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M.A.Tyner O futuro da liberdade religiosa e a AIDLR
Mitchell A. Tyner*
Concluímos o 6º Congresso Mundial da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (AIDLR) e parece oportuno reflectir sobre o passado enquanto nos voltamos para o futuro. Com excepção do primeiro, tenho participado em todos os Congressos Mundiais da AIDLR. Nessa época, estava na Faculdade de Direito em Amesterdão, onde estudava gestão imobiliária, Direito Penal, Direito Civil, etc. Pouco tempo depois, em 1980, fui visitado por Bert Beach. Ele encontrou pela frente um pastor aguerrido com um novo diploma de Direito na algibeira, apaixonado pelas relações jurídicas entre a Igreja e o Estado para a defesa de direitos individuais. E antes da noite ter terminado, ele pediu-me para me juntar à sua equipa. Obrigado, Bert, por me ter dado a oportunidade de trabalhar para a Associação durante vinte cinco anos tão gratificantes como enriquecedores. Esses anos levaram-me a mais de cem países diferentes ao serviço da liberdade religiosa. Foi uma experiência fascinante que me abriu os olhos.
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Depois do congresso de Amesterdão, os efectivos da AIDLR tinha passado por profundas alterações. Quando Bert se tornou Secretáriogeral, em 1980, ele teve de tomar tudo a partir da base. Empreendeu, imediatamente, o rejuvenescimento da organização, e um das primeiras tarefas que ele me confiou foi preparar e pôr em andamento um Congresso Mundial em Roma, em 1984. Os resultados foram tão encorajadores que, logo de seguida, planeámos um outro, cinco anos mais tarde, em Londres – além de todos os Congressos Regionais que realizámos em diversos locais do mundo. O resto, como se diz, é história.
Desde que juntei à AIDLR, em 1982, tenho tido tempo para observar esta organização e os problemas que ela tem vocação para resolver. É por isso que me parece apropriado dar-vos a conhecer as minhas observações, baseadas numa experiência de um quarto de século, e antecipar, tanto quanto possível, as direcções a tomar para o futuro próximo.
A AIDLR percorreu um longo caminho desde a sua renovação em 1980. Ela é hoje uma organização à escala mundial cuja a influência positiva, ao serviço da liberdade religiosa, se tem ampliado à medida que se estende geograficamente. Entre os
Vitral em forma da Estrela de David da sinagoga do Jardim das Religiões em Belek, na Turquia. Esta espaço, dedicado às três religiões monoteistas, em nome da tolerância inter-cultural, comporta também uma igreja e uma mesquita. Foi inaugurada em Dezembro de 2006. Foto churchphoto/Ulrike Mueller
Congressos Mundiais, foram organizadas assembleias regionais em todos os continentes habitados, e contamos hoje com representantes a parceiros em mais de 80 países. Os documentos publicados pelo Conselho de peritos da AIDLR têm tido um impacto considerável, especialmente sobre o assunto sensível do proselitismo. Para vos convencer disso, convido-vos a reportarem-se à lista dos participantes do presente Congresso. Aí descobrirão o nome daqueles que o organizaram e que o apresentaram.
Mas não devemos embandeirar em arco, porque as notícias não são totalmente boas. Com efeito, parece que, desde a nossa anterior Assembleia Geral, cada conflito resolvido, ou acalmado, deu lugar a uma multidão de novos problemas.
Estes últimos poderão ser repartidos em duas categorias: 1. A oposição entre grupos religiosos. Este é o tipo de problema que encontramos com mais frequência e que, infelizmente, conhecemos muito bem. Falarei, entre outros, da situação em Timor Leste, e da forma como a hostilidade alí se transformou numa guerra aberta, ou ainda da Sérvia, onde a má vontade para com as minorias religiosas conduziu aos atentados contra igreja protestantes e, por fim, a esforços que foram feitos para conter o crescente ódio religioso em países como a Rússia, a Bielorússia e o Turquemenistão.
Estas dificuldades não se restringem, de forma alguma, aos Estados totalitários, ou em vias de desenvolvimento, muito longe disso! Uma recente sondagem de opinião levada a efeito nos Estados Unidos diz-nos que para 44% dos indivíduos interrogados, os direitos civis dos muçulmanos deveriam ser restringidos. E quando mais crentes são as pessoas interrogadas mais parece concordar com aquela posição. A AIDLR e as suas filiadas americanas têm um grande desafio à sua frente: convencer estas pessoas irreflectidas que se os direitos dos muçulmanos não são protegidos, os cristãos também não o serão.
Pouco antes do fim do seu mandato, o anterior Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, declarou: “Os mal-entendidos e os estereótipos subentendem a ideia do “choque das civilizações” estão cada vez mais espalhados, e a indiferença, queiramos ou não, para com as crenças e os símbolos sagrados, servem de pretexto a estes últimos – que não esperam senão que isso aconteça, para desencadear uma guerra de religião, desta vez ao nível mundial. Recordei estas importantes palavras quando Cole Durham disse na terça-feira passada (e eu vou parafrasear): “Se não chegarmos a promover e a defender a liberdade e a igualdade religiosas, a próxima vaga de violência corre o risco de fazer com que se dê a utilização das armas de destruição massiva” – as verdadeiras, não simplesmente aquelas que se supõe existir para fins políticos. 2. A hostilidade para com a própria religião. Este segundo tipo de problema é-nos menos familiar, mas é igualmente grave. Nestes últimos anos, o mundo religioso e o estatuto da religião no mundo tem sofrido profundas transformações. Por um lado, temos visto a religião perder a sua posição privilegiada e respeitada na maior parte das sociedades e tornar-se um assunto de desconfiança. Por outro, temos visto o número dos seus membros aumentar e a sua influência decrescer. Nas sociedades mais secularizadas/desenvolvidas, passámos de uma época em que a religião era considerada por todos, ou quase, como um bem para a sociedade, para uma época em que ela é muito frequentemente vista como uma fonte de discórdia e de conflitos, algo perigoso a vigiar de perto.
Se tomarmos, por exemplo, os resultados de uma sondagem ICM feita no Reino Unido e publicada no The Guardian de 23 de Dezembro de 2006, verifica-se que 82% dos inquiridos pensam que a religião provoca divisões e tensões entre as pessoas. Na Grã Bretanha, a maioria pensa que a religião faz mais mal do que bem. E esta opinião não se limita, infelizmente, a este país!
Se as causas deste fenómeno são múltiplas, algumas dentre elas merecem ser aqui examinadas: 1. A mutação cultural. Paul Hollander, do Washington Post, expressou-a muito bem, “o que suscita as vagas do ódio é a modernidade. Os Estados Unidos tornaram-se o símbolo do bode emissário da modernidade – simultaneamente libertadora e destabilizadora. Os problemas criados pela modernidade não
são, em primeiro lugar, a pobreza – que ela aligeira mais frequentemente do que agrava – mas muito mais a perda de referências, o desaparecimento progressivo de uma visão coerente do mundo e a ansiedade gerada pela liberdade individual. As sociedades tradicionais, se bem que pobres, eram capazes de oferecer aos seus membros, uma concepção estável do mundo, baseado na religião. A modernidade mina esta representação, assim como a confiança e o sentimento de pertença que lhe estão ligados. O relativismo cultural e a instabilidade moral que a modernidade provoca inconscientemente estão no coração do movimento de protesto contra a mundialização, o Ocidente e os Estados Unidos.”
É urgente que tomemos consciência que esta tendência nos afecta a todos nós e não unicamente os Estados Unidos. Para todos os grupos religiosos há nisto um desafio: ajudar os seus membros a encontrar um sentido e uma estabilidade neste mundo numa evolução cultural quase permanente. 2. Uma maior diversidade no seio da sociedade. Este elemento está estreitamente ligado ao anterior. As pessoas são confrontadas não apenas com mudanças no seio da sua própria cultura, mas igualmente com uma diversidade cada vez maior de pessoas e de opiniões nos seus países – e mesmo na sua vizinhança.
Para citar um outro exemplo americano, penso na forma como a imigração recente transformou a paisagem religiosa da América. Quer se trate do cristianismo ou do judaísmo, já não há uma nítida separação entre as diferentes variantes de uma mesma religião. A imigração acrescentou ao cadinho americano um mosaico de religiões teologicamente discordantes – 2 milhões de muçulmanos, 2,4 milhões de budistas, 1,3 milhões de hindus, etc. Para saber mais a este respeito é preciso ler a recente publicação de Robert Wuthnow, da Universidade de Princeton, America and the Challenge of Religious Diversity. O autor explica claramente que uma sociedade onde coabitam múltiplas religiões, mas onde poucas pessoas tentam compreender crenças diferentes das suas, corre o risco de ver a religião ser reduzida a uma esfera privada e as convicções religiosas perderam o seu valor.
Uma tal sociedade está igualmente madura para que um conflito deflagre, como numerosas sondagens nos Estados Unidos revelam. Por exemplo, 20% das pessoas interrogadas dizem-se favoráveis a que seja declarado ilegal a reunião de grupos muçulmanos, budistas e hindus, e uma percentagem não negligenciável não deseja ver estes grupos tornarem-se mais numerosos na América. Os estereótipos negativos a propósito dos muçulmanos pululam: cerca de metade das pessoas interrogadas dizem que o Islão é uma religião fanática, estreita de espírito e bizarra. Aqueles entre nós que conhecem um pouco o mundo do Islão tentam, constantemente, mostrar às pessoas a realidade desta religião: que ela não é um bloco monolítico, mas que compreende um grande leque de crenças e de práticas, tal como o cristianismo, e que, por um só muçulmano que se desvia das crenças e das práticas do Islão
Vitral de uma igreja cristã. “A Pesca Miraculosa”. Foto church/photo/Gunther Klenk
para justificar a violência, há milhões de muçulmanos praticantes que apenas pedem que os deixem tranquilos e livres para se reunirem cada sexta-feira, na mesquita.
Se bem que o texto de Wuthnow trate do pluralismo religioso apenas ao nível dos Estados Unidos, é necessário não esquecer o resto do mundo. Assim como ao nível nacional os americanos são confrontados com religiões não cristãs no seu local de trabalho e de residência, ao nível internacional, a mundialização cria uma rede cada vez mais densa de conexões entre os países com história religiosa, com tradições e com visões do mundo fundamentalmente diferentes. Segundo Robert Wuthnow, é indispensável que todos procuremos compreender melhor os nossos vizinhos. 3. A hipocrisia e as más práticas no seio das religiões. Recentemente, o presidente da National Association of Evangelicals – uma associação americana que reúne cristãos evangélicos conservadores – teve de se demitir, quando o seu amante revelou publicamente a sua homossexualidade. Tratase de um pastor que muitas vezes teve atitudes marcadamente homófobas e fustigou os homossexuais. Sejamos claros: não condeno a sua orientação sexual, mas o que lhe reprovo, é a
A famosa cúpula dourada da mesquita Al-Askari em Samara, ao norte de Bagdade, no Iraque. Este mausoleu muçulmano foi construído em 944. É considerada como um dos mais importantes lugares santos chiitas. A cúpula e os dois minaretes foram destruídos durante os atentados de 2006 e 2007. Foto churchphoto/Daniel Wagner
sua hipocrisia cínica, porque cobre de ridículo todos aqueles que tomam a religião a sério.
Utilizo exemplos americanos, porque é preferível criticar a sociedade a que se pertence e as suas fraquezas, mais do que julgar outras sociedades. No entanto, este problema está longe de se limitar aos Estados Unidos. Alguns artigos recentemente publicados relatando o arresto, no Brasil, do pastor Estevan Hernandez-Filho e a sua esposa Sónia, acusados de desviar sistematicamente fundos pertencentes à Igreja. O casal, actualmente, fechado em casa, estava à cabeça de mais de um milhar de igrejas no Brasil e na Florida. São acusados de ter dissimulado mais de $ 56 000 dólares em numerário e de terem escondido algumas notas entre as páginas da Bíblia.
Como ousamos, nós que nos declaramos abertamente religiosos, sonhar, nem que seja por um instante, reclamar a protecção da lei para a defesa das nossas convicções e das nossas práticas religiosas, e, ao mesmo tempo, agir ilegalmente? Casos como estes (e existem muitos outros) não fazem senão crescer em todos aqueles
que pensam, o cepticismo para com a religião. Quando se vê crentes – e os seus dirigentes – utilizar, com cinismo, a religião para fins pessoais, políticos e/ou financeiros, fica-se ainda mais convencido que isto não é apenas hipócrita, mas francamente perigoso.
As consequências deste género de atitude são assaz evidentes. Entre outras, a negligência crescente do Estado e o seu desinteresse para com a religião. Os governos observam tão frequentemente a exaltação religiosa da população e o seu carácter variável que acabam por escolher a técnica do comentário apaziguador: dizem-nos aquilo que nós temos vontade de ouvir, mesmo se as palavras não são seguidas de efeitos. Consideram que os problemas das diferenças entre religiões são muito complicados e ultrapassam a sua competência diplomática. Este é um dos factores que levou à desastrosa situação no Iraque, onde a intervenção americana exacerbou, lamentavelmente, a clivagem entre sunitas e chiitas. Isso não é uma surpresa, sem dúvida, para aqueles que conhecem um pouco a região, mas era-o para os burocratas que recusaram tomar em consideração o contexto religioso desse país – as oposições sectárias – e não faziam nenhuma ideia das consequências dos seus actos. Actualmente, vemos o resultado da ignorância, que impuseram a si próprios. Para uma excelente análise desta assunto, aconselho-vos o livro de Madeleine Albright, publicado recentemente, The Mighty and the Almighty.
Outra consequência: o desdém pela religião divulgada pelos líderes intelectuais. Para ilustrar o que quero dizer, tirei de um artigo do Journal of the American Academy of Religion (provavelmente o jornal especializado mais influente destinado aos profissionais do mundo religioso) uma declaração de Ferren McIntyre, da Universidade Nacional da Irlanda: “Se o racismo e a religião alguma vez tiveram qualquer utilidade, a evolução da sociedade tornou-as contestáveis. Temo-nos apercebido que o racismo causa um grande prejuízo a uma sociedade multiracial e nós modificámos o Código Penal nesse sentido. Tomamos medidas concretas para eliminar as consequências do racismo e tentámos desencorajar esse género de comportamento. Paralelamente, torna-se evidente que, numa sociedade multi-religiosa, pretender deter a única verdade é tão prejudicial como ser racista”.
“Mesmo as Nações Unidas deploram o racismo actual. Sugiro que trabalhemos sobre um regulamento internacional que trate a religião como racismo. Os termo “legalista” teria assim a mesma conotação pejorativa que “racista”, e pretende crer numa só religião verdadeira tão aceitável como falar da superioridade de uma raça, e seria objecto da mesma vigilância”.
Estou seguro que muitos entre vós ficarão chocados, como eu fiquei, ao ouvir que um jornal universitário altamente respeitado ousou publicar um artigo sustentando também que o facto de deter a verdade absoluta deveria ser julgado tão duramente como falar da superioridade racial. Se bem que isto esteja longe de representar a opinião geral, este artigo diz muito sobre a
credibilidade das religiões organizadas nos meios universitários.
Temos nós soluções neste domínio? Que poderia fazer a AIDLR e aqueles que lhe dão o seu apoio e que defendem os seus objectivos?
Em primeiro lugar, continuemos a fazer aquilo que fazemos bem. Devemos chamar a atenção das comunidades religiosas e das maiorias políticas para o facto de que só a imparcialidade do governo – caracterizada por uma espécie de neutralidade benevolente – para com a religião pode permitir que esta contribua para a paz social. Depois, devemos lembrar-lhe constantemente, que um país não se torna uma nação religiosa inscrevendo na sua Constituição o nome de Deus, nem fazendo recitar, nas escolas públicas, uma oração ditada pelo Estado, nem mesmo impondo a adopção de comportamentos “religiosos”, ou misturando religião e política. Não é dessa forma que se criará uma nação religiosa, mas far-se-á dela, seguramente, uma nação perigosa.
Em segundo lugar, é necessário que encontremos novas formas de defender a causa da liberdade religiosa. Não basta saudar e falar com os funcionários que pensamos serem favoráveis à religião. O nosso trabalho, actualmente, é convencer os governos que a religião é importante: ela existe, ele é real e tem direito de ser tida em conta na tomada de decisões políticas. Agir, de forma diferente, nos nossos dias, seria correr para a catástrofe.
Como ouvimos esta semana quer nas apresentações públicas, quer em conversas privadas, estamos decididos a resolver numerosos problemas graças à nossa abordagem tradicional, a “diplomacia tranquila”. James Standish contou como se tinha alegrado quando se apercebeu que os nossos esforços para libertar um prisioneiro político tinham sido coroados de êxito: ele estava “nas nuvens”. Eu já passei por isso e sei como nos sentimos em tais circunstâncias. Espero que seja cada vez mais numeroso o número dos que vivem estes momentos. Infelizmente, em cada vez mais locais, é feito pouco caso da diplomacia tranquila e os nossos esforços não têm como resultados tangíveis, um punhado de casos e uma fotografia de recordação. Todavia, há pessoas vítimas de uma hostilidade evidente para com as suas crenças e as suas práticas religiosas, e esperam de nós, mais do que palavras.
É, portanto, necessário, por vezes, para apoiar estas palavras, recorrer a uma sólida publicidade que aponte e traga à luz do dia os problemas causados por numerosos governos às comunidades religiosas e aos seus membros. Aplaudo o trabalho do Fórum 18 e do Institute for Religion and Public Policy, que se têm servido da Internete para manter uma vasto número de pessoas regularmente informadas sobre as tentativas de diversos governos para sufocar as actividades religiosas.
Para além desta publicidade, também se deve algumas vezes passar para as acções de justiça. Isso pode, é verdade, num primeiro tempo, exacerbar os problemas antes de os resolver. Mas chega o momento em que se deve aceitar que não é possível fazer omeletas sem ovos. Como já afirmei, algumas
Monjes budistas na Tailândia- Foto churchphoto/Arkadiusz Pietka
circunstâncias exigem que se utilizem argumentos mais “musculados” para defender a liberdade e a igualdade religiosas.
Em terceiro lugar, devemos apresentar uma argumentação válida se queremos que os não crentes dêem o seu apoio à liberdade religiosa. Que argumentos avançar para que um não crente dê o seus apoio à liberdade de qualquer coisa que ele considere como uma simples superstição? O que é que poderia levá-lo a apoiar a liberdade religiosa? Podemos adiantar o facto de que a liberdade religiosa contribui para a paz nas sociedades – se conseguirmos reunir provas credíveis para isso. Podemos dizer que a liberdade religiosa favorece a descoberta de novas ideias – se chegarmos a demonstrálo. Podemos defender que a liberdade religiosa facilita a autonomia uma vez que este deveria ser normalmente o caso. Mas ainda, é necessário apresentar argumentos rigorosamente baseados na realidade. Por fim, podemos avançar que a liberdade religiosa encoraja a igualdade social, com a condição de dispor de factos reais que o atestem.
Em quarto lugar, e em consequência de que está atrás, é nossa responsabilidade trabalhar com as nossas próprias comunidades religiosas a fim de pôr fim à hipocrisia, aos abusos e ao desvio da religião. Como crentes,
0 Futuro da liberdade relilgiosa e a IRLA o nosso papel é começar por nos ajudarmos a nós mesmos, não insistindo para que os nossos direitos sejam protegidos pelos governos, mas corrigindo as nossas próprias igrejas para que elas apareçam ao público sob a melhor – e verdadeira – luz.
Devemos dizer aos nossos correligionários que cometem acções repreensíveis em nome da fé: “Como ousam deturpar as melhores tradições e crenças da nossa religião para desculpar e até mesmo encorajar a violência contra inocentes? Que vergonha!”
Os meus irmãos e irmãs muçulmanos têm o dever de explicar, claramente, que aqueles que alteram as palavras do profeta e se servem dos ensinos e dos princípios históricos do Islão para justificar a violência, desfiguram a sua fé. Eu não sou muçulmano, por isso não me compete transmitir esta mensagem – ela deve vir do interior da comunidade.
Os meus irmãos e irmãs hindus devem dizer francamente aos que desejam ver o hinduísmo ocupar um lugar especial na Índia que os seus actos não seguem as maiores tradições do hinduísmo.
Meus irmãos e irmãs budistas do Sri Lanka devem mostrar aos que querem que o budismo cingalês tem a preponderância no país que eles não seguem a via do fundador da sua religião.
Àqueles que, entre nós, são cristãos têm o dever de pedir aos seus correligionários: “Como ousais pregar uma “cruzada” e utilizar a imagem do Príncipe da Paz para justificar a violência? Os não cristãos não podem transmitir esta mensagem: eles não serão ouvidos. Nós somos os únicos que o podemos fazer.
Conservemos também no nosso espírito as palavras de Paul Hollander que já citei acima: “Os problemas criados pela modernidade não são, em primeiro lugar a pobreza, mas a perda de referências, o desaparecimento progressivo de uma visão do mundo coerente e a ansiedade gerada pela liberdade individual.” Na hora actual, a tarefa de cada comunidade religiosa é ajudar os seus membros a encontrar um sentido para a sua vida e a sentir-se em segurança no meio das vagas incertas da mundialização.
É indispensável que envolvamos as nossas congregações a agir segundo os princípios e a razão: procurar não um estatuto privilegiado, mas muito mais a neutralidade do governo em matéria de religião, apoiar a liberdade e a autonomia, dar o seu apoio aos direitos de todos – incluindo aqueles com quem estamos em total desacordo – e defender a liberdade comum, um dom fundamental de um Deus bom e sábio. Devemos lançar este desafio às nossas comunidades e, ao mesmo tempo, ajudá-las a encontrar uma segurança real e eterna na fé, e não através de um estatuto político efémero e puramente terrestre.
Na minha opinião, os anos que nos separam do próximo Congresso representam um verdadeiro desafio. Forças dificilmente controláveis espalham-se por todo o mundo. Elas podem muito bem conduzir à
0 Futuro da liberdade relilgiosa e a IRLA hostilidade e à negação – a um grau raramente visto neste últimos decénios – dos direitos individuais e muito particularmente dos direitos religiosos.
Os dirigentes da AIDLR e aqueles entre nós que apoiam os seus esforços têm recursos para o futuro. Mas eu sei que também falo em nome de Bert Beach assegurando-vos que seguiremos os vossos progressos com um interesse e um cuidado constantes, mesmo se desejamos, neste momento, passar para um plano secundário, num papel de apoio. Desejo-vos coragem, consagração e determinação, discernimento e serenidade, um julgamento justo e ponderado. Que nunca sintam nem fadiga, nem desencorajamento nem fraqueza, porque a importância da tarefa que vos está confiada é imensa.
* Advogado. Antigo conselheiro jurídica da International Liberty Association, Silver Spring, Maryland