6 minute read
entrevista Miguel Carrasqueira Baptista
from BlueAuto#31
by Blueauto
Advertisement
Especialista em Lei Fiscal e em Administração de Empresas, Miguel Carrasqueira Baptista é Diretor de Fiscalidade no Banco BPI. Confesso apaixonado pela indústria automóvel, o nosso entrevistado deste mês foi um dos oradores no recente “ON Mobility”, evento online no qual abordou o tema das vantagens fiscais para as empresas da adoção de veículos elétricos nas suas frotas...
Para uma empresa, quais são as grandes vantagens em termos fiscais de adquirir um veículo elétrico? Um veículo que seja 100% elétrico é a única forma verdadeiramente eficiente do ponto de vista fiscal de detenção de um veículo para as frotas das empresas. Não só o limite fiscal das amortizações para efeitos de IRC é o maior existente (62.500€), como o IVA da aquisição se torna dedutível se o custo de aqui sição da viatura se compreender no mesmo montante e, também muito relevante, todos os custos associados a esses veículos (amortizações, portagens, combustíveis, manutenção, seguros, etc.) não estão sujeitos à tributação autónoma – que para quem não sabe é um tipo de IRC pago pelas empresas não só em anos em que tenham lucros, mas ainda por cima agrava do em exercícios em que as empresas apresentem prejuízos.
E se for um veículo híbrido, a que benefícios fiscais pode uma empresa aceder? Relativamente aos híbridos plug-in, o limite do custo de aquisi ção acima referido para efeitos de amortização e de dedução do IVA baixa para 50.000€ (ainda assim muito superior ao custo das viaturas convencionais), sendo que passa a haver tributação autónoma, embora mais vantajosa que para as viaturas convencionais (p.e. numa viatura com custo superior a 35.000€ a taxa de tributação autónoma é metade: 17,5% vs 35%).
A partir deste ano passa também a ser possível deduzir a 100% o IVA da eletricidade para carregar um veículo elétrico, certo? Afirmativo. Rigorosamente, não existiam decisões dos tribu nais sobre a matéria, mas havia uma interpretação da Autoridade Tributária que o impossibilitava. Isto é, como a lei não
o previa expressamente, nada impedia os contribuintes de, se necessário fosse, disputar em tribunal esta interpretação da AT, até porque para a mesma os veículos elétricos eram veículos a combustão, o que não parece corresponder à realidade. Mas agora, com a Lei do Orçamento do Estado para 2020, a questão fica completamente clara que é possível deduzir-se esse IVA.
Se juntarmos a esses benefícios fiscais o incentivo estatal pela introdução no consumo de veículos zero-emissões bem como o menor custo de utilização e as mais-valias ecológicas, o cenário parece perfeito... Assim sendo, em seu entender o que poderá inibir ainda uma empresa a optar por veículos elétricos para a sua frota? Embora não seja especialista em frotas, penso que o maior receio é mesmo o custo de adaptação das infraestruturas (a maior parte das instalações/garagens das empresas ainda não estão preparadas para o efeito), bem como o teste de durabi lidade do equipamento/baterias. Por último, e não menos importante, cito o risco de manutenção do enquadramento fiscal (favorável) vigente.
Em termos de financiamento (por partes do sistema bancário ou outras instituições de crédito) para a aquisição, leasing ou renting de viaturas, há já algum tipo de condição preferencial se se tratar de um veículo elétrico, ou de diferenciação face a um veículo a combustão? Confirmo que as marcas automóveis estão a fazer protocolos preferenciais de financiamento, sendo que, porque conheço bem, não posso deixar de citar um protocolo muito benéfico para os clientes entre a Tesla e o Banco BPI.
Tornar os benefícios fiscais hoje previstos para os veículos elétricos em direitos adquiridos para quem neles investe, de modo a tornar esse investimento muito mais robusto e seguro... A sugestão é sua e foi feita no recente evento “ON Mobility Online”. Quer explicar melhor essa sugestão aos nossos leitores? Sim, conforme há pouco salientei, há o risco de este enquadra mento fiscal favorável das viaturas elétricas ser alterado, esbatendo as vantagens face às viaturas convencionais (o que poderá ser particularmente conveniente ao Estado em alturas de maior aperto orçamental, conforme as que se avizinham). Pelo que uma forma de contornar esse risco seria o enquadramento destes incentivos fiscais como verdadeiros benefícios fiscais (no limite prevendo-os no Estatuto dos Benefícios Fiscais), de modo que, existindo uma alteração legislativa, esta só pudes se produzir efeitos para direitos ainda não adquiridos. Ou seja, por esta via, se o Estado quisesse alterar a tributação das viaturas elétricas, só o poderia fazer para as viaturas adquiridas a partir da data da alteração legal e não, como acontece hoje em dia, para todas as viaturas elétricas em circulação.
O setor automóvel é tradicionalmente um grande contribuinte fiscal. Com a mudança de paradigma agora em curso na mobilidade automóvel, através da transição energética de carros a combustão para carros eletrificados, esta questão é obrigatória: como acha que no futuro o Estado irá passar a tributar os veículos elétricos de modo a não perder a receita fiscal que hoje incide sobre os automóveis a combustão? É, como se costuma dizer, o elefante no meio da loja de cris tais. Por um lado, até para não ser penalizado via sanções pre-
vistas nos acordos internacionais de limitação da emissão de gases poluentes, o Estado tem todo o interesse em incentivar as viaturas elétricas, pelo que não as deveria “orçamentalmente” penalizar. Mas por outro, como refere, perdendo-se a receita fiscal derivada das viaturas convencionais, o Orçamento do Estado terá de ser equilibrado por alguma forma. Talvez a “internet das coisas” e a inteligência artificial permitam eventualmente introduzir uma tributação sobre a utilização efetiva das viaturas, privilegiando-se o vetor do utilizador/pagador (o que só poderá ocorrer com concomitante introdução de transportes públicos verdadeiramente alternativos à utilização das viaturas individuais).
Em seu entender, que eventual incentivo adicional ou medida de discriminação positiva dos veículos elétricos a nossa fiscalidade poderia/deveria também prever de modo a apoiar ainda mais decisivamente essa transição? Penso que, face ao estado da arte, se poderia rever ainda um pouco em alta os limites fiscais das amortizações/de dução do IVA para estas viaturas para valores próximos dos 80/100.000€, para que quase todas elas tivessem cabimento nos referidos limites. Com a massificação previsível do mercado de elétricos e com a introdução de mais viaturas a custos reduzidos, poderia depois vir outra vez a baixar-se os referidos limites.
No sentido inverso, e numa altura em que se fala cada vez mais em limites de emissões e restrições à circulação de carros a combustão, acha que a carga fiscal sobre os veículos até aqui tradicionais (a combustão) poderá ter
tendência a tornar-se ainda mais pesada, de modo a inibir a sua utilização? Embora perceba o raciocínio, penso que a tributação sobre os veículos a combustão já é de tal forma alta, que haverá pouco espaço para significativos aumentos. Penso que o legislador irá operar mais na vertente da pura e simples limitação da cir culação de veículos que ultrapassem determinadas emissões.
Sendo um especialista em fiscalidade, mas ao mesmo tempo confesso apaixonado pela indústria automóvel e em particular pelos veículos a combustão, qual seria hoje a sua escolha: um veículo a combustão ou um elétrico? Os veículos elétricos já estão a atingir um estado de evolução de tal forma elevado (a que se somam as citadas vantagens fiscais) que a escolha necessariamente terá de passar pelos elétricos (quer sejam elétricos de carregamento, quer sejam a hidrogénio). Os carros a combustão vão passar a ser verdadei ramente veículos vintage de fim de semana, para uns quantos petrolheads. n