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Jaime Octávio Cardona Ferreira: o Senhor “julgados de paz
Renato Gonçalves
Subdiretor Geral da Política de Justiça
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Em 21 de janeiro de 2012, na cerimónia comemorativa dos 10 anos do Julgado de Paz de Lisboa, pouco antes das 15h00, dirigiu-se a mim um Senhor, de falar eloquente e modo austero como já há poucos, para me transmitir as posições que tinha sobre alguns aspetos do funcionamento dos julgados de paz. Apresentou-se, então, como Presidente do Conselho dos Julgados de Paz, mas foi imediatamente referindo que em boa verdade era juiz do judicial, fazendo logo ressaltar que fora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa.
Ainda assim, sublinhou, acreditava indiscutivelmente nos julgados de paz, enquanto forma de administração de justiça mais próxima dos cidadãos, porque neles se pugna por prestar
um acompanhamento constante aos cidadãos desde a apresentação da questão até à explicação do sentido do ato que põe fim ao litígio, seja este obtido na fase da mediação ou já na fase de julgamento, através de acordo de conciliação ou de decisão de julgamento.
Como conversador que também sou, encontrando-me eu, na altura, enquanto consultor de política legislativa da Direção-Geral da Política de Justiça, a realizar um estudo de avaliação sucessiva sobre a organização e o funcionamento dos julgados de paz, embrenhei-me numa amena discussão sobre temas tão variados como a escassez de recursos afetos aos julgados de paz, fragilidades do modelo de parceria pública/pública em que assenta os julgados de paz, criação de uma instância de
recurso própria, dependência ou autonomia dos julgados de paz face aos tribunais judiciais, causas de patrocínio obrigatório por advogado nos julgados de paz e papel do, então, Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz. E o tempo voou: argumento após argumento, lá nos deixámos ficar na entrada das instalações, a debater de forma animada e com pontos de vista nem sempre coincidentes os julgados de paz.
A partir desse momento, à medida que fui conhecendo o Senhor Conselheiro Cardona Ferreira, o que me foi propiciado pelas funções que mais tarde vim a assumir na DGPJ, posso dizer que nele encontrei quiçá o mais fiel cultor dos julgados de paz em Portugal, arauto sempre presente das maleitas dos julgados de paz, alertando, a cada dia, para a necessidade de se disponibilizarem recursos de toda a ordem para que os julgados de paz pudessem prestar um serviço cada vez melhor aos cidadãos que aos mesmos pretendem recorrer.
Em defesa dos julgados de paz, o Senhor Conselheiro Cardona Ferreira publicou no nosso país a obra de maior fôlego que existe até à presente data sobre estes tribunais, a qual já vai na sua 4.ª edição, funcionando para todos quantos trabalham nos julgados de paz como farol orientador de uma navegação que, pela novidade destes tribunais na época em que vivemos, nem sempre é livre de dificuldades.
Ao longo dos anos, muitas foram as conversas mantidas com o Senhor Conselheiro Cardona Ferreira, partilhando as nossas visões sobre os julgados de paz, algumas das quais discordantes, mas sempre com enorme respeito e acima de tudo, pela minha parte, com a humildade de saber que no Senhor Conselheiro os julgados de paz teriam a todo o passo um defensor apaixonado, que colocou a defesa destes tribunais num estandarte que sempre cuidou de levar por diante.
É, pois, com profunda saudade que escrevo estas linhas de homenagem ao Senhor Conselheiro Cardona Ferreira, em quem tive um parceiro de trabalho cujo lugar, certamente, ficará na história em defesa de uma justiça para todos, luta essa que devemos levar por diante, a cada dia, pois, como diz o poeta: “É preciso acreditar!”.