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A COVID-19: FORTE CATALISADOR DE MUDANÇA NAS POLÍTICAS INDUSTRIAIS

As políticas de curto-prazo em curso destinam-se a preservar empresas, empregos e rendimentos, atuando do lado da procura e da oferta. Contudo, a Covid-19 tornou-se um poderoso catalisador de mudança de longo-prazo. Os elementos estruturantes desta mudança são prévios à pandemia e os planos para a sua implementação não nasceram de um dia para o outro e podem corresponder a uma “verdadeira mudança de paradigma”. Ambos refletem impulsos poderosos nos domínios geoestratégico, político, económico e social, latentes ou em curso, que foram agora acelerados pela pandemia. Os volumes financeiros divulgados quer na Alemanha, quer ao nível da Comissão Europeia são fortes sinais exemplificadores dessa importância.

// A China como oponente estratégico

Impulsionada no início do século com a adesão às regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), a China exibiu um espetacular desenvolvimento através de uma industrialização orientada para a exportação. Entramos agora numa nova fase. Os problemas criados pela forma como o país geriu a pandemia e a perceção de dependência médico-sanitária da China em bens, que embora de baixa ou média tecnologia, eram determinantes no combate de vida ou de morte à pandemia, veio criar um ambiente comunicacional e político propício à aceleração destas mudanças.

A relação da União Europeia com a China evoluiu de uma parceria estratégica para a visão de um concorrente económico em busca de liderança tecnológica, de um rival sistémico que promove modelos alternativos de governança. Há um ano, a UE devia “procurar vigorosamente condições mais equilibradas e recíprocas que governem as relações económicas” com a China. Atualmente, “deveríamos evitar a dependência excessiva em sectores estratégicos construindo stocks de materiais críticos. Também precisamos de reduzir e de diversificar as nossas cadeias de fornecedores”. Ou, nas palavras da ministra alemã Christine Lambrecht, “é imperativo proteger a estrutura económica do nosso país durante a crise e impedir a venda ou a dissolução de empresas importantes”. Esta linha inclui ainda a discussão sobre a criação de campeões europeus em sectores em que a escala é fundamental para manter a capacidade de competição com a China, como no caso da fusão Siemens-Alstom no domínio do material circulante e dos sistemas de sinalização.

Para os EUA, a China é um rival que desafia a liderança americana e passou a ser objeto de contenção em todos os domínios: segurança, economia, tecnologia e governança, quer no âmbito das relações internacionais, quer nos modelos nacionais de governo. A guerra comercial dos últimos anos deve ser integrada nesta combinação de instrumentos de contenção. Esta perspetiva não sofrerá alterações nos fundamentos-base numa próxima presidência, qualquer que seja o protagonista.

// Uma nova política industrial

No ocidente, as políticas industriais continuaram presentes embora com designações como indústria 4.0, internet das coisas ou digitalização. E, no entanto, permanecem fatores de insatisfação que se tornaram mais evidentes nos últimos anos: mal-estar nos mercados de trabalho; dificuldades na criação de emprego qualificado na indústria e em serviços associados; dinâmicas de crescimento baixas; ritmos insuficientes na transformação produtiva; reduzidos ganhos de produtividade; transformação dos sistemas políticos, com a emergência de nacionalismos e de populismos parcialmente associados a esta insatisfação.

Contudo, as perspetivas europeia e chinesa da política industrial têm sido opostas. A europeia foi caracterizada pela sua natureza horizontal assente na criação de enquadramentos favoráveis à inovação, sem promover escolhas tecnológicas, com uma abordagem abrangente que inclui produção e serviços associados. A chinesa desenvolveu-se de forma vertical através da escolha pelo Estado de indústrias e de tecnologias específicas a promover. Esta perspetiva chinesa associada a um stock monetário elevado impulsionou políticas agressivas de aquisição de empresas no estrangeiro, que são objeto de crescente oposição.

É muito improvável que uma política industrial europeia retorne a uma visão top-down de escolhas políticas direcionadas, como aliás as críticas ao documento do ministro alemão demonstraram. Isto significa que tudo será feito para acomodar iniciativas como a publicitada pela Alemanha, com seu pacote de EUR 600 mil milhões, na lógica dos instrumentos políticos europeus em implementação.

E, no entanto, algo vai mudar no papel das políticas públicas. A implementação de uma política industrial só por si implica o desenvolvimento de uma maior autonomia estratégica da Europa, reivindicada ao longo dos anos por intervenientes-chave. Contudo, esta abordagem será insuficiente sem uma intervenção mais incisiva na correção de práticas predatórias externas direcionadas para o acesso a tecnologias, nos novos equilíbrios na avaliação das práticas de responsabilidade social e sustentabilidade de Estados e empresas presentes no comércio internacional, num reforço das iniciativas para trazer de volta mais produção industrial ou para diversificar cadeias de fornecimento.

// Europa: as transições gémeas e os instrumentos de regulação internacional “

"A Europa sempre foi a casa da indústria. Durante séculos, foi pioneira na inovação industrial e ajudou a melhorar a maneira como as pessoas em todo o mundo produzem, consomem e fazem negócios" . As grandes linhas da política industrial da atual Comissão Europeia organizam-se em torno de duas transições gémeas: a ecológica e a digital. A Europa deverá aprofundar a abordagem circular na produção e transformar a localização (europeia) numa oportunidade para trazer mais produção industrial de volta à UE em alguns sectores...

José Ferro Camacho* * Professor de Economia e Gestão no IADE – Universidade Europeia

Leia o artigo completo na versão digital da revista O MOLDE, disponível em www.cefamol.pt.

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