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sobre os cultos na Roménia

A influência da Lei relativa à liberdade religiosa sobre os cultos na Roménia

Viorel Dima*

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Introdução

No decurso dos dezassete anos que se seguiram à queda do comunismo, a Secretaria de Estado encarregue dos Cultos tentou, por várias vezes, em colaboração com os representantes dos cultos religiosos, concluir um projecto de Lei sobre a liberdade religiosa e o regime geral dos cultos. Um dos projectos, que afirmava de forma evidente o seu apoio aos cultos, foi aprovado pelo Governo romeno em 1999, o que incomodou muito a Igreja maioritária. O Governo foi, por isso, obrigado a pedir à Secretaria de Estado que lhe submetesse uma outra variante desse projecto. Alguns dias mais tarde, o Governo fez chegar ao Parlamento um projecto que não tinha obtido o apoio dos cultos e que, além disso, era muito restritivo. Sob a insistência dos cultos reconhecidos e de outras organizações religiosas sediadas no estrangeiro, o projecto foi rejeitado. Foi então iniciado outro projecto entre 2000 e 2004, mas permanece sem continuidade.

O projecto de Lei actual, como os precedentes, foi preparado com o concurso dos cultos reconhecidos. Durante os debates, foi proposta a ideia de organizar uma negociação entre os cultos, por um lado, e entre os cultos e o Ministério da Cultura e dos Cultos, por outro. Esta proposta foi muito bem acolhida, ele teve o mérito de incitar os parceiros implicados na realização deste projecto de Lei a procurar fórmulas que possam ser aceites por todos, mais do que em insistir nos pontos susceptíveis de dividir.

O texto assim negociado foi assinado por todos os que tinham participado nos debates, com excepção da Igreja Católica Grega – a organização das Testemunhas de Jeová tinham, por seu lado, recusado tomar parte nas discussões. Na conclusão, dos dezoito cultos reconhecidos, dezasseis apuseram a sua assinatura. O Ministério da Cultura e dos Cultos insistiu junto das Comissões Parlamentares e da Câmara de Deputados para que este acordo seja respeitado, o que explica a razão do projecto ter sofrido tão poucas alterações.

A liberdade religiosa Individual

As normas estabelecidas pela Lei nº 480/2006 sobre a liberdade religiosa e o regime geral dos cultos1 tratam, por um lado, da protecção da liberdade e da legalidade dos indivíduos em matéria de religião e, por outro lado, da garantia do sistema de cooperação entre o Estado e as confissões religiosas.

Assim, no capítulo intitulado “Disposições Gerais” é estabelecido que: a) O Estado romeno compromete-se a respeitar o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, de todas as pessoas (art. 1.1) b) Ninguém pode ser impedido ou obrigado a adoptar ou a aderir a uma crença religiosa que seja contrária às suas convicções. c) Ninguém pode ser objecto de descriminação, ser perseguido ou colocado numa situação de inferioridade por causa das suas convicções religiosas (art. 1.2).

O artigo 3 desenvolve o princípio constitucional relativo aos direitos dos pais educarem os seus filhos segundo as suas próprias convicções. Este artigo estipula que “os pais têm o direito exclusivo de escolher a educação religiosa dos seus filhos menores, de acordo com as suas convicções”. É no entanto precisado que “a religião da criança que tenha ultrapassado a idade de 14 anos não pode ser mudada sem o consentimento desta”, assim como a criança que tenha ultrapassado a idade dos 16 anos tem o direito de escolher, ela mesma, a sua religião (art. 3.2).

As relações Igreja – Estado

As relações entre o Estado romeno e os cultos religiosos são regulados no seu conjunto, pela Lei sobre a liberdade religiosa e o regime geral dos cultos (daqui em diante Lei sobre a liberdade religiosa).Alguns aspectos específicos sobre a tradição dos cultos podem sê-lo por “acordos” concluídos entre estes últimos e as autoridades públicas centrais, acordos que devem ser aprovados pela Lei (art. 9.5). A legislação romena evita proclamar a separação da Igreja e do Estado afirmando, no entanto, a neutralidade deste perante qualquer crença religiosa ou ideologia ateia e garantindo a autonomia dos cultos religiosos. O Estado é neutro perante a religião e, neste sentido, “não apoia nem favorece a concessão de privilégios ou o incitamento à descriminação para com um culto, seja ele qual for” (art. 9.2), preferindo uma posição equidistante perante uns e outros. A autonomia dos cultos consiste em que eles se podem organizar “segundo os seus próprios estatutos e códigos de Direito Canónico! (art. 8:1) e escolher “livremente a forma de associação na qual querem manifestar as suas crenças religiosas: culto, associação religiosa ou grupo religioso” (art. 5:3). A preponderância do pluralismo religioso incitou o Estado romeno a adoptar uma posição de neutralidade para com as religiões, mas é uma neutralidade ponderada, porque a adopção de um sistema de reconhecimento diferenciado oferece aos cultos reconhecidos um estatuto que lhes confere uma série de privilégios perante os outros grupos religiosos. Assim, o Estado romeno estabeleceu com eles uma relação preferencial e de cooperação “em domínios de interesse comum” (art. 9.4) concedendo-lhes: – uma ajuda directa pela regulação “dos salários do seu pessoal eclesiástico e não eclesiástico” (art. 10.4), para “o funcionamento das suas

congregações, para os trabalhos de reparação e de construção dos seus edifícios” (art. 10.6) e para as suas actividades “em virtude dos serviços que prestam à sociedade” (art. 10.7) – um apoio indirecto, provendo “facilidades fiscais” (art. 11), incentivando “os cidadãos a apoiar os cultos, pela dedução” de montantes entregues nos impostos e encorajando “o patrocínio em favor dos cultos” (art. 10.3).

Os cultos reconhecidos beneficiam, ao mesmo tempo, de um apoio para as “actividades culturais e sociais levadas ao estrangeiro” (art. 9:4): têm também a possibilidade de concluir acordos com as autoridades centrais “em domínios de interesse comum” (art. 9.5). Alguns dentre eles já beneficiaram largamente desta ajuda do Estado durante o regime comunista e após a queda deste.

O progresso importante que representa a Lei de 2006 relativamente à liberdade religiosa e à separação da Igreja e do Estado deriva de que ela justifica o tratamento diferenciado concedido pelo Estado aos cultos reconhecidos. Ela confere a estes últimos o estatuto de “’pessoas jurídicas de utilidade pública’ (art. 8:1), pelo facto de que o Estado romeno reconhece o seu papel espiritual, educativo, sócio-caritativo, cultural e a sua qualidade de parceiros sociais, assim como o estatuto de agentes sociais” (art. 7.1). Desta forma, as vantagens de que os cultos reconhecidos beneficiam comparado com os cultos não reconhecidos deixam de ser discriminatórias: elas justificam-se pelos serviços públicos prestados.

O estatuto jurídico das comunidades religiosas

A Lei sobre a liberdade religiosa divide as confissões religiosas em três categorias:

1. Os cultos religiosos

A Lei reconhece a existência de dezoito Cultos2. Mesmo se este reconhecimento lhes é concedido, estes últimos são, todavia, obrigados a depositar os seus estatutos, os quais devem estar em harmonia com a Lei sobre os cultos, para serem aprovados.

As Associações Religiosas podem obter o estatuto de Culto reconhecido por decisão governamental, sob proposta do Ministério da Cultura e dos Cultos (art. 17.1), e depois de terem dado garantias de durabilidade, de estabilidade e de interesse público. Para isso, devem entregar no aludido Ministério: – uma prova de que estão legalmente constituídos e que funcionam sem interrupção no território romeno há pelo menos doze anos; – a lista original dos seus membros (cidadãos romenos habitando na Roménia e cujo número corresponda, pelo menos, a 0,1% da população, ou seja cerca de 21 500 membros), assinada por cada um deles. –asuaprofissãodefé,osseusestatutosdeorganizaçãoedefuncionamento, assim como outros documentos.

Os Cultos reconhecidos dispõem de estatuto jurídico de utilidade pública (art. 8.1). Estes Cultos assim como “as suas partes constituintes, tal como mencionadas nos estatutos ou códigos particulares de Direito Canónico, são pessoas jurídicas” que, para o efeito da Lei, não necessitam de estar registadas junto do Tribunal ou de um notário.

2. As Associações Religiosas

As Associações Religiosas têm o estatuto de pessoas jurídicas de Direito Privado, formadas por pessoas físicas que adoptam, partilham e praticam as mesmas crenças religiosas (art. 6.2). Elas adquirem este estatuto declarando-se no Registo das Associações Religiosas num Tribunal onde devem entregar um pedido de inscrição, uma acta constitutiva autenticada, as coordenadas e as assinaturas de, pelo menos, 300 membros, uma profissão de fé e documentos atestando a sede social e o património religioso.

Devem também entregar a informação consultiva do Ministério da Cultura e dos Cultos e fornecer uma prova emitida pelo Ministério da Justiça segundo a qual o nome que escolheram não está já atribuído.

Cada Associação existente à data da adopção da Lei e tendo como actividade principal a prática de actividades religiosas de acordo com o procedimento mencionado anteriormente. O juiz delegado pronunciar-se-á sobre a transformação da Associação Religiosa e sobre o seu registo como tal. Determinará o período durante o qual ela exerceu as suas actividades religiosas, podendo este período ser tido em consideração para a fixação do período de funcionamento tendo em vista obter a qualidade de Culto reconhecido.

As Associações Religiosas beneficiam de facilidades fiscais para as suas actividades religiosas, mas não de apoio financeiro directo do Estado.

3. Grupos religiosos

Esta é a forma de associação sem personalidade jurídica adoptada por certas pessoas que, deliberadamente, adoptam, partilham e praticam as mesmas crenças religiosas.

Pode-se juntar a isso que o estatuto de Associação Religiosa supõe uma espécie de reconhecimento, na medida em que, para poder obtê-lo, uma organização religiosa deve receber o acordo do Ministério da Cultura e dos Cultos, contar com um número mínimo de membros (300) e ter um conselho director nacional. O Ministro da Cultura e dos Cultos afirma mesmo, na nota justificativa do projecto de Lei sobre a liberdade religiosa dirigida ao Parlamento, que “o sistema escolhido para regulamentar a via religiosa […] possui […] dois níveis de reconhecimento dos cultos”. É, portanto “um sistema de regulamentação de dois níveis3”.

No entanto, os cultos submetidos a um regime de reconhecimento não

são os únicos a beneficiar de um estatuto jurídico. Do artigo 47 resulta, implicitamente, que as Associações e fundações4 e tendo como actividade principal o exercício de crenças religiosas, mas que não desejam obter o estatuto de associação religiosa, têm a possibilidade de continuar a funcionar segundo a Lei sobre as associações e fundações. Esta é a situação na qual são susceptíveis de encontrar, seja as associações que não desejam o estatuto de associação religiosa, seja as que têm menos de 300 membros e que, de facto, não podem solicitar o estatuto.

Nestas condições, poder-se-á afirmar que os organismos religiosos estão, na realidade, organizados em quatro níveis: 1. Os Cultos religiosos reconhecidos; 2. As Associações Religiosas; 3. As Associações cuja actividade principal consiste em praticar crenças religiosas e que têm o estatuto de Associações com fins não lucrativos; 4. Os grupos religiosos.

Alguns elementos novos com impacto na liberdade religiosa

O artigo 5 (par. 5 e 6) interditam a solicitação de informações e a exploração de dados pessoais relativamente às convicções ou à pertença religiosa e rejeitam a obrigação “de mencionar a religião nas relações com as autoridades públicas ou com as pessoas jurídicas de Direito Privado”. Esta disposição reduz o risco de descriminação por motivos religiosos, quer seja por ocasião de busca de um emprego, num concurso público para mudar de categoria, de exames escolares, ou em caso de abuso por parte das autoridades públicas. O parágrafo 5 estabelece duas excepções nas quais se podem solicitar informações pessoais relativas às convicções e à filiação religiosa: por ocasião de um recenseamento nacional aprovado pela lei ou “quando a pessoa visada o autorizou expressamente”.

Na base do artigo 23 (3), os pastores e os padres não podem ser forçados a revelar os factos que lhes foram confiados ou de que tiveram conhecimento no exercício específico das suas funções.

Na Roménia, a questão da divulgação às autoridades, de informações sobre a vida pessoal das paróquias pelos ministros do culto ainda é objecto de debates públicos. É por isso que a protecção do pessoal eclesiástico, tal como está estipulado nesta artigo, é tão importante. Esta disposição é justificada também, pelo facto de que após a queda do regime comunista, os ministros do culto eram obrigados, muitas vezes, a testemunhar em tribunal sobre factos que eles tinham conhecido no quadro do exercício da aplicação da disciplina eclesiástica.

“Toda a tentativa de sabotar ou de perturbar o exercício de um acto religioso será punido conforme as disposições penais” (art. 13.1). Esta norma

protege cada Igreja de pessoas ou de grupos perturbadores provenientes do exterior ou do interior da congregação. Tais atitudes cairão sob a alçada da sanção prevista no artigo 246 do Código Penal e levarão a uma condenação de um a seis meses de prisão ou multa diária.

O mesmo tratamento será aplicado se se força alguém a participar em serviços religiosos ou a realizar um acto de culto. A profanação “de um monumento, de uma urna funerária ou de um cadáver será punida com uma pena que pode ir de um ano a cinco anos de prisão ou de dias de multa”.

No que diz respeito à aplicação da disciplina eclesiástica, o artigo 26 reconhece a competência “dos órgãos jurídicos próprios a cada culto”, de acordo com os estatutos e regulamentos particulares que se apliquem, e estabelece que “para os problemas de disciplina interna, apenas serão aplicadas as disposições estatutárias e canónicas”. Por conseguinte, se uma Igreja aplica medidas disciplinares contra alguns dos seus membros e estes apresentam queixa junto da instância pública que tem autoridade na matéria, esta última julgará a causa a partir das normas em vigor na Igreja respectiva. De igual maneira, pelo artigo 23.2 e 32.3, os empregados do culto podem ser submetidos a sanções disciplinares por terem transgredido princípios da doutrina ou da moral desse culto, segundo os seus estatutos e regulamentos próprios. Estas disposições protegem a Igreja dos ataques malévolos dos membros ou dos empregados e, ao mesmo tempo, actua sobre os factores implicados na aplicação da disciplina eclesiástica, no sentido de uma grande exigência para com as normas e os seus procedimentos. O artigo 27 declara não penhoráveis nem inprescritíveis os bens sagrados da Igreja e protege-os, também quando estas estão na Teocista (1915-2007), o quinto patriarca da Igreja Ortodoxa Romena. impossibilidade de pagar as suas dívidas. O Churchphoto/Matthias Mueller. contexto supõe que as Igrejas devem estabelecer condições nas quais esses bens podem ser alienados (“a alienação dos bens sagrados sendo possível nas condições estabelecidas por cada culto”). A Lei estabelece ainda que “as pessoas que abandonem o culto não podem ter pretensões patrimoniais” (art. 31), nesse sentido não podem pretender recuperar as ofertas e as contribuições materiais que tenham entregue ao dito culto.

Os cultos financiam as despesas para a manutenção e desenvolvimento das suas actividades, primeiramente, com os seus próprios recursos. Além das subvenções acordadas para os salários, as despesas de funcionamento e as que estão ligadas aos trabalhos de reparação ou da construção de edifícios, podem beneficiar de um apoio financeiro para a assistência que prestem nos hospitais,

nos lares da terceira idade e nos estabelecimentos prisionais, assim como para outras formas de serviço 6 .

As contribuições e os donativos feitas pelos fiéis podem ser deduzidos nos impostos (art. 10.3). O Código Fiscal7 permite aos contribuintes que, na qualidade de pessoas jurídicas, apoiem as Igrejas, deduzir o montante calculado dos seus impostos sobre os benefícios, até ao limite de 3/1000 dos seus ganhos, mas sem ultrapassar 20% do imposto. Os contribuintes – pessoas físicas – podem, eles próprios, beneficiar de uma dedução do montante das somas entregues às Igrejas até ao limite de 2% do imposto sobre os seus ganhos. As disposições do art. 10.3 da Lei sobre a liberdade religiosa preocupa muito mais os contribuintes do que estas deduções. No quadro dos debates organizados pelo Ministério da Cultura e dos Cultos com os representantes dos cultos reconhecidos para finalizar o Projecto de Lei, chegou-se a este acordo visando reduzir a disparidade entre os cultos que recebem subvenções do Estado e os que não aceitam um tal apoio. Foi assim que foi convencionado que os doadores que financiam os cultos, não aceitando os fundos públicos, poderiam também deduzir essas contribuições nos seus impostos, mas numa percentagem mais elevada que a dos que beneficiam os doadores das outras organizações sem fins lucrativos. Só o tempo demonstrará se esta norma é um acto de vontade política do Estado romeno, ou se foi inserida na Lei apenas para desbloquear as negociações relativas à Lei da Liberdade Religiosa, e se será verdadeiramente aplicada um dia. Isso será possível, com a condição de harmonizar a Lei sobre as finanças públicas e a Lei sobre o Orçamento de Estado com a Lei sobre a Liberdade Religiosa. Mas, na minha opinião, mesmo se a Lei das Finanças Públicas aumenta a percentagem dedutível no imposto, a regra será aplicada a todos os cultos reconhecidos, porque esta Lei não previu aplicação diferenciada para as Igrejas.

Os pontos fracos da Lei

A Lei relativa a Liberdade Religiosa e aos Cultos toca um domínio que é sensível, porque está submetida a fortes pressões por parte da Igreja maioritária, por grupos de lobby e de organizações de defesa dos direitos do Homem, assim como das convenções e de organizações internacionais que controlam a aplicação das normas da liberdade religiosa. É por isso que, se é verdade que “qualquer Lei pode ser aperfeiçoada” esta o é ainda mais: ela contém algumas disposições apresentando soluções que não são as mais felizes ou que, mesmo que sejam razoáveis, não podem ser aplicadas. Gostaria de vos apresentar algumas.

O texto do artigo 13.2 que interdita ofender publicamente os símbolos religiosos: Apesar de proteger todos os cultos, há um forte risco de ser interpretado de uma forma abusiva. A confissão de fé de um Culto religioso poderia, com efeito, ser considerada como uma ofensa para com os símbo-

los religiosos de um outro Culto, porque, bem frequentemente as doutrinas relativas a certas questões são muito diferentes de uma religião para outra. É por isso que este artigo é contestado por muitos Cultos e organizações não governamentais. O Secretário de Estado dos Cultos que estava em exercício na época em que a Lei foi adoptada, defende que esta disposição “deve ser compreendida apenas como a afirmação de um princípio, sem consequências práticas jurídicas 8”. Mas uma tal explicação não satisfaz os críticos que consideram que por detrás desta norma se escondem ideias perigosas.

O acesso aos cemitérios é também, um problema delicado. Com efeito, muitas localidades romenas apenas dispõem de cemitérios confessionais, dependendo da Igreja maioritária. Ora, em alguns deles, o pessoal do Culto não aceita enterrar pessoas pertencentes a minorias religiosas, a menos que o seja segundo o ritual ortodoxo. Para evitar que tais situações ocorram, os Cultos religiosos minoritários têm insistido para que a Lei sobre a liberdade religiosa, traga soluções para este problema.

Aquilo que encontramos consiste, como o artigo 28 estipula, é a obrigação da Administração Pública local de “construir em cada localidade cemitérios, onde deverão ser “locais de enterramento para cada Culto religioso reconhecido”. O mesmo artigo prevê, também, que, nas localidades em que ainda não há cemitérios, as pessoas que morrem “serão enterrados, segundo o ritual” do Culto a que pertencem, nos cemitérios existentes, mesmo que sejam confessionais (com excepção, todavia, dos cemitérios judeus e muçulmanos).

Um ano depois da adopção da Lei, constatou-se que este artigo não produziu os efeitos jurídicos desejados. Assim, nenhum novo cemitério foi construído no meio rural e parece que as autoridades romenas não tinham inscrito este problema na lista das suas prioridades. Muitas pessoas ainda duvidam que esta disposição seja alguma vez aplicada pelo facto de que uma disposição similar, inscrita na Lei sobre o regime geral dos Cultos religiosos que já existia durante o período comunista nunca teve efeito. Contudo, no tempo do comunismo, todas as pessoas podiam beneficiar do direito de serem enterrados segundo o ritual do Culto a que pertenciam. A despeito das disposições da Lei actual, segundo a qual os corpos podem ser enterrados nos cemitérios existentes de acordo com o ritual do Culto ao qual pertencem, quase nenhuma alteração foi feita: os Cultos minoritários encontram as mesmas dificuldades que durante os dezassete últimos anos.

O artigo 39 (5) declara que “no ensino confessional, podem-se inscrever alunos e estudantes de qualquer religião ou confissão, garantindo a liberdade da sua educação religiosa, que será conforme a sua religião ou confissão particular”. Se no ensino público uma tal directiva é absolutamente normal e necessária, no ensino confessional é abusiva. Com efeito, se os alunos escolhem uma escola confessional, é porque preferem a qualidade e as condições do ensino. Encontramo-nos, portanto, perante uma situação inexplicável: por

um lado, a escola confessional não deve atentar contra a liberdade religiosa do estudante. Por outro, este último pode exigir que o estabelecimento de ensino que ele frequenta organize, para ele, um ensino religioso que lhe seja específico.

Conclusões

A Lei sobre a liberdade religiosa e o regime geral dos cultos representa um progresso real na evolução da liberdade religiosa e das relações entre a Igreja e o Estado, e goza do apoio da grande maioria dos Cultos reconhecidos. Com efeito, ela confere aos cidadãos direitos religiosos garantidos pelos documentos internacionais relativos aos direitos do Homem no que se refere à regulamentação das relações Igreja-Estado, mostra claramente a sua vontade de reconhecer as organizações religiosas e de estender os privilégios aos dezoito Cultos reconhecidos. Quando ao estatuto jurídico que ela concede aos Cultos, classifica estes últimos em três níveis, mesmo se, de facto, eles podem ser repartidos em quatro categorias: os Cultos reconhecidos, dos quais a Igreja Ortodoxa é, pelo menos “a primeira entre os cultos iguais”, as associações religiosas, as Associações de Direito Comum (tendo um estatuto de Direito Associativo) e os grupos religiosos.

Entre os grandes problemas aos quais a Lei não responde de uma forma satisfatória, estão as condições restritivas a que o acesso ao estatuto de Associação Religiosa e de Culto reconhecido estão submetidos; os riscos de abuso na interpretação da norma visando interditar o ridicularizar publicamente os símbolos religiosos; as más interpretações eventuais da noção de liberdade na educação religiosa das escolas confessionais: tudo coisas que se arriscam a criar descriminaçõese tensõesentreos Cultos.Os conflitos inter-confessionais gerados pelos obstáculos que os cultos minoritários encontram a propósito dos enterramentos ainda vão persistir na Roménia. A solução deste problema não se poderá encontrar nas medidas administrativas que permitem assegurar a cada pessoa que morre, um local de repouso decente, no qual se poderá enterrar segundo o ritual específico da sua religião.

No entanto, apesar de todos estes inconvenientes, esta Lei tem o mérito de ter trazido melhoramentos substanciais porque está garantida a neutralidade do Estado, o bom funcionamento dos Cultos religiosos e a protecção dos cidadãos contra a descriminação.

Notas

Lei adoptada pelo Parlamento romeno a 28 de Dezembro de 2006, promulgada pelo Presidente da Roménia (Decreto nº 1437 de 27 de Dezembro de 2006) e publicado no Moniteur Officiel, primeira parte, nº 11/8 de Janeiro de 2007. 2. A Igreja Ortodoxa Romena, o Bispo ortodoxo sérvio de Timisoara, a Igreja Católica Romena – a Igreja Gréco-católica Romena unida a Roma, o Arcebispado da Igreja Arménia, a Igreja Cristã Russa de rito antigo da Roménia, a Igreja Reformada da Roménia, a Igreja Evangélica C.A. da Roménia, a Igreja Luterana da

Roménia, a Igreja Unitária da Transilvânia, a União das Igrejas Baptistas da Roménia, a Igreja Cristã segundo o Evangelho da Roménia, a Igreja Cristã Adventista do Sétimo Dia da Roménia, a Igreja Evangélica da Roménia, a União Pentecostal, a Igreja Apostólica da Roménia, a Federação das Comunidades Judaicas da Roménia, o Culto Muçulmano e a Organização Religiosa das Testemunhas de Jeová. 3. www.culte.ro/ClientSide/lege_libertate_rel.aspx ou em francês www.culte.ro/Files/Files/Law_489_ 2006.pdf 4, O decreto do Governo nº 26/2000 sobre as Associações e Fundações, aprovada com modificações e complementos pela Lei nº 246/2005. 5. As rectificações feitas na Lei 301/2004 do Código Penal foram publicadas no Moniteur Officiel, nº 303, 1ª parte, de 12 de Abril de 200 6. Decreto do Governo nº 82 de 30 de Agosto de 2001 relativo ao estabelecimento de certas formas de apoio financeiro para as comunidades pertencentes aos cultos religiosos reconhecidos na Roménia, aprovado pela Lei nº 125 de 18 de Março de 2002, art. 3, alín. 1. 7. Código Fiscal, artigo 21 al. 4. 8. Afirmação feita durante a entrevista organizada pelo Ministério da Cultura e dos Cultos com os representantes de todos os Cultos reconhecidos, depois da adopção da Lei sobre a liberdade religiosa e o regime geral dos Cultos.

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