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Pode-se defender a coragem?

Francis Wolff

A coragem é uma estranha virtude. Pode-se mesmo perguntar por que é considerada como uma virtude. Ela tem três características que, a priori, não a tornam simpática. É a virtude do soldado e mesmo do guerreiro. É valorizada nas sociedades militaristas ou aristocráticas nas quais o poder pertence ao exército ou à nobreza de espada. Por trás de toda apologia da coragem há uma defesa da ética do combatente. Mesmo quando se referem à coragem daquele ou daquela que enfrenta serenamente, sem se queixar, o sofrimento da doença ou as agruras da agonia, é em nome da defesa do “belo combate”. Por oposição, como não compreender e até admirar aqueles soldados acusados de covardia que, em 1917, no exército francês, se amotinaram nas trincheiras gritando “abaixo a guerra!”? É uma virtude virilista. Coragem se diz, em grego, andreia, ou seja, “virilidade”. Ela está associada a uma ideologia que exacerba valores masculinos, o poder, o controle, a dureza – donde se deduz a condenação de qualquer fraqueza ou incapacidade: um homem de verdade não chora, não se deixa dominar por sentimentos, sob pena de passar por “maricas” ou “veado”. Essa ética é que rege o culto da honra nas máfias ou em certas sociedades mediterrâneas, e está na origem dos crimes ditos “passionais”, que na maioria das vezes são feminicídios.

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É, enfim, uma virtude que privilegia as aparências em vez da realidade. Ser corajoso não traz benefício nem a si próprio nem aos outros. Nem a si próprio, porque a coragem implica geralmente o sacrifício de si, de seus interesses, de sua conservação imediata. Nem tampouco aos outros, porque em geral o corajoso se apega menos às consequências boas ou más que seus atos poderiam ter sobre outrem ou sobre o mundo, do que aos efeitos bons ou maus que eles têm sobre sua própria imagem aos olhos de outrem e do mundo.

O corajoso quer brilhar antes de tudo! Sem testemunha não há coragem. Haveria necessidade, vontade ou razões de ser corajoso numa ilha deserta?

Por oposição, a conduta covarde é vista muitas vezes como uma conduta razoável.

Por que então a covardia é sempre desvalorizada e considerada como desonrosa pelos que nos cercam ou pela sociedade? Por que é desconsiderada pelo sujeito mesmo que interioriza a imagem que oferece de si a outrem?

De onde vem a boa reputação da coragem e a má reputação da covardia? E como defender essa estranha virtude que parece gratuita e que se chama a coragem?

(tradução Paulo Neves)

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