak Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e de discriminação baseadas na religião ou na convicção funcione como instrumento jurídico vivo e dinâmico e que seja utilizado como critério de referência para identificar e tratar das situações mais preocupantes assim como as acusações de violação da liberdade religiosa e de outros direitos conexos.

Se bem que não deseje pôr em causa a ideia do pacto, penso que na hora actual é preferível, que nos concentremos sobre a manutenção e o reforço dos mecanismos de supervisão existentes, baseados nos Tratados e nas Cartas.

Intolerância religiosa e discriminação racial

À luz das duas resoluções da Assembleia-Geral das Nações Unidas já mencionadas, desejo tratar, brevemente, da relação entre intolerância religiosa e discriminação racial. Na época em que fui membro do Comité para a eliminação da discriminação racial, discutimos, de tempos a tempos, este assunto, e alguns dos meus colegas, tende presentes as resoluções paralelas da Assembleia-Geral, mantinham que os dois conceitos eram distintos. Eu não partilho desse ponto de vista. Creio, antes, que a sua ligação ressalta de forma evidente, dos actos e das práticas anti-semitas contra as quais a Assembleia-Geral se levantou. Vê-se, também nas atitudes e nas condutas islamófobas ou outras manifestações de hostilidade e de violência que se constatam em numerosas regiões do mundo, para com certas comunidades, por causa das suas crenças religiosas e a sua origem racial ou étni-

Günther Geghardt ca. A Conferência Mundial contra o racismo, a discriminação social, a xenofobia e a intolerância que lhe está associada, reunida em Durban em Setembro de 2001, reconheceu, explicitamente, na sua declaração, a relação conceptual e contextual entre discriminação racial e intolerância religiosa.

Todos nos lembramos muito bem dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, apenas alguns dias depois do encerramento da conferência de Durban sobre o aumento progressivo dos estereótipos negativos e das manifestações de hostilidade e de violência contra as pessoas, os grupos e as comunidades por causa das suas crenças religiosas e da sua origem étnica, ou pretensamente “racial”. Neste contexto, Robert Goldman, o especialista independente sobre a protecção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais na luta anti-terrorista, criticou, no seu relatório, de 2005, nas técnicas de investigação anti-terroristas, o uso do profiling (retrato robot comportamental), baseado em características tais como a raça, a nacionalidade de origem e a religião. Como ele declarou, os alvos destes inquéritos são, frequentemente, residentes estrangeiros, refugiados, requerentes de asilo e imigrantes que são muçulmanos e/ou de origem árabe. O resultado quer seja desejado ou não, poderá ser o de estigmatizar estas pessoas ou estes grupos associando-as ao terrorismo.

Conclusão

Instrumentos jurídicos tais como a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as Formas de Intolerância e de Discriminação baseadas na Religião ou na Convicção, não estão ao serviço, apenas, dos órgãos internacionais de supervisão. Eles adquirem um impacto real se se fala ou apela para eles, e se são aplicados ao nível nacional. Eles deveriam servir de instrumentos e de estímulos para todos os órgãos da sociedade civil, incluindo as organizações religiosas e as instituições que desempenham um papel particular neste domínio. Mais do que nunca, o diálogo inter-religioso é necessário a todos os níveis da sociedade, quer seja no plano local, nacional ou internacional. Nesta perspectiva, a declaração de 1981 não constitui apenas uma fonte de inspiração, mas é também um forte instrumento normativo.

* Professor de Direito Internacional, Universidade de Maastricht, Holanda

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