Por Lizânia Castro
O sonho de L Acho que eram duas, não… três, não... acho que eram cinco da manhã. Isso, cinco da manhã! Estava inquieta e não conseguia dormir de forma alguma. Aquele pensamento ecoava na minha cabeça o tempo inteiro, ora vinha, ora retornava, mas estava sempre ali. Aliso ou deixo cacheado? Nunca fui corajosa o suficiente para mexer no meu cabelo. Mudar algo que essencialmente está atrelado a mim, desde os meus primeiros segundos de vida, era realmente uma questão que demandava bastante reflexão. Pelo menos era o que eu pensava na época. Fiquei com isso na mente por bastante tempo, não só naquela noite. Acredito que pensava nisso todos os dias, de forma inconsciente, pela baixa autoestima que em mim habitava. Mesmo os elogios, eu sentia, bem no fundo, mas não tão fundo assim, que aquilo não era verdade. Que faziam comentários para me agradar, para que não fossem taxados de preconceituosos ou mesmo racistas. Acho que de tanto isso acontecer, passei a ter essa concepção. Cresci vendo as pessoas ao meu redor alisarem seus cabelos porque a sociedade não permitia que elas fossem elas próprias. Como competir contra isso? Como competir contra todo um sistema? Foi aí que percebi que eu era muito corajosa por nunca ter mexido no meu cabelo. Corrigindo… ainda sou muito corajosa por nunca ter me deixado vencer pela maioria e não ter abaixado a cabeça diante disso. Sofri muito? Claro que sofri, me arrisco a dizer que grandes escolhas demandam grandes sacrifícios, mas não me deixei abater. Claro que houve noites, e também dias, que aquilo me deixava para baixo, embora sempre com um sorriso no rosto e uma ideologia em mente, havia momentos em que isso não era o suficiente. No entanto, cá estou eu ainda com cachos e de forma alguma infeliz. Não condeno quem quer ter cabelo liso, e muito menos condeno quem não acha cachos lindos, só penso que as pessoas deveriam ter muito mais conhecimento sobre a história de seu povo e que entendessem que cabelo não deveria ser fator de segregação ou qualquer outro aspecto de caráter estético. Sonho em um dia poder me sentir livre de verdade, como nunca antes, a ponto de ir a qualquer lugar e nunca ter que me sentir desconfortável. Sonho ou ilusão? Claro que a opinião não é singular e que onde quer que eu vá haverá pessoas que não gostarão de mim simplesmente por esse fator, ou pela cor da minha pele, pelo meu sotaque ou meu jeito de ser, afinal de contas, não podemos agradar a todos. No entanto, almejo fielmente que o mundo mude e possa se tornar um lugar mais acolhedor. Espero não estar sonhando demais.
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