5 minute read

2.8. Inconclusões

Next Article
5.1.7	Vídeo

5.1.7 Vídeo

2.8. Inconclusões

Fluxo-floema é considerado um divisor de águas na obra de Hilda Hilst. Foi o primeiro livro que a escritora lançou depois de escrever toda a sua obra em poesia e toda a sua obra para teatro.

Advertisement

Muito se fala da trilogia obscena que Hilst escreveu nos anos de 1990, quando ela decidiu escrever pornografia. Porém, pode-se identificar a gênese dessa linguagem em Fluxo-floema de 1970, obra que já trazia uma desordem narrativa, uma total anarquia de referências e de gêneros literários e um erotismo diferente do que é o aceitável e dito normal, características de seu trabalho pornô-erótico.

Em Fluxo-floema Hilda mistura sua poesia e seu teatro na sua prosa. Pode-se dizer que a escritora apresenta uma prosa poética onde o narrador fala com a plateia.

Eliane Robert Moraes21 afirma ser uma prosa degenerada, ou seja, relativa a uma genética indefinida onde a construção da imagem do corpo transita por imagens múltiplas e quase sempre antagônicas. Como na passagem onde a escritora coloca a imagem de uma linda adolescente, magrinha, deitada ao lado, declamando um poema que fala sobre lobos enquanto mexe nos cabelos, ao lado de um personagem seco como um cipó que retorce suas vísceras a fim de extrair seu excremento.

Eliane fala de um contato inesperado entre pólos opostos, associando"metafísica à putaria das grossas". Genet, Prust, Santa Tereza D'Ávila, Gertrudes Stein, Guide, sãocitadosao lado de outros nomes célebres, enquanto os personagens se entregam à praticas sexuais grotescas, violência extrema, humilhações e abjeções, e ondenão faltam o assassinato ou o sexo com animais. São exemplos que mostram como a prosa hilstianapensa,através do grotesco e do abjeto,a representação de umcorpo fragmentado na iminência do caos.

21 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/resenha/rs1005200308.htm>

CAPÍTULO 3 - IBERÊ CAMARGO: O CORPO TRÁGICO

No final da década de 1970, Iberê viu-se profundamente tocado por questões existenciais. Declarando suas fortes ligações com suas raízes, com o desejo de voltar "ao seu pátio", reafirmando que era onde se sentia no colo da mãe, Iberê manifesta o desejo de retornar ao Rio Grande do Sul. Já em 1967 declara em carta ao escultor Xico Stockinger: "o Rio é uma cidade inumana, inabitável. Nada funciona. Vivo trancado no atelier, evito até colegas."(CAMARGO in BERG, 1985, p. 28)

Em uma carta Iberê relata sua preocupação com a segurança, e diz que está cursando uma academia de tiro ao alvo. Compra uma pistola Magnum e passa a andar armado. Em 1979 escreve a seu amigo Zoila que "No Rio a vida está insuportável. A polícia mostra-se impotente para reprimir o crime que anda solto pelas ruas. Às vezes o povo explode e faz justiça com as próprias mãos."(CAMARGO in BERG, 1985, p. 28)

Como relata Evelyn Berg em artigo Iberê: Medida de espessura:

No dia 5 de dezembro de 1980, segundo consta nos autos do processo então instaurado, no incidente de rua perto de seu atelier no Rio de Janeiro, Iberê é agredido e mata a tiros seu agressor, sendo preso em flagrante, inicialmente em Benfica e depois no Regimento Caetano de Faria. Defendido pelos advogados Evandro e Tércio Lins e Silva, foi absolvido liminarmente em sentença confirmada pelo tribunal de justiça, sendo reconhecida a tese de legítima defesa arguida por seus advogados. O juiz Sérgio Verani, autor da sentença absolutória, cita Guimarães Rosa no prefácio da mesma: "O maior direito que é meu - o que eu quero e sobrequero -é queninguém tem o direito de fazer medo em mim." Iberêé liberado a 30 de janeiro de 1981. (BERG, 1985, p. 28)

Iberê protagonizou a tragédia que marcou sua obra e sua vida. Em uma matéria na revista Isto É, o críticoOlívio Tavares de Araújo escreve:

Parece-me hipócrita ou ingênuo pretenderque depois disso seja possível olhar para a obra desse grande mestre da pintura brasileira com os mesmos olhos. No mínimo, saber que Iberê chegou a tal paroxismo põe em relevo a complexidade mental que está por trás de sua criação e lança novos contornos sobre seu universo estilístico, sempre sombrio e atormentado. Por outro lado, partindo do princípio de que toda

arte é um ato de humanismo e amor à vida (mas até, é um bolsão de resistência da própria vida, um esforço de negação da entropia), a tragédia de Iberê causa particular perplexidade e sofrimento. Que bicho infeliz e imperfeito é o homem - e que terrível a sua circunstância! Mas, também, que bicho imprevisível e imenso. Num poema comovente, escrevia o português Miguel Torga: "E apesar de tudo sou ainda um homem / um bípede com sala e sentimentos." Pode ser, no caso de Iberê: ainda com grandeza e talento (...) de todos os abstracionistas brasileiros do tipo informal ou gestual, Iberê foi sempre o mais vigoroso, visceral e convincente. (ARAÚJO, 1985, p. 30)

A respeito da tragédiao pintorpresta o seguinte depoimento:

A vida do pintor é a vida do homem. Um dia a vida do homem-pintor foi sacudida pelos ventos da desgraça. Ferido, conheci o amor e ódio, avaliei a infinita capacidade humana do sublime e do sórdido. Caminhei por caminhos ásperos sem outra luz que a da minha consciência. Neste transe conheci e amei mais os meus amigos. Ao longe ouvi o bramir das ameaças. Hoje sou diferente, não mais aquele que conhecia porque lhe haviam ensinado. Tenho a minha própria experiência, experiência que marca, que é carne e sangue. A hora da desdita galvanizou-me o caráter. Fiz-me rijo como o homem que enfrenta o temporal, o vento. (...) Neste momento de consciência, cessam as contradições. O que importa é o mundo do artista, que é um mundo do homem. Sinto-me seguro, porque vivo no meu mundo. Não estou no mundo dos outros. Isso é meu. Pode não agradar, mas é a expressão do meu mundo. O resto não importa. Sou eu. (CAMARGO in BERG, 1985, p. 29)

O ano de 1980 é uma data peculiar na carreira de Iberê Camargo. Para muitos críticos, é considerado um divisor de águas que marca a volta do pintor à figuração. Nessa época retorna com a esposa Maria do Rio de Janeiro, onde moravam, para Porto Alegre. Se instalam em um sobrado e ao fundo o atelier onde Iberê continua seu embate com a tela e as tintas.

Mas a partir de então começou outro momento na obra do artista, que conforme sua descrição tingiu-se de sangue e dor. Ele retomou a pintura em grandes formatos, e a figura humana ressurgiu em sua obra de modo urgente. (RIBEIRO, 2013, p.26)

Apesar de Camargo fazerpinturas e desenhos abstratos, seu trabalho evidenciava a corporeidade na matéria espessa de tinta óleo, e indicava o corpo do artista em largas pinceladas e manchas. Em depoimento à Icleia Cattani, o pintor ressalta a

This article is from: