Por Júlia Carvalho
Soberania Capilar Darcy Ribeiro afirma em sua obra O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, que o racismo construiu seus alicerces no país no momento em que a colonização europeia impôs seus os hábitos culturais, religiosos, sociais, políticos, entre outros. Essa dinâmica também opera no que diz respeito aos padrões de beleza, embora já sejam invasivos e opressores o suficiente, são alicerçados em concepções exclusivamente eurocêntricas. Esse padrão, é claro, privilegia a aparência caucasiana, marginalizando qualquer outro que não se encaixe. É daí que surgem as associações negativas aos cabelos crespos e cacheados, são comumente chamados de “cabelo duro”, “cabelo ruim”, “cabelo de fuá”, “cabelo de bicho”. Esses termos depreciativos acompanharam a infância de muitas crianças que não reconheciam a si próprias, novamente consequência da nossa estrutura social que cresceu em um solo preconceituoso e que contribuiu para que as mães, por exemplo, alisassem as madeixas das filhas e sempre raspasse a cabeça dos filhos, a fim de evitar futuros sofrimentos. Longe de culpabilizar as mães, também vítimas, é preciso voltar o olhar para a representatividade que nos rodeia. E o fato é que a representatividade dos cabelos crespos e cacheados é nula, parcialmente nula, se levarmos em conta as proporções que essas questões já tomaram nos dias atuais, mas aqui não convém ‘’amenizar’’ o racismo, que dita o que é belo ou não. O mais indignante talvez seja provar isso de forma simples, basta pesquisar no Google uma das linhas mais famosas e excludentes de bonecas e bonecos, a Barbie. Instantaneamente, a pesquisa nas imagens nos mostra magreza, branquitude, olhos claros e cabelos lisos. Então, como explicar para um garotinho negro que sua textura capilar não é errada, muito menos feia? Segundo o Relatório de Igualdade Capilar de 2019 — enfatizo aqui a atualidade do estudo — realizado pela organização World Afro Day, 41% das crianças com mechas afros já quiseram alisá-las e o principal motivo era não sentir pertencimento no ambiente escolar. Se sentir representado, sem dúvidas, é fundamental. Sem contar que, a discussão fica ainda mais complexa tratando-se das mulheres negras. Além de lidarem com as imposições do machismo e sexismo, se submetem aos métodos cosméticos, como o alisamento químico, com o objetivo de se aproximar da estética branca, o que por si só já escancara grande parte do que há de errado na sociedade. Se essa concepção não fosse internalizada desde meninas, não teríamos hoje tantas mulheres passando pela transição capilar. No entanto, essa realidade traz esperança para a exaltação do que por tanto tempo foi reduzido ao subalterno. O questionamento acerca da própria imagem é o primeiro passo para ir contra uma imposição hegemônica, quando negros se apoderam do seu cabelo e o assumem natural, essa ação
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